terça-feira, junho 29, 2021

Oferta abrangente de espaços domésticos específicos – infohabitar # 781

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Oferta abrangente de espaços domésticos específicos – infohabitar # 781 

 Infohabitar, Ano XVII, n.º 781

Edição: terça-feira, 29 de junho de 2021,

Artigo integrado na série editorial da Infohabitar “Habitar e viver melhor”

 

 Caros leitores da Infohabitar,

Continuamos a série editorial da Infohabitar especificamente dedicada a uma viagem sistemática pelos diversos espaços do habitar, que iniciámos na vizinhança, avançando, depois para os edifícios e seus espaços comuns (disponível no catálogo interativo da Infohabitar, no seu tema 6 intitulado Série habitar e viver melhor”) e “terminando” numa reflexão sobre os diversos tipos de organizações, opções e espaços domésticos; reflexão esta que aqui está a ser, e será, desenvolvida ainda durante mais algumas semanas editoriais.

Lembra-se, novamente, que serão sempre muito bem-vindas eventuais ideias comentadas sobre os artigos aqui editados e propostas de novos artigos (a enviar para abc.infohabitar@gmail.com , ao meu cuidado).

Considerando a mais recente evolução da pandemia, sublinha-se, mais uma vez, a vital importância de não perdermos, agora, uma parte significativa do que ganhámos, dando-se agora tempo e cuidado até estarmos todos, em boa parte, imunizados; há que cumprir com rigor os protocolos de vacina (n.º de doses e períodos temporais posteriores às mesmas) e continuar com os cuidados de proteção próprios e dos outros, até esta presente vaga estar vencida.

Despeço-me, até à próxima semana, enviando saudações calorosas e desejos de força e de muito boa saúde para todos os caros leitores e seus familiares,    

 

Lisboa/Encarnação e Azambuja/Casais de Baixo, em 28 de junho de 2021

António Baptista Coelho

Editor da Infohabitar


Oferta abrangente de espaços domésticos específicos – infohabitar # 781

António Baptista Coelho

(texto e imagem)

Resumo

Neste artigo, dedicado a um tema que se julga dever ser “irmão” dos aspetos globais de funcionalidade doméstica e depois de uma reflexão introdutória sobre a própria natureza do respetivo título, onde contrapontuam os termos ”abrangente” e “específicos”, desenvolve-se uma reflexão sobre a implementação de uma habitabilidade ampla nos espaços domésticos, habitabilidade esta que também depende do desenvolvimento de boas condições habitacionais interiores, exteriores e de relação interior/exterior, do visar de renovados e bem fundamentados objetivos de organizaçãoo doméstica e da promoção de um adequado convívio nos espaços domésticos; temas estes que se desenvolvem sequencialmente no artigo.

 

 

Oferta abrangente de espaços domésticos específicos – infohabitar # 781

António Baptista Coelho

abc.infohabitar@gmail.com

 

1. Notas introdutórias sobre o título do artigo – espaços domésticos diversificados e específicos

Julga-se interessante salientar o tema que está bem presente no próprio título do artigo, e que se refere a uma “oferta abrangente de espaços domésticos específicos”, reforçando-se esta ideia de proporcionar uma ampla disponibilidade de variados espaços domésticos – e variados em diversas matérias (ex., funcionalidades, fimensões, relações mútuas entre os próprios e relativamente às envolventes, etc.) –, mas de espaços domésticos realmente “específicos”, porque bem apropriáveis, identificáveis, caracterizáveis e, já agora, positivamente marcantes.

Naturalmente que uma tal intenção terá de ser harmonizada com a espaciosidade global da respetiva habitação, podendo tais espaços reduzir-se, e frequentemente, a sub-espaços, sedes de microfunções domésticas, pois há que organizar uma tal diversidade “à escala” da sua respetiva base de desenvolvimento; mas uma tal “micro-repartição” funcional e espacial, que é, quase sempre, parcial pois cada um dos sub-espaços continua a integrar, claramente, um espaço maior, é algo de essencial mesmo quando estamos em presença de compartimentos muito espaçosos, acontecendo, mesmo, por vezes, nestes casos, quando tal não é possível, que se produz um resultado funcional extremamente pobre, em termos de versatilidade de usos e de apropriação.

Em seguida, iremos abordar, globalmente, a matéria dos usos e apropriações dos compartimentos, dos cantos e dos recantos domésticos, tentando refletir um pouco mais sobre o que carateriza tais espaços, sempre tendencialmente intimistas, mas também potencialmente conviviais, onde se processa a vida diária das famílias, num leque variado de espaços habitualmente com funções específicas, mas desejavelmente com uma equilibrada flexibilidade funcional, formalizando espaços privilegiados da apropriação familiar e individual.

2. Implementar uma habitabilidade ampla dos espaços domésticos

As características de habitabilidade dos espaços domésticos são, realmente, fundamentais para a qualidade residencial oferecida por um determinado empreendimento habitacional. Basta imaginarmos uma habitação constituída por compartimentos e espaços razoavelmente amplos/desafogados, e claramente confortáveis e funcionais, que aceitem uma forte apropriação por mobiliário e diversas zonas de uso, para que fique quase praticamente provada essa afirmação.

