Infohabitar, Ano IX, n.º 456
Nota da edição: com o apoio dos leitores, que agradecemos, a Infohabitar acabou de ultrapassar a "barreira" das 400.000 consultas; e aproveita-se para referir que, devido a ausências em trabalho, o próximo número será publicado em 21 de outubro de 2013.
ARTIGO XXXVII da Série Habitar e Viver Melhor
ARTIGO XXXVII da Série Habitar e Viver Melhor
A importância dos espaços comuns ou semi-privados nos edifícios multifamiliares (II) - os perfis de qualidade e de criatividade nos espaços comuns habitacionais
António Baptista Coelho
A razão de ser de um edifício
habitacional é conter um determinado conjunto de habitações, e podemos considerar
que, mesmo quando “evoluímos”, por exemplo, para soluções mais próximas dos equipamentos
hoteleiros, onde há, portanto, mais extensas e diversificadas áreas comuns,
mesmo nestes casos o uso de tais espaços se concentra nos pólos de
acessibilidade e nos principais equipamentos, ligados à restauração (ex.,
restaurante, bar) e ao lazer (ex., ginásio, piscina).
No entanto, quando, hoje em dia,
começamos, finalmente e ainda bem, a pôr em causa as organizações domésticas
mais correntes, pensando a casa, seja numa perspectiva de forte potencial de
adaptabilidade a diversas formas de vivência doméstica, seja ao serviço de
formas de habitar muito específicas, então fará, também, todo o sentido pensar
os espaços comuns do multifamiliar (do pequeno ao grande multififamiliar) com
idêntica abertura de espírito; embora não esquecendo, tal como se apontou, que
a razão de ser deste edifício é proporcionar uma boa agregação de habitações.
Mas nesta última afirmação, do
edifício multifamiliar como “uma positiva agregação de habitações”, resulta,
diretamente, que tal associação deve servir, o melhor possível, as condições de
conforto ambiental, de identidade e apropriação e de dignidade e de
atractividade, que são possíveis em cada uma das suas habitações, e,
cumulativamente, deve servir pela sua dimensão, configuração e formas
organizativas e de acessibilidade específicas, aos seus habitantes,
designadamente, em tudo o que tenha a ver com as condições de agradabilidade,
segurança e sociabilidade no uso, aplicáveis nos respectivos espaços comuns ou
coletivos; e, naturalmente, estas e aquelas condições não são fáceis de
cumprir, se o objectivo é fazer, realmente, bem.
Na reflexão sobre os aspectos
qualitativos gerais que podemos privilegiar nos espaços comuns e na respectiva
pormenorização é possível considerar alguns temas, que, em seguida, se lançam,
sinteticamente, e um pouco como sugestões para posteriores e estimulantes desenvolvimentos
do tema.
O sentido comum ou coletivo pode
e deve ser investido, especificamente, na organização geral, na
“ambientalização”, no dimensionamento e no recheio funcional e pormenorizado
dos espaços comuns. De nada vale visar-se uma determinada ideia que, depois,
não encontra suporte nos respectivos espaços de concretização, e há que ter bem
presente que o objectivo mais corrente é, sem dúvida, a criação de espaços
comuns, pelos quais se chega às habitações privadas e nos quais nos devemos
sentir confortáveis, tudo o resto serão objetivos específicos que obrigarão a
condições funcionais e ambientais específicas; não faz, por exemplo, qualquer
sentido prever uma sala de condomínio afastada das principais zonas de
circulação, com pouco espaço e mal acabada e equipada e dizer que se trata de
um espaço que irá estimular a convivialidade e o sentido de comunidade,
trata-se apenas de um sítio para reuniões e, mesmo assim, até pode nem ter
condições adequadas para essa finalidade.
São muito diversas as soluções
possíveis de “ambientalização” de um dado conjunto de espaços comuns, mas para
que funcionem, realmente, importa que tais espaços constituam uma verdadeira mais-valia
funcional, formal e ambiental para os seus habitantes, caso contrário mais vale
reduzi-los a uma sua mínima expressão espacial e a uma máxima funcionalidade de
manutenção.
