quarta-feira, maio 08, 2024

Habitação e Cidade de Interesse Social em Portugal; mais algumas opiniões – Infohabitar # 900

Ligação direta a documento pdf com links para 888 artigos e 39 temas do Infohabitar :

https://drive.google.com/file/d/1zUJ1nEuWwaaA6KEXQ9XXdWMwFE3C8cJY/view?usp=sharing

 

Habitação e Cidade de Interesse Social em Portugal; mais algumas opiniões – Infohabitar # 900

Infohabitar, Ano XX, n.º 900

Edição: quarta-feira, 08 de maio de 2024 

 

Atualidades: Notícias do 5.º CIHEL

Foi concluída a fase de receção de resumos com com propostas de artigos a submeter ao 5.º CIHEL; e todos os autores já receberam a respetiva análise pela Comissão Científica (CC) do congresso; salientando-se, desde já, a qualidade global dos mesmos.

Chama-se a atenção dos autores e potenciais inscritos para a recente e sensível redução dos custos de inscrição no 5.º CIHEL, possibilitada por apoios obtidos para o congresso e que está já divulgada no site do congresso.

Chama-se também a atenção para a relação que o 5.o CIHEL já tem com uma revista científica internacional onde poderão ser editados algumas das suas comunicações em número específico (ver site do congresso) e a possibilidade de poder uma relação privilegiada com uma outra importante revista editada em Portugal.

Globalmente podemos apontar o elevado número, a qualidade e o interesse das propostas de comunicações enviadas, ainda sob forma de resumos, e que antecipam um excelente 5CIHEL, ao nível das anteriores quatro edições.

Aproveita-se, desde já, para salientar aos autores que na fase, agora iniciada, de elaboração das comunicações deverão ser cumpridas com rigor as indicações relativas ao respetivo template – disponível no site do 5CIHEL – sendo que o próprio resumo deverá ser adequadamente revisto tendo-se em conta o cumprimento rigoroso do respetivo template em termos formais/de apresentação, de legibilidade da temática abordada e de representatividade do texto do resumo relativamente à respetiva comunicação, tendo-se em conta que ele integrará a prevista edição em papel das atas – prevendo-se que os respetivos textos completos serão disponibilizados em outro suporte, a considerar (ex., drive ou na WWW); será, portanto o resumo revisto e complementado na fase de entrega da comunicação que irá sintetizar e representar o trabalho de cada autor e portanto deverá ser adequadamente elaborado.

A Comissão Científica do 5CIHEL

Fernando Pinho

António Baptista Coelho


 
Cartaz do 5.o CIHEL, a atualizar brevemente com todas as entidades que o apoiam.

Editorial

Caros leitores da Infohabitar,

Estamos a ultrapassar a barreira dos 900 artigos, o que é realmente um número interessante; e sem duvida que há cerca de 19 anos e alguns meses nunca imaginámos aqui chegar, mas fomos editando semana a semana e o resultado aqui está: obrigado a todos aqueles mais de 100 autores que aqui escreveram e aos muitos leitores, mais de um milhão e meio da nossa Infohabitar, bem-hajam! Aproveita-se para referir que embora o presente ano editorial vá ser naturalmente marcado pelo apoio ao 5.o CIHEL e iniciativas a ele ligadas, iremos procurar redinamizar a Infohabitar no âmbito da renovação que está a acontecer no GHabitar.

Com o presente artigo continuamos a abordar especificamente a temática habitacional e designadamente as matérias ligadas à habitação “para o maior número”, com um artigo dedicado ao que se fez e neste caso muito especialmente ao que ainda falta fazer na habitação de interesse social portuguesa.

E de certo modo um artigo que remete para todo um trabalho sobre o tema que foi recentemente aqui editado no Infohabitar e que consta da bibliografia anexa ao presente artigo; e em breve teremos mais notícias sobre iniciativas de um GHabitar renovado nesta tão vital área temática.