E diz-se quase provada porque essas condições não chegam, de facto, para uma boa caracterização residencial. É também necessário, pelo menos, que a envolvente da habitação nos ofereça boas condições para a vida diária; pois assumimos sempre – ou deveríamos sempre poder assumir – o nosso espaço de habitar como algo “relacionado com”, por exemplo: uma boa rua; um bom jardim; uma agradável praceta; e uma vizinhança funcional a transportes públicos e outros equipamentos urbanos essenciais.

Podemos/devemos, assim, poder imaginar e sentir o nosso espaço doméstico como um pequeno mundo agradável, apropriado e versátil, em boa relação com uma envolvente urbana praticamente marcada pelas mesmas qualidades, embora naturalmente a uma outra escala funcional e formal; mas, por vezes, a nossa habitação não passa de um conjunto de espaços rigidamente funcionais, nada versáteis, dificilmente apropriáveis, a não ser por um pobre conjunto de funções básicas e nada estimulantes, e mal articulado com uma envolvente também assim globalmente caracterizada.

3. Desenvolver boas condições habitacionais interiores, exteriores e de relação interior/exterior

Deste modo definiu-se um "binómio" mínimo de qualificação residencial assente em boas condições domésticas de compartimentação/privativas e de vizinhança exterior/semi-públicas ou públicas, "binómio" esse que deverá ser estudado e explicado, pois poderá proporcionar conclusões práticas bem interessantes sobre a satisfação residencial; e talvez que entre um e outro elemento possamos, depois, "inovar" com a afirmada introdução da grande importância de um "jogo tipológico" habitacional muito mais protagonista do que aquele que é habitualmente considerado – matéria  que temos aflorado, várias vezes, nestes textos, mas que terá de ficar ficar para outros específicos desenvolvimentos.

Ainda sobre a importância de boas condições de habitabilidade nos espaços e compartimentos do fogo importa salientar que até a organização ("o layout") do fogo parece ser menos importante do que as condições específicas dos seus Espaços e Compartimentos.

Esta afirmação parece ser globalmente válida e tem grande importância quando a organização do fogo se caracteriza por uma forte neutralidade e adaptabilidade, proporcionando grande flexibilidade nos usos dos diversos Espaços e Compartimentos domésticos, considerando-se, naturalmente, que estes últimos também suportam essa flexibilidade ou multifuncionalidade, designadamente, através de boas condições de espaciosidade e capacidade na arrumação de mobiliário e outras facetas de apropriação (ex., paredes com elementos gráficos e de arte).

Acabamos assim por chegar quase a uma “defesa” de um projeto bem pormenorizado e específico para cada compartimento, objetivo este que parece bem óbvio, mas que, infelizmente, está, quase sempre, bem longe da maioria dos objetivos dos projetos habitacionais, e com especial relevo para os de habitação de interesse social (HIS), que deveriam, no entanto, ser realmente objeto de uma atenção desse tipo pois neles cada metro quadrado construído é verdadeiramente precioso em termos do seu reflexo no potencial de habitabilidade (funcionalidade, adaptabilidade, apropriação, conforto, etc.) da respetiva habitação e tendo, também bem presente a sua significativa repetição e “serviço” a muitos e variados gostos e necessidades habitacionais – e basta irmos, por exemplo, aos bons exemplos de HIS portugueses dos anos de 1950 e 1960, para encontramos esse bom caminho a ser seguido sistematicamente.

4. Visar também renovados e fundamentados objetivos de organização doméstica

Paralelamente a esta atenção específica para com o bom projeto “arquitectónico” de cada espaço habitacional é, evidentemente, vital ter como objetivo adequadas soluções de organização doméstica, elas próprias marcadas por idênticos critérios globais de versatilidade e capacidade de apropriação.

Mais do que propor estruturas organizativas domésticas mais ou menos caracterizadas,  e essencialmente marcadas pelos bem conhecidos e rigidamente hierarquizados zonamentos funcionais, de que nos vamos ocupando ao longo deste trabalho - e desta série de artigos -, importa aqui, porque importa cada vez mais, apontar objectivos de organização doméstica que sejam tendencialmente adequados a um maior número e a uma muito grande amplitude de desejos e de gostos habitacionais, considerando, também, a actual e evidenciada mudança de hábitos domésticos e pessoais que vão hoje marcando, efetivamente, os sítios onde vivemos.

Evidentemente que será, sempre, mais fácil organizar uma habitação de acordo com dupla hierarquização serviço/formalidade e acesso/privacidade, juntando-se a ela o “módulo”, quase autónomo, embora quase sempre pouco acessível, da “suite de casal”; mas há outras opções de organização doméstica e deveria haver uma outra versatilidade básica no seu uso e apropriação.

E tudo passa por muitas questões que podem ser colocadas, por exemplo: quem cozinha e como cozinha? Quem limpa e como limpa? Quem trabalha em casa e o que faz? Que tipo de isolamento sonoro é possível entre espaços próximos? Qual o número máximo provável de convivas que a habitação suporta? Como se faz o tratamento de roupa? Qual o potencial de usos do exterior privado? Que usos são possíveis  na casa de banho principal? Quantas pessoas podem ver TV agradavelmente instaladas na sala? Qual o potencial para um grupo de pessoas sentadas à mesa? Etc.

