terça-feira, junho 30, 2020

Espaço público e identidade urbana – Infohabitar # 736

Ligação direta (clicar) para:  725 Artigos Interactivos, edição revista, ilustrada e comentada - 38 temas e mais de 100 autores.


Infohabitar, Ano XVI, n.º 736


Notícias:

Encontro, na WWW, sobre "Questões éticas na pesquisa em Arquitetura e Urbanismo: reflexões em tempo de pendemia" - na FAU-USP

Caros leitores,

É com todo o gosto que se divulga o convite para uma conferência virtual na grande FAU-USP de São Paulo, na tarde do próximo dia 1 de julho, pela Prof.ª Gleice Azambuja Elali, com moderação da amiga Prof.ª Sheila Ornstein, que tem estado sempre connosco desde o início das edições da Infohabitar, solicitando-se, ainda, que a divulguem entre os vossos contatos,
e chamando-se a atenção, para os colegas portugueses, para a diferença de horas entre Brasil e Portugal, as 14h do Brasil (início do encontro) são as 18h de Portugal.

Com um abraço forte e desejos de muita saúde e força,

O editor da Infohabitar,

Links de compartilhamento do FAU ENCONTROS:

YouTube da FAU

https://youtu.be/OuP9SPTyo90

Esse evento será transmitido via YouTube e aberto ao público, entretanto para envio de perguntas pelo Chat da transmissão é necessário fazer login no YouTube.

Meet

https://stream.meet.google.com/stream/80eb39dc-5c93-4d23-b3f7-08f6fe223a46





Espaço público e identidade urbana

Qualificação do espaço público como fator de identidade e apropriação coletiva do espaço construído – Infohabitar # 736

 

Por António Baptista Coelho (texto e imagens)

 

Edição: terça-feira, 30 de junho de 2020

 

espaços da casa, espaços da habitação, funções da habitação, microfunções domésticas, habitações térreas, viver no rés do chão, habitação ao nível da rua, viver de novo junto da rua

 

Notas prévias:

Caros leitores da Infohabitar, estimados amigos,

Esperamos que estejam todos de saúde e aproveitamos para reforçar que temos de continuar com um máximo de cuidados em termos de distanciamento social, proteção própria e dos outros e higiene geral, pois a epidemia continua ativa.

No que se refere à Infohabitar e antes de continuamos com uma abordagem relativamente sistematizada dos espaços domésticos, feita tendo por base alguns artigos já aqui editados, há alguns anos, e que foram e serão, naturalmente, extensamente revistos, desenvolvidos e “recomentados”, para esta nova ocasião editorial,

e na sequência dos últimos artigos, aqui editados, em que refletimos sobre uma paisagem urbana bem pormenorizada com base em misturas diversificadas de tipologias edificadas e respetivas estratégias de acessibilidade,

abordamos neste artigo e no próximo as áreas da imagem urbana de proximidade e os seus essenciais contornos relativos aos aspetos de identidade, apropriação e escala humana, que devem estar bem presentes e marcar os espaços que habitamos interior e exteriormente.

Esperando que estes artigos agradem aos nossos estimados leitores e lembrando-se, sempre, que serão muito bem-vindas eventuais ideias comentadas a propósito destes artigos e propostas de novos artigos (a enviar para abc.infohabitar@gmail.com ao meu cuidado),

despeço-me, até à próxima semana, com saudações calorosas e desejos de muita força e de boa saúde,

Lisboa, Encarnação, em 29 de junho de 2020

António Baptista Coelho

Editor da Infohabitar

 

Espaço público e identidade urbana

Qualificação do espaço público como fator de identidade e apropriação coletiva do espaço construído – Infohabitar # 736

 António Baptista Coelho

Construir no construído

Qualificamos e requalificamos o espaço público para que este seja mais e melhor habitado – mais intensa e prolongadamente –, e, neste sentido, pensamos num re-habitar da cidade, através de um desejado e evidenciado reforço do uso dos espaços urbanos – no sentido de a podermos ter mais viva e estimulante, num círculo virtuoso gerador de inúmeros benefícios – desde a saúde e prosperidade dos habitantes à respetiva segurança pública.