Informa-se que a matéria editorial ligada ao estudo da habitação intergeracional participada está agora suspensa, em princípio, mais algumas semanas, mas será retomada retomada numa fase que se julga muito interessante de síntese e de divulgação de bases editoriais e de referência de soluções e casos habitacionais intergeracionais.

Recorda-se que serão sempre muito bem-vindas eventuais ideias comentadas sobre os artigos aqui editados e propostas de novos artigos (a enviar, ao meu cuidado, para abc.infohabitar@gmail.com).

Com as melhores saudações a todos os caros leitores,     

Olivais Norte/Encarnação, Lisboa e Casa das Vinte, Casais de Baixo, Azambuja, entre 6 e 8 de maio de 2024

António Baptista Coelho, Editor da Infohabitar


Habitação e Cidade de Interesse Social em Portugal; mais algumas opiniões – Infohabitar # 900

António Baptista Coelho

António Baptista Coelho (texto e imagens)

 

Tal como aconteceu quando precisámos de fazer o Realojamento de “Barracas e Casas Abarracadas”, a necessidade de proporcionar habitação e cidade condignas e com urgência, Cidade e Habitação Interesse Social (CHIS), tem de marcar as exigências oficiais que devem garantir esta condição.

E julga-se importante sublinhar este conceito de Cidade e Habitação Interesse Social como elemento fundamental das novas intervenções.

Neste sentido importa refletir, muito, sobre as lições que se retiram da muita “habitação de interesse social” que fizemos em Portugal, nos tempos mais próximos – quarto de século entre cerca de 1980/4 e cerca de 2005/10 – no âmbito da 2.ª Escola da HIS Portuguesa com o Instituto Nacional de Habitação (INH)/IHRU,  a Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE, um importante grupo de municípios e algumas empresas privadas, por haver aqui realidades bastante “replicáveis”, porque temporalmente próximas; mas também não esquecer uma série de aspetos de qualidade arquitetónica e urbana e de apurada qualidade projectual edificada e exterior do que de muito bem se fez na 1.ª Escola da HIS Portuguesa, com as Habitações Económicas da Federação de Caixas de Previdência, num outro quarto de século, entre cerca de 1945 e 1970.

Uma questão básica a ter em conta nesta problemática do bem fazer a HIS que falta, e não é pouca, é que, em primeiro lugar,  temos de pensar em fazer habitação, mas também partes de cidade, de interesse social, pois nem uma adequada solução habitacional terá êxito se mal integrada ou até desterrada em termos urbanos, nem uma boa localização urbana vencerá em termos de satisfação e integração urbana, quando mal desenvolvida e pormenorizada no que se refere ao seu partido arquitectónico e vivencial.

E no âmbito da mesma problemática do bem fazer a HIS que falta, há que acudir às necessidades relativamente correntes que conhecemos e com as quais estamos razoavelmente habituados a dialogar em termos de oferta de soluções de habitar, mas também estamos obrigados a pensar nas novas necessidades residenciais e urbanas hoje bem vivas e críticas entre as quais é de enorme e urgente importância um habitar com apoios de serviços, e  mais dedicado quer às pessoas mais fragilizadas, quer a uma nova maneira de viver a família e cidade, mais focada em pessoas que vivem sós, mas com um bom potencia de vivência em grupos de vizinhança condominial e numa forte ligação com a vida da cidade; e sempre, sempre em integração natural com outros agregados familiares (ainda que numa integração devidamente regulada); e já agora, talvez seja altura de abordar finalmente a sério os melhores caminhos de resposta residencial para grupos socioculturais específicos, retirando ensinamentos concretos de muitas das soluções já aplicadas e habitadas há bastante tempo.