E repare-se que tais questões pouco têm a ver com as habituais preocupações funcionais domésticas, tão “mecanicamente” aplicadas em tantos projetos habitacionais; mas tenha-se bem presente que a organização e a configuração domésticas adoptadas vão influir, fortemente, na vida diária e no percurso familiar de grande número de famílias e de indivíduos; e para além de muitos elementos de referência teórico-prática disponíveis há cada vez mais uma enorme disponibilidade de informação sobre casos de referência, que pode e deve ser usada, naturalmente, com as devidas referências.

5. Promover um melhor convívio doméstico

Em toda esta matéria julga-se que um “assunto”, em particular, tem sido bastante descurado na reflexão e na prática arquitectónica doméstica: trata-se da existência de adequadas condições de convívio doméstico, seja numa perspetiva do respetivo agregado familiar, seja numa outra perspetiva, também essencial, de um potencial de convívio doméstico mais alargado.

O pouco tratamento desta matéria terá a ver, seja com as naturais limitações dimensionais e de espaciosidade geral que marcam a habitação de interesse social e que, “naturalmente”, acabam por inquinar outros tipos de promoção residencial, seja com a atenção excessiva que se dedicou, durante decénios, aos aspetos de hierarquização e privacidade domésticas, quase que transformando muitas habitações em “grandes quartos” um pouco subdivididos, onde a preocupação quase única é a privacidade e a hierarquia entre entrada, zona de quartos e suite, ficando a cozinha remetida a uma zona funcional e a sala ao espaço quase restante.

E afinal a convivialidade doméstica pode ser fator determinante da criação de uma verdadeira “outra dimensão” na habitação; uma dimensão que tem estado bastante esquecida, pelo menos na habitação económica, embora existindo excelentes exceções de referência.

Fig. 1: Favorecer pequenos incrementos dimensionais nos quartos e outros compartimentos menos amplos, possibilitando mais flexibilidade na arrumação de variadas peças de mobiliário e, designadamente, mais capacidade para o lazer e o trabalho em casa ...

6. Proporcionar um verdadeiro “suplemento de alma” espacial e ambiental doméstico

Tendo em conta as ideias que foram atrás apontadas e visando-se uma rica, embora sempre controlada, multidimensionalidade doméstica, apontam-se, em seguida, um pouco a título de exemplos, potencialmente estruturantes, alguns aspectos (1) caracterizadores de uma adequada organização e qualificação residencial dos espaços que compõem as nossas “casas” e que terão como matéria comum  o estarem nos antípodas de organizações domésticas rigidamente organizadas e repetidas quase até à exaustão:

-    Uma ideia de poder receber e conviver melhor na habitação, designadamente, através de boas condições de recepção, no hall/vestíbulo e de um cuidadoso dimensionamento das zonas mais sociais do fogo – vestíbulo, circulações sociais, sala comum e cozinha.

Este objectivo pode ser atingido através de "meia-dúzia" de metros quadrados "suplementares" na sala-comum e na cozinha (acima das áreas recomendadas para habitações de baixo custo), desde que as respectivas configurações espaciais e dimensões estruturadoras sejam adequadas. Uma ideia forte em termos dos modos como a habitação poderá apoiar o convívio doméstico, ideia esta que poderá ter de se desenvolver através de compensações dimensionais entre sala comum e cozinha, proporcionando-se, por exemplo, uma ampla cozinha convivial e uma sala mais adequada para o estar e, até, eventualmente, para o trabalho em casa.

-    Favorecer pequenos incrementos dimensionais nos quartos e outros compartimentos menos amplos, possibilitando mais flexibilidade na arrumação de variadas peças de mobiliário e, designadamente, mais capacidade para o lazer e o trabalho em casa; e optar conscienciosamente sempre que estejam em causa dimensões mínimas. Isto não significa que não se apliquem tais dimensões mínimas em casos específicos quando funcionalmente julgados adequados, o que tem a ver, designadamente, com a disposição de enfiamentos de camas individuais.

-    Segundo Sven Thiberg (2) há que aplicar estrategicamente suplementos dimensionais, apurando-se os espaços e compartimentos onde "um metro quadrado extra", suplementar às indicações mínimas regulamentares, pode aumentar significativamente as condições de habitabilidade (acessibilidade, agradabilidade de uso, alternativas de ocupação); uma matéria que tem igual aplicabilidade em soluções habitacionais acima das indicações mínimas.

Estes suplementos dimensionais estratégicos estão associados à capacidade de se integrarem várias sub-zonas funcionais em cada compartimento, uma condição fundamental para a respectiva versatilidade de uso, seja em diversidade de funções, seja em diferentes modos de vida e diversas formas de ocupação por actividades e diversos tipos de mobiliário, condições estas muito interessantes considerando-se, por exemplo, a adequação a diversas minorias étnicas.

-    Favorecer pequenos e funcionais incrementos dimensionais em espaços de circulação, proporcionando que estes espaços ganhem, verdadeiramente, uma outra e importante valência, designadamente, para integração de mobiliário, ou mesmo outros usos eventuais (ex., trabalho em casa), e sempre com evidentes ganhos em habitabilidade e apropriação da habitação.

