segunda-feira, outubro 28, 2013

458 - Sobre as entradas comuns habitacionais - parte II - Infohabitar 458


Infohabitar, Ano IX, n.º 458

Artigo XXXVIII da Série habitar e viver melhor

Sobre as entradas comuns habitacionais - parte II
António Baptista Coelho

Devido à sua extensão o presente artigo foi dividido em duas partes, que respeitam o seguinte índice (a negrito os itens editados na presente semana)

Índice 
I.Notas introdutórias 
II. Sobre as entradas comuns habitacionais: aspetos gerais 
III. Sobre as entradas comuns habitacionais: sobre a interioridade e domesticidade
IV. Sobre as entradas comuns habitacionais: relação interior/exterior e pormenorização             V. Sobre as entradas comuns habitacionais: a positiva marcação da agregação de habitações 
VI. Sobre as entradas comuns habitacionais: ao serviço dos, e salientado os, serviços comuns 
VII. Sobre as entradas comuns habitacionais: para além dos asptos funcionais está quase tudo o que há que considerar na conceção 
VIII. Sobre as entradas comuns habitacionais: ao serviço de um escala urbana e habitacional mais humana

V. Sobre as entradas comuns habitacionais: a positiva marcação da agregação de habitações
Naturalmente que a entrada de um edifício multifamiliar deverá, em primeira linha, reflectir e expressar, a dimensão social do respectivo agrupamento de habitações e a, eventual, existência de serviços de apoio domiciliários, devendo referir-se que ela pode variar entre um espaço mínimo, quase reduzido ao estritamente necessário para abrir a porta de entrada – numa opção em que a entrada comum se aproxima, claramente, do sentido de entrada privada das poucas habitações existentes naquele edifício – até soluções próximas das usadas em grandes átrios de hotéis, até porque, neste caso, as funções de entrada e recepção têm grandes semelhanças, quando se trate de  um edifício multifamiliar com grande dimensão e quando se desenvolvam condomínios com funções alargadas, tanto em espaços comuns, como nos serviços prestados ao funcionamento das habitações.
Há, no entanto, nestas matérias uma reflexão necessária que tem a ver com a opção, que pode ser feita, de se optar pela expressão pública de uma presença com grande sobriedade, mesmo tratando-se, por exemplo, de um grande edifício com muitos serviços comuns, numa sequência de espaços e de vistas que se vá revelando, estrategicamente, à medida que o habitante ou o visitante penetre nos espaços comuns de recepção e em outros espaços, com outras valências, que, eventualmente, assegurem uma continuidade mitigada ou filtrada a essas zonas de recepção.

Fig. 03: vizinhança de interesse social em Alvalade, Lisboa, projeto urbano do arquiteto Faria da Costa.

VI. Sobre as entradas comuns habitacionais: ao serviço dos, e salientado os, serviços comuns
Nesta matérias do habitar ao serviço do entrar/sair no habitar, e em outras matérias que lhe estão associadas. o limite estará na imaginação fundamentada dos projectistas, mas não se quer deixar de referir que, por um lado, há aqui, naturalmente, muito a aprender com a concepção dos bons espaços de hotelaria, e que, por outro lado, há que assumir e expressar um forte sentido residencial, pois entre estadias curtas e longas haverá diferenças de carácter a evidenciar; mas note-se a forma como se referiu este último aspecto, é que, repete-se, há muito a aprender com a residencialidade oferecida por alguns hotéis, afinal, num cruzamento de ideias de concepção em que a hotelaria vem também encontrar e utilizar muita matéria da residencialidade mais estrita em várias famílias de tipos de hotelaria, que vão dos hotéis de charme, aos hotéis de arte, aos hotéis especialmente dedicados a pessoas idosas, e a outras categorias hoteleiras.
Tal como se sintetizou num estudo anterior  (6) “entrar tem a ver com diversos aspectos fundamentais no habitar entre os quais se destacam:
  •  a transição entre espaços ambientalmente diferentes – abertos ou fechados, maiores e menores, etc;
  • a segurança nessa passagem, que se joga em grande parte nos respectivos aspectos de visibilidade em ambos os sentidos de uso das entradas (entrando ou saindo);
  • a identidade e a atractividade ou dignidade que deve marcar um espaço de transição do público para o privado (de um agregado familiar ou de um grupo);
  • e a espaciosidade equilibrada que deve marcar essa transição, e diz-se equilibrada pois tem de se ligar à espaciosidade que marca o resto do edifício”;
  • e termina-se esta síntese sublinhando-se ainda dois outros aspectos a considerar:  (i) “a apropriação, que se liga à identidade e à atractividade; (ii) e a, cada vez mais vital [porque importante e rara] convivialidade”.
A ideia que se desenvolveu nesta reflexão sobre a entrada como elemento positivo da construção de um habitar que possa influenciar um viver diário mais satisfatório foi não avançar muito em matérias mais específicas e ligadas, por exemplo, a soluções desenvolvidas com objectivos concretos e, eventualmente, pouco replicáveis, como será o caso de soluções expressivamente marcadas pela vida em comum e por um afirmado apoio ao convívio.
A principal ideia foi pensar em soluções que possam servir um amplo leque de gostos habitacionais, através de entradas adequadamente desenvolvidas; e considerando que, depois, e em espaços comuns específicos, poderá haver lugar a uma convivialidade espontânea e livremente assumida.