E no que se refere ao referido habitar com apoio de serviços e com uma significativa componde de convívio perfeitamente natural, tão adequado às tantas pessoas mais idosas que marcam a atual evolução etária portuguesa - e que teve e terá grande desenvolvimento editorial aqui na Infohabitar no âmbito do Programa de Habitação Adaptável Intergeracional Cooperativa a Custos Controlados (PHAI3C) desenvolvido em grande número de recentes artigos (ano de 2023) - importa sublinhar dois aspetos: que se deve tratar de uma nova modalidade de HIS Portuguesa, em que se associam intimamente e sinergeticamente os apoios habitacionais, de bem-estar saúde e sociais com evidentes ganhos mútuos e com um essencial resultado reforçado no bem-estar e mesmo numa esperança de vida realmente mais vitalizada e socializada, num combate sem tréguas ao atual flagelo da solidão e do desinteresse que contagiam tantos idosos encurtando-lhes uma vida verdadeira; e que esta nova modalidade de HIS Portuguesa poderá proporcionar a natural "libertação" de muitas habilitações com tipologias elevadas, a partir do downsizing ou rightsizing que is respetivos moradores poderão fazer, quando confrontados com a nova e adequada oferta de habitação de interesse social.

E isto tudo, evidentemente, se não quisermos continuar a não ligar ao que de melhor se fez em termos de HIS e ao como se fez, assim como ignorando uma verdadeira prospetiva sobre as necessidades do presente e do futuro, e preferindo, por regra, acertar nas melhores soluções arquitectónicas e residenciais, muito  por acaso, e errar, consecutivamente, na aplicação se soluções de habitat humano que nunca terão verdadeiro sucesso; aplicando ciclicamente uma tábua rasa sem sentido e bem perdulária em termos sociais e financeiros.

Fig. 01: A belíssima escala e o tão simples como “precioso” desenho da banda de pequenos edifícios multifamiliares da primeira fase (120 fogos, 1984) da grande e histórica Cooperativa de Habitação Económica Lar Para Todos, eem Beja, projecto de Raúl Hestnes Ferreira.


E, portanto, se ousarmos tentar fazer uma nova grande tranche de Habitação de Interesse Social Portuguesa (HISP) , que tenha, realmente, potencial de êxito, então, julga-se ser de elementar cuidado que se procure “repetir”, ainda que evidentemente de forma revista/atualizada, o que de melhor se fez, mais recentemente, ou o que de melhor se fez há muito tempo e que proporcionou excelentes resultados sociais e urbanos, por exemplo em termos de integração social e geracional como acontece, em Lisboa, nas ditas “células sociais” de Alvalade e em Olivais Norte; que se procure não repetir o que de mal se fez mais recentemente ou menos recentemente e com péssimos resultados sociais e urbanos, em zonas em que se concentrou realojamento e em edifícios inadequados  - altos e supostamente servidos por ascensores, quando estes funcionam - e que se procure concretizar esta nova tranche de HISP numa perspetiva de respeito pela sua maior eficácia possível, tanto em termos de prazos como em termos da respetiva qualidade vivencial e arquitectónica/urbana,  cumprindo-se, assim, uma sua essencial valia humana e cultural – e esta eficácia tem de ser devidamente preparada tendo-se em conta a experiência havida e as atuais circunstâncias – esta eficácia nunca irá funcionar “por decreto” e através da “velha” e mal sucedida centralização da promoção.

Faz-se, agora, um pequeno intervalo nesta reflexão, apontando-se que estamos a avançar em ideias que apenas aparentemente são menos práticas ou menos ligadas a casos concretos, que é a forma como aqui gostamos de avançar, na ligação direta entre o que se fez, o que se pode vivenciar e visitar e os aspetos que daí podemos retirar para a continuidade da promoção de HISP; afinal, por vezes, temos de “parar” e salientar/focar os aspetos de conceção e de produção habitacional e urbana que realmente importa ter presentes, designadamente, quando, como é o caso, estamos na presença de uma nova e crítica crise devido a uma fortíssima carência de habitação “económica”.

Mas continuando.

Em primeiro lugar não fará qualquer sentido pensar em habitação de interesse social de forma relativamente isolada, mas é sim essencial pensar na melhoria de uma “cidade de interesse social” e na forma como novos conjuntos de “habitação de interesse social” (HIS)  e de equipamentos de vitalização de vizinhanças – exteriores e construídos -  podem contribuir, simultaneamente, para proporcionar HIS a quem não a tem e para melhorar as condições de vizinhança, vitalidade e coesão urbana dos respetivos locais de integração.