-    Aumentar significativamente a funcionalidade no desempenho de todas as tarefas domésticas e de outras actividades diárias, em toda a habitação, através de uma cuidadosa concepção que evite espaços potencialmente muito cheios de mobiliário e equipamento.

A funcionalidade estrita de cada Espaço relativamente à(s) sua(s) "função(ões) de base", deve ponderar, designadamente, os seguintes factores:

-     dimensionamento;

-     comandos de instalações "embebidas";

-     equipamentos fixos;

-     capacidade de integração de mobiliário com diferentes características tipológicas, dimensionais e de quantidades de peças unitárias agregadas ou reunidas;

-     existência de espaços suplementares para (i) mobilar posteriormente, (ii) equipar posteriormente e (iii) movimentar-se e usar adequadamente os espaços.

 

Notas bibliográficas:

(1) Estes aspectos são apontados, sinteticamente, no estudo do LNEC, realizado pelo autor e intitulado “ Do Bairro e da Vizinhança à Habitação”.

(2) Sven Thiberg(Ed.), "Housing Research and Design in Sweden", p. 128.

 

Notas editoriais ao artigo:

O presente artigo corresponde a uma edição muito ampliada, modificada e revista do artigo que foi editado na Infohabitar, em 25/08/2014, com o n.º 497.

 

Notas editoriais gerais:

(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.

(ii) No mesmo sentido, de natural responsabilização dos autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos de ilustração dos mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos, gráficos, etc., é, igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores – que deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias autorizações.

(iii) Para se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

 

Oferta abrangente de espaços domésticos específicos – infohabitar # 781

Infohabitar

Editor: António Baptista Coelho

Arquitecto/ESBAL – Escola Superior de Belas Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), em Lisboa.

 

abc.infohabitar@gmail.com

abc@lnec.pt

 

Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE).

 

terça-feira, junho 22, 2021

“Libertar” a habitação das instalações – infohabitar # 780

Ligação direta (clicar) para:  760 Artigos Interactivos, edição revista, ilustrada e comentada em janeiro de 2021- 38 temas e mais de 100 autores


“Libertar” a habitação das instalações – infohabitar # 780

Infohabitar, Ano XVII, n.º 780

Edição: terça-feira, 22 de junho de 2021 

 

Caros leitores da Infohabitar, 

Continuamos a série editorial da Infohabitar especificamente dedicada a uma viagem sistemática pelos diversos espaços do habitar, que iniciámos na vizinhança, avançando, depois para os edifícios e seus espaços comuns (disponível no catálogo interativo da Infohabitar, no seu tema 6 intitulado Série habitar e viver melhor”) e “terminando” numa reflexão sobre os diversos tipos de organizações, opções e espaços domésticos; reflexão esta que aqui será desenvolvida ainda durante bastantes semanas editoriais.

Lembra-se, novamente, que serão sempre muito bem-vindas eventuais ideias comentadas sobre os artigos aqui editados e propostas de novos artigos (a enviar para abc.infohabitar@gmail.com , ao meu cuidado).

Considerando a nova evolução da pandemia, sublinha-se, mais uma vez, a vital importância de não perdermos, agora, o que ganhámos, dando-se agora tempo e cuidado até estarmos todos, em boa parte, imunizados.

Despeço-me, até à próxima semana, enviando saudações calorosas e desejos de força e de muito boa saúde para todos os caros leitores e seus familiares,    

 

Lisboa/Encarnação e Azambuja/Casais de Baixo, em 21 de junho de 2021

António Baptista Coelho

Editor da Infohabitar


“Libertar” a habitação das instalações – infohabitar # 780

António Baptista Coelho

(texto e imagem)


Resumo

Neste artigo, dedicado a um tema que poderá levantar algumas dúvidas iniciais sobre o significado da “libertação” do espaço doméstico relativamente às máquinas e instalações que o devem servir, desenvolve-se, primeiro, uma reflexão sobre o equilíbrio entre o bem-habitar e a temática geral das instalações domésticas, define-se, depois, como objetivo, o desenvolvimento da adaptabilidade doméstica ao serviço de uma essencial domesticidade e aborda-se a matéria da desejável racionalidade e estratégia que deve caracterizar a integração das instalações domésticas, na sua globalidade.

No que se pode designar como uma segunda parte do artigo defende-se um significativo incremento da funcionalidade doméstica, mas harmonizada com a manutenção do próprio carácter “doméstico” da solução habitacional, avança-se na temática “central” do artigo, referida à “libertação” do espaço de habitar na sua relação com as instalações e apontam-se algumas notas de remate sobre as casas inteligentes, desigmente, dentro desta mesma faceta de compatibilização emter maximização da funcionalidade sem “custos” para o essencial sentido confortável, envolvente e apropriável da habitação.

 

1. Equilíbrio entre o bem-habitar e a temática geral das instalações domésticas

Em primeiro lugar há que apontar que aqui nos dedicamos a esta reflexão sobre o que pode e deve ser uma boa integração doméstica das variadas instalações que servem os espaços que habitamos, apropriamos e cuidamos/arranjamos no dia-a-dia, considerando-as como uma grande “unidade” de máquinas, tubagens, aparelhos e elementos funcionais e decorativos (ex., luminárias), que, estando mais ou menos visíveis ou mais ou menos “embutidos”, têm como função essencial a garantia de um amplo leque de serviços de apoio à vida diária, à funcionalidade e ao bem-estar e conforto na nossa habitação.