VII. Sobre as entradas comuns habitacionais: para além dos asptos funcionais está quase tudo o que há que considerar na conceção
Globalmente e para rematar este tema, há que destacar que as entradas dos edifícios têm de se caracterizar por aspectos muito mais amplos e diversificados do que, apenas, por simples questões funcionais, que se ligam, designadamente e por exemplo, a aspectos de acessibilidade e à eficácia no uso dos receptáculos postais e de baterias de contadores.
Dá vontade de dizer que há aqueles edifícios onde nem tais aspectos funcionais são considerados, há, depois, um outro grupo que respeita tais funcionalidades, e que podemos considerar habitacionalmente "adequados" e há, finalmente, aqueles edifícios cujas entradas são verdadeiros espaços de habitar com satisfação, e para tal, como se referiu, nem é preciso muito espaço nem muito dinheiro em equipamentos e acabamentos; precisamos, sim, de capacidade e qualidade de projecto.

Fig. 04: pormenor de edifício de interesse social em Alvalade, Lisboa, projeto de Miguel Jacobetty.

Faltará, desde já e basicamente, fazer aqui uma fundamental reflexão sobre a importância da entrada comum como pólo de estruturação do conjunto de acessos comuns do edifício multifamiliar, uma reflexão que é feita através de algumas palavras do Arq.º Bartolomeu Costa Cabral, que sublinham que "a localização das entradas e a sua articulação com os percursos exteriores é muito importante na definição da relação edifício-circulação, considerando-se necessária uma grande clareza no conjunto do sistema de acessos... garantindo aos fogos, simultaneamente, um grande isolamento e uma grande comunicabilidade com o sistema de acessos e o exterior, sendo os contactos com as funções da «rua» considerados como fundamentais..." (7)
E esta última reflexão tem também muito a ver com o desenvolvimento de pequenas agregações de habitações, nas quais ou se opta por uma simples entrada comum, espacialmente contida, embora estrategicamente bem marcada e agradavelmente visível, ou, alternativamente, se opta pela afirmação de uma expressiva desagregação do edifício, assumindo-se cada habitação e cada acesso habitacional como uma entidade com relativa autonomia formal e funcional, no caminho para uma solução em que, mais do que o conjunto edificado, se evidencia a presença de cada habitação e de cada acesso habitacional. E esta é uma matéria, que por si própria, justificaria um pequeno capítulo de desenvolvimento e que, portanto, importa explorar.

VIII. Sobre as entradas comuns habitacionais: ao serviço de um escala urbana e habitacional mais humana
Esta tipologia de diversidade de opções tem muito a ver com favorecer-se, nesta reflexão, a solução de ligação, mais afirmada, entre rua e habitação, que tem sido abordada ao longo deste processo de estudo como uma forma de nos podermos reaproximar de ruas mais vivas e de habitações mais apropriadas; uma perspectiva que tem, sempre, muito a ver com a opção mais geral por núcleos urbanos estruturados para os peões e bem servidos por transportes públicos de proximidade - assunto que merece cuidadoso e urgente desenvolvimento
E sobre esta matéria da constituição de entradas comuns para pequenos conjuntos de habitações criando agregados de pequenas vizinhanças bem estruturadas, importa referir, ainda, que pode haver uma opção específica neste sentido, por exemplo, para apoio a um grupo de habitantes que optam por um expressivo desenvolvimento de espaços e serviços comuns (ex., um pequeno pólo residencial para pessoas sós e pequenos agregados familiares).
E podemos comentar que este privilegiar da entrada comum, provavelmente, associado a um significativo desenvolvimento de outros espaços comuns, poderá configurar verdadeiras soluções de “habitação colectiva”, pois há um transportar ou uma extensão para espaços colectivos de várias funções habitualmente realizadas nos espaços domésticos.
E de certa forma e no limite podemos pensar aqui em soluções de habitar em que a agregação de habitações em vizinhanças seja um assunto e a disponibilização de espaços e equipamentos comuns seja outro assunto, embora, naturalmente, bem articulados entre eles.