Mas estes aspetos não farão sentido quando não considerados numa perspectiva de concretizar, melhorar, reconstituir, completar, revitalizar e assegurar variadas continuidades funcionais (pedonais, rodoviárias e em transportes públicos), e num mosaico de diversificadas vizinhanças bem caraterizadas e qualificadas. Afinal importa aqui lembrar que em 1984 o INH teve como um dos seus principais objetivos, “apenas” procurar garantir o acabamento e a manutenção dos espaços exteriores integrados nos bairros e conjuntos de HIS, pois aconteceu que muitos deles, por alturas do Fundo de Fomento de Habitação, e por variadas razões, foram esquecidos em termos da execução e/ou manutenção dos seus espaços exteriores urbanos, uma situação que ao associar-se, com alguma frequência, a edifícios com alguma dimensão (vertical e/ou horizontal) e por vezes com um desenho arquitectónico repetitivo e talvez pouco estimulante (consideração esta que sei ser criticável, mas que julgo convém registar),  resultou em situações urbanas críticas e que ainda hoje em dia são constatáveis (ex., Chelas/Lisboa, Setúbal/PIA, Zambujal, etc.).

 

Fig.02: O belíssimo bairro bem equipado e vivo da Cooperativa As Sete Bicas, em Matosinhos, projecto de Pedro Ramalho e Luís Ramalho, 1990 (516 habitações)


Um outro aspeto que é essencial é o custo por m2, e mesmo sendo esta uma matéria que pouco domino, mas lembrando opiniões de técnicos muito considerados nesta e em outras áreas da construção e  também a opinião de entidades ligadas às cooperativas de habitação económica e de empresas privadas de construção, nesta problemática parece ser atualmente muito difícil e até “impossível” realizar HIS por menos de cerca de 1500 € / m2, um valor ao qual se juntarmos o custo do terreno infraestruturado e os próprios custos do financiamento parece tornar muito difícil realizar uma “habitação para o maior número”, no excelente conceito referido por Nuno Teotónio Pereira. E sendo assim e visando-se uma significativa redução desses custos para um patamar aceitável, talvez na casa dos 1000 € /m2 , muito provavelmente iremos ter de “excepcionalizar” a construção de HIS, provavelmente evitando-lhe os custos associados ligados, por exemplo, a estacionamentos, revendo a respetiva aplicação do enorme e complexo leque regulamentar aplicável – que aliás deveria ser integralmente revisto e extremamente simplificado no que se refere a toda a construção habitacional –, evidentemente não afetando aspetos, que são  essenciais, como são os ligados ao conforto ambiental e à segurança no uso e contra riscos de incêndio, mas refletindo “desapaixonadamente” sobre todos os outros aspetos que tenham influência direta nos custos de construção; e talvez para eles procurando outras respostas excecionais, muito duráveis e versáteis (ex., reservar pisos térreos a pessoas com condicionamentos na movimentação, e obrigar a um desenho ergonómico e seguro nas escadas comuns).

E nesta matéria é preciso ter verdadeiramente a noção de que edifícios com ascensores produzem situações, frequentemente, com gestão muito difícil e dispendiosa, e tendo, como frequente consequência situações críticas na convivência entre vizinhos e em situações de pessoas idosas praticamente prisioneiras nas suas habitações pois não conseguem usar as escadas e os ascensores estão quase sempre avariados.

Tudo isto e muitos outros aspetos que é possível retirar da gestão diária dos atuais bairros e conjunto de interesse social deveriam ser refletidos no enquadramento projetual e na escolha dos projetos e da respetiva pormenorização do que vai ter de ser feito, rapidamente, em termos de HIS; pois, na prática, julgo que ou assim se faz ou provavelmente quase nada se irá fazer em termos de HIS adequada e duradoura.

 

Fig. 03: A excelente integração num terreno difícil e a racionalização da construção da Cooperativa Massarelos, Porto, 1995, projeto de Francisco Barata e Manuel Fernandes Sá; uma cooperativa que teve raízes numa associação de moradores.