E no que se refere ao desenvolvimento desta noção de natural aliança entre maximização funcional e verdadeiro sentido/carácter doméstico, ou “domesticidade”, há que a harmonizar, designadamente, contra excessos funcionalistas gerais e de monofuncionalidade de cada espaço ou compartimento, pois uma habitação não é uma máquina ou dispositivo mecanizado que nos permite “habitar”, mas sim, em primeira linha, um remanso de agradabilidade e de apropriação, capaz de nos “envolver” como um verdadeiro pequeno mundo: um espaço doméstico sensível, caloroso, diversificado e ricamente apropriável, servido por dispositivos que lhe garantam extrema funcionalidade; e não o contrário: uma “máquina” de habitar, que proporcione condições mínimas de identidade e apropriação e/ou um espaço habitacional excessiva e caracterizadamente marcado por elementos maquinais e funcionais.

E há que lembrar que se até em escritórios, equipamentos de saúde e mesmo fábricas se tem descoberto a importância de um ambiente “domesticado”/humanizado, então nos pequenos mundos que habitamos o caminho preferencial em termos de caracterização fica bem evidente.

Nestas matérias importa, também, sublinhar, desde já, que o que aqui se quer definir por “instalações” se refere a todo um conjunto de "aparatos" técnicos, associados a redes técnicas diversas, com especial enfoque nas águas, esgotos, electricidade, e redes de telecomunicações, que são fundamentais para o habitar doméstico e cujas ligações ou “pontos” de serviço devem estar disseminados pelos vários espaços da habitação, proporcionando padrões de uso das respectivas instalações que devem ser eficazes no sentido das respectivas utilidades, mas assegurando, simultaneamente:

·       quer um tipo de serviço caraterizadamente residencial – há, por exemplo, tipologias de máquinas mais integráveis em ambientes domésticos, e soluções de “calhas técnicas” que para serem bem aceites num ambiente doméstico devem ser objecto de adequada integração e mesmo intervenção formal/de aspecto;

·       quer uma máxima capacidade de adaptabilidade dos respetivos espaços do habitar doméstico a um significativo leque de usos e a uma ampla diversidade de arranjos de mobiliário.

E, rematando-se esta reflexão, fica a sensação que talvez haja ainda um diversificado e amplo caminho a percorrer nesta “domesticação” de máquinas e redes associadas ao serviço de espaços da habitação; um caminho duplo, porque incluindo, quer a sua adequada e multifacetada integração em diversos espaços e elementos de mobiliário fixo , quer mesmo o seu design específico, que poderá ter em conta, por exemplo, uma sua capacidade de integração mais direta e atraente nos espaços e ambientes da habitação.


2. O objetivo da adaptabilidade doméstica ao ser viço de uma verdadeira domesticidade

Recheamos as nossas habitações com um leque de instalações que, há algum tempo, tinham estritas e até evidenciadas conotações funcionais e funcionalistas, com reflexo até na designação de compartimentos, como foi e é o caso das “instalações sanitárias”, em vez da “velha” designação de “casa de banho”, mas não podemos esquecer que estamos a passar para lá do “cabo funcionalista”, visando-se uma consolidada recuperação da flexibilidade das ocupações e dos usos domésticos, numa perspectiva de crítica construtiva aos excessos de hierarquização e de monofuncionalidade.

Enquanto isto acontece surgem numerosas novas aplicações de instalações ao serviço, designadamente, do conforto ambiental, das comunicações e da conversão funcional simplificada e reversível dos diversos espaços da habitação; por exemplo, as TIC multifuncionais estão já bem presentes e os robots de limpeza começam a marcar a nossa vida diária.

Desenvolve-se assim, também, a própria “inteligência doméstica”, radicada em inúmeros equipamentos e dispositivos específicos, com funções próprias e de coordenação das condições ambientais e de segurança da globalidade do espaço da habitação.

A tudo isto se ligam exigências velhas e novas em termos de instalações e redes algumas delas ainda muito físicas em termos de ramificações e pontos de serviço necessários – embora muitas vezes desenvolvidas de modo pouco planeado e aberto às sempre incontornáveis posteriores intervenções de manutenção e de reparação –  e outras cada vez mais associadas a redes sem fios, mas exigindo, também, bases funcionais adequadas e escolhas realmente inteligentes e domesticamente adequadas em termos, designadamente, de tipologias de mecanismos e de controlo dos mesmos – matérias estas que bem merecem urgentes desenvolvimentos, pois continuam a ser muito pouco consideradas face ao “novo-riquismo” das novas tecnologias emergentes; uma matéria onde é sempre essencial lembrarmo-nos que estamos a conceber e rechear funcionalmente espaços domésticos, e não oficinas onde só trabalham robots (o exagero da imagem foi, evidentemente, premeditado).