Fig. 05: zona de entrada de edifício de interesse social em Olivais Norte, Lisboa, projeto dos arquitetos Nuno Teotónio Pereira e António Pinto de Freitas.

Falta fazer um brevíssimo apontamento sobre as entradas comuns em edifícios para uma família (unifamiliares) ou até para duas (bifamiliares) a quatro famílias (tri e tetrafamiliares), mas sempre fortemente agregados em conjuntos com afirmada unidade e continuidade, considerando-se que, na prática, tais soluções seguirão tudo aquilo atrás referido para os multifamiliares, pois, na realidade, o que aqui sucederá é uma agregação de habitações com significativa e afirmada individualidade.
E aproveita-se para sublinhar considerar-se que esta linha de opção por unifamiliares ou pequenos multifamiliares mutuamente densificados e bem agregados é, basicamente, muito compatível, quer com a sempre presente força do individualismo familiar doméstico, quer com todo um flexível conjunto de vantagens comuns do multifamiliar, quer, ainda, com a solução de ligação privilegiada, entre casa e rua, que tem sido proposta neste processo de estudo.

Notas:
(6) “Do bairro e da vizinhança à habitação”, LNEC, ITA n.º 2.
(7) Bartolomeu Costa Cabral, "Formas de Agrupamento de Habitação", p. 30.

Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.


Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano IX, nº458
Sobre as entradas comuns habitacionais - parte II
Grupo Habitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional
e  Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do LNEC
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.

segunda-feira, outubro 21, 2013

457 - Sobre as entradas comuns habitacionais - parte I - Infohabitar 457

Infohabitar, Ano IX, n.º 457

Artigo XXXVIII da Série habitar e viver melhor

Sobre as entradas comuns habitacionais - parte I

António Baptista Coelho

Devido à sua extensão o presente artigo foi dividido em duas partes, que respeitam o seguinte índice (a negrito os itens editados na presente semana); salienta-se que a respetiva segunda parte será editada na próxima segunda-feira dia 28 de outubro de 2013.

Índice

  •       I.        Notas introdutórias
  •     II.        Sobre as entradas comuns habitacionais: aspetos gerais
  •    III.        Sobre as entradas comuns habitacionais: sobre a interioridade e domesticidade
  •   IV.        Sobre as entradas comuns habitacionais: relação interior/exterior e pormenorização
  •    V.        Sobre as entradas comuns habitacionais: a positiva marcação da agregação de habitações
  •   VI.        Sobre as entradas comuns habitacionais: ao serviço dos, e salientando os, serviços comuns
  •  VII.        Sobre as entradas comuns habitacionais: para além dos asptos funcionais está quase tudo o que há que considerar na conceção
  • VIII.        Sobre as entradas comuns habitacionais: ao serviço de um escala urbana e habitacional mais humana

I. Notas introdutórias
Tal como se referiu em um anterior artigo da presente série editorial - "Série habitar e viver melhor" -  serão considerados e abordados em próximos textos a editar na Infohabitar, desejavelmente intercalados com outros artigos tematicamente diversos, os seguintes os espaços comuns ou semi-privados mais correntes:
  • Entradas comuns e sua pormenorização.
  • Átrios e outros espaços comuns conviviais ou específicos.
  • Elevadores.
  • Escadas comuns.
  • Patins de distribuição para habitações.
  • Galerias interiores (corredores).
  • Galerias exteriores.
  • Garagens.
  • Aspectos qualitativos gerais nos espaços comuns e respectiva pormenorização.
  • Elementos “verdes”.
Não se deu uma importãncia específica à ordem de apresentação, embora se tenha considerado , sempre que adequado, a habitual sequência de uso , quando entramos num edifício habitacional.
E antes de passarmos ao artigo, propriamente dito, importa sublinhar que a inovação fundamentada com que pretendemos abordar, em futurod artigos, os espaços domésticos deveria marcar, também aqui, a reflexão sobre os espaços comuns habitacionais, ficando registada esta intenção, que iremos procurar respeitar em cada tipo de espaço abordado e, se possível, em um artigo final sobre os espaços comuns habitacionais com que se pretende concluir esta matéria geral, havendo tempo e capacidade para  este desafio.