Ainda nesta abordagem talvez mais regulamentar ou recomendativa, importa ter em conta que as “velhas” Recomendações Técnicas de Habitação Social” (RTHS) foram extremamente bem elaboradas em termos de metodologia multidisciplinar e multi-institucional , em termos da sua relação com casos práticos  e ainda na forma como foram “dialogadas” com o corpo técnico e de promotores de habitação.

E julga-se que faz hoje em dia muita falta uma adequada sintetização das RTHS, realizada, com grande urgência, mas aplicando numa idêntica perspectiva metodológica, e considerando novas formas de habitar; as “velhas” e boas RTHS merecem este tipo de respeito e de evolução.

A questão dos terrenos para se fazer a nova HIS é outra matéria que pouco domino, mas no entanto não haja dúvida de que existem muitos pequenos “retalhos” de zonas e grandes zonas urbanas, até, por vezes, muito marcadas por HIS de realojamento, onde será possível e desejável avançar na respetiva  redensificação com introdução de novos conjuntos e/ou edifícios de uma nova HIS, mas feita para um amplo leque de grupos socioculturais e também, porque não, acompanhados por novos conjuntos habitacionais de promoção “livre”; esta possibilidade resulta de considerarmos que os respetivos indicadores de densidade destes terrenos, poderão, frequentemente, ser expressivamente incrementados, numa perspetiva que visa não só integrar novas habitações numa dada zona,  mas também e assim melhorar esta zona redensificando-a, “cerzindo-a”, “reconstituindo-a”, melhorando-a em termos de continuidades urbanas internas e externas, “domesticadas” e “re-humanizadas” e em termos de imagens urbanas e residenciais, e  recompletando-a em termos da integração de equipamentos adequadamente ligados ao habitar (e não dele segregados e constituindo muitas vezes verdadeiras barreiras urbanas, como, por exemplo, atualmente acontece em grandes zonas urbanas de Lisboa, desenvolvidas num tempo em que o planeamento era essencialmente monofuncional e ao serviço do automóvel).

Esta metodologia de cuidadoso preenchimento e alguma redensificação não é nova e já foi usada na melhoria de muitos “bairros sociais” europeus, estando, por vezes, associada a ações de demolição de edifícios pontuais e mesmo de conjuntos considerados muito negativos em termos das respetivas condições residenciais e influências urbanas, e caraterizados como pouco interessantes em termos da sua manutenção e/ou em estado de conservação com intervenção considerada não viável.

Este tipo de cuidados de preenchimento e redensificação urbana liga-se muito bem a uma desejável pequena escala de intervenções, seja em termos do número de fogos em cada conjunto, seja até em termos da altura dos respetivos edifícios. No que se refere a uma desejável dimensão reduzida das intervenções este aspeto favorece a respetiva integração urbana e evidentemente reduz os riscos de pior integração em cada local, tendo sido objetivamente privilegiado pelo INH/IHRU quando da 2.ª Escola de HISP ao longo d um quarto de século; e não haja dúvida que os conjuntos de maior dimensão e que estão hoje em dia em excelentes condições vivenciais são aqueles de promoção cooperativa, onde se associaram adequados aspetos de um projeto arquitectónico muito qualificado com excelentes condições de gestão posterior do conjunto habitado – mas cuidado que esta aliança virtuosa entre excelente arquitectura e excelente gestão não é infelizmente fácil de assegurar, designadamente, ao nível municipal, enquanto ela pouco tem a ver, no que se refere à gestão, com a promoção privada.

Um aspeto essencial em tudo isto, seja na nova intervenção residencial para HIS, seja nas ações de preenchimento e de redensificação, é a necessidade de apenas se considerarem projetos com inegável qualidade, e uma qualidade bem “projetada” em termos, não só de desenho urbano e pormenorizado, mas também de verdadeira satisfação residencial, harmonização com modos de vida e excelente relação com o uso intenso dos espaços e elementos e respetivas condições de gestão e manutenção.