Para tal, para se visar uma cidade com espaços exteriores mais intensa e prolongadamente habitados/usados, tal como refere Jan Gehl, há que privilegiar um diálogo com o espaço contruído (mais horizontal ou mais vertical) marcado pelo “construir no construído”, ou , se quisermos e tendo em conta também novas intervenções (cada vez mais raras) o construir numa ligação total e simbiótica com a envolvente da intervenção e tendo em conta a máxima dinamização dos desejáveis fluxos e relacionamentos entre exteriores e edifícios.

A ideia do “construir no construído” foi defendida e lançada por Francisco de Gracia (1), e refere-se a uma perspetiva de intervenção urbana que se baseia numa reconstrução da coesão urbana marcada pela escala e uso humanos, pelo desenvolvimento de adequados estímulos visuais e funcionais e por uma cuidadosa e vitalizada densificação; estando todos estes aspetos integrados num objetivo de verdadeira reabilitação – ou habilitação, acrescenta-se – da paisagem urbana local, que há que preservar e (re)construir, designadamente, nos seus aspetos orgânicos e ligados ao respetivo caráter do lugar.

Avançando-se, assim, num sentido de (re)construção da paisagem urbana de vizinhança e não numa truncada intervenção que se limite, praticamente, ao edificado, tratando-se os exteriores, mais ou menos envolventes, essencialmente, como espaços de enquadramento; e nem assim acontece frequentemente, pois como bem sabemos muitas vezes os exteriores são reduzidos a espaços sobrantes.

Naturalmente que uma tal perspetiva obriga a um verdadeiro Projecto de Arquitetura Urbana bem fundamentado e valorizador de cada lugar, e muito bem qualificado, seguindo metodologias estrategicamente diversificadas e adequadas a cada situação, extremamente “dúcteis”, porque verdadeiramente (re)inventoras de um espaço urbano bem pormenorizado e à escala humana e urbana; existente, entre nós, em algumas ações de referência, que depois de dezenas e dezenas de anos de vivência estão, por vezes, melhores e mais vivas do que quando foram desenvolvidas, e que é essencial divulgar e visitar/viver local e demoradamente, pois só assim as poderemos conhecer com a profundidade necessária a uma sua sempre parcial e relativa reaplicação em outras situações.


Fig. 01: um verdadeiro Projecto de Arquitetura Urbana bem fundamentado e valorizador de cada lugar, e muito bem qualificado, seguindo metodologias estrategicamente diversificadas e adequadas a cada situação, extremamente “dúcteis”, porque verdadeiramente (re)inventoras de um espaço urbano bem pormenorizado e à escala humana e urbana.

 

Sobre a cidade do pormenor e do vagar

Nesta matéria o arq.º Yves Lyon, faz uma síntese, quando refere que “depois do período dos grandes projetos há que assumir a arquitectura como abertura ao mundo ... numa clara abertura à vida, bem distinta de clausuras disciplinares”; defendendo, assim, “uma nova atividade de arquiteto feita da atenção para com os lugares” e que privilegie “não mais a criação de objetos isolados, mas sim a integração, a conjugação e o desenvolvimento de ligações entre sítios, entre pessoas e entre exigências e necessidades.”

Continuamos, deste modo, na referida perspetiva do “construir no construído”, ligada à reconstrução ou recriação da coesão urbana marcada pela escala e uso humanos, pelo desenvolvimento de adequados estímulos visuais e funcionais e por uma cuidadosa e vitalizada densificação.

Uma recriação à escala humana, com o sentido mais amplo possível desta “escala”, concretizada seja na requalificação do próprio espaço exterior público, seja na relação que nele se deverá desenvolver com os vãos dos edifícios contíguos, refazendo-se um exterior público religado à “presença ampliada do homem”, como escreve Rudolf Arnheim (2), e um exterior público renovado, libertado da opressão do veículo motorizado, e que, assim sendo, pode e deve ser estratégica e agradavelmente pontuado por verdadeiros recantos domésticos, como por exemplo acontece em tão velhos como vivos centros históricos e em novos bairros bem desenhados como, por exemplo, Alvalade e Olivais Norte em Lisboa.

Assim se irão melhorando estrategicamente as imagens urbanas de cada vizinhança e de cada conjunto urbano mais coeso, evidentemente, não apenas com o sentido estrito e “visual” de tais imagens – sempre em sequências de imagens estruturantes de acessibilidades –, mas também e objetivamente para que tais agregados estimulantes de imagens contribuam, direta e indiretamente, para a referida promoção do uso intenso do exterior, condição que, por sua vez, proporcionará melhor fruição dessa imagem urbana, num círculo virtuoso de melhor imagem e mais e melhor uso, e numa atenção às suas sequências, pormenores e recantos de estar, que, por sua vez é dinamizadora de melhores relações de identificação com cada local, de uma convivialidade pública e vicinal mais espontânea, e mesmo de melhores condições de segurança pública no seu uso.