E uma tal mais-valia obriga a um projecto exigente e
realizado com grande precaução e alguma coragem pois fazer um verdadeiro
edifício de “habitação colectiva” é necessário programar espaços e prever uma
adequada gestão local de proximidade. Afinal, tal como referem Eleb e Chatelet “os "Locais Comuns Residenciais" têm
uma longa história de alguns êxitos e numerosas falhas, que alimentam a
demonstração que a sociabilidade não se pode programar ... para fazer funcionar
um LCR é necessário um responsável”. (1)
Fazer espaços comuns residenciais deve passar por fazer
verdadeiros espaços de fruição comum, com imagens e funcionalidades que podem
ser idênticas, por xemplo, às que caraterizam os espaços sociais de
estabelecimentos hoteleiros, o que será, sem dúvida, uma opção, por exemplo, em
residências que associem habitações privativas, com diversos dimensionamentos,
a um amplo conjunto de espaços e serviços comuns.
Mas fazer espaços comuns residenciais pode também passar pela
criação de espaços comuns exteriores nos quais é possível qualquer pessoa
entrar, mas para quando aí entrarmos sentirmos a sensação de estarmos, de certo
modo, a “invadir” um espaço que não nos pertence, porque é próprio apenas
daquele conjunto residencial a que está directamente ligado - e refere-se,
aqui, "de certo modo", pois a ideia não é criar condomínuios privados
e exclusivos, mas sim espaços de vizinhança onde se percebe ser a respetiva
vizinhança quem comanda na respetiva gestão, sendo ideial que nos sintamos
bem-vindos - e em tudo isto tem de haver mestria no projeto, na obra e na
gestão diária e de proximidade.
E a título de exemplo do que aqui se visa lembram-se mais
algumas palavras do excelente livro de Eleb e Chatelet:, “F. Soler e J
Bernard propõem ... um pátio central
muito amplo em torno do qual se organizam os apartamentos … a sua ambição foi
prolongar a cidade até ao âmago das casas através de espaços intermediários,
escavados no coração dos edifícios, verdadeiros locais de convivialidade,
interstícios indispensáveis entre a cidade e a família.” (2)
E, depois, e ainda muito nesta estimulante perspectiva de
“prolongar a cidade até ao âmago das casas através de espaços intermediários”,
que é, na prática, não mais do que simular as relações ainda hoje encontradas
entre tantas habitações e ruas de zonas históricas, e tal como também apontam
as referidas autoras (Eleb e Chatelet) as galerias de acesso comum podem ser
“tratadas como espaços de encontro e recreio” e a principal escada pode
constituir “pela sua arquitectura, um local de encontro à escala do edifício”;
(3) afinal nada que um bom projectista
não saiba, mas infelizmente sabedoria muito pouco praticada, há que o dizer,
exceptuando excelentes e numerosos exemplos que marcam a história da habitação
de interesse social.
Fig. 3 - espaços de vizinhança naturalmente conviviais,
encontrados em zonas históricas e que tardam a ser "reinterpretados"
pelas novas arquiteturas urbanas e habitacionais.
Um outro aspecto a ter, especificamente, em conta na conceção
dos espaços comuns (e como se verá, em futuros artigos esta série, na conceção dos
espaços domésticos e não domésticos privatizados) é a força e a importância que
aí tem a integração da natureza, numa primeira linha pela fundamental,
disseminada e estratégica introdução da luz natural; uma força que fica bem
evidenciada no mesmo livro de Eleb e Chatelet, que referem que: “Quando se sai
do elevador e há luz natural, pode-se conversar. Favorece-se a convivialidade
pela qualidade do espaço que se desenvolve, o resto está ligado à cultura
especial de cada sítio." (4)
E uma tal introdução da natureza
prolonga-se, naturalmente, de forma essencial pela diversificada e introdução
de pátios ajardinados, floreiras, espaços para vasos e vãos amplos e
estratégicos sobre elementos naturais exteriores.
Importa termos presente que
estamos aqui, verdadeiramente, em presença de um verdadeiro “motor” da
apropriação e da satisfação residencial e talvez por esta razão se assiste,
hoje em dia, à concretização de alguns edifícios praticamente fundidos com a
vegetação. E trata-se de uma matéria que tem, evidentemente, (i) uma razão
ambiental, no sentido mais físico do termo, pois, como é sabido, as zonas verdes
integradas e contíguas proporcionam frescura ambiental, (ii) mas que tem também
uma razão funcional associada a importantes aspectos de melhoria das condições
de privacidade e de marcação espacial, e que tem, igualmente, (iii) uma razão
bem efetiva, embora não quantificável, no que se refere ao desenvolvimento de
excelentes influências psicológicas, afetivas e sensoriais capazes de melhorar,
objectivamente, estados de depressão e de stress, constituindo, objectivamente,
um factor determinante na caracterização dos espaços comuns residenciais como
espaços potencialmente geradores de paz e de satisfação; e não será por acaso
que grandes empresas e hospitais psiquiátricos favorecem a integração de
espaços naturais, que possam ser intensamente vistos e vividos.