Este é, sem dúvida, um aspeto tão importante como complexo, um aspeto que se julga dever ligar-se, por um lado, especificamente, ao conhecimento e aprendizagem do que de melhor foi feito nas tais duas “Escolas de HIS” portuguesas, por outro lado, a aspetos, sempre sensíveis e discutíveis, ligados ao perfil curricular dos respetivos projetistas (ex., em França os o projetistas com menor currículo/experiência são, frequentemente, dirigidos para conjuntos de HIS com menor dimensão), por outro lado a processos de concurso de projeto bem enquadrados nos seus aspetos avaliativos e práticos, integrando, designadamente, para além de Ordens profissionais, representantes de associações ligadas  às entidades que irão promover, diretamente, os respetivos conjuntos habitacionais.

Finalmente há que referir uma sequência de aspetos ligados ao enquadramento do projeto de arquitectura, começando-se pelo mais geral, que se liga a estarmos a visar um projecto residencial extremamente complexo pois associa a complexidade natural do habitar a uma complexidade específica de um habitar feito com grande economia e desejável durabilidade, sendo esta uma matéria em que o eventual simplismo da abordagem só irá provocar problemas imediatos e futuros, e em que, vice-versa, as melhores e mais “simples” soluções residenciais e urbanas têm, na realidade, um amplo leque de fundamentos técnicos e mesmo artísticos – e tal é bem evidente, por exemplo,  nos excelentes edifícios de Olivais Norte em Lisboa.

Nesta linha de reflexão há que lembrar, por exemplo, as recomendações existentes nas RTHS e relativas a uma desejável uniformidade volumétrica dos edifícios de HIS – condição esta que provavelmente terá hoje em dia de ser reaplicada – , e uma recomendação que, como bem se entenderá, aplicada num mau projecto arquitectónico será extremamente negativa, e então quando ligada a uma economicamente favorável repetição de vãos exteriores, o resultado deste mau projecto será muito muito negativo designadamente em termos de falta de atratividade e mesmo de criação de um estigma, que não queremos que volte, ligado a uma “habitação para pobres”; mas há casos edifícios residenciais com grande uniformidade volumétrica e repetição de vãos que têm grande qualidade arquitectónica e vivencial e até integrando fogos dimensionalmente reduzidos, mas são fruto de excelentes projetos arquitectónicos (e há excelentes exemplos em Olivais Norte).

Ainda uma matéria que importa reequacionar finalmente no âmbito do projecto habitacional em geral e especificamente no de HIS é a sua ligação com a, perdoem-me, espécie de “ideologia” projetual do RGEU que muito bem marcou a época higienista do habitar, há cerca de 100 ANOS LEMBRA-SE, mas que foi logo depois apurada por um racionalismo da “máquina de habitar” simplisticamente recebido por alguns projetistas e por muitos sagazes promotores, e que nunca mais é global e totalmente substituído, e não revisto, saliente-se; e há que lembrar que ainda hoje muita gente dificilmente pensa fora da “caixa” do RGEU, e é urgente fazê-lo, até no âmbito das novas soluções de habitar marcadas por essenciais espaços verdadeiramente comuns.

 

Fig. 04: Integração de arte urbana no extenso conjunto na Ponte da Pedra, Matosinhos (2004), o primeiro empreendimento cooperativo de construção sustentável em Portugal, e que substituiu uma área degradada ocupada por uma fábrica de curtumes, projecto de António Carlos Coelho.