 

Fig. 02: um exterior público renovado, libertado da opressão do veículo motorizado, e que, assim sendo, pode e deve ser estratégica e agradavelmente pontuado por verdadeiros recantos domésticos, como por exemplo acontece em tão velhos como vivos centros históricos e em novos bairros bem desenhados como, por exemplo, Alvalade e Olivais Norte em Lisboa.

 

Mas evidentemente que nas ações de requalificação em que se privilegiam os usos pedonais do espaço público não podemos desenvolver uma segregação simplista do automóvel privado, pois como escreveu Spiro Kostof (3), “o mais importante aspeto do apoio ao peão ... liga-se ao desenho de vizinhanças residenciais ... através de um novo tipo de rua .. cuja principal função não é a circulação e o estacionamento automóvel, mas sim o andar a pé e o recreio.”

Um caminho urgente na revitalização tanto de espaços centrais de cidades, como de vizinhanças residenciais, que está a ser privilegiado até na recente regulamentação de tráfego europeia, que esteve bem evidenciado numa importante e excelente exposição, com autoria francesa, que passou por Lisboa – A exposição itinerante “A rua é nossa...é de todos nós!”, concebida pelo Institut pour la Ville en Mouvement – e cujas noções parecem terem tido algum eco em diversas e recentes intervenções em espaços públicos de Lisboa; e um caminho que,« é essencial numa urgente recuperação da cidade para o cidadão, passo estruturante para uma verdadeira requalificação do espaço público, que o reabilite ou habilite como espaço privilegiado e protector dos mais idosos e dos mais jovens, que são, afinal, aqueles cidadãos e habitantes que tendem a usar o exterior mais intensa e frequentemente, mas se este for verdadeiramente agradável e seguro.

Escreveu António Pinto Ribeiro (4), sobre esta matéria, que “seria desejável que a cidade voltasse a ter como medidas de planeamento o peão e o utente do transporte público. Tal corresponderia […] a uma ligação mais epidérmica com o espaço, à possibilidade de se instalar durabilidade”, e talvez verdadeira sustentabilidade, “no tempo de gozo da cidade”.

 

Cidade passeável e passeada, cidade mais habitada

O peão precisa de poder passear em verdadeiras cenas habitadas, precisa de emoção e de conteúdos, não apenas funcionais e o peão gosta de sentir que passeia em zonas vivas e nestas matérias provavelmente o habitar do dia-a-dia ganhará com algumas técnicas ligadas ao turismo, enquanto o turismo pode ganhar muito com alguma da qualidade espontânea e com o sentir e participar (d)a vida de comunidades urbanas e residenciais positivamente caraterizadas e ativas, e exemplo disto encontra-se já em vários “centros históricos” bem vivos e já disseminados pela Europa.

 

 

Fig. 03: o peão precisa de poder passear em verdadeiras cenas habitadas, precisa de emoção e de conteúdos, não apenas funcionais e o peão gosta de sentir que passeia em zonas vivas; e do Norte ao Sul da Europa os bons exemplos aí estão.

 

Precisamos de poder passear fisicamente e mentalmente, viajando, pausada e agradavelmente, por uma “cidade desaparecida”, mas que esteja viva, aqui e ali, mais em em determinados bairros, em alguns espaços mais apetecíveis e, essencialmente, através de percursos estruturantes e bem apoiados em excelentes sequências de imagens urbanas e residenciais; é esse o objectivo que devemos ter em mente, e para isso é também fundamental associar, sistematicamente, a resolução dos problemas de carências habitacionais aos da falta de qualidade e vitalidade urbanas, pois de contrários corrermos sempre riscos de falta de animação e/ou até de um sentido um pouco artificial de vivência.

Afinal não basta ordenar o espaço para se criar um ambiente interessante e motivador; o habitante também necessita de emoção na relação afetiva com o espaço urbano e o uso a pé do espaço público é ação de grande proximidade e, portanto, muito diretamente estimulada pela qualidade do desenho urbano; afinal passeamos mais e melhor quando sentimos que os espaços urbanos e residenciais são “mais passeáveis”, porque caraterizados por imagens coerentes e estimulantes, que incentivam o passeio, desde que, evidentemente, também funcionalmente bem servidas em termos de agradabilidade dos percursos.