II. Sobre as entradas comuns habitacionais: aspetos gerais
Uma entrada comum habitacional que nos dê as boas vindas, através de um arranjo agradável e envolvente, que nos abrigue da chuva e do sol excessivo, que se caracterize por aspectos que não se encontram em outras entradas comuns, é a entrada que todos desejamos.
E tal entrada não implica um gasto especial de espaço e uma despesa fora do vulgar, implica, sim, um projecto muito cuidado, e tanto mais cuidado quanto maior for a exigência de economia.
Uma entrada comum muito cuidada deve reflectir, para além da dimensão do respetivo agregado habitacional, o seu carácter em termos de escala geral, de principais formas de associação entre espaços interiores e exteriores e mesmo de tipos de acabamentos.
Uma entrada comum pode ter ainda outras “utilidades”, especialmente, quer na atribuição de um sentido de identidade específico a um dado edifício, quer até em alguma compensação (essencialmente imaterial) por eventuais áreas reduzidas no interior dos fogos, ou por acompanhamento de eventuais caraterísticas específicas das respetivas habitações.
Há, ainda, alguns aspectos formais particularizados, que são de grande importância na concepção de uma entrada comum e que têm a ver, de forma geral, com a relação entre o espaço edificado, essencialmente interior, com o espaço exterior e a natureza que envolve esse espaço edificado. Referimo-nos a todo o estimulante jogo de relações entre interior e exterior, seja através de uma  vivência específica, seja através de transparências e de afirmadas marcações de separação, e também nos referimos à presença dos elementos naturais – plantas, água, rocha, texturas naturais – quer numa situação de relação e aproximação à entrada do edifício, seja, já no seu interior, como prolongamentos naturais, desenvolvidas já em espaço basicamente interior e feito pelo homem.


Fig. 01


III. Sobre as entradas comuns habitacionais: sobre a interioridade e domesticidade
Depois há matérias que parecem ser, só aparentemente, pouco importantes e que têm a ver com uma Arquitectura de interiores extremamente bem desenhada e pormenorizada, considerando que aqui, nestes espaços em que se pára, se mexe em chaves, se passam os olhos pelo correio, estamos fortemente sensibilizados para uma tal pormenorização e equipamento cuidados. E há ainda que referir que um tal cuidado pode ter em conta, especificamente, matérias de afectividade, de reforço de uma escala marcada pela dimensão e pelo uso humanos e pelas artes.
Realmente, num sentido mais amplo, mas bem verdadeiro, podemos considerar que a entrada comum do nosso edifício é também uma extensão das entradas privadas das nossas casas, e, portanto, não deverá ser um lugar de frieza, impessoalidade e “aridez”.
E há, ainda, aspectos pormenorizados, mas com grande importância funcional e em termos de apropriação, destacando-se a desejável personalização dos botões de ligação com as diversas habitações e a sua adequada visualização nocturna e a disponibilização de uma representação esquemática do conjunto das habitações e dos respectivos acessos comuns, sempre que tal se justifique, quer devido ao número de habitações agregadas, quer por se tratar, eventualmente, de uma distribuição geral de habitações menos evidente.
Como se tem comentado ciclicamente nesta série de artigos, nada disto tem a ver, directamente, com soluções habitacionais mais caras. Por vezes, até más soluções, mal arquitectadas, vão procurar a mais espaço e acabamentos caros as qualidades de identidade, apropriação e atractividade que não quiseram ou souberam desenvolver de outras maneiras; o que não quer dizer, naturalmente, que o espaço não seja um elemento de grande importância a manejar para a obtenção de tais resultados, mas o que aqui se defende é que não é o único elemento para tais finalidades e, muito provavelmente, nem será o mais importante.
Devemos ainda reflectir sobre uma outra matéria, de cariz mais pessoal, mas igualmente importante para o objectivo de um habitar amplamente mais satisfatório e mesmo gerador de sentimentos específicos de felicidade. Tal matéria refere-se a que a entrada do edifício constitui, provavelmente, para muitos de nós, uma etapa fundamental na sequência de espaços urbanos e domésticos que habitamos todos os dias; e, sobre este aspecto, lembramos Rob Krier quando este escreve que: “No caminho da rua para o interior do edifício passamos por gradações do que podemos designar como «o público». Imediatamente, a posição da entrada e a importância arquitectónica que lhe é atribuída exprimem o papel e a função do Edifício..." (1).
E na ausência de estudos que fundamentem a afirmação da importância da entrada comum, cabe aqui chamar a atenção para a necessidade de se dar muito mais atenção a este elemento de composição do espaço do habitar, havendo muito a aprender com tantos excelentes exemplos que aí estão para serem vistos, facilmente, ao longo das ruas da nossa cidade.
Nestas matérias Alexander defende (2) a criação de uma transição gradual entre a rua e a porta de entrada, transição esta que deve ser servida por aspectos específicos de iluminação natural e artificial, protecção acústica, sequências de níveis, limiares bem marcados e vistas sequenciais de penetração e saída, vistas estas que disponibilizem diversos tipos de visões fugazes, estratégicas, gerais, etc. E o mesmo autor sublinha, depois, a importância que tem a criação de uma entrada acolhedora, preenchida por elementos que propiciem sentimentos de "boas vindas", como assentos confortáveis, pontos de vista interessantes e úteis, tons de cor domésticos e até outros elementos habitualmente associados ao interior das nossas casas. (3)