Outro assunto que não domino, mas que é, sem dúvida, essencial numa perspectiva de se fazer boa HISP é a respetiva qualidade construtiva e a aplicação de adequados processos que façam boa construção de forma rápida e adequada à sua posterior manutenção. Uma matéria que terá de ficar para outras abordagens mas onde importa desde já apontar que, por exemplo, em Alvalade/Lisboa, cerca de 1945, milhares de janelas de madeira foram uniformizadas e tiveram pormenorização-tipo encomendada a um amplo conjunto de marcenarias no Norte do País, e que os lances de escada foram boa parte deles prefabricados; podemos também lembrar que os edifícios prefabricados da Icesa estão aí para serem visitados e estão claramente em bom estado e já agora um dos primeiros bairros desta empresa, em Santo António dos Cavaleiros teve um excelente projecto paisagístico e a sua construção foi feita com gruas ao longo de eixos de desenvolvimento bem marcados de modo a ter grande eficácia. Não estou aqui a defender nada em concreto, mas apenas a chamar atenção para talvez ser tempo de deixar de fazer tanto lixo na construção, olhando para como ela se faz noutros cantos da Europa; e para não haver situações caricatas como escolher tampos de cozinha em materiais pouco duráveis quando a pedra “de 2.ª” talvez seja mais barata, e não se fazerem experiências de pormenorização quando os futuros habitantes poderão ter um uso muito intenso e até pouco habitual dos espaços da habitação.

Finalmente, nunca será excessivo lembrar que se o papel das entidades não estatais pode e deve ser produzir soluções de habitação bem diversificadas e adequadas a muitos sítios e programas específicos, o papel do estado e dos municípios será o de enquadrar a respetiva qualidade arquitectónica e vivencial, mas fazendo-o de um modo eficaz.

Caros leitores perdoem eventuais excessos opinativos, mas este conjunto de reflexões bastante informais e ao sabor da tecla, surgiu naturalmente não só das minhas experiências pessoais na área, essencialmente no âmbito da análise e da pós-ocupação habitacional, mas muito a partir do excelente debate acontecido na Ordem dos Arquitectos em 24 de Abril de 2024, a propósito do que se fez em Portugal em termos de Habitação de Interesse Social e do que ainda e sempre faltará fazer.

 

Bibliografia genérica e/ou mais recente sobre habitação de interesse social em Portugal (Nota: os artigos infohabitar têm links diretos para os respetivos textos/imagens):

António Baptista Coelho – INH, Instituto Nacional de Habitação 1984-2004 20 Anos a Promover a Construção de Habitação Social. INH, Lisboa, 456 pp. Ilustrado, ed. Bólingue, 2006 (edição institucional não disponível em livraria)

António Baptista Coelho, Pedro Baptista Coelho – Habitação de Interesse Social em Portugal 1988-2005 – Prefácios de Nuno Teotónio Pereira e Raúl Hestnes Ferreira. Livros Horizonte, Lisboa, 327 pp. ilustrado, 2009.

AAVV – Catálogo interativo Infohabitar em Janeiro de 2024 - https://drive.google.com/file/d/1zUJ1nEuWwaaA6KEXQ9XXdWMwFE3C8cJY/view

Comentários sobre a recente promoção de habitação de interesse social cooperativa em Portugal – infohabitar # 800. António Baptista Coelho – Infohabitar, Ano XVII, n.º 800 – Lisboa, quarta-feira, dezembro, 01, 2021. (5 p., 1 fig.)

Por uma nova “Habitação (de Interesse) Social” com boa Arquitectura – Infohabitar # 785. António Baptista Coelho – Infohabitar, Ano XVII, n.º 785 – Lisboa, terça-feira, julho, 27, 2021. (11 p., 6 fig.)

A propósito dos fogos de Habitação de Interesse Social – infohabitar # 775. António Baptista Coelho – Infohabitar, Ano XVII, n.º 775 – Lisboa, terça-feira, maio, 04, 2021. (17 p., 21 fig.)

A propósito dos edifícios de Habitação de Interesse Social – infohabitar # 774. António Baptista Coelho – Infohabitar, Ano XVII, n.º 774 – Lisboa, terça-feira, abril, 27, 2021. (15 p., 16 fig.)

A propósito das vizinhanças de Habitação de Interesse Social – infohabitar # 773. António Baptista Coelho – Infohabitar, Ano XVII, n.º 7738 – Lisboa, terça-feira, abril, 20, 2021. (12 p., 12 fig.)

Habitação de Interesse Social Portuguesa: passado e futuro (série editorial de oito artigos) – infohabitar # 772. António Baptista Coelho – Infohabitar, Ano XVII, n.º 772 – Lisboa, terça-feira, abril, 06, 2021. (9 p., 4 fig.)

