segunda-feira, março 26, 2018

Uma Páscoa feliz para todos os leitores e suas famílias são os desejos da revista Infohabitar e da associação GHabitar,



As edições habituais da nossa revista serão retomadas depois da Páscoa,

Saudações amigas,
António Baptista Coelho
Editor da Infohabitar

segunda-feira, março 19, 2018

635 - Pequenos grandes mundos do pormenor doméstico - Infohabitar 635


Infohabitar, Ano XIV, n.º 635



Artigo da Série “Habitar e Viver Melhor” n.º CVIII

Pequenos grandes mundos do pormenor doméstico

por António Baptista Coelho (texto e imagens)

Sobre o mundo do detalhe doméstico

O que aqui se irá comentar, em seguida, sobre o detalhe doméstico refere-se, essencialmente, a matérias suplementares, ou melhor dito, paralelas, às directamente associadas aos espaços da habitação,  globalmente bem distintas dos aspectos funcionais domésticos, que se considera terem sido já amplamente visados em diversos estudos, e privilegiando determinadas notas associadas ás opções de Arquitectura interior e ao seu diálogo com os habitantes, sempre ao serviço das opções gerais de adequação, adaptação/versatilidade e apropriação/identificação, que se considera serem objectivos fundamentais a redescobrir nas soluções domésticas.

Os mundos do pormenor doméstico

Pela sua importância serão primeiro abordados os aspectos ligados à criação de vários tipos de "lugares" ou "sítios" domésticos específicos, quase sempre, não coincidentes com determinados compartimentos ou espaços da habitação.
Em próximos artigos desta série serão abordados, com o mercido desenvolvimento, os vãos exteriores, considerando-se a sua enorme importância na qualidade arquitectónica e vivencial habitacional, seguindo-se os diversos aspectos que apoiam na criação de “sítios” domésticos muito específicos, depois os aspectos cruciais e por vezes insuspeitados do cromatismo residencial, em seguida, os aspectos de maior pormenor ligados à arrumação doméstica, depois, algumas pontes de ligação com a construção, os equipamentos e as instalações e, finalmente, uma abordagem complementar e sempre necessariamente "em aberto" de outros aspectos de pormenorização, que, conjuntamente com aqueles aspectos e em grande integração com espaços domésticos considerados como bem desenvolvidos.
Todos estes elementos constituintes do espaço habitacional privado são protagonistas na construção de um estimulante mundo de interioridade doméstica, marcado pela apropriação, pelo bem-estar, pela identidade pessoal e familiar, e por um "sentido doméstico" ou de verdadeira "concha", tal como tão bem referiu Amália Rodrigues, que não é fácil de desenvolver mas que tem enorme importância na felicidade que podemos gozar na nossa habitação.
De certa forma parece haver elementos que, apondo-se, caracterizando e marcando os espaços domésticos, ao nível do pormenor, são muito importantes para fazer passar o nível de satisfação doméstica de um patamar meramente adequado/funcional para um outro patamar que é em boa parte responsável pelas tais casas felizes e que nos ajudam a ser felizes.
Sob este tema iremos aqui paulatinamente considerando, essencialmente, aspectos de arquitectura de interior, associados ao desenvolvimento de: paredes; pavimentos; vãos de porta; guardas, parapeitos e peitoris; isolamentos; equipamentos; instalações; bay-windows e outros "lugares-janela"; floreiras; mobília encastrada; e outros pormenores.
E a ideia é apontar, aqui, aspectos de pormenor que mais fácil e naturalmente proporcionam ambientes domésticos estimulantes, e não realizar uma abordagem sistemática de todos os elementos que aqui podem ser previstos.