Mas há ainda um outro aspecto a ter em conta nestas matérias, pois devemos ter bem presente que uma entrada de edifício bem concebida e atraente é também um elemento muito importante para a vizinhança urbana em que se integra.
Não sendo este, especificamente, o tema que aqui nos move, importa reflectir que uma entrada que nos influencie positivamente, pelos seus aspectos formais e funcionais, será, provavelmente, uma entrada que assumirá, também, uma excelente presença e função urbanas. Mas, no entanto, tais aspectos de presença e de função urbanas poderão eles próprios ter reflexos específicos na concepção de entradas de edifícios e, tendo-os, e se os tiverem através de soluções que resultem realmente bem, então, poderemos considerar que haverá motivos complementares para que os habitantes desse edifício fiquem mais agradados com o “seu” edifício e a “sua” entrada, que, assim, naturalmente, é também uma entrada da cidade, pois pertença da cidade e das suas continuidades e vizinhanças específicas.

No que se refere à relação entre a entrada de edifício e o espaço urbano de vizinhança salientam-se dois aspectos de concepção apontados por Alexander: (4)
·      A entrada deve ser visível quando nos aproximamos do edifício ou existir uma indicação clara e condigna da sua localização.
·      A entrada deve ser formalmente realçada, e considerando-se que a aproximação mais frequente é feita paralelamente ao edifício e, portanto, em ângulos de visão habitualmente muito apertados ( e de difícil visualização).
A entrada ou átrio comum deve ter, sempre, uma "contrapartida" exterior, pelo menos, parcialmente protegida das intempéries, zona esta que poderá, naturalmente, variar, entre um pequeno espaço coberto sob uma pala e um recinto específico e equipado.

Fig. 02


IV. Sobre as entradas comuns habitacionais: relação interior/exterior e pormenorização
Ainda nesta matéria da aproximação ao edifício e, naturalmente, das acções de partida do edifício, considera-se que os respectivos espaços exteriores deverão ser, sempre que possível, especificamente caracterizados e pormenorizados, apontando-se, em seguida, algumas opiniões de Dubuisson e La Salle nesta matéria: (5)
·      "As entradas consideradas como pontos fortes e partes privilegiadas de junção entre zonas habitacionais interiores e espaços exteriores, também cumprirão o princípio de continuidade. Serão concebidas como «crescimentos» facilitando os encontros entre os habitantes. Para esse efeito o espaço aberto exterior será definido por taludes ou muretes, dispondo-se bancos e vegetação."
·      "O tratamento do pavimento é um dos principais elementos da composição das entradas dos edifícios, afirmando a presença de um acontecimento ao mesmo tempo que define um local de encontro, ele materializa uma potencial penetração dos passeantes."
·      "A sinalética específica poderá exprimir-se de variados modos, através da denominação dos edifícios nos pavimentos exteriores que prolongam exteriormente as entradas e nas paredes verticais contíguas."