Ainda um outro aspecto a
considerar, especificamente, nesta reflexão sobre as qualidades a privilegiar
nos espaços comuns residenciais tem a ver com o equilíbrio, que aqui sé
desejável, entre condições de apropriação (pessoal ou familiar) e de dignidade
ou de apropriação comum/colectiva.
A ideia que se deixa é que nem é
recomendável uma situação em que o ambiente interior do edifício seja
expressivamente marcado, na sua globalidade, pelas intervenções e pelos gostos
específicos de cada um, nem será desejável um ambiente comum “frio”, descaraterizado
e impessoal; e podemos mesmo referir que, hoje em dia, um ambiente deste tipo
nem é bem-vindo num edifício de escritórios.
Fig. 04: os excelentes espaços comuns da Cooperativa de habitação Caselcoop no velho Bairro Económico de Caselas em Lisboa - projeto do Arq.º Justino Morais (na imagem, de branco).
Provavelmente o equilíbrio
estará em espaços comuns estrategicamente marcados por uma dignidade servida
por um gosto eventualmente “neutro”, mas expressivamente presente, em zonas
mais usadas por todos os vizinhos, e, à medida que nos aproximamos das portas
das habitações, mais marcados por elementos de apropriação afirmados, embora,
sempre, com claros traços comuns. E aqui é interessante comentar que as
galerias comuns exteriores proporcionam excelentes condições deste último tipo,
devido à sua evidente relação com o espaço exterior, que é público.
Finalmente, nesta breve reflexão
sobre as qualidades a privilegiar nos espaços comuns residenciais, registam-se,
apenas algumas poucas ideias sobre um tema, que, só ele, poderia e poderá
estimular um percurso de investigação: trata-se da forma como podemos lidar com
o respeito pelo sentido comum, ou pelo carácter unificado do edifício.
Nesta matéria há que apontar,
pelo menos, dois temas, sendo um deles que deve ser obrigatório este respeito
ou este “partido”, como era costume dizer-se entre arquitectos, ainda que ele
se possa diluir, seja numa assinalável afirmação da identidade de cada
habitação, seja numa cívica afirmação de um expressivo anonimato urbano, numa
perspectiva que, em vez de fazer o edifício impor-se, integra o edifício,
expressivamente, na continuidade da sua vizinhança urbana; mas engana-se que
achar que opções como esta não têm em conta a força e a “personalidade” do
edifício com um todo. E o outro aspecto tem a ver, natural e especificamente,
com a dimensão do desenho de Arquitetura, e nesta dimensão espera-se que muito
longe esteja o tempo em que o caráter unitário da obra não tenha atenções
específicas, reflexões específicas e, depois, mensagens específicas, na imagem
urbana da respetiva vizinhança urbana.
E fica por abordar a dimensão
"maior ou menor", mais afirmada ou quase ausente, dos espaços comuns
habitacionais de conjuntos residenciais, tendo-se em conta as mais diversas
dimensões e afirmações de conjugação do respetivo conjunto de habitações
(matéria a tartar em futuros artigos).
Notas:
(1) Monique Eleb; Anne Marie Chatelet – Urbanité,
sociabilité et intimité des logements d’aujourd’hui. Paris : Éditions de l’Épure, 1997 (Col. Recherche
d’Architecture), pp. 90 e 91.
(2) Idem p. 85.
(3) Idem,
p. 74.
(4) Idem,
p. 85.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.
Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano IX, nº456
A importância dos espaços comuns ou semi-privados nos edifícios multifamiliares (II) - os perfis de qualidade dos espaços comuns habitacionais
INFOHABITAR Ano IX, nº456
A importância dos espaços comuns ou semi-privados nos edifícios multifamiliares (II) - os perfis de qualidade dos espaços comuns habitacionais
Grupo Habitar (GH) e Núcleo de Estudos Urbanos e
Territoriais (NUT) do LNEC
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa,
Encarnação - Olivais Norte.
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