Calma no uso pormenorizado da habitação

Toda esta faceta de abordagem à qualidade habitacional depende da possibilidade de haver alguma calma na apropriação da habitação pelos seus habitantes, uma calma que fica evidenciada no seguinte texto, que foi escrito algumas semanas após uma mudança de casa.
"Fim de tarde. Sentado no sofá  de canto, por trás da mesa de abas, leio, finalmente o jornal matinal. Um lugar preferido, os meus filhos definiram outros sítios de preferência mais na ponta do sofá  grande ou no cadeirão estofado, a Isabel sente-se melhor no maple repousando os braços e gozando, também, a luz quente e baixa do cavalo/candeeiro em ferro forjado. Os sítios da casa vão, gradualmente, tendo nomes e chamando por certos usos, mas é preciso dar um certo tempo redondo para que a nova casa nos reconheça e para que nós também a possamos conhecer."
E uma calma no uso intenso da casa que estará, sempre e naturalmente, ligada a algum desafogo espacial, ou a um desafogo pelo menos mínimo no usufruto doméstico, que tem a ver não apenas com o respectivo espaço interior, mas também com adequadas condições de relação com o exterior (bons vãos de janela), de conforto ambiental (boa luz natural e bom isolamento térmico e sonoro) e de possibilidade de uso do próprio exterior contíguo; estando este, pelo menos, minimamente composto, equipado e limpo, e sendo o exterior, pelo menos, minimamente motivador do seu próprio uso, e aqui podemos citar Alain Sarfati, quando este  explicita o prazer que espera oferecer aos habitantes propondo percursos embebidos no habitat: “o convite à descoberta, à exploração exprime-se no atravessar de diferentes passagens, ligações, escadas, galerias, áleas e caminhos”. (1)

Vários tipos de "lugares" ou "sítios" domésticos específicos

Tal como refere o arquitecto Herman Hertzberger, nas suas Lições de Arquitectura (2), citando Aldo van Eyck, é fundamental fazer “de cada casa e de cada cidade uma porção de lugares, pois uma casa é uma cidade em miniatura e uma cidade é uma casa enorme”; e como se partilha inteiramente esta ideia, de uma casa, uma habitação, serem verdadeiras cidades “em miniatura”; a casa tem de ser realmente uma porção de lugares, mutuamente bem integrados, mas individual e positivamente caracterizados, porque úteis, mas também carregados de sentido doméstico.
E não tenhamos dúvidas de que este mosaico de sítios/lugares constituintes de uma habitação não se esgota nos respectivos espaços e compartimentos, tem de ter uma "célula" mais fina, naturalmente mais fácil de concretizar em grandes habitações, mas que tem, obrigatoriamente de se verificar até nas habitações mínimas, e podemos mesmo dizer que nestas habitações tal qualidade de "grão fino", composto por pequenos lugares domésticos, é fundamental até, também, para suavizar e se tornar muito mais aceitável até a eventual escassez espacial.
Por estas razões iremos, em próximos artigos desta série editorial, numa viagem informal e de "sentido aberto" ou dinâmico por alguns dos sítios/lugares domésticos que nos fazem parar para pensar, para sentar e para olhar, quando visitamos uma habitação que vale a pena; pois nas outras um relance rápido chega!
E há, ainda, que sublinhar ser possível "montar" uma habitação "funcionalmente mínima", porque composta por poucos espaços e compartimentos principais e correntes - como quartos e corredores -, através de um amplo espaço multifuncional, caracterizado por excelentes condições de conforto ambiental, pormenorização e durabilidade, em que as diversas funções domésticas se associem muito mais a lugares/sítios dimensionalmente reduzidos e pouco ou nada compartimentados, do que a espaços e compartimentos "clássicos"; e sublinha-se o interesse que esta perspectiva de desenvolvimento doméstico tem quando pensamos no habitar privado de pessoas sós, casais e eventualmente pessoas idosas que optem por este tipo de habitar.
Esta associação entre habitações pouco compartimentadas e integradas por variados lugares/sítios  e o habitar privado de pessoas sós ou casais, prende-se ao desenvolvimento da habitação como uma verdadeira segunda pele, que sirva o modo como gostamos de viver/habitar e que sirva e evidencie, naturalmente, a nossa identidade, sendo aqui exemplificada, nas palavras de José Pacheco Pereira (2005), sobre a casa/sala/biblioteca, bem viva e caracterizada, onde vivia Eugénio Andrade:
“Uma sala coberta de livros, ao mesmo tempo sala de ler, escrever, de comer, com uma cozinha incrustada, … o quarto, com janela para a Duque de Palmela, uma rua silenciosa quase sem trânsito, numa parte do Porto perdida do centro, mesmo estando perto do centro... Um desenho de Jean Cocteau no corredor… Esta foi sempre a sua verdadeira casa.” (3)
E, já agora, o grande Jorge Luís Borges,  também tinha uma sala com uma grande mesa onde tudo acontecia - vida, trabalho e convívio - tal como salientou Raúl Hestnes Ferreira, na 4.ª Sessão Técnica do Grupo Habitar. (4)