Vizinhanças amigáveis, vizinhanças amáveis

Importa salientar que, atualmente, não parece haver ainda um conhecimento devidamente sedimentado, publicitado e, essencialmente, consensualizado (no que for possível) sobre a qualidade urbana que é possível ter, por exemplo, numa praceta ou rua residencial, verdadeiramente amigável, apropriável, digna a atraente.

Os conhecimentos e as preocupações continuam a estar, aqui, dirigidos para os aspetos funcionais do tráfego de veículos. Estamos agora apenas a começar a ultrapassar, um pouco a medo, uma tal estrita e fictícia funcionalidade numa perspectiva de simples defesa da segurança pedonal, falta-nos todo um caminho de humanização de conteúdos funcionais e de imagens.

Não é possível deixar de referir que este caminho de projeto deve ser compatibilizado com a disponibilização de novas e diversas tipologias residenciais adequadas para grande diversidade de formas e gostos de habitar, talvez agora com uma atenção específica às pessoas sós e ás pequenas famílias, numa ação que contribui, estrategicamente, para a vitalização da cidade com novos habitantes e habitantes muito disponíveis para participar nessa vitalização, até porque serão pessoas que irão encontrar nesse meio urbano “concentrado” condições adequadas para a manutenção ou a redescoberta do interesse, da riqueza e da vitalidade e funcionalidade na vida diária citadina.

E não tenhamos qualquer dúvida de que a perspetiva que acabou de ser apontada é muito bem servida por uma reinvenção tipológica que termine de vez com os formatos “únicos” do mau funcionalismo e que proporcione um leque muito diversificado de relações de acessibilidade e de transição entre os espaços públicos ou de uso público e o interior dos edifícios, numa diversificação de elos de ligação entre interior e exterior que vitalize e torne mais seguros toda uma estimulante e diversificada família de espaços exteriores e de transição interior/exterior.  

Cultura e urbanidade

Neste processo de reflexão e de projeto importa aplicar ferramentas facilitadoras das intervenções e nesta matéria devemos ter presente que a revitalização urbana, a dinamização da cultura e da arte, e a criação de uma cidade mais cívica, humana e ambientalmente sustentável, são aspetos que mutuamente se conjugam e se influenciam.

A arte urbana ou pública tem, realmente, uma, frequentemente, pouco conhecida, mas muito grande, importância na valorização, na identificação, na apropriação e no rechear de afetividade dos espaços públicos; mas há que ter sensibilidade no apurar das intervenções.

 

Aliança entre intervenções no exterior urbano e nos edifícios

Em tudo isto importa salientar que grande parte do segredo de uma cidade viva e sensível relativamente aos seus habitantes, está num tecido urbano com continuidades afirmadas, que acolham bem e atraentemente uma diferenciação formal e funcional equilibrada, em continuidades urbanísticas não especializadas e que levem a cidade até à porta de muitas casas, enquanto também proporciona recantos “domésticos” em zonas citadinas mais animadas.

E esta grande unidade dos espaços urbanos e residenciais constitui-se num fundamental ligante de apropriação, sendo que nesta unidade formal e funcional fica evidente o protagonismo do espaço público.

Um protagonismo que é essencial veículo de diversas qualidades da urbanidade, entre as quais é atualmente bem oportuno evidenciar a criação de espaços com usos mistos; sejam exteriores, sejam edifícios, sejam unidades com partes interiores e exteriores.

 

 

Fig. 04: a propósito de uma requalificação pedonal realizada com grande sensibilidade, uma imagem da envolvente do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça – pelo atelier de Gonçalo Byrne.

 

Do estímulo e da surpresa na cidade

Mas todo este caminho não é possível sem intervenções marcadas pela qualidade arquitectónica e que tenham em devida conta adequadas condições estímulo, surpresa, considerando mesmo um certo sentido lúdico (...) , pois o espaço urbano para além de nos acolher e proteger, também nos deve estimular e surpreender, pela positiva naturalmente; e nesta perspetiva o adequado manejar da imagem urbana é essencial e nele a intervenção no espaço público é sempre determinante.