Notas:
(1) Rob Krier, "Elements of Architecture", p. 61.
(2) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp. 494 e 495.
(3) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp. 623 e 624.
(4) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp. 485 a 487.
(5) S. Dubuisson, X. De La Salle, in "Espaces Exterieurs Urbains, Rencontres du Centre de Recherche d'Urbanisme",  J. P. Muret (Coord.), p. 65.

Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.


Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano IX, nº457
Sobre as entradas comuns habitacionais - parte I
Grupo Habitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional
e  Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do LNEC

Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.

segunda-feira, outubro 07, 2013

456 - Qualidade e criatividade nos espaços comuns habitacionais - Infohabitar 456

Infohabitar, Ano IX, n.º 456
Nota da edição: com o apoio dos leitores, que agradecemos, a Infohabitar acabou de ultrapassar a "barreira" das 400.000 consultas; e aproveita-se para referir que, devido a ausências em trabalho, o próximo número será publicado em 21 de outubro de 2013.

ARTIGO XXXVII da Série Habitar e Viver Melhor 

A importância dos espaços comuns ou semi-privados nos edifícios multifamiliares (II) - os perfis de qualidade e de criatividade nos espaços comuns habitacionais

António Baptista Coelho

A razão de ser de um edifício habitacional é conter um determinado conjunto de habitações, e podemos considerar que, mesmo quando “evoluímos”, por exemplo,  para soluções mais próximas dos equipamentos hoteleiros, onde há, portanto, mais extensas e diversificadas áreas comuns, mesmo nestes casos o uso de tais espaços se concentra nos pólos de acessibilidade e nos principais equipamentos, ligados à restauração (ex., restaurante, bar) e ao lazer (ex., ginásio, piscina).
No entanto, quando, hoje em dia, começamos, finalmente e ainda bem, a pôr em causa as organizações domésticas mais correntes, pensando a casa, seja numa perspectiva de forte potencial de adaptabilidade a diversas formas de vivência doméstica, seja ao serviço de formas de habitar muito específicas, então fará, também, todo o sentido pensar os espaços comuns do multifamiliar (do pequeno ao grande multififamiliar) com idêntica abertura de espírito; embora não esquecendo, tal como se apontou, que a razão de ser deste edifício é proporcionar uma boa agregação de habitações.
Mas nesta última afirmação, do edifício multifamiliar como “uma positiva agregação de habitações”, resulta, diretamente, que tal associação deve servir, o melhor possível, as condições de conforto ambiental, de identidade e apropriação e de dignidade e de atractividade, que são possíveis em cada uma das suas habitações, e, cumulativamente, deve servir pela sua dimensão, configuração e formas organizativas e de acessibilidade específicas, aos seus habitantes, designadamente, em tudo o que tenha a ver com as condições de agradabilidade, segurança e sociabilidade no uso, aplicáveis nos respectivos espaços comuns ou coletivos; e, naturalmente, estas e aquelas condições não são fáceis de cumprir, se o objectivo é fazer, realmente, bem.
Na reflexão sobre os aspectos qualitativos gerais que podemos privilegiar nos espaços comuns e na respectiva pormenorização é possível considerar alguns temas, que, em seguida, se lançam, sinteticamente, e um pouco como sugestões para posteriores e estimulantes desenvolvimentos do tema.
O sentido comum ou coletivo pode e deve ser investido, especificamente, na organização geral, na “ambientalização”, no dimensionamento e no recheio funcional e pormenorizado dos espaços comuns. De nada vale visar-se uma determinada ideia que, depois, não encontra suporte nos respectivos espaços de concretização, e há que ter bem presente que o objectivo mais corrente é, sem dúvida, a criação de espaços comuns, pelos quais se chega às habitações privadas e nos quais nos devemos sentir confortáveis, tudo o resto serão objetivos específicos que obrigarão a condições funcionais e ambientais específicas; não faz, por exemplo, qualquer sentido prever uma sala de condomínio afastada das principais zonas de circulação, com pouco espaço e mal acabada e equipada e dizer que se trata de um espaço que irá estimular a convivialidade e o sentido de comunidade, trata-se apenas de um sítio para reuniões e, mesmo assim, até pode nem ter condições adequadas para essa finalidade.
São muito diversas as soluções possíveis de “ambientalização” de um dado conjunto de espaços comuns, mas para que funcionem, realmente, importa que tais espaços constituam uma verdadeira mais-valia funcional, formal e ambiental para os seus habitantes, caso contrário mais vale reduzi-los a uma sua mínima expressão espacial e a uma máxima funcionalidade de manutenção.
Fig. 1 - espaços comuns estratégica e adequadamente reduzidos em Alvalade, Lisboa .