Notas:
(1) Monique Eleb e Anne Marie Chatelet, “Urbanité, sociabilité et intimité des logements d’aujourd’hui”, p. 239
(2) Herman Hertzberger, Lições de Arquitetura, São Paulo, Martins Fontes, 1996 (1991),p.193.
(3) José Pacheco Pereira, “Rua Duque de Palmela 111 (Eugénio de Andrade); «Uma sala coberta de livros…»”, Abrupto, Early Morning Blogs n.º 520, 17-06-2005, http://abrupto.blogspot.com/ 1045bqi e 269c
(4) 4ª Sessão Técnica do Grupo Habitar, em 22 de Janeiro de 2006 no Auditório da sede do INH em Lisboa.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

Infohabitar, Ano XIV, n.º 635

Pequenos grandes mundos do pormenor doméstico

Infohabitar
Editor: António Baptista Coelho
abc.infohabitar@gmail.com
abc@lnec.pt

Infohabitar, Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativa de Habitação Económica (FENACHE).
Editado nas instalações do Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do Departamento de Edifícios (DED) do LNEC.

Apoio à Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.


segunda-feira, março 12, 2018

634 - Reflexão geral sobre os subespaços da habitação - Infohabitar 634

Uma reflexão geral sobre os subespaços da habitação



Infohabitar, Ano XIV, n.º 634



Artigo da Série “Habitar e Viver Melhor” n.º CVII


por António Baptista Coelho (texto e imagens)

Importância da previsão de cantos e recantos domésticos

Os cantos e recantos domésticos na sua muito rica variedade formal e funcional, constituem elementos identificadores e apropriáveis/apropriadores do uso/satisfação dos moradores:
- para além de serem elementos básicos de adaptabilidade global e pormenorizada de uma dada habitação a uma dada família e, mesmo, e bem importante, de adaptabilidade individual a cada um dos diversos habitantes que integram essa família;
- constituem, eles próprios, factores dinamizadores de associações, mais ou menos inovadoras, entre diversas funções e entre diversas actividades da habitação; condição esta que vai marcar a caracterização dessa habitação, fazendo-a, desejavelmente, participar num grande leque de oferta habitacional que se deseja possa vir a ser, agradavelmente, diversificado e tornado expressivamente estimulante.
Importa, ainda, referir que as novidades nesta área associada a um adequado desenvolvimento de pequenos subespaços domésticos (cantos e recantos ou partes de compartimentos), apenas deveriam ter, como limite, a imaginação e a capacidade de apropriação das famílias e das pessoas individualmente, mas dependem, evidentemente, de espaços de habitar que tenham, embebidas, as potencialidades para o apoio a essa quase infinidade de possibilidades de uso, o que talvez até nem seja especialmente difícil, mas apenas quando consideramos soluções domésticas arquitectonicamente bem qualificadas.
Esta expressiva dependência arquitectónica deve reflectir-se, tanto na disponibilização de soluções habitacionais “de base” que sejam extremamente versáteis e ricas na sua posterior e diversificada pormenorização e ocupação, como na, também importante e conjugada, disponibilização de muito diversificadas situações de pormenorização e ocupação “de referência”, que possam ser muito adequadamente “sobrepostas” às referidas soluções habitacionais “de base”.
Um tal processo ou “jogo” de pormenorização e ocupação habitacional depende, essencialmente, seja de um dimensionamento adaptável a diversas ocupações, seja de uma pormenorização cuidada, em termos de uma presença/imagem adequada a diversos tipos de ocupação e apropriação dos compartimentos, o que se obtém com soluções que “jogam” bem com diversas ocupações e que proporcionam uma grande e diversificada capacidade de recepção “pequenos usos” complementares e até muito “pessoais”; como é, por exemplo, o caso de vãos de janelas fundos, muito adequados a receberem os mais diversos tipos muito pormenorizados e apropriados de utilização.
E nunca será excessivo registar que numa situação oposta, marcada por espaços muito pouco apropriáveis em termos de subespaços (partes de compartimentos), há soluções de arquitectura doméstica cujos compartimentos apenas aceitam uma apropriação extremamente reduzida (ou quase nula) e funcionalmente muito limitada.