E, tal como referiu a colega Marilice Costi, num dos primeiros artigos da Infohabitar em Junho de 2005: “Uma cidade precisa surpreender, mostrar sua história, entregar-se a quem passa por ela e dar-lhe o seu sabor. Ela precisa apaixonar a qualquer um, provocar sensações, proporcionar vivências. Ser lugar para seus moradores e um novo lugar para quem chega.”


Notas:

(1) Francisco de Gracia, Construir en lo construido – la arquitectura como modificación. Madrid, Editorial Nerea, 1992.

(2) Rudolf Arnheim, “A dinâmica da forma arquitectónica”, trad. Wanda Ramos, 1987 (1977), p.70.

(3) Spiro Kostof, “The City Assembled – The elements of urban form through history”, 2004 (1992), pp.240 a 242

(4) António Pinto Ribeiro, “Abrigos: condições das cidades e energia das culturas”, 2004, p. 18.

 

 

Uma primeira versão, bastante menos desenvolvida, deste artigo foi publicada no número 482 da Infohabitar, em 27 de abril de 2014

.

 

Notas editoriais:

(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.

(ii) No mesmo sentido, de natural responsabilização dos autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos de ilustração dos mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos, gráficos, etc., é, igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores – que deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias autorizações.

(iii) Para se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

 

 

Infohabitar, Ano XVI, n.º 736

 

Espaço público e identidade urbana

Qualificação do espaço público como fator de identidade e apropriação coletiva do espaço construído – Infohabitar # 736

 

Infohabitar

Editor: António Baptista Coelho

Arquitecto/ESBAL – Escola Superior de Belas Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), em Lisboa.

 

abc.infohabitar@gmail.com

abc@lnec.pt

 

Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativa de Habitação Económica (FENACHE).


terça-feira, junho 23, 2020

Espaço urbano vitalizado pelas relações entre exterior e interior – Infohabitar # 735

Ligação direta (clicar) para:  725 Artigos Interactivos, edição revista, ilustrada e comentada - 38 temas e mais de 100 autores.

 

Infohabitar, Ano XVI, n.º 735

Viver ao nível térreo - II

Espaço urbano vitalizado pelas relações entre exterior e interior – Infohabitar # 735

Por António Baptista Coelho (texto e imagens)

 

Notas prévias:

Caros leitores da Infohabitar, estimados amigos,

Esperando que estejam todos de saúde,

continuamos um “retorno” a uma abordagem relativamente sistematizada dos espaços domésticos, feito tendo por base alguns artigos já aqui editados e que foram e serão, naturalmente, extensamente revistos, desenvolvidos e “recomentados”, para esta ocasião editorial.

Este relativo “retorno” – relativo, porque o tema dos mundos domésticos esteve, está e estará sempre presente na Infohabitar – justifica-se, entre outras razões, pelo evidente e novo protagonismo que esses nossos espaços de vida assumiram nas longas semanas do nosso confinamento; um relevo que importa sentir em profundidade e aproveitar em tudo aquilo que possa contribuir para uma adequada e bem ponderada revisão programática, quantitativa, qualitativa e objetivada dos nossos mundos domésticos mais privados, “pessoais” e familiares.

Esperando que estes artigos agradem aos nossos estimados leitores e lembrando-se, sempre, que serão muito bem-vindas eventuais ideias comentadas a propósito destes artigos e mesmo propostas de novos artigos (a enviar para abc.infohabitar@gmail.com ao meu cuidado),

despeço-me, até à próxima semana, com saudações calorosas e desejos de muita força e de boa saúde,

Lisboa, Encarnação, em 22 de junho de 2020

António Baptista Coelho

Editor da Infohabitar

 

 

Viver ao nível térreo - II

Espaço urbano vitalizado pelas relações entre exterior e interior – Infohabitar # 735

António Baptista Coelho

 

 

 

Ainda sobre a grande e insuspeitada importância da opção de se viver em afirma relação com o exterior

A opção de se “viver ao nível térreo” ou próximo dele, ou ainda em relação privilegiada com o exterior (privado, comum, público ou de uso público) é um passo importante, como já foi aqui referido, para se habitar privilegiando o exterior e, consequentemente, marcando-se bem a existência, sempre bem próxima, de um “interior” que poderá e deverá ser expressivamente acolhedor e identificador.