E uma tal mais-valia obriga a um projecto exigente e realizado com grande precaução e alguma coragem pois fazer um verdadeiro edifício de “habitação colectiva” é necessário programar espaços e prever uma adequada gestão local de proximidade. Afinal, tal como referem Eleb e Chatelet  “os "Locais Comuns Residenciais" têm uma longa história de alguns êxitos e numerosas falhas, que alimentam a demonstração que a sociabilidade não se pode programar ... para fazer funcionar um LCR é necessário um responsável”. (1)
Fazer espaços comuns residenciais deve passar por fazer verdadeiros espaços de fruição comum, com imagens e funcionalidades que podem ser idênticas, por xemplo, às que caraterizam os espaços sociais de estabelecimentos hoteleiros, o que será, sem dúvida, uma opção, por exemplo, em residências que associem habitações privativas, com diversos dimensionamentos, a um amplo conjunto de espaços e serviços comuns.
Mas fazer espaços comuns residenciais pode também passar pela criação de espaços comuns exteriores nos quais é possível qualquer pessoa entrar, mas para quando aí entrarmos sentirmos a sensação de estarmos, de certo modo, a “invadir” um espaço que não nos pertence, porque é próprio apenas daquele conjunto residencial a que está directamente ligado - e refere-se, aqui, "de certo modo", pois a ideia não é criar condomínuios privados e exclusivos, mas sim espaços de vizinhança onde se percebe ser a respetiva vizinhança quem comanda na respetiva gestão, sendo ideial que nos sintamos bem-vindos - e em tudo isto tem de haver mestria no projeto, na obra e na gestão diária e de proximidade.
E a título de exemplo do que aqui se visa lembram-se mais algumas palavras do excelente livro de Eleb e Chatelet:, “F. Soler e J Bernard  propõem ... um pátio central muito amplo em torno do qual se organizam os apartamentos … a sua ambição foi prolongar a cidade até ao âmago das casas através de espaços intermediários, escavados no coração dos edifícios, verdadeiros locais de convivialidade, interstícios indispensáveis entre a cidade e a família.” (2)

Fig. 2 - um espaço deste tipo no excelente Alvalade, que cada vez mais se dá a descobrir; os "segredos de Alvalade" (nas palavras do escritor Cardoso Pires), são muitos e ricos (opinião pessoal).

E, depois, e ainda muito nesta estimulante perspectiva de “prolongar a cidade até ao âmago das casas através de espaços intermediários”, que é, na prática, não mais do que simular as relações ainda hoje encontradas entre tantas habitações e ruas de zonas históricas, e tal como também apontam as referidas autoras (Eleb e Chatelet) as galerias de acesso comum podem ser “tratadas como espaços de encontro e recreio” e a principal escada pode constituir “pela sua arquitectura, um local de encontro à escala do edifício”; (3)  afinal nada que um bom projectista não saiba, mas infelizmente sabedoria muito pouco praticada, há que o dizer, exceptuando excelentes e numerosos exemplos que marcam a história da habitação de interesse social.

Fig. 3 - espaços de vizinhança naturalmente conviviais, encontrados em zonas históricas e que tardam a ser "reinterpretados" pelas novas arquiteturas urbanas e habitacionais.