Habitação como sítio de expressão de identidade e de apropriação

Estrategicamente, e como ponte de ligação à reflexão que há que fazer, subsequentemente, sobre os aspectos associados ao detalhe doméstico, vale a pena referir que se julga que o mundo doméstico deve ser, cada vez mais, um sítio de expressão de modos de vida específicos e de identidades.
De certa forma é usar a habitação como sítio de uma máxima liberdade, mas para tal há que investir numa possibilidade de repartição estratégica do espaço doméstico, afeiçoando-o a uma partilha de diversos hábitos de vida em espaços contíguos, num desenvolvimento que também se harmoniza com as situações frequentes de convivência familiar entre adultos e jovens adultos durante longos períodos de tempo.
Esta perspectiva tem ou deve ter reflexos directos, seja na organização doméstica, suscitando soluções com um máximo de autonomias de vivência e, sempre que possível, de acessibilidade, seja numa espaciosidade que se deve afastar claramente dos limiares mínimos e que tem de favorecer dimensionamentos muito versáteis em termos de ocupação por mobiliário e que propiciem bons panos de paredes bem apropriáveis – por exemplo, através da ocupação desses panos de parede com estantes e com variados elementos artísticos e gráficos (quadros, gravuras, etc.).
Por outro lado, este caminho é também estratégico no sentido de poder favorecer conversões domésticas significativas em resposta a modos de vida de pessoas que desejem grande funcionalidade e facilidade na execução das lides domésticas e condições especiais e muito versáteis de mobilidade e funcionalidade doméstica – e aqui não se está a pensar, especificamente, em condicionados na mobilidade críticos, mas sim numa ampla franja de habitantes, idosos e jovens, que muito ganham com tais condições.
De certa forma estamos na altura de passar das soluções domésticas estereotipadas, rigidamente hierarquizadas em termos funcionais e ambientais e monotonamente caracterizadas em termos de pormenores e de acabamentos, para uma família muito alargada de soluções domésticas diversificadas e adaptáveis, estruturadas não em torno de uma família-tipo teórica, que, “maquinalmente”, realizaria as mesmas actividades nas mesmas horas e nos mesmos espaços, mas sim em torno de "indivíduos", que irão desenvolvendo a sua personalidade e os seus desejos e gostos/hábitos domésticos razoavelmente específicos, distintos e mutantes, mas mantendo, naturalmente, sítios de convívio e estadia comum no espaço doméstico; uma opção que é, naturalmente, incompatível com as referidas estruturas domésticas rigidamente hierarquizadas.

Do “núcleo/célula” habitacional individual (ou do casal) ao edifício sem passar pela habitação

E esta diversificação profunda do núcleo de concepção do espaço doméstico também pode e deve marcar a própria organização do edifício multifamiliar e a estruturação e o desenvolvimento, equipamento e pormenorização dos seus espaços comuns; será este o desafio de “escala maior”, mas que deve decorrer, directamente, desta reflexão.
Realmente, o adequado desenvolvimento, num espaço relativamente contido de um espaço doméstico “individualizado” – para uma pessoa só ou para um casal – e devida e ricamente subespacializado, tal como se tem vindo a apontar neste texto, é condição de base muito adequada para que se possa fazer um “salto” dimensional desta célula para a sua integração num edifício com espaços e equipamentos de uso comum, sem se passar, obrigatoriamente, pelo nível da habitação.
Pensa-se, como é evidente, em verdadeiros edifícios de “habitação colectiva” e talvez, aqui, sim, possa ser devidamente utilizado este conceito, onde um determinado número de unidades para pessoas sós e para casais, que podem ser diversificadas em termos dimensionais e funcionais, partilham um leque, também muito diversificado de espaços e equipamentos de uso comum, e mesmo interessantes equipamentos de uso público (ex., lavandaria, restaurante, biblioteca e centro de documentação, espaços de trabalho profissional, ginásio, etc., etc.).
Esta é uma matéria que justifica desenvolvimento específico, e, portanto, nesta reflexão apenas se sublinha que talvez o principal aspecto verdadeiramente viabilizador deste tipo de intervenções e referido à própria caracterização dessas “células individuais”, seja exactamente a riqueza subespacial e subfuncional das mesmas, uma riqueza que terá de ser, necessariamente, servida por um excelente projecto arquitectónico e muito bem pormenorizado.
Não seria necessário dizê-lo: mas as situações contrárias, de produção de “células individuais” monofuncionais e arquitectonicamente pobres, irão gerar pouco mais do que dormitórios.