Nestas matérias de uma constante batalha por uma cuidada e ponderada maximização da adaptabilidade e da funcionalidade domésticas há, ainda, que ter presente que a vida doméstica de hoje e de amanhã está a ser e será marcada por novos hábitos, alguns já conhecidos e outros ainda incipientes e mutantes, sendo que tudo isto é cada vez mais muito pouco compatível com os espaços funcionalmente rígidos das “velhas/novas” habitações funcionalistas, em que, por exemplo, a cozinha era apenas para cozinhar – e para uma atividade de cozinhar realizada por alguém especializado nesse trabalho), a sala para um estar muito pouco associado às inúmeras e diversas atividades de estar e de lazer hoje existentes e sem falar no atual “teletrabalho”, e o quarto essencialmente para dormir (exagerando-se, aqui, um pouco, é evidente), sendo que as respetivas instalações são/eram, então, programadas de acordo com tais “peias” funcionais; e isto sem se entrar em verdadeiras “confusões” funcionais que, por exemplo, associavam e associam, frequentemente, o tratamento de roupas à contiguidade com a zona de cozinha, tratando-se de atividades tão distintas e apenas tendo como elemento comum a necessidade de abastecimento de água – a tão conhecida zona húmida funcionalista, que tem evidentes e importantes razões económicas de concentração das canalizações, mas que tem de ser tratada de modo adequado em termos de compatibilizações funcionais e ambientais.

A ideia que aqui se quer deixar é que tudo o que se faça, na habitação, com o objetivo de uma maior adaptabilidade no arranjo e na ocupação dos espaços domésticos – adaptabilidade esta de extrema importância seja numa perspectiva de adequação aos usos e desejos, seja numa outra perspectiva de continuada e periódica adaptação de uma dada habitação  à evolução global e pormenorizada das necessidades e dos desejos dos seus ocupantes – , e, naturalmente, também tudo o que se faça em prol de uma maior capacidade de apropriação destes espaços pelos seus habitantes, pode ser extremamente afectado, por redes, padrões de serviço e elementos de instalações funcionalmente “rígidos”, pouco adaptáveis e, tantas vezes, negativamente localizados.

Nisto tudo há que salientar que a adaptabilidade doméstica, sendo sempre objectivo essencial, deve ser bem obrigada pela constante evolução das instalações com aplicações e funcionalidades domésticas, uma evolução hoje em dia bem marcada; tem, portanto, de haver expressiva abertura na previsão das instalações domésticas e da sua eventual evolução e alteração.

Talvez que um caminho adequado, nestes sentidos, inclua, por exemplo, a previsão de um “armário” de centralização de diversas instalações, com capacidade evolutiva e caminhos e difusores de instalações bem disseminados por toda a habitação e também com clara capacidade de acesso e evolução; numa perspetiva em que sinceramente teria vontade de incluir algumas redes “clássicas”, como as de água e eletricidade, em prol da maximização da adaptabilidade e apropriação no uso da habitação, mas garantindo-se, naturalmente, todos os aspetos de segurança no respetivo uso.

De certa forma quem sabe se o presente/futuro da estruturação e do recheio funcional e ambiental doméstico não passará por uma relativa “independentização” entre espaços habitáveis e instalações e afins, quase que numa reinterpretação dos velhos tempos domésticos em que as instalações surgiram e foram “apostas” aos espaços da habitação, um pouco como elementos complementares e relativamente soltos (bem visíveis ou invisíveis) dos espaços que serviam; uma releitura e reinterpretação dos velhos espaços das boas habitações (nunca esquecer que muitos então viviam acumulados em condições menos que mínimas), com a sua caracterização multifuncional mas agora servidos pelas melhores tecnologias.


3. Racionalidade e estratégia na integração das instalações domésticas

Vala sempre a pena lembrar que este tipo de preocupações, associadas a uma bem adequada integração das instalações domésticas na concepção “da casa”, não são novas, designadamente, quando nos referimos a uma arquitectura residencial qualificada, aquela que nunca esqueceu as preocupações de funcionalidade, quando esta qualidade era rara e que também nunca esqueceu os aspetos de adequada caracterização doméstica/habitacional, num sentido muito amplo e humano da mesma, quando a funcionalidade foi tomada como realidade “essencial”.

Importa salientar nesta matéria da integração das instalações domésticas uma opção frequentemente utilizada na concepção residencial, referida à concentração maximizada e estratégica de instalações e serviços em determinadas zonas “técnicas”, estrategicamente localizadas e, portanto, muito funcionais, libertando-se o máximo de espaço doméstico restante para uma ampla diversidade de ocupações por usos e conjuntos de mobiliário diversificados. Esta opção, na sua versão mais aplicada, resume-se a uma concentração de zonas de águas e esgotos, ou zonas designadas como “húmidas” ou “de águas”, proporcionando-se a económica redução do traçado de instalações (sempre caras), a concentração racionalizada de revestimentos mais impermeáveis e , eventual, centralização de elementos e espaços “técnicos” com acesso facilitado (ex., ductos de passagem de canalizações, armários técnicos, etc.); este tipo de estratégica concentração e delimitação de “zonas de água” deve ser acompanhado por uma adequada marcação da passagem das instalações.