É, assim, interessante considerar que uma tal possibilidade de habitar de modos afirmadamente ligados ao “exterior”, ao “ar-livre”, “à rua” e, portanto, à natureza, e/ou à cidade e/ou mesmo à paisagem de proximidade, é uma possibilidade que, um pouco ao contrário do que poderia parecer, acaba por proporcionar, para além de toda essa potencial diversidade de usos e sentimentos ligados ao “exterior” (bastante apontados no artigo anterior) e, consequentemente, aos tais ricos espaços de relação exterior/interior/exterior, um verdadeiro sentido de interioridade e de verdadeira opção por essa interioridade.

E mais podemos, ainda, avançar quando consideramos que um tal verdadeiro sentido de interioridade, mais ou menos matizada em termos ambientais e de privacidade/convívio, será muito mais efetiva, porque verdadeiramente opcional e “desejada”, do que aquela interioridade quase “obrigatória” que sentimos e “sofremos”, quando estamos “alojados” em condições nas quais a única opção é entrarmos nos “nossos” edifícios e, em seguida, passarmos de imediato (pois não existem outras opções e mesmo estes espaços ditos comuns acabam por ser meros espaços mínimos de circulação) aos “nossos” espaços domésticos, que, muitas vezes, eles próprios são, também, tristemente unívocos (suscetíveis de interpretações únicas, quando não mesmo única) e “obrigatórios” nas suas formas de uso e de (muito reduzida ou mesmo ausente) capacidade e apropriação.

E realmente toda esta reflexão pode e deve corresponder a um verdadeiro “filão” em termos de reflexão projetual (sobre o “viver ao nível térreo” ou em grande relação com o exterior), numa perspetiva que deverá ser conjugada e que, por sua vez, ganhará importantes influências, designadamente dos seguintes aspetos:

·        diversificação e adequação tipológica habitacional, numa opção cada vez mais afastada das velhas e “únicas” soluções ditas funcionalistas e que corresponda a uma verdadeira aproximação a diversos modos e desejos de habitar a casa, a vizinhança e a cidade e a diversos gostos de contacto diário com o exterior;

·        consideração estratégica e igualmente diversificada, dos importantes aspetos de harmonização a necessidades específicas de acessibilidade e à sua natural mistura e conjugação em soluções urbanas;

·        compatibilização com as “novas” ou renovadas preocupações de densificação urbana, pois não tenhamos quaisquer dúvidas que será, em boa parte, da natural organicidade de misturas de soluções de habitar diversificadas no seu relacionamento com o exterior que decorrerá boa parte da respetiva capacidade de combinação mútua e, consequentemente, de agregação e densificação;

·        incorporação na arquitetura urbana assim relativamente reinventada de múltiplos aspetos de sustentabilidade ambiental e social urbanas, designadamente, através da multiplicidade de relacionamento com e de usos dos espaços exteriores, seja em aspetos ligados com a sua componente natural, seja na sua potencialidade social;

·        opção evidenciada por um urbanismo renovado e mais humano, tendo-se em conta aspetos de relação mais direta, diversificada e múltipla com a escala e os usos humanos; e uma opção que, consequentemente, irá pedir sempre mais “humanidade” e mais relacionamentos nos outros níveis físicos da cidade e sua envolvente;

·        compatibilização com soluções de arquitectura urbana potencialmente muito sensíveis a situações de baixa e muito baixa densidades, numa opção em que, finalmente, se dará a tais situações a sua importância real e urgente;

·        e conjugação com uma oferta habitacional potencial e expressivamente caraterizada como claramente apropriável pelos seus habitantes (fisicamente e em termos de identidade); isto porque não se trata só de intervir diretamente na potencialmente enorme presença física de múltiplos pequenos jardins, pequenos pátios, caminhos ajardinados, balcões e varandas todos marcados por elementos naturais e de mobiliário exterior, mas trata-se, também, de suscitar uma arquitetura urbana global e intensamente marcada pelas contiguidades com espaços domésticos e também com os tais pequenos espaços de equipamento coletivo (ex., pequenos cafés e esplanadas), que acabem por também se caracterizarem por um forte sentido doméstico e apropriado/apropriável .

 

Espaço urbano vitalizado pelas habitações térreas

A existência de residências térreas, dispondo de espaços exteriores privativos, liga-se a uma oferta, directa, de condições de vida diária potencialmente muito semelhantes ao viver em edifícios unifamiliares e pode, até, ser conveniente para potenciar a continuidade da presença humana e a animação urbana, acima referidas, e por outro lado para as garantir, de modo mais generalizado, "a toda a volta dos edifícios" e, até, de um modo mais alargado, a toda a volta de zonas exteriores privadas dos fogos do rés-do-chão, enquanto também se potencia a qualificação basicamente residencial da zona em causa (caracterizando-a como uma verdadeira "área residencial").