É, ainda, oportuno referir, desde já, que outros dos principais aspectos verdadeiramente viabilizadores deste tipo de intervenções de “habitação colectiva” se referem à sua adequada e “central” integração urbana e à sua natural abertura à comunidade local. 



Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

Infohabitar, Ano XIV, n.º 634

Uma reflexão geral sobre os subespaços da habitação

Infohabitar
Editor: António Baptista Coelho
abc.infohabitar@gmail.com
abc@lnec.pt

Infohabitar, Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativa de Habitação Económica (FENACHE).
Editado nas instalações do Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do Departamento de Edifícios (DED) do LNEC.

Apoio à Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.
  

segunda-feira, março 05, 2018

633 - Cantos e recantos domésticos: bases de mundos pessoais - Infohabitar 633

Infohabitar, Ano XIV, n.º 633

Artigo da Série “Habitar e Viver Melhor” n.º CVI

Cantos e recantos domésticos: bases de mundos pessoais

por António Baptista Coelho


A nossa “casca de caracol”

Um dos aspectos que podem transformar as nossas casas em sítios únicos, onde, tendencialmente, nos poderemos sentir muito bem e verdadeiramente “em nossa casa”, a tal “casca de caracol”, referida uma vez por Amália Rodriques, que é tão identitária e apropriável como agradável e envolvente.
E esta “casca de caracol” bem habitável e que acaba, também, por nos habitar, tem a ver, não só com a capacidade de recheio/povoamento da “casa” pelos mais diversos elementos de mobiliário/arquitectura de interiores e de recheio pessoal e recordação (ex., livros, quadros, memórias de viagens, ofertas de família/amigos, fotografias, etc.), mas também com a constituição e repartição da “casa” em inúmeros pequenos espaços e recantos apetecíveis para desenvolver as mais diversas actividades mais ou menos úteis, mas sempre fundamentais, como é, por exemplo, o sentar ali no canto, junto à janela, ou o tirar um livro da estante e pousá-lo numa pequena mesa para o desfolhar, ou arrumar a colecção no final do corredor naquelas prateleiras que foram feitas à medida, ou sentar, por alguns minutos, para repousar num sofá-cama arrumado num qualquer canto de um compartimento; e, depois, “a casa” vai-se tornando, naturalmente, “a nossa casa”.
Os recantos vários que são responsáveis pela base de identidade e pelos mundos pessoais domésticos constituem naturais sequências ou malhas de agradável e diversificada perambulação pela nossa casa, sentindo que nos podemos ir detendo, ao longo dela, em muitos espaços ou “possibilidades espaciais”, com um mínimo ou, idealmente, com um máximo de condições de conforto e de propostas de actividades e subactividades ou microfunções.
Esta possibilidade de uso prolongado, intenso, “sincopado” e disseminado da nossa casa tem, naturalmente, muito  a ver com as opções de mobiliário e equipamento, mas tem também muito a ver com a capacidade microfuncional e a adaptabilidade de recepção de mobiliário e de outros elementos de Arquitectura de interiores, que é proporcionada pelos diversos espaços domésticos e pelas suas respectivas margens de uso e de adaptabilidade, consideradas muito para além dos respectivos perfis funcionais básicos.
Importa salientar que a condição contrária a uma tal desejável possibilidade doméstica, marcada pela identidade, adaptabilidade e agradabilidade, pode ser sintetizada pelo recurso ao, infelizmente frequente, “mau exemplo” de habitações onde a sequência de circulação/actividades é praticamente “única”, monótona e rigidamente hierarquizada, e onde dificilmente conseguimos arranjar um sítio de permanência agradável, assim como sítios a que possamos chamar “mais nossos”.
E estas, últimas, negativas condições, tal como as positivas, não têm apenas a ver com aspectos de eventual constrangimento por excesso de mobiliário (ele próprio, por vezes, também absurdamente sobredimensionado), e/ou apenas por condições dimensionais muito mínimas, pois há, até, condições mínimas domésticas “habitacionais” com múltiplos espaços para uma agradável permanência como por exemplo acontece em caravanas e iates; tem a ver, portanto, essencialmente com a disponibilização, muito natural, quer de “folgas” dimensionais e de capacidade de apropriação, quer de alternativas de usos e de multiplicidades adaptativas, que são todas elas condições que muito dependem de uma ampla qualidade do projecto geral e pormenorizado de Arquitectura.



Associações e hábitos interessantes sobre recantos domésticos

Os recantos vários, identificadores e apropriáveis/apropriadores, constituem, eles próprios, a principal razão de ser das associações entre diversas funções e entre diversas actividades da habitação.
São, também, os recantos e espaços do pormenor os elementos que caracterizam e dão coesão a uma habitação funcional e ambientalmente consistente.
E, de certa forma, ao proporcionarem a inovação na mistura funcional e de actividades e ao atribuírem afirmada caracterização geral e particularizada, os vários recantos e espaços do pormenor doméstico, acabam por se tornar na própria razão de ser de habitações bem adequadas a determinadas formas de habitar e a determinadas utilizações.
Poderá ficar, assim, naturalmente, um pouco de fora o perfil “médio” ou “tipificado” de uso e apropriação da habitação, mas podemos até continuar a disponibilizá-lo a quem não queira uma casa razoavelmente “à medida”, ou então e melhor, poderemos disponibilizar uma base habitacional adaptável e, simultaneamente, o apoio “especializado” do arquitecto no sentido de a afeiçoar, nos seus microespaços e nas suas sequências de uso aos modos e desejos habitacionais de um dado habitante e/ou família. 
Mas podemos/devemos procurar servir uma enorme diversidade de pequenos hábitos de uso da casa, e são muitos, pois cada família e cada habitante tem os seus, mas há perfis de “microactividades” que podem ser seguidos, como, por exemplo, o espaço para a acumulação de jornais, os sítios mais propícios para os vasos de plantas, os locais das chaves, etc. etc. De certo modo ensaiando-se uma muito ampla e não fechada rede de “microactividades” domésticas, globalmente suportadas pela capacidade de adaptação da solução e, naturalmente, pelos nossos próprios micro-hábitos de vivência doméstica.

Recantos domésticos: aspectos motivadores,  problemas correntes e questões levantadas (dimensionais e outras)

O que nos motiva num uso intenso e prolongado dos espaços e conteúdos domésticos é tudo aquilo que associa o desenvolvimento de hábitos próprios e de uso e aspectos de caracterização positiva dos sítios que habitamos, como se passa, por exemplo, com os espaços nos vãos de janela que é possível ocupar com algumas plantas e/ou elementos de decoração, proporcionando-se, assim, neste caso, para além da respectiva acção de apropriação e de identificação, a criação de uma estimulante sequência de planos de vista marcados pela proximidade e fundo de elementos naturais, ou pela “colagem” dos elementos de decoração a um fundo paisagístico distante – isto, naturalmente, quando as vistas exteriores são interessantes e são bem enquadradas pela própria pormenorização dos vãos exteriores (matéria esta que é de grande importância por si só e pela sua retroacção com esta temática da criação de microzonas domésticas).
Os principais e potenciais problemas, nesta renovada dinâmica de grande diversidade e adequação das micro-soluções domésticas, decorrem, naturalmente, de apropriações excessivas que coloquem em risco, quer a sanidade e a funcionalidade básicas do interior da habitação, quer a dignidade da imagem do respectivo edifício habitacional.
As questões que se levantam, nesta proposta de reflexão e concepção habitacional, referem-se, essencialmente, à muito frequente ausência deste tipo de microespaços em soluções habitacionais globalmente mal desenvolvidas, mal pormenorizadas e submetidas a uma perspectiva de unifuncionalidade global, marcada por uma hierarquia rígida e pouco ou nada adaptável, continuada por espaços/compartimentos, mal dimensionados e monofuncionais, como se em cada compartimento todos actuassem da mesma maneira e desempenhando, apenas, as actividades “primárias”; o que se poderia definir como uma verdadeira “máquina de habitar”, conceito este que parece ser, apenas, aceitável e mesmo assim altamente criticável, nas famosas “boxes” mínimas de alguns hotéis japoneses.



Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

Infohabitar, Ano XIV, n.º 633

Cantos e recantos domésticos: bases de mundos pessoais

Infohabitar
Editor: António Baptista Coelho

Infohabitar, Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativa de Habitação Económica (FENACHE).
Editado nas instalações do Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do Departamento de Edifícios (DED) do LNEC.

Apoio à Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.