É interessante reflectir, nesta matéria, sobre o interesse que ainda marca os “velhos” cuidados de concentração de “zonas de água”, que nasceram essencialmente de objectivos de economia em habitações de interesse social, através do encurtamento das respectivas redes de águas e esgotos, mas que podem ter também excelentes resultados no sentido de proporcionarem um excelente “capital” de adptabilidade ao restante espaço doméstico.

Uma outra forma de garantir os objectivos de boa integração das instalações é proporcionar uma grande flexibilidade de escolha dos pontos de ligações a redes, mediante intervenções simples e pouco dispendiosas que possam disponibilizar praticamente um serviço “a la carte” , que se vá adaptando, muito facilmente seja à evolução de determinada redes – designadamente de telecomunicações – seja à evolução da ocupação e dos arranjos de mobiliário domésticos. E nesta linha de reflexão há, ainda, naturalmente que ter em conta as atuais redes sem fios; matéria que por si só merece tratamento específico e especializado.

As novas e as futuras “redes de instalações e de equipamentos” associadas a aspectos de sustentabilidade ambiental na habitação, e, por exemplo, ligadas à gestão dos lixos domésticos, ao máximo aproveitamento da energia solar por estratégias passivas e activas, à poupança de energia eléctrica e ao adequado isolamento acústico deverão ser objecto de uma aplicação estratégica no espaço doméstico, marcada pela maximização da sua eficácia técnica e pela compatibilização desta eficácia com o adequado desenvolvimento da estruturação e mesmo de uma adequada caracterização doméstica.

É, assim, fundamental uma clarificação e “simplificação” das características técnicas destas instalações e equipamentos ao nível doméstico, “reduzindo-os”, de certa forma, ao seu papel técnico específico e harmonizando este papel no âmbito de um qualificado desenho do espaço habitacional, em que estas novas facetas técnicas deixem de assumir uma presença protagonista, assumindo, sim, a sua presença necessária e adequada em termos da criação de um ambiente doméstico agradável, envolvente e "pacífico".

E não tenhamos qualquer dúvida, que uma habitação adequada não é, nem nunca será realmente comparável a uma máquina e, por exemplo, a um automóvel com visores recheados de gadgets técnicos, mas é fundamental que, hoje em dia, a habitação possa acolher, funcional e integradamente, as novas redes e instalações, proporcionando-se ligações a redes nos mais diversos sítios, e ampliando-se, assim, ao máximo a ampla utilidade do mundo doméstico.

E daí a ideia, defendida neste artigo, da “libertação” do espaço doméstico relativamente às suas instalações.

 

Fig. 1: “ ... sempre, sempre sem se perder de vista que estamos a conceber espaços habitacionais, espaços com expressiva capacidade de apropriação, espaços especialmente sensíveis em termos da sua capacidade de atractividade ...”

 

4. Mais funcionalidade, mas manutenção e mesmo reforço do sentido doméstico

Na sequência da presente reflexão apontamos, assim, para espaços domésticos muito adequadamente servidos pelas melhores tecnologias em termos de instalações mais clássicas/correntes e mais inovadoras, tendo-se, evidentemente, em conta os custos de tais opções, pois o que sempre de deve visar é a habitação para o maior número e tendo-se sempre presente a fundamental exigência de adaptabilidade a diversas formas e gostos de usar a habitação – por diversas pessoas e pelas mesmas pessoas ao longo do tempo – e um máximo de versatilidade na incorporação de novas tecnologias, visando-se, aqui, o que poderemos designar como um suplemento de reserva de adaptabilidade; e não tenhamos dúvida de que muito desta adequada versatilidade se joga ao nível de um desenho globalmente estruturado e bem pormenorizado da arquitectura residencial.

E sempre, sempre sem se perder de vista que estamos a conceber espaços habitacionais, espaços com expressiva capacidade de apropriação, espaços especialmente sensíveis em termos da sua capacidade de atractividade, de expressiva e ampla empatia, e de favorecimento da múltipla sensibilidade de quem os vais habitar; todas estas qualidades bem distintas de um ambiente maquinal e “caixotesco” – no sentido de existência de compartimentos sem escala, sem pormenorização e sem verdadeira relação com o exterior (três temas cruciais na concepção do habitar).

De certa forma o que aqui se aponta está, por exemplo, definitivamente contra uma descaracterização como espaço “frio” e “maquinal” do ambiente e da pormenorização de uma cozinha e de uma casa de banho domésticas, recheando-as, sim, de sinais de conforto e de escala e mesmo de “calor” humanos; e também se refere, aqui, uma estratégica organização/distribuição e, eventualmente, “camuflagem” ou assumida e atraente visualização (ex., canalizações à vista) de instalações domésticas, não as afectando funcionalmente, mas reduzindo, ao máximo, a sua presença e protagonismo visual no interior da habitação, proporcionando-se os melhores e mais completos serviços com a maior sobriedade e racionalidade, numa acção que tudo tem a ganhar com contribuições multidisciplinares, designadamente, nas áreas da Arquitectura, das Engenharias, do Design e mesmo das Ciências Sociais e Humanas, considerando-se, aqui, designadamente, a importância dos estudos de satisfação em pós-ocupação (espaços habitados há mais de 5 anos), mas também de estudos associados a uma amostragem direcionada de soluções concretas diversificadas, pois, muitas vezes, muitos habitantes não conhecem a riqueza de soluções existentes e possíveis, estando limitados a um leque mínimo, pobre e “estafado” de soluções-tipo.