Nova Habitação de Interesse Social Portuguesa:  aspetos a salientar – infohabitar # 771. António Baptista Coelho – Infohabitar, Ano XVII, n.º 771 – Lisboa, terça-feira, março, 30, 2021. (30 p., 25 fig.)

Nova Habitação de Interesse Social Portuguesa: do bairro à habitação – infohabitar # 770. António Baptista Coelho – Infohabitar, Ano XVII, n.º 770 – Lisboa, terça-feira, março, 23, 2021. (31 p., 24 fig.)

Contribuição para a melhoria da nova Habitação de Interesse Social Portuguesa - infohabitar # 769. António Baptista Coelho – Infohabitar, Ano XVII, n.º 769 – Lisboa, terça-feira, março, 16, 2021. (31 p., 18 fig.)

Pequena revisão crítica da última Habitação de Interesse Social Portuguesa; do pequeno bairro ao fogo - infohabitar # 768António Baptista Coelho – Infohabitar, Ano XVII, n.º 768 – Lisboa, terça-feira, março, 09, 2021. (20 p., 8 fig.)

Caracterização geral da promoção de Habitação a Custos Controlados (HCC) apoiada pelo INH/IHRU – infohabitar # 767. António Baptista Coelho – Infohabitar, Ano XVII, n.º 767 – Lisboa, terça-feira, março, 02, 2021. (15 p., 8 fig.)

A propósito dos “anos dourados” das cooperativas de habitação económica, entre 1974 e 1984, ainda antes da criação do INH (série editorial: artigo 3/8) – infohabitar # 765. António Baptista Coelho – Infohabitar, Ano XVII, n.º 765 – Lisboa, terça-feira, fevereiro, 16, 2021. (20 p., 15 fig.)

Pequena viagem pelos cerca de 70 anos de Habitação de Interesse Social Portuguesa (HISP) antes do INH/IHRU (série editorial: artigo 2/8) – infohabitar # 764. António Baptista Coelho – Infohabitar, Ano XVII, n.º 764 – Lisboa, terça-feira, fevereiro, 09, 2021. (24 p., 14 fig.)

Desenvolver a qualidade arquitectónica e a satisfação residencial na nova habitação de interesse social portuguesa (série editorial: artigo 1/8) – infohabitar # 763. António Baptista Coelho – Infohabitar, Ano XVII, n.º 763 – Lisboa, terça-feira, fevereiro, 02, 2021. (11 p., 3 fig.)

COELHO, António Baptista – Infohabitar, Ano XIV, n.º 656, segunda -feira, setembro 17, 2018,O HABITAR DE INTERESSE SOCIAL E O HABITAR COOPERATIVO Conjunto de 13 artigos (3 pp.).

 

Notas editoriais gerais:

(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.

(ii) No mesmo sentido, de natural responsabilização dos autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos de ilustração dos mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos, gráficos, etc., é, igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores – que deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias autorizações. 

(iii) Para se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

 

Ligação direta a documento pdf com links para 888 artigos e 39 temas do Infohabitar :

https://drive.google.com/file/d/1zUJ1nEuWwaaA6KEXQ9XXdWMwFE3C8cJY/view?usp=sharing

Habitação e Cidade de Interesse Social em Portugal; mais algumas opiniões – Infohabitar # 900

Infohabitar, Ano XX, n.º 900

Edição: quarta-feira, 08 de maio de 2024

Infohabitar

Editor:

António Baptista Coelho, Arquitecto (ESBAL), doutor em Arquitectura (FAUP), Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo (LNEC)

abc.infohabitar@gmail.com

Edição:

Olivais Norte,  Encarnação, Lisboa;  e Casa das Vinte, Casais de Baixo, Azambuja.

A Infohabitar é uma Revista da GHabitar Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação atualmente com sede na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE) e anteriormente com sede no Núcleo de Arquitectura e Urbanismo do LNEC.

Apoio à Edição: José Baptista Coelho - Lisboa

Sem comentários :