E nunca é excessivo valorizar este sentido de “residencialidade”, que acaba por ser a “urbanidade” mais ligada à proximidade/contiguidade da habitação.

 

Fig. 01: o exterior considerado e tratado como efetivo espaço de habitar.


Adequação da habitação a modos de vida e gostos habitacionais

Por outro lado, sabendo-se , ainda, que os fogos térreos podem ter problemas de segurança (relativamente a intrusões) e de reduzido desafogo de vistas (de modo a proteger-se a intimidade doméstica), para não falar já das suas potencialmente mais fracas/sensíveis condições de conforto ambiental (mais sombra, mais ruído), também parece justo que lhes sejam atribuídas, de certa forma em compensação, algumas (muitas) vantagens quanto à autonomia no contacto com o solo e respetiva diversidade de usos correlacionados.

Com uma tal opção projetual e para além desta compensação com múltiplos usos “térreos” a habitações próximas do nível térreo, conseguem-se, ainda:

·        substanciais poupanças na manutenção pública do exterior residencial, que acaba por ser garantido, em boa parte, pelos seus próprios habitantes;

·        enquanto se proporciona a um significativo grupo social, o das famílias com filhos pequenos e de tantas outras pessoas com hábitos e gostos de relacionamento com o exterior, um meio residencial que é o ideal para o crescimento saudável destas crianças (jogos no exterior em segurança, contacto directo com a terra, etc.) e para a saudável e gratificante continuidade de usos e desejos de habitar e de usar o exterior; usos e desejos estes que poderão e deverão marcar uma renovada oferta de tipologias habitacionais adequadas, seja a uma ampla diversidade de modos de vida (ex., mais ligados a prática rurais), seja a uma ampla variedade de gostos/desejos de habitar (ex., ligação mais forte ao exterior e ao solo, contato com animais domésticos, etc.).

 

Cuidados com as habitações térreas

Convém, no entanto, considerar alguns cuidados básicos no desenvolvimento de fogos e equipamentos térreos, tal como, em seguida, se refere (de modo não exaustivo):

·        Cotas de soleira e de peitoril a alturas adequadas, relativamente aos espaços exteriores públicos, comuns e privados contíguos.

·        Vistas a partir dos espaços pedonais envolventes do edifício, por um lado não devassando os espaços térreos privados e por outro aproveitando, pelo menos em parte, visual e ambientalmente, os "verdes" privados.

·        Relações estimulantes com os espaços exteriores privados e bem aproveitadas em todas as suas potencialidades, com relevo para a forte caracterização da imagem urbana do local (área ou conjunto residencial).

·        Adequadas (máximas) condições de segurança, tanto por recurso a muros, gradeamentos e vedações previamente projectados e uniformizados, "cobrindo"/protegendo todos os vãos exteriores térreos e quintais privados, como pelo desenvolvimento cuidadoso (não ferindo privacidades domésticas) de uma estratégia generalizada de visibilidades de segurança e de contiguidades de observações naturais e contínuas (ex., contiguidade ou grande proximidade entre as traseiras de certos edifícios e as entradas de outros). 

·        Total controlo do desenvolvimento de anexos nos quintais privados, segundo projectos-tipo e apenas para usos, previamente, bem definidos.

·        Articulação de todos estes aspetos numa adequada solução de gestão local dos espaços públicos, de uso público, comuns visíveis e privados visíveis; solução esta também direcionada para a manutenção de adequadas condições ordenamento e qualidade visual e de segurança pública nestes espaços.

 

Semelhança entre habitações térreas e moradias

John Noble e Barbara Adams consideram que algumas características das moradias podem ser conseguidas nos pisos térreos de edifícios multifamiliares, tais como acessibilidade a diversos tipos de espaços exteriores, terraços e jardins privados económicos, zonas de serviço exteriores e vistas agradáveis de espaços verdes ou de zonas animadas; no entanto, há que cuidar, atentamente, das relações visuais e acústicas que determinam a privacidade doméstica (essencialmente interior, mas também em parte do exterior privado). (1)

É ainda de considerar a extensão parcial deste tipo de solução às habitações em 1º andar, através de terraços e escadas exteriores funcionais e, por vezes, aproveitando a topografia do terreno.

E é, ainda, interessante considerar que tais qualidades evidenciadas de bom relacionamento com o exterior podem também ser reforçadas pelo desenvolvimento, mais em altura, de soluções habitacionais marcadas por adequados terraços, balcões, varandas e mesmo vãos de janela expressivamente ligados ao exterior.



  Fig. 02: a importância que tem a relação interior/exterior num uso estimulante dos espaços domésticos.

 

 Pátios e quintais privados

Uma previsão de pátios ou pequenos quintais privados é um aspecto fundamental neste nível físico da Vizinhança Próxima, que parece não ter sido, ainda, convenientemente considerado na arquitectura urbana residencial mais recente.

Afinal os espaços exteriores privativos e térreos constituem zonas de transição interior doméstico/exterior público ou semi-público com enorme capacidade de apropriação, são elementos de forte compensação face a uma situação habitacional térrea ou pouco elevada (menos privatizada, segura e visualmente desafogada), asseguram boa capacidade de adequação a determinados modos de vida, desejos habitacionais e composições familiares (famílias com crianças) e podem também assegurar um verde privado com forte fruição pública mas sem gastos públicos de manutenção (ao longo de caminhos e passeios pedonais) contíguas, mas assegurando forte demarcação e relativa ou total privacidade. 

E não tenhamos dúvidas de que mesmo pequenos pátios e/ou quintais privados, ou mesmo varandas fundas/profunda, desde que bem projetados e equipados, proporcionam às suas habitações uma extraordinária dimensão natural e de relacionamento com o exterior, verdadeiramente enriquecedora em si própria (pelos usos e ambientes proporcionados) e de enriquecimento diversificado dos respetivos espaços interiores contíguos.

Variedade de espaços exteriores privativos

De certo modo a integração de quintais/pátios e de balcões/varandas com expressiva profundidade tem grande versatilidade de aplicação, podendo variar, por exemplo, entre um grande pátio/terraço comum envolvendo uma torre habitacional e um interior de quarteirão associando zonas de recreio semi-públicas centralizadas e uma margem quase contínua de quintais/pátios contíguos a fogos térreos, ligados a fogos em 1º andar (com acesso por escadas), dispondo de balcões ajardinados e profundos e, eventualmente, contíguos a salas de condomínio.

Relativamente a todas estas matérias lembra-se um interessante livro de Dieter Prinz, com uma já “antiga” edição portuguesa (1994) designado Urbanismo II ( e julgo que “Configuração Urbana”, pelos menos assim é na edição no Brasil) e em que se abordam estes assuntos de forma muito estimulante.

           

Outras vantagens dos exteriores privativos e bem relacionados com o nível térreo

Ainda outras importantes vantagens do desenvolvimento de quintais/pátios e de varandas profundas ao nível térreo e na sua proximidade, referem-se à sua muito provável influência decisiva na obtenção de condições de intensa utilização e apropriação de grande parte do exterior de proximidade e os consequentes ganhos em boas condições de vigilância natural, bastante contínua e bem disseminada, de todo o território da Vizinhança Próxima.

Não é excessivo reafirmar que estas condições só terão viabilidade se o sistema de quintais/pátios e de janelas e varandas baixas estiver perfeitamente conjugado com o sistema de acessibilidade local e de respetivas visibilidades mútuas (ex., percursos de uso frequente ao logo de bandas de quintais), caso contrário, tratando-se de uma má solução de projeto de Arquitetura, o resultado final até poderá, eventualmente, agravar situações de insegurança e de incomodidade na vivência local.

 

Notas:

(1) John Noble; Barbara Adams, "Housing. Home in its Setting", p. 525.

 

 

 

Uma primeira versão, muito menos desenvolvida, deste artigo foi publicada no número 476 da Infohabitar, em 17 de março de 2014.

 

Notas editoriais:

(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.

(ii) No mesmo sentido, de natural responsabilização dos autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos de ilustração dos mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos, gráficos, etc., é, igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores – que deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias autorizações.

(iii) Para se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

 

 

Infohabitar, Ano XVI, n.º 735

 

Viver ao nível térreo - II

Espaço urbano vitalizado pelas relações entre exterior e interior – Infohabitar # 735

 

Infohabitar

Editor: António Baptista Coelho

Arquitecto/ESBAL – Escola Superior de Belas Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), em Lisboa.

 

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