Um outro aspecto a ter, especificamente, em conta na conceção dos espaços comuns (e como se verá, em futuros artigos esta série, na conceção dos espaços domésticos e não domésticos privatizados) é a força e a importância que aí tem a integração da natureza, numa primeira linha pela fundamental, disseminada e estratégica introdução da luz natural; uma força que fica bem evidenciada no mesmo livro de Eleb e Chatelet, que referem que: “Quando se sai do elevador e há luz natural, pode-se conversar. Favorece-se a convivialidade pela qualidade do espaço que se desenvolve, o resto está ligado à cultura especial de cada sítio." (4)
E uma tal introdução da natureza prolonga-se, naturalmente, de forma essencial pela diversificada e introdução de pátios ajardinados, floreiras, espaços para vasos e vãos amplos e estratégicos sobre elementos naturais exteriores.
Importa termos presente que estamos aqui, verdadeiramente, em presença de um verdadeiro “motor” da apropriação e da satisfação residencial e talvez por esta razão se assiste, hoje em dia, à concretização de alguns edifícios praticamente fundidos com a vegetação. E trata-se de uma matéria que tem, evidentemente, (i) uma razão ambiental, no sentido mais físico do termo, pois, como é sabido, as zonas verdes integradas e contíguas proporcionam frescura ambiental, (ii) mas que tem também uma razão funcional associada a importantes aspectos de melhoria das condições de privacidade e de marcação espacial, e que tem, igualmente, (iii) uma razão bem efetiva, embora não quantificável, no que se refere ao desenvolvimento de excelentes influências psicológicas, afetivas e sensoriais capazes de melhorar, objectivamente, estados de depressão e de stress, constituindo, objectivamente, um factor determinante na caracterização dos espaços comuns residenciais como espaços potencialmente geradores de paz e de satisfação; e não será por acaso que grandes empresas e hospitais psiquiátricos favorecem a integração de espaços naturais, que possam ser intensamente vistos e vividos.
Ainda um outro aspecto a considerar, especificamente, nesta reflexão sobre as qualidades a privilegiar nos espaços comuns residenciais tem a ver com o equilíbrio, que aqui sé desejável, entre condições de apropriação (pessoal ou familiar) e de dignidade ou de apropriação comum/colectiva.
A ideia que se deixa é que nem é recomendável uma situação em que o ambiente interior do edifício seja expressivamente marcado, na sua globalidade, pelas intervenções e pelos gostos específicos de cada um, nem será desejável um ambiente comum “frio”, descaraterizado e impessoal; e podemos mesmo referir que, hoje em dia, um ambiente deste tipo nem é bem-vindo num edifício de escritórios.

Fig. 04: os excelentes espaços comuns da Cooperativa de habitação Caselcoop no velho Bairro Económico de Caselas em Lisboa - projeto do Arq.º Justino Morais (na imagem, de branco).

Provavelmente o equilíbrio estará em espaços comuns estrategicamente marcados por uma dignidade servida por um gosto eventualmente “neutro”, mas expressivamente presente, em zonas mais usadas por todos os vizinhos, e, à medida que nos aproximamos das portas das habitações, mais marcados por elementos de apropriação afirmados, embora, sempre, com claros traços comuns. E aqui é interessante comentar que as galerias comuns exteriores proporcionam excelentes condições deste último tipo, devido à sua evidente relação com o espaço exterior, que é público.
Finalmente, nesta breve reflexão sobre as qualidades a privilegiar nos espaços comuns residenciais, registam-se, apenas algumas poucas ideias sobre um tema, que, só ele, poderia e poderá estimular um percurso de investigação: trata-se da forma como podemos lidar com o respeito pelo sentido comum, ou pelo carácter unificado do edifício.
Nesta matéria há que apontar, pelo menos, dois temas, sendo um deles que deve ser obrigatório este respeito ou este “partido”, como era costume dizer-se entre arquitectos, ainda que ele se possa diluir, seja numa assinalável afirmação da identidade de cada habitação, seja numa cívica afirmação de um expressivo anonimato urbano, numa perspectiva que, em vez de fazer o edifício impor-se, integra o edifício, expressivamente, na continuidade da sua vizinhança urbana; mas engana-se que achar que opções como esta não têm em conta a força e a “personalidade” do edifício com um todo. E o outro aspecto tem a ver, natural e especificamente, com a dimensão do desenho de Arquitetura, e nesta dimensão espera-se que muito longe esteja o tempo em que o caráter unitário da obra não tenha atenções específicas, reflexões específicas e, depois, mensagens específicas, na imagem urbana da respetiva vizinhança urbana.
E fica por abordar a dimensão "maior ou menor", mais afirmada ou quase ausente, dos espaços comuns habitacionais de conjuntos residenciais, tendo-se em conta as mais diversas dimensões e afirmações de conjugação do respetivo conjunto de habitações (matéria a tartar em futuros artigos).
Notas:
(1) Monique Eleb; Anne Marie Chatelet – Urbanité, sociabilité et intimité des logements d’aujourd’hui.  Paris : Éditions de l’Épure, 1997 (Col. Recherche d’Architecture), pp. 90 e 91.
(2) Idem p. 85.
(3) Idem, p. 74.
(4) Idem, p. 85.

Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.


Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano IX, nº456
A importância dos espaços comuns ou semi-privados nos edifícios multifamiliares (II) - os perfis de qualidade dos espaços comuns habitacionais
Grupo Habitar (GH) e Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do LNEC
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.