5. Sobre a “libertação” do espaço de habitar relativamente às instalações

E assim se abordou, globalmente, a matéria da “libertação” dos espaços domésticos relativamente às suas instalações, uma ideia-base que se pode, talvez, sintetizar duas seguintes considerações:

·       por um lado que possamos ter uma máxima capacidade de apropriação dos espaços mais habitáveis sem nos preocuparmos com aspectos ditos funcionais ou maximizando mesmo tais aspectos no apoio directo à referida apropriação e adaptabilidade – teremos assim, por exemplo, salas e quartos extremamente versáteis no que se refere ao funcionamento, à ligação e à instalação dos mais variados tipos de equipamentos domésticos (exemplo, elementos de iluminação);

·       e que, por outro lado, haja sempre como que uma recuperação ou mesmo um redimir, como espaços fortemente habitáveis e dignos, de compartimentos da habitação cujas instalações e associados aspectos de funcionalidade os relegaram frequentemente, durante os últimos decénios, para uma sua caracterização fria, impessoal e quase não doméstica, como acontece por exemplo em tantas cozinhas (por vezes, ditas “de preparação”) e casas de banho (tantas vezes qualificadas como “instalações sanitárias”).

Nesta(s) matéria(s) é bem interessante ter presente a noção de que acabámos por gastar mais de um século para integrar as instalações clássicas da água, dos esgotos e, finalmente, da electricidade nos espaços domésticos, que antes não as tinham, mas que é já tempo de elas assumirem o seu papel de serviços prestados a um espaço doméstico cuja caracterização se irá deles servir e nunca o contrário. Só assim teremos, novamente, espaços domésticos verdadeiramente redimidos no seu fundamental papel de espaços do habitar, com sentido muito amplo, e, naturalmente, bem servidos pelas instalações; e não espaços domésticos feitos quase que para evidenciarem “a chegada” da água, dos esgotos e da própria electricidade.

Teremos, assim, uma habitação, um espaço doméstico agradável “em continuidade”, extremamente impactante e versátil, em termos positivos, cujos espaços nos ajudam a viver bem e nos facilitam o uso das melhores instalações e aplicações de apoio doméstico e ao trabalho e lazer conhecidas e prováveis; mas sempre um espaço doméstico servido e não, quase que, ao serviço de um grande leque de instalações e dos seus inúmeros “gadgets”.


Notas de remate sobre alguma da atualidade das “casas inteligentes”

Já abordámos esta matéria das novas Tecnologias de Informação e Comunicação com aplicação doméstica, ao de leve, a propósito deste tema das instalações e não iremos fazer aqui qualquer desenvolvimento do mesmo, pois trata-se de tema que carece de um urgente e aturado trabalho de investigação, sistematização e (re)estruturação dos seus aspetos mais marcantes no que se refere mesmo ao desenho específico e arquitectónico dos espaços domésticos; e numa perspetiva aberta pois trata-se de matéria em muito rápida evolução; mas importa, desde já, deixar aqui algumas considerações, essencialmente, a título de alertas.

A importância que as novas tecnologias têm e terão num uso mais seguro, confortável, simplificado e mesmo lúdico do espaço doméstico e o seu papel estratégico na vivência habitacional de pessoas com condicionamentos de mobilidade e/ou de percepção, como acontece, designadamente, com os habitantes mais idosos.

O apuramento estratégico de soluções e dispositivos considerados essenciais em termos de aspetos de garantia de máxima segurança no uso da habitação e de apoio diário a pessoas com grandes limitações de mobilidade.

A adequada e sistemática harmonização entre estas novas soluções “inteligentes” e “velhas” soluções de pormenorização que confluem para os mesmos objetivos de segurança. Acessibilidade, comunicação, etc.

As principais influências que as novas tecnologias têm na estruturação, na configuração e na pormenorização domésticas; isto, evidentemente, no sentido de uma sua aplicação mais eficaz (funcional e económica).

A necessidade urgente de uma clarificação e de uma hierarquização dos aspetos, das tecnologias e dos elementos que se possam considerar mais importantes e prioritários, evitando-se uma inflação de soluções e de gadgets.

E atenção para que, quando estamos a começar a voltar a preencher as nossas casas com novas instalações, ligadas, por exemplo, às casas inteligentes e às tecnologias da sustentabilidade ambiental, não cometamos os mesmos erros de colocar as casas ao serviço e como montras dessas novas tecnologias esquecendo as suas funções essenciais, que serão sempre muito ligadas à domesticidade e à apropriação.

 

Notas editoriais ao artigo:

O presente artigo corresponde a uma edição muito ampliada, modificada e revista do artigo que foi editado na Infohabitar, em 19/08/2014, com o n.º 496.

 

Notas editoriais gerais:

(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.

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Infohabitar, Ano XVI, n.º 780

“Libertar” a habitação das instalações – infohabitar # 780

Infohabitar

Editor: António Baptista Coelho

Arquitecto/ESBAL – Escola Superior de Belas Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), em Lisboa.

abc.infohabitar@gmail.com

abc@lnec.pt

Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE).