quarta-feira, fevereiro 22, 2023

Idosos e espaço urbano – versão de trabalho e base documental – Infohabitar # 849

 Ligação direta (clicar no link seguinte ou copiar para site de busca) para aceder à listagem interativa de 840 Artigos editados na Infohabitar – edição de janeiro de 2022 com links revistos em junho de 2022 (38 temas e mais de 100 autores):

https://docs.google.com/document/d/1WzJ3LfAmy4a7FRWMw5jFYJ9tjsuR4ll8/edit?usp=sharing&ouid=105588198309185023560&rtpof=true&sd=true

Idosos e espaço urbano – versão de trabalho e base documental – Infohabitar # 849

Artigo XXVII da série editorial da Infohabitar “PHAI3C – Programa de Habitação Adaptável e Intergeracional através de uma Cooperativa a Custo Controlado

Infohabitar, Ano XIX, n.º 849

Edição: quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

 

Caros leitores da Infohabitar,

Com o presente artigo continuamos a edição de mais uma sequência de artigos relativos ao Programa de Habitação Adaptável e Intergeracional através de uma Cooperativa a Custo Controlado (PHAI3C), prevendo-se que durante 2023 consigamos chegar ao remate desta fase do estudo em que se pretende disponibilizar ua base de trabalho e bibliográfica extensa sobre os amplos aspetos de enquadramento associados às necessidades, aos gostos e às potencialidades sociais e urbanas de uma reflexão prática sobre os espaços residenciais dedicados a pessoas idosas e fragilizadas, mas sempre desejavelmente integrados em quadros intergeracionais, ativamente urbanos e dinamizados e convivializados por cooperativas de “habitação económica”.

Tal como tem sido divulgado este estudo, o PHAI3C, integra a Estratégia de Investigação e Inovação (E2I) 2013-2020” do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC); e importa salientar que as referidas cooperativas portuguesas de “habitação económica”, associadas na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE), apoiaram este estudo desde o seu início, na continuidade do seu importante papel, desempenhado desde o 25 de Abril, na promoção de habitação de interesse social, aliando a quantidade de habitações disponibilizadas a uma sua expressiva qualidade

Lembra-se que a edição destes artigos de conteúdo sobre o PHAI3C passou a uma estimada periodicidade quinzenal, pois a respetiva elaboração assim o obriga; alternando com estes artigos a Infohabitar irá procurar editar informações úteis sobre iniciativas, entidades e estudos dedicados às temáticas do habitat humano.

Recorda-se, como sempre, que serão sempre muito bem-vindas eventuais ideias comentadas sobre os artigos aqui editados e propostas de artigos (a enviar para abc.infohabitar@gmail.com).

Despeço-me, até à próxima semana, enviando saudações calorosas e desejos de força e de boa saúde para todos os caros leitores,     

Lisboa, em 22 de fevereiro de 2023

António Baptista Coelho

Editor da Infohabitar

Notas introdutórias ao presente conjunto de artigos sobre habitação intergeracional

O presente conjunto de artigos inclui-se numa série editorial dedicada a uma reflexão temática exploratória, que integra a fase preliminar e “de trabalho”, dedicada à preparação e estruturação de um amplo processo de investigação teórico-prático, intitulado Programa de Habitação Adaptável Intergeracional Cooperativa a Custos Controlados (PHAI3C); programa/estudo este que está a ser desenvolvido, pelo autor destes artigos, no Departamento de Edifícios do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), e que integra o Programa de Investigação e Inovação (P2I) do LNEC, sublinhando-se que as opiniões expressas nestes artigos são, apenas, dos seus autores – o autor dos artigos e promotor do PHAI3C e os numerosos autores neles amplamente citados.

Neste sentido salienta-se o papel visado para o presente conjunto de artigos, no sentido de se proporcionar uma divulgação que possa resultar numa desejável e construtiva discussão alargada sobre as muito urgentes e exigentes matérias da habitação mais adequada para idosos e pessoas fragilizadas, visando-se, não apenas as suas necessidades e gostos específicos, mas também o papel e a valia que têm numa sociedade ativa e integrada.

Nesta perspetiva e tendo-se em conta a fase preliminar e de trabalho da referida investigação, salienta-se que a forma e a extensão dos artigos agora listados reflete uma assumida apresentação comentada, minimamente estruturada, de opiniões e resultados de múltiplas pesquisas, de muitos autores, escolhidos pela sua perspetiva temática focada e por corresponderem a estudos razoavelmente recentes; forma esta que fica patente no significativo número de citações – salientadas em itálico –, algumas delas longas e quase todas incluídas na língua original.

Julga-se que não se poderia atuar de forma diversa quando se pretende, como é o caso, chegar, cuidadosamente, a resultados teórico-práticos funcionais e aplicáveis na prática, e não apenas a uma reflexão pessoal sobre uma matéria tão sensível e complexa como é a habitação intergeracional adaptável desenvolvida por uma cooperativa a custos controlados e em parte dedicada a pessoas fragilizadas.

 

Idosos e espaço urbano – versão de trabalho e base documental – Infohabitar # 849

António Baptista Coelho  – com base direta nos textos, ideias e opiniões dos autores referidos ao longo dos documentos que integram a listagem bibliográfica registada no final do artigo.

Nota: o conteúdo específico do artigo desenvolve-se após um conjunto de notas introdutórias e de apresentação ao estudo global intitulado Programa de Habitação Adaptável Intergeracional desenvolvido num quadro Cooperativo e a Custos Controlados (PHAI3C)

 Nota específica relativa às citações: tal como foi acima sublinhado nas “Notas introdutórias”, e tendo-se em conta a fase preliminar e de trabalho do presente estudo, ele inclui numerosas citações, todas salientadas em texto a itálico, reentrante e em tipo de letra “Arial Narrow”, algumas delas longas e quase todas apresentadas na respetiva língua original; em termos formais e tendo-se em conta essa grande frequência de citações, optou-se, por regra, pela respetiva indicação da fonte documental, respetivo título e autoria, no corpo de texto e em nota de pé de página ou de final de artigo (conforme a edição), seguindo-se a(s) respetiva(s) citação(ões) com a indicação, posterior, do(s) respetivo(s) número(s) de página(s) entre parêntesis – ex: (pg. 26) –, e, em alguns casos, mas não por regra, repetindo-se a indicação específica ao documento que “está a ser referido” e/ou à sua respetiva autoria.

Specific note regarding citations: as highlighted above in the “Introductory Notes”, and taking into account the preliminary and working phase of the present study, it includes numerous citations, all highlighted in italicized text, reentrant and in font type. letter “Arial Narrow”, some of them long and almost all presented in their original language; in formal terms and taking into account this high frequency of citations, we opted, as a rule, for the respective indication of the documentary source, respective title and authorship, in the body of the text and in a footnote or at the end of the article (according to the edition), followed by the respective citation(s) with the subsequent indication of the respective page number(s) in parentheses – ex: ( pg. 26) – and, in some cases, but not as a rule, repeating the specific indication of the document that “is being referred to” and/or its respective authorship.

Resumo

Em mais um artigo dedicado à reflexão sobre a habitação para as pessoas mais idosas numa perspetiva integrada e intergeracional e aproximando-nos, agora de partes do estudo mais práticas e ligadas a aspetos concretos a implementar desenvolve-se, primeiro, globalmente, a matéria da adequação do espaço urbano aos mais idosos, trabalhando-se, sequencialmente, quatro subtemáticas: a questão de se dever ter em conta o potencial de vivência urbana associado à maior longevidade humana; a essencial perspetiva de uma cidade mais amigável, e designadamente, dos idosos e dos mais frágeis; a consideração espacífica do desenvolvimento de espaços urbanos de uso público adequados a idosos e a pessoas fragilizadas; e, depois, uma estratégica consideração sobre a tendencial distribuição etária dos habitantes no espaço urbano.

Numa segunda e última parte do artigo aborda-se a relação, julgada essencial, entre os idosos e os espaços urbanos de vizinhança, desenvolvendo-se, primeiro, a questão do desenvolvimento de vivências intensas dos espaços urbanos de vizinhança, depois aborda-se o papel da vizinhança num desejável envelhecimento ativo e, por fim, o interesse de termos vizinhanças concebidas para todas as idades, como elementos protagonistas de um espaço urbano que continua em crise.

Notas introdutórias ao presente conjunto de artigos sobre habitação intergeracional

O presente conjunto de artigos inclui-se numa série editorial dedicada a uma reflexão temática exploratória, que integra a fase preliminar e “de trabalho”, dedicada à preparação e estruturação de um amplo processo de investigação teórico-prático, intitulado Programa de Habitação Adaptável Intergeracional Cooperativa a Custos Controlados (PHAI3C); programa/estudo este que está a ser desenvolvido, pelo autor destes artigos, no Departamento de Edifícios do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), e que integra o Programa de Investigação e Inovação (P2I) do LNEC, sublinhando-se que as opiniões expressas nestes artigos são, apenas, dos seus autores – o autor dos artigos e promotor do PHAI3C e os numerosos autores neles amplamente citados.

Neste sentido salienta-se o papel visado para o presente conjunto de artigos, no sentido de se proporcionar uma divulgação que possa resultar numa desejável e construtiva discussão alargada sobre as muito urgentes e exigentes matérias da habitação mais adequada para idosos e pessoas fragilizadas, visando-se, não apenas as suas necessidades e gostos específicos, mas também o papel e a valia que têm numa sociedade ativa e integrada.

Nesta perspetiva e tendo-se em conta a fase preliminar e de trabalho da referida investigação, salienta-se que a forma e a extensão dos artigos agora listados reflete uma assumida apresentação comentada, minimamente estruturada, de opiniões e resultados de múltiplas pesquisas, de muitos autores, escolhidos pela sua perspetiva temática focada e por corresponderem a estudos razoavelmente recentes; forma esta que fica patente no significativo número de citações – salientadas em itálico –, algumas delas longas e quase todas incluídas na língua original.

Julga-se que não se poderia atuar de forma diversa quando se pretende, como é o caso, chegar, cuidadosamente, a resultados teórico-práticos funcionais e aplicáveis na prática, e não apenas a uma reflexão pessoal sobre uma matéria tão sensível e complexa como é a habitação intergeracional adaptável desenvolvida por uma cooperativa a custos controlados e em parte dedicada a pessoas fragilizadas.

 

 

Idosos e espaço urbano – versão de trabalho e base documental – Infohabitar # 849

Índice geral (entre parêntesis, n.º de página do item)

Breve introdução, ()

1. Ter em conta o potencial de vivência urbana associado à maior longevidade humana

2. Cidades amigas, designadamente, dos idosos

3. Espaços urbanos de uso público adequados a idosos e a pessoas fragilizadas

4. Sobre a distribuição etária dos habitantes no espaço urbano

5. Idosos e espaços urbanos de vizinhança

5.1. Vivências intensas dos espaços urbanos de vizinhança

5.2. Vizinhança e envelhecimento activo

5.3. Perspetivas para as vizinhanças concebidas para todas as idades num espaço urbano em crise

Bibliografia (referências práticas)

Notas bibliográficas

 

 

Idosos e espaço urbano – versão de trabalho e base documental – Infohabitar # 849

 

Nota específica relativa às citações: tal como foi acima sublinhado nas “Notas introdutórias”, e tendo-se em conta a fase preliminar e de trabalho do presente estudo, ele inclui numerosas citações, todas salientadas em texto a itálico, reentrante e em tipo de letra “Arial Narrow”, algumas delas longas e quase todas apresentadas na respetiva língua original; em termos formais e tendo-se em conta essa grande frequência de citações, optou-se, por regra, pela respetiva indicação da fonte documental, respetivo título e autoria, no corpo de texto e em nota de pé de página ou de final de artigo (conforme a edição), seguindo-se a(s) respetiva(s) citação(ões) com a indicação, posterior, do(s) respetivo(s) número(s) de página(s) entre parêntesis – ex: (pg. 26) –, e, em alguns casos, mas não por regra, repetindo-se a indicação específica ao documento que “está a ser referido” e/ou à sua respetiva autoria.

Specific note regarding citations: as highlighted above in the “Introductory Notes”, and taking into account the preliminary and working phase of the present study, it includes numerous citations, all highlighted in italicized text, reentrant and in font type. letter “Arial Narrow”, some of them long and almost all presented in their original language; in formal terms and taking into account this high frequency of citations, we opted, as a rule, for the respective indication of the documentary source, respective title and authorship, in the body of the text and in a footnote or at the end of the article (according to the edition), followed by the respective citation(s) with the subsequent indication of the respective page number(s) in parentheses – ex: ( page 26) – and, in some cases, but not as a rule, repeating the specific indication of the document that “is being referred to” and/or its respective authorship.

Breve introdução

Aproximam-nos da conclusão da “versão de trabalho e base documental” deste estudo sobre a intergeracionalidade residencial, avançando, tendencialmente do mais geral para o mais particular,  numa área temática especificamente dedicada às questões tipológicas e também já numa área que podemos designar de “ponte” para o registo e indicação de casos de referência e de exemplos práticos – matéria esta que integrará o presente estudo, numa sua fase de conclusão e com caráter de anexo técnico muito sintetizado à indicação genérica destes casos.

1. Ter em conta o potencial de vivência urbana associado à maior longevidade humana

A relação entre os habitantes mais idosos e a cidade não pode ser, apenas, considerada no que se refere às necessidades específicas destes habitantes, mas também em tudo, e é muito, o que eles podem proporcionar ao espaço urbano, designadamente, em termos de uma vivência mais ativa, constante e social e culturalmente enriquecedora; perspetiva esta que acaba por colocar a tónica no contributo direto dos habitantes mais idosos para a sustentabilidade social dos espaços urbanos de uso público.

Proporcionar que os mais idosos possam usar os espaços urbanos com facilidade, conforto e segurança tem como consequência mais bem-estar e saúde para estes habitantes – movimentação frequente, socialização, estar ao ar livre em zonas com verde urbano, etc. – e, sequencialmente, mais bem-estar e saúde para a comunidade urbana, assim diversificada, completa e regularmente dinamizada.

O documento da ONU, de 2017, intitulado A sustainable society for all ages Realizing the potential of living longer aborda estas matérias de forma global e integrada, salientando-se as seguintes citações: (negrito nosso) [1]

ECE member States reported on a range of educational initiatives and projects aimed at maintaining and enhancing intergenerational solidarity...

Better integration and coordination of health and social care, both formally and informally provided, in the community and at home, are needed to enable older persons to maintain their independence, health and well-being as long as possible. Age-friendly community programmes need to be further developed and informal carers better supported. Challenges such as dementia, social isolation and loneliness need to be addressed and the needs and preferences of older persons better understood

Longevity offers an enormous potential for the economy and society, which has not been fully realized. (pg. 40)

Rethinking old age, confronting pervasive negative stereotypes and discrimination is a key priority going forward. (pg. 41)

No mesmo documento da ONU salientam-se diversos objetivos a concretizar no sentido de uma sociedade etariamente mais justa, inclusiva e sustentada entre os quais são em seguida citados aqueles com aplicação mais direta ao PHAI3C:

- To promote lifelong learning and adapt the educational system in order to meet the changing economic, social and demographic conditions. (pg. 58)

- To strive to ensure quality of life at all ages and maintain independent living including health and well-being. (pg. 58).

- Developing innovative methods and technologies for reliable, affordable and safe support and care of older persons at home. (pg. 60)

- Ensuring ‘ageing in place’ by promoting services and support to the individual and the family to enable older persons to continue living for as long as possible in their own environment and community. These services should take into account the special needs of women, in particular those who are living alone. (pg. 60)

- Promoting architectural alterations and innovative housing design aimed at adapting to the changing needs and functional abilities of persons as they age. (pg. 61)

- Age-appropriate, barrier-free housing is an important condition for enabling people to stay in their homes as long as possible. (pg. 61)

Supporting, by appropriate means, self-help arrangements of older persons for independent or assisted living, including inter-generational housing facilities and acknowledging that individual needs are assessed and properly addressed whether in an institution or at home. (pg. 62)

Alternative living arrangements that meet older person’s needs for company and support with activities of daily living are gaining increasing popularity.

Nestas matérias importa avançar em soluções que integrem a solidariedade de várias gerações, designadamente, através de organizações habitacionais alternativas e de uma adequada gestão local, nunca se perdendo de vista a presença e o papel urbano destas intervenções.

Podemos, desde já, apontar que, tendo-se em conta o estudo realizado a prevista e proposta intergeracionalidade residencial poderá ser (i) mais “passiva”, portanto, limitada à previsão de diversos tipos de habitações para variados níveis etários e gostos de habitar e de um conjunto de espaços e serviços comuns integrados na solução e que deverão proporcionar condições naturais de convívioe entreajuda, ou (ii) mais “ativa” e prevendo, também, um processo devidamente programado de acompanhamento diversificado aos mais idosos e fragilizados por parte de outros habitantes, que poderão, por isso, ter vantagens habitacionais específicas (ex., em troca de algumas horas de convivência semanal, no edifício e na proximidade urbana, poderá ser proporcionada habitação no local). E desde já se aponta que o perfil do PHAI3C tenderá mais para a primeira hipótese, de uma intergercionalidade mais passiva, mas no entanto visando-se, quer uma gestão participada cooperativa, que é especialmente dinamizadora da entreajuda e mesmo do convívio, quer a eventual integração de “módulos” do tipo estúdio habitacional, que possam ser disponibilizados a estudantes em troca de tarefas concretas, de acompanhamento de residentes.

Aprofundando-se esta ideia de intergeracionalidade, nas suas dimensões de vizinhança e de edificado, importa ter em conta que ela se aplicará não só numa perspetiva de dinamização da vida diária dos mais idosos pelos mais novos, mas também em várias contribuições específicas que os mais idosos poderão proporcionar aos restantes grupos etários vizinhos, tal como também se sublinha no mesmo documento da ONU:

Considering, that solidarity between generations also means adequate and sustainable social protection of older persons while recognizing that older men and women continue to make important contributions to their communities in various ways, including continued employment, performing non-paid caring of younger and older family members, participating in volunteering as well as cash and in-kind transfers to benefit younger members of their families and communities. (pg. 64)

2. Cidades amigas, designadamente, dos idosos

O que se referiu em termos da contribuição ativa dos habitantes mais idosos e, já agora, apoiados na vivência de uma “velhice ativa” (como oposto de uma velhice “passiva”, segregada e sozinha em casa), para a essencial sustentabilidade social dos espaços urbanos, e numa altura em que estes continuam a experienciar uma crise de uso, passa pelo que podemos definir como sendo uma desejável e diversificada continuidade de espaços urbanos de circulação e de estadia verdadeiramente “amigos dos idosos” ou de qualquer um de nós fragilizado (temporária ou permanentemente) em termos de capacidades de movimentação e de perceção; um objetivo que se considera ser, hoje em dia, essencial.

Nesta matéria específica do desenvolvimento de espaços urbanos mais amigos e estimulantes no seu uso por idosos salienta-se a tradução e a publicação da edição portuguesa do “Guia Global das Cidades Amigas das Pessoas Idosas”, que foram asseguradas pela Fundação Calouste Gulbenkian em 2009, na sequência da sua edição original pela Organização Mundial da Saúde.[2]

Neste guia sublinha-se a existência de uma  “Lista de verificação de espaços exteriores e edifícios amigos das pessoas idosas”, que muito se recomenda e que procura garantir a melhor capacidade de deslocação, movimentação, uso diversificado e estadia, em adequadas condições de segurança no uso e pública, a pessoas fragilizadas em edifícios e espaços exteriores.

Importa, talvez, comentar que esta abordagem é bastante completa, não se limitando às já bastantes conhecidas, embora ainda por vezes não cumpridas, condições de acessibilidade a pessoas condicionadas na mobilidade; e, na prática o que importa ter em conta é a dotação de boas condições de uso universal de todos os espaços, mas com uma especial ênfase naqueles tendencialmente mais usados por pessoas fragilizadas e por idosos, tornando estes espaços potencialmente muito adequados, em termos de frequência e intensidade de uso, com atenção especial à importante possibilidade de um uso “mais privatizado”, mas sempre seguro, dos espaços exteriores de vizinhança e de lazer, assim como à grande diversidade potencial das atividades e comportamentos que aí podem e devem ser desenvolvidos, e, naturalmente, às respetivas condições de funcionalidade, agradabilidade e conforto aí disponíveis (ex., boa relação com transportes públicos e estacionamentos, pavimentos aderentes e que encorajem a movimentação, bancos apetecíveis, insolação e sombreamento, proteção do vento, etc.), sempre em adequadas condições de visibilidade de segurança, asseguradas em continuidade, mas não intrusivas.

O apoio à circulação funcional de bicicletas deve ser também uma preocupação, que deve incluir a sua adequada compatibilização com a movimentação e a estadia pedonais, tendo-se em conta a movimentação e a orientação, frequentemente muito condicionadas, que caraterizam os mais idosos.

3. Espaços urbanos de uso público adequados a idosos e a pessoas fragilizadas

Está bem provado que o andar a pé e estar no exterior faz bem à saúde e é fonte de bem-estar, assim como meio privilegiado de interação urbana de proximidade e de lazer diversificado, sendo, assim, uma atividade de grande interesse para os idosos, até porque estes, frequentemente aposentados, terão tempo para gastar bem a andar a pé, ao longo do dia, conseguindo compensar com a quantidade de passos e o tempo de permanência no exterior o seu eventual menor dinamismo e velocidade de deslocação; assim existam espaços exteriores que o permitam, tanto em termos estritamente funcionais (ex., tipo de piso, ritmo de bancos, iluminação, abrigos estratégicos, etc.), como na sua essencial extensão, configuração geral (integrando circuitos “fechados”, que permitam simples repetições de passeios e diferentes níveis de exercitação física), coerência e funcionalidade de estruturação (ex., permitindo e incentivando acesso a lojas e a transportes públicos) e mesmo relação com diversas outras atividades associadas ao exterior público (ex., esplanadas de cafés, hortas sociais, etc.).

Para se aprofundarem continuidades de espaços de uso público verdadeiramente amigos dos idosos, há que respeitar aspetos básicos de adequação funcional, ambiental e mesmo de caraterização desses espaços relativamente ao seu uso pelos idosos e outros habitantes fragilizados.

As questões associadas à referida adequação funcional e ambiental dos espaços urbanos relativamente ao seu uso por pessoas fragilizadas e especificamente por idosos é condição hoje em dia globalmente aceite, embora, como também sabemos, ainda muito pouco aplicada de forma generalizada e, designadamente, proporcionando os “vitais” percursos urbanos em “perfeita”, agradável esegura, continuidade (ex., desde a porta da habitação, passando pelos espaços e equipamentos comuns do edifício, e depois saindo dele, acedendo, por exemplo, a lojas e a agradáveis paragens de transportes públicos).

Não é, no entanto, hoje em dia, globalmente aceite e até longe disso, que os próprios ambientes residenciais e urbanos, devam ser caraterizados por imagens urbanas e mesmo por um carácter global que suscite apropriação, identidade e sentimentos de segurança, pertença, “agradabilidade” e mesmo um sentido de envolvente residencialidade; isto de modo a que nos possamos sentir um pouco “em casa”, mesmo “na rua”, condição esta que é muito estimulante para os residentes de todas as idades, mas que, naturalmente, seré especialmente mais sentida, tanto por aqueles que usam mais intensa e prolongadamente o exterior, como por aqueles mais fragilizados e, designadamente, e nos dois casos, pelos idosos.

Nesta sensível e importante temática salienta-se o trabalho da organização designada HelpAge International e, especificamente o estudo de Siôn Eryl Jones, intitulado Ageing and the city: making urban spaces work for older people. [3]

Neste estudo, que visa os mais de 500 milhões de citadinos com mais de 65 anos (números estes indicados pelo referido autor), são apontadas três tipos de objetivos: a criação de espaços urbanos de uso público inclusivos, apetecíveis, conviviais e com grande utilidade urbana; a promoção de um envelhecimento saudável, designadamente, através da adequada conceção e funcionalização desses espaços urbanos e, consequentemente, de um seu uso intenso e múltiplo por parte dos habitantes mais fragilizados; e o desenvolvimento de um complexo de espaços de uso público que sejam verdadeiramente protagonistas em termos da existência de um global sentimento de segurança no uso e pública – condição esta que, evidentemente, tem muito a ver com a arquitetura/forma urbana (que integra edificado e espaço público) e que, infeliz e frequentemente funciona exatamente ao contrário, como geradora de insegurança e de bloqueio no uso do exterior urbano.

Estes aspetos são, sem seguida, citados, a partir do texto original do referido estudo de Siôn Eryl Jones (negrito nosso):

.      Create inclusive and enjoyable shared urban spaces that encourage social activity and provide easier access to services and opportunities for all by reducing car use and traffic speeds, promoting walking and cycling, developing dense, mixed-use communities, and supporting those engaged in street-based livelihood activities. This also includes providing green and public spaces that encourage physical activity and social interaction, and increasing public transport provision that is adequate, accessible, safe and accountable.

.      Promote healthy ageing and tackle the key risk factors linked with urban living by tackling the high rates of non-communicable diseases in cities through awareness raising and encouraging physical activity and healthy eating, reducing air pollution from all sources, and creating communities that support people with dementia.

.      Help older urban residents feel safe and secure living in a city by involving older people in disaster preparedness planning, promoting better coordination between humanitarian actors and city authorities to ensure the specific needs of older people are met in times of emergency, and recognising the specific challenges facing displaced older people. (pg. 5)

Mas podemos aprofundar, um pouco mais, esta matéria, utilizando a mesma fonte bibliográfica, seja numa perspetiva mais global, aplicável a todos os níveis etários, em termos da vitalidade do espaço público, seja numa perspetiva que foca especialmente o uso do espaço público pelo grupo, significativamente, crescente de idosos com demências, mas que, como veremos também a todos interessa.

Um dos aspetos sublinhados por Siôn Eryl Jones, no estudo referido, é a importância da vitalidade da rua de vizinhança quando somos idosos; o autor designa esta ideia como a importância das street-based livelihoods  para os idosos (pg. 12), a importância do comércio e dos serviços locais no dia-a-dia das pessoas que permanecem mais durante todo o dia na respetiva vizinhança, uma importância que cresce quando os habitantes têm menos posses e acabam por ir fazendo as suas compras numa base diária e muitas vezes “remediada”, aproveitando, por exemplo, oportunidades; e uma importância que se integra com as condições naturais/informais de convivialidade urbana assim proporcionadas e que, sendo desenvolvidas numa base de continuidade diária, poderão mesmo evoluir para algum tipo de solidariedade e entreajuda.

Esta matéria tem reflexos diretos no interesse do desenvolvimento de uma adequada e bem pormenorizada arquitetura urbana térrea e contígua ao nível térreo (ex., esplanadas, terraços, pátios, pequenos talhões para jardinagem, semi-caves, sobrelojas, etc.); matéria esta que merecerá desenvolvimento específico.

Evidentemente que uma tal vitalização da rua de vizinhança e de outras soluções urbanas de proximidade assegura excelentes condições para o combate ao isolamento social e mesmo à solidão, doenças estas que afetam especialmente muitos idosos, consistindo, nas palavras de Siôn Eryl Jones, em shared urban spaces that combat social isolation – (pg. 13) e regista-se o conceito original pois há sempre aspetos empobrecedores na respetiva tradução.

Mas evidentemente um tal sentido informalmente convivial pode e deve marcar continuidades urbanas mais extensas e designadamente os espaços ajardinados, podendo, aqui, desenvolver-se, uma excelente integração entre a prática da atividade física em espaços excelentes no que se refere ao combate à poluição urbana, conforto ambiental no exterior e a referida prática do convívio informal (pg. 13); condições estas que poderão ser, ainda, potenciadas através do passeio de cães, que assegura, para além desses aspetos de exercício físico e convívio, a justificação ideal para um frequente e prolongado uso do exterior.

E nestas matérias há que sublinhar a importância crucial de um bem adequado verde urbano (adequado ao local e aos objetivos específicos loais, durável/sustentável, fácil de cuidar) no que se refere à efetiva mitigação da poluição atmosférica urbana e à melhoria das condições de conforto ambiental e mesmo de saúde e bem-estar (ex., sombreamento, humidade, retenção da chuva, etc.), designadamente, quando vivemos excessos climáticos.

Outro aspeto determinante para a defendida vitalidade do espaço público (ou vivencialidade urbana - liveable city) é a estratégica, continuada e alternativa ligação dos espaços destinados aos peões com as paragens e os percursos dos transportes públicos urbanos (pg. 14); ligando-se, tal como fazem, até, já, aplicações informáticas pessoais, percursos a pé e em transporte público e, naturalmente, uma tal afirmada ligação exije trabalho e validação/melhoria sequencial do mesmo, ouvidos os habitantes e utentes.

Tal como se referiu acima um uso adequado do espaço público por idosos e pessoas fragilizadas depende quer de uma expressiva e bem construída vitalidade do espaço público, quer de uma sua amigabilidade e atratividade específicas em termos de leitura, perceção e acompanhamento espacial, físico e visual, no que se refere a habitantes especialmente fragilizados e nestes visando-se, particularmente, o grupo, significativamente, crescente de idosos com demências.

Aqui encontramo-nos naquilo que Siôn Eryl Jones designa de “dimensões espaciais da demência”, cujos principais sintomas são esquecimento e perda de memória, descontrolo temporal, desorientação e mesmo ficar perdido em locais conhecidos, salientando esse autor “a importância crucial da conceção da arquitetura urbana no que se refere ao modo como as pessoas vivem essa doença”, tal como se cita em seguida: (pg. 18) (negrito nosso)

For example, difficulty using transport unaccompanied can mean that people living with dementia are limited to the facilities and services available in their immediate locality

E lá voltamos à importância, neste caso vital, que a conceção urbana de pormenor e a respetiva gestão urbana posterior podem ter na “mitigação dos impactos da demência entre os residentes mais idosos”, tal como aponta Eryl Jones. (pg. 18)

Uma arquitetura urbana pormenorizada, diversificada, pontuada por elementos marcantes, bem estruturada e com uma imagem urbana cuidada e sequencial, como se recomenda no estudo que está a ser referido: (negrito nosso)

Research shows that communities with diverse characteristics and recognizable landmarks help people living with dementia recognise their environment more easily… Similarly, street layouts that avoid repetitive grids in favour of legible and recognisable streets, with good visibility, can support wayfinding… (pg. 18)

Uma arquitetura urbana coerente, legível e estruturada visando-se, evidentemente, todos os seus habitantes, mas tendo em conta que quer os mais novos, quer os mais idosos têm exigência específicas de maior clareza, estruturação e marcação espacial das respetivas sequências de imagens urbanas, que integram a imagem urbana caraterizada da respetiva vizinhança.

Naturalmente que tais medidas, para serem coerentes em termos de forma e função, implicam, tal como aponta Eryl Jones no estudo referido,  a sua relação direta com vizinhanças funcionalmente mistas e integradas: (negrito nosso)

Mixed-use communities (combining residential areas with business, retail, municipal and other types of premises), with easily identifiable points of service provision within walking distance of housing, can also help. (pg. 19)

Create inclusive and enjoyable shared urban spaces that encourage social activity and provide easier access to services and opportunities for all(pg. 24).

Afinal e de forma geral, fazer ambientes urbanos amigáveis e positivos para idosos afetados por demências é fazer, como se deve, bons ambientes e boas vizinhanças intergeracionais e vivas; e, por extensão, podemos salientar que, por idênticas razões, fazer um condomínio especialmente adequado a idosos fragilizados e gradualmente afetados por demências (como acontecerá frequentemente) é fazer um condomínio intergeracional e vivo.

4. Sobre a distribuição etária dos habitantes no espaço urbano

Finalmente, nesta reflexão sobre uma amigabilidade ativa dos espaços de uso público no sentido do apoio a uma fruição, múltipla, intensa e prolongada pelos seus habitantes mais fragilizados e designadamente pelos idosos, importa ter um sentido estratégico e considerar a mais corrente distribuição etária dos habitantes nos seus espaços públicos.

E para se avançar num tal “sentido estratégico” é bastante fácil, bastando, por um lado, senso comum, no que se refere à identificação dos espaços, “pontos” e equipamentos urbanos e naturais que tendem a atrair mais determinados grupos etários (ex., bancos confortáveis perto de zonas comerciais, parque infantil perto de escola), e, por outro lado, aplicar algum tempo de observação, levantando situações tipo correntemente associadas a determinados grupos etários (ex., pequenos grupos convivendo a propósito de “jogos de mesa”, pessoas usando bancos confortáveis em zonas ambientalmente agradáveis), passando-se, depois, à cuidada e faseada recriação de tais espaços, equipamentos, “pontos” e “situações” razoavelmente tipificadas.

O que não podemos fazer é continuar na já velha metodologia de criação, generalizada, de espaços específicos para determinados níveis etários: há que conjugar, integrar, acompanhar, “contiguar”, espaços públicos todos eles desenvolvidos tendo em vista a universaidade de acesso, com sequências específicas e zonas/recintos específicos onde são especialmente bem acolhidos, quer habitantes muito novos, quer idosos com críticos condicionalismos em termos de acessibilidade e perceção.

E em tudo isto importa ter em conta uma realidade poucas vezes presente, mas muito importante, é que, tal como aponta Jean-François Ghékière, no seu artigo intitulado La distribution des âges dans la ville , [4] boa parte dos espaços urbanos atuais foram concebidos para pessoas adultas e mesmo para jovens adultos, no pleno uso das suas capacidades de movimentação e perceção, situação esta que ao ser conjugada com um espaço urbano e periurbano feito para ser amigo do automóvel, que é a condição com que ainda hoje convivemos, se traduz num mundo urbano globalmente muito pouco amigo dos idosos e dos fragilizados.

E há, ainda, que terem conta a recente mudança de paradigmas, também apontada por Jean-François Ghékière, no artigo referido, pois o “reformado-tipo”, utente de um dado “lar” e satisfeito por poder ir até ao jardim próximo, jogar cartas com os amigos, está a dar lugar a um outro tipo de idoso reformado, com outro tipo de exigências e gostos:

L’arrivée des classes d’âges pleines issues du baby-boom au sein de la population âgée annonce une profonde modification de la géographie des lieux marqués par une forte présence de population âgée.

5. Idosos e espaços urbanos de vizinhança

5.1. Vivências intensas dos espaços urbanos de vizinhança

Nesta reflexão global sobre como incentivar a vivência diversificada dos espaços de uso público pelos habitantes mais idosos e, paralelamente, aproveitar estes habitantes para a vitalização do espaço urbano, sobressai, naturalmente, o protagonismo dos espaços de vizinhança de proximidade como aqueles onde, provavelmente, se jogará, ao máximo, uma tal compatibilização de vivências, aproveitando-se e potenciando-se a proximidade ou mesmo contiguidade entre esses espaços e os espaços privados.

Uma ideia interessante seria promover o PHAI como solução de vida independente e bem personalizada e caracterizada “ao sítio”, mas que, pelas suas especificações exigentes possa servir, pelo menos, como fogos e minifogos para habitação assistida: seja uma habitação simplesmente assistida em termos de facilitação das tarefas domésticas e de disponibilização de serviços e equipamentos amigos dos espaços domésticos e de vizinhança (que interessam praticamente a todas as idades), seja uma habitação “especialmente assistida” no sentido de se apoiarem idosos e fragilizados no melhor exercício da sua vivência doméstica em segurança e especial agradabilidade – duplo conceito este de “habitação assistida” que se julga ter grande interesse e que, portanto, importará aprofundar e desenvolver.

E um caráter de assistência doméstica e vivencial que poderá até ter alguns aspectos evolutivos – em termos dos espaços e equipamentos privados e dos comuns – para uma franja significativa dos cuidados extra ou específicos; mas neste ultimo casos sem que esta condição comprometa o carácxter/ambiente dos restantes espaços residenciais – e isto aqui é bem sensível.

Julga-se que se os “fogos” forem adequadamente projectados e construídos em termos de pormenorização (incluindo aqui aspectos vários e extremamente exigentes, por exemplo, de isolamento, ventilação etc) , flexibilidade específica pormenorizada e adaptabilidade especial com sentido mais lato, e se os espaços comuns forem adequademnte funcionais, versáteis e adaptáveis sera possível cumprir tais ideias; sendo aqui importante que os restantes habitants possam encarar a sua natural evilução de necessidades também de uma forma natural e sempre desejavelmente caldeada pela também natural e continua integração de novos residentes e de jovens residentes; daqui também a importância da intergeracionalidade.

Apenas como exemplo: um espaço para deambular em boas condições não serve apenas os doentes de alzeimer; assim como um piso térreo cheio de referências domésticas/urbanas.

E para tal é também muito importante uma adequada e sustentável disponibilização de variadas formas de tenure.

 

5.2. Vizinhança e envelhecimento ativo

Se há “local” onde diversas manifestações do que designamos de “envelhecimento ativo” são mais prováveis e desejavelmente bem-vindas, a vizinhança próxima tem evidente protagonismo, seja pelo apoio direto que aí é possível com base nos espaços habitacionais privados, contíguos ou muito próximos, seja pelo conjunto de atividades associáveis a esse “envelhecimento ativo” que encontram a sua mais adequada localização nessa vizinhança, como é, por exemplo, o importante caso das múltiplas  práticas de jardinagem e de todo um amplo leque de atividades que encontram situação estratégica nos estimulantes espaços de transição entre interior e exterior e nos atraentes pequenos espaços de estadia, privados ou comuns, nesse exterior bem protegido e apropriável, porque contíguo ou próximo dos respetivos edifícios.

Começamos esta temática com a revisitação do conceito de envelhecimento ativo para, em seguida, abordar aspetos que na vizinhança o favorecem, e, que, afinal, ao dinamizarem a presença de idosos nos seus espaços urbanos de vizinhança, favorecem o uso global e intenso do espaço urbano de uso público com vantagens para todos, desde a vivência à gestão urbanas.

Liz Cairncross, no seu estudo intitulado Active Ageing and the Built Environment. Practice Briefing [5] aborda e aprofunda o conceito de envelhecimento ativo  e as suas claras vantagens para o bem-estar e a saúde dos idosos, tal como é em seguida citado: (negrito nosso).

The concept of active ageing encompasses both physical activity and wider social and community participation.

Physical activity provides many physical, social and mental health benefits for older adults, and is a recognized component in the management of many chronic diseases associated with ageing in older people. For example, physical activity appears to reduce the risk of mental disorders common in older age including depression, cognitive decline, and dementia.(pg. 1)

A autora avança no que considera ser a relação direta entre uma boa arquitetura urbana da vizinhança e o seu uso adequado em termos físicos e sociais; assim como a influência inversa que têm as más soluções de arquitetura urbana, bloqueando os relacionamentos domésticos e de vizinhança dos habitantes. (pg. 4)

Depois Liz Cairncross regista duas importantes definições: cidades amigas e vizinhanças para toda a vida. Definições onde ficam patentes as relações entre uma cidade amigável e a possibilidade de aí podermos viver um envelhecimento ativo e inclusivo, integrado por vizinhanças feitas “para a vida”, porque proporcionando qualidade de vida a habitantes de todas as idades. [6]

E por fim a autora aponta e desenvolve cinco aspetos que designa de ambientais e que influenciam particularmente a possibilidade de se ter um adequado envelhecimento ativo numa dada vizinhança urbana: (pg. 5 a 7)

- a respetiva e adequada infraestruturação pedonal, bem estruturada, bem ligada às continuidades urbanas locais e bem equipada – por exemplo boa iluminação, bons bancos em zonas bem mantidas;

- as respetivas condições de segurança no uso normal e pública – esta última frequentemente ligada a boas condições de segurança relativamente a veículos [7] - por exemplo mais adequada temporização e sinalização nos semáforos pedonais e integração de comandos de semáforos e de controlos específicos nas passagens e cruzamentos, boas condições de manutenção do espaço público, boa iluminação, ausência de vandalismo e  ausência de habitações vagas em número significativo;

- a boa acessibilidade a equipamentos coletivos e serviços urbanos; destacando-se aqui a boa disponibilidade de transportes públicos, pois os idosos tendem a usá-los com frequência, sendo a sua ausência fator de segregação urbana e de isolamento – e aqui é importante a aplicação de medidas concretas em termos de limitação da velocidade da circulação motorizada, de redução do afastamento entre paragens de transportes públicos e respetivo e bem adequado equipamento pormenorizado (ex., bancos, abrigos, etc.);

- uma boa atratividade em termos de imagens da respetiva arquitetura urbana – e nesta atratividade a integração da natureza parece ser muito importante;

- e condições ambientais específicas, designadamente, em termos de conforto ambiental, limpeza, e proteção da poluição atmosférica e sonora nos espaços de uso público.

E aqui fica uma síntese de carta de intenções qualitativas para uma vizinhança especialmente amiga dos idosos, que poderá ser aplicada na escolha e no desenvolvimento de vizinhanças pormenorizadas para integração de conjuntos residenciais intergeracionais.


5.3. Perspetivas para as vizinhanças concebidas para todas as idades num espaço urbano em crise

Considerando-se a crise de usos e, consequentemente, de (in)segurança que continua, hoje em dia, nos espaços públicos urbanos,  , como perspetivar o desenvolvimento dos espaços de vizinhança residenciais e o seu equipamento ao serviço dos habitantes de todas as idades e com especial e natural cuidado daqueles mais fragilizados?

Um dos aspetos a ter em conta é a habitual ausência de tipologias residenciais qualificadas e desenvolvidas usando-se todos os elementos de composição e funcionalidade disponíveis, como é o caso dos espaços exteriores privados e comuns contíguos ao edificado e marcando, positivamente, quer a solução global térrea, quer a imagem urbana dos respetivos conjuntos residenciais.

Realmente é frequentemente pobre, e por vezes mesmo muito pobre, o “uso” que se faz do potencial dos espaços urbanos e naturais envolventes e integradores de edifícios de habitação, talvez porque exija muito mais em termos de conceção do que a “simples” projetação do edificado “puro e simples” e, sendo assim, acabou por “fazer escola” e mesmo consolidar-se na própria regulamentação, com diversas “desculpas”, muito associadas à dificuldade do controlo público de tais soluções integradoras de espaços exteriores privados e comuns, e ao perigo, que é, realmente, real de um uso excessivo e inapropriado de tais espaços pelos respetivos habitantes; e sendo assim é, atualmente, a própria regulamentação que dificulta tais soluções de arquitetura urbana. Mas esta é uma matéria específica que nos levaria muito longe.

E, por outro lado, é sempre complicado avançar para uma renovada qualificação dos espaços residenciais de uso público, numa perspetiva de acessibilidade e utilidade universais e num quadro de qualidade marcado pela criação de vizinhanças amigas dos idosos e feitas para “toda a vida”, quando muitos de tais espaços estão ainda “na idade da pedra” da qualificação dos respetivos espaços exteriores específicose mesmo quando em outras casos nem sequer existem “espaços exteriores” minimamente dignos; no entanto este atraso pode ser convertido num atalhar de caminho, passando-se, desde já, para a referida ideia do espaço “universal” e “para a vida”.

Neste sentido e utilizando os aspetos contidos no excelente artigo de Ed Harding intitulado  Weathering the downturn: What is the future for Lifetime Neighbourhoods? [8], podemos sublinhar alguns aspetos a privilegiar nos novos ou renovados espaços exteriores residenciais, entre os quais se salientam os seguintes aspetos: (pg. 21) (tradução aproximada e negrito nossos)

- considerar a referida conceção inclusiva e geracional (“para toda a vida”) como parte de uma aposta em vizinhanças sustentadas para todos os seus residentes;

- considerar esta reflexão como uma oportunidade para se desenvolver uma nova perspetiva sobre qualidade residencial;

- considerar o envelhecimento da população e mesmo as opiniões dos idosos como base para uma boa conceção residencial;

- ter em conta e procurar entender o impacto desigual de uma negativa conceção arquitetónica nos diferentes grupos socioculturais de idosos;

- assumir que uma boa conceção arquitetónica residencial é desenvolvida em três principais níveis de intervenção: o bairro ou vizinhança alargada (ex., infraestruturas, transportes, equipamentos coletivos); a vizinhança (ex., arquitetura urbana da rua, equipamentos de pormenor, acessibilidades); e o longo prazo (ex., manutenção e gestão).

Como comentário, julgado oportuno, há aqui um conjunto de ideias considerado extremamente rico para posterior discussão e aprofundamento; e a título de exemplo referimos a última em que são apontados três principais níveis de intervenção, sendo dois deles ligados à vizinhança e à arquitetura urbana e outro à manutenção/gestão, designado, significativamente, por “longo prazo”.

Finalmente e uma vez mais coloca-se a tónica na segurança pública e até, diferente disto, numa clara perceção de segurança pública e lembremo-nos que muitas das fontes consultadas se referem a realidades bastante mais problemáticas do as nossas no tocante a essa segurança pública nos espaços residenciais e designadamente naqueles associados a grandes conjuntos de habitação de interesse social.

E é muito interessante a afirmação, feita ainda no último artigo citado, e abaixo registada, de que se os idosos se sentirem bem nos espaços de uso público, toda a gente assim se sentirá. Sobre como acentuar o sentimento de segurança pública há sempre que referir as questões ligadas a uma estratégica e contínua visibilidade de segurança (em termos de uso de percursos e em termos de vistas envolventes sobre esses percursos) e à existência de uma presença securizadora, também abaixo apontada; no entanto há que moderar tais cuidados, para não serem intrusivos, tornando-os praticamente informais, ainda que quase constantes (ex., contiguidade entre passagens e lojas) e periódicos mas bem visíveis (zonas pedonais  mas episodicamente percorridas por veículos da polícia).  (negrito nosso)

Older people need to feel safe in streets and public spaces. Public and green spaces should prune back bushes and create clear sight lines. Staff also need to be present and visible to users. If older people feel comfortable using public spaces, other people will too, increasing use of public spaces makes them safer and ensures there are eyes on the street. (pg. 24)

 

Bibliografia (referências práticas)

CAIRNCROSS, Liz - Active Ageing and the Built Environment. Practice Briefing. Housing Learning & Improvement Network – Housinglin - www.housinglin.org.uk. 2026. Liz Cairncross, Head of Research at the Institute of Public Care, Oxford Brookes University

GHEKIERE, Jean-François - La distribution des âges dans la ville. MTETM, PUCA. Les Annales de la recherche urbaine n°100, 0180-930-X, 2006, pp.7-13. 2006.

HARDING,  Ed - Weathering the downturn: What is the future for Lifetime Neighbourhoods? - discussion paper. The International Longevity Centre - UK (ILC-UK). April 2009. www.ilcuk.org.uk - edharding@ilcuk.org.uk

JONES,  Siôn Eryl; HelpAge International - Ageing and the city: making urban spaces work for older people. HelpAge International, Londres, 2016. www.helpage.org

The World Health Organisation (WHO) has promoted the concepts of age-friendly cities and lifetime neighbourhoods through its Age-friendly Environments Programme. WHO describes an age-friendly city as one that: ... is an inclusive and accessible urban environment that promotes active ageing … An age-friendly city adapts its structures and services to be accessible to and inclusive of older people with varying needs and capacities. And a lifetime neighbourhood: … is a place where a person’s age doesn’t affect their chances of having a good quality of life. The people living there are happy to bring up children and to grow older – because the services, infrastructure, housing, and public spaces are designed to meet everyone’s needs, regardless of how old they are…” (pg. 4)

UNITED NATIONS ECONOMIC COMMISSION FOR EUROPE - A sustainable society for all ages Realizing the potential of living longer. UNITED NATIONS, New York and Geneva, 2017, Proceedings of the2017 UNECE Ministerial Conference on Ageing, 20-22 September 2017, Lisbon, Portugal. Organização Mundial da Saúde ; Fundação Calouste Gulbenkian. Guia Global das Cidades Amigas das Pessoas Idosas – [tradução pela FCG do] Global age-friendly cities: a guide [da OMS, em 2009]. Lisboa, FCG, 2009


Notas bibliográficas

[1] UNITED NATIONS ECONOMIC COMMISSION FOR EUROPE - A sustainable society for all ages Realizing the potential of living longer. UNITED NATIONS, New York and Geneva, 2017, Proceedings of the2017 UNECE Ministerial Conference on Ageing, 20-22 September 2017, Lisbon, Portugal.

[2] Organização Mundial da Saúde ; Fundação Calouste Gulbenkian. Guia Global das Cidades Amigas das Pessoas Idosas – [tradução pela FCG do] Global age-friendly cities: a guide [da OMS, em 2009]. Lisboa, FCG, 2009. 

[3] Siôn Ery Jones; HelpAge International - Ageing and the city: making urban spaces work for older people. HelpAge International, Londres, 2016. www.helpage.org

[4] GHEKIERE, Jean-François - La distribution des âges dans la ville. MTETM, PUCA. Les Annales de la recherche urbaine n°100, 0180-930-X, 2006, pp.7-13. 2006.

[5] Liz Cairncross - Active Ageing and the Built Environment. Practice Briefing. Housing Learning & Improvement Network – Housinglin - www.housinglin.org.uk. 2026. Liz Cairncross, Head of Research at the Institute of Public Care, Oxford Brookes University.

[6] “The World Health Organisation (WHO) has promoted the concepts of age-friendly cities and lifetime neighbourhoods through its Age-friendly Environments Programme. WHO describes an age-friendly city as one that: ... is an inclusive and accessible urban environment that promotes active ageing … An age-friendly city adapts its structures and services to be accessible to and inclusive of older people with varying needs and capacities. And a lifetime neighbourhood: … is a place where a person’s age doesn’t affect their chances of having a good quality of life. The people living there are happy to bring up children and to grow older – because the services, infrastructure, housing, and public spaces are designed to meet everyone’s needs, regardless of how old they are…” (pg. 4)

[7] “Older people walk more slowly, making it more difficult to cross roads safely. This can be exacerbated by inadequate traffic signal times for crossing roads and reckless drivers. The risk of a fatality crossing the road increases more rapidly with age from the early 60s, and very rapidly from age 70. Older pedestrians express particular concern about fast traffic, busy roads, and crossing where several roads meet. “(pg. 6)

[8] Ed Harding - Weathering the downturn: What is the future for Lifetime Neighbourhoods? - discussion paper. The International Longevity Centre - UK (ILC-UK). April 2009. www.ilcuk.org.uk - edharding@ilcuk.org.uk

 

 

Notas editoriais gerais:

(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.

(ii) No mesmo sentido, de natural responsabilização dos autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos de ilustração dos mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos, gráficos, etc., é, igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores – que deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias autorizações. 

(iii) Para se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.


Etiquetas/palavras chave: habitação, habitação intergeracional, habitação para idosos, intergeracionalidade, espaços residenciais, PHAI3C, Programa de Habitação Adaptável e Intergeracional Cooperativa a Custos Controlados


Idosos e espaço urbano – versão de trabalho e base documental – Infohabitar # 849

Artigo XXVII da série editorial da Infohabitar “PHAI3C – Programa de Habitação Adaptável e Intergeracional através de uma Cooperativa a Custo Controlado

Infohabitar, Ano XIX, n.º 849

Edição: quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Infohabitar

Editor: António Baptista Coelho, Investigador Principal do LNEC

abc.infohabitar@gmail.com, abc@lnec.pt

A Infohabitar é uma Revista do GHabitar Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação atualmente com sede na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE) e anteriormente com sede no Núcleo de Arquitectura e Urbanismo do LNEC.

Apoio à Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.