domingo, março 28, 2010

291 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura II: a Acessibilidade - Infohabitar 291

Infohabitar, Ano VI, n.º 291
Melhor Habitação com Melhor Arquitectura II: a acessibilidade
Novos comentários sobre a qualidade arquitectónica residencial
artigo de António Baptista Coelho

Introdução geral

Nas páginas seguintes apontam-se alguns aspectos que têm sido constante e sistematicamente ponderados, na sequência da aplicação dos conceitos ligados aos diversos rumos de qualidade arquitectónica residencial. Não se trata, assim, da sua respectiva e clarificada estruturação, mas apenas da sua ponderação cuidada, considerando os anos de prática de análise, que já decorreram desde a sua formulação inicial.

Sublinha-se que se trata de matérias tão ligadas à concepção residencial e urbana que muitas vezes os bons projectos e os bons projectistas as integram de forma natuiral, sendo que naturalmente há na realidade uma sua aplicação muito mais comum do que o que pode ser sugerido por uma apresentação sistemática e individualizada como aquela que se faz em seguida, mas este é o único processo que temos de ir conhecendo, aprofundando e ..
Regista-se, em seguida, o plano editorial previsto no Infohabitar, que, repete-se, será, descontínuo, alternado por outras edições e realizado à medida da elaboração dos respectivos artigos (a bold os temas já editados):

Infohabitar n.º 290 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura I: Introdução

A matéria da relação e do contacto entre espaços e ambientes é tratada em termos de aspectos de:
Infohabitar n.º 291 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura II: Acessibilidade - facilidade na aproximação ou no trato e desenvolvimento de continuidades naturais por prolongamentos e múltiplas ligações.
Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura III: Comunicabilidade - a qualidade daquilo que está ligado ou que tem correspondência ou contacto físico ou visual.

A matéria da caracterização adequação de espaços e ambientes é tratada em termos de aspectos de:
Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura IV: Espaciosidade – referida, tanto aos espaços que são extensos e amplos como aos que apresentam desafogo nas suas envolventes.
Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura V: Capacidade – que designa e qualifica o âmbito interior (dentro dos limites) ou a aptidão geral, espacial e ambiental, de qualquer elemento residencial.
Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura VI: Funcionalidade – refrida ao adequado desempenho das várias funções e actividades residenciais.

A matéria do conforto espacial e ambiental é tratada em termos de aspectos de:
Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura VII: Agradabilidade – referida ao desenvolvimento de condições de conforto, bem-estar e comodidade, nos espaços e ambientes residenciais.
Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura VIII: Durabilidade – qualidade do que dura muito ou, melhor, do que pode durar muito e em excelentes condições de manutenção.
Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura IX: Segurança – o acto ou efeito de tornar seguro, prevenir perigos, (tranquilizar).

A matéria da interacção social e da expressão individual é tratada em termos de aspectos de:
Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura X: Convivialidade – referida ao viver em comum, ao ter familiaridade e camaradagem, à entreajuda natural ou sociabilidade entre vizinhos.
Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura XI: Privacidade – referida à intimidade e capacidade de privança oferecida por um dado espaço num dado ambiente.

A matéria da participação, identificação e regulação é tratada em termos de aspectos de:
Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura XII: Adaptabilidade – referida à versatilidade e ao que se pode acomodar e consequentemente apropriar.
Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura XIII: Apropriação – referida à capacidade de identificação, à acção de "tomar de propriedade", tornando próprio e a si adaptado.

A matéria do “aspecto” e da coerência espacial e ambiental é tratada em termos de aspectos de:
Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura XIV: Atractividade - a capacidade de dinamizar e polarizar a atenção.
Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura XV: Domesticidade – referida à expressão mais pública ou doméstica do carácter residencial.
Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura XVI: Integração – que é a integração ou integridade de um contexto, e de uma totalidade onde não falta nem um elemento de conteúdo e de relação.



Fig. 00: capa da edição do LNEC " Qualidade Arquitectónica Residencial - Rumos e factores de análise" - ITA 8, da Livraria do LNEC, referindo-se, em seguida, o respectivo link para a Livraria do LNEC
http://livraria.lnec.pt/php/livro_ficha.php?cod_edicao=52319.php


Salienta-se ser possível aprofundar estas matérias num estudo editado pelo LNEC que contém um desenvolvimento sistemático dos rumos e factores gerais de análise da qualidade arquitectónica residencial, que se devem constituir em objectivos de programa e que correspondem à definição de características funcionais, ambientais, sociais e de aspecto geral a satisfazer para que se atinja um elevado nível de qualidade nos espaços exteriores e interiores do habitat humano.

Em cada um dos temas de análise desenvolvidos (ex., privacidade, acessibilidade, atractividade, etc.), apresenta-se um conjunto preliminar de indicadores, organizados segundo os níveis físicos do habitat (ex., Vizinhança Alargada, Edifício, Habitação, etc.), que permitem apreciar a sua qualificação relativamente a cada uma dessas qualidades específicas, constituindo, assim, uma base de apoio para a análise da qualidade arquitectónica residencial.

A análise de cada factor qualitativo termina com um "caderno" gráfico em que se concentram diversos exemplos práticos pormenorizados que ilustram a respectiva qualidade/factor (ex., convivialidade, acessibilidade, etc.), bem como alguns exemplos de espaços residenciais, retirados da extensa análise que foi desenvolvida em mais de 500 conjuntos residenciais, e que se salientaram pela presença evidenciada desse respectivo factor qualitativo.
Sublinha-se, no entanto, que a abordagem que se faz, em seguida, às matérias da acessibilidade, enquanto qualidade arquitectónica residencial, corresponde ao revisitar do tema, passados cerca de 15 anos do seu primeiro desenvolvimento, e numa perspectiva autónoma e diversificada relativamente a essa primeira abordagem.



Fig. 01:

Introdução à acessibilidade arquitectónica residencial
A acessibilidade arquitectónica residencial motivas deslocações em meio residencial e urbano e num quadro de continuidades, de clareza de orientação e de motivação dos usos potenciais.
A acessibilidade refere-se à facilidade na aproximação ou no trato, ao desenvolvimento de continuidades naturais por prolongamentos e múltiplas ligações.

A boa acessibilidade é um aspecto básico que percorre os diversos níveis físicos, desde as alternativas de acesso eficaz ao bairro ou conjunto urbano, até à clara facilidade de acesso entre edifícios habitacionais e equipamentos e elementos de mobiliário urbano das vizinhanças e, finalmente, disponibilizando motivadores e eficazes encadeamentos espaciais entre as portas de entrada do edifício e dos respectivos fogos; matéria esta que merece desenvolvimento posterior e específico.

Aspectos estruturadores da acessibilidade
Sublinham-se os seguintes aspectos, que se considera serem estruturadores de uma acessibilidade mais urbana; e aqui este “partido” tem a ver com a natural e directa aplicabilidade das relações de acessibilidade ao nível urbano, embora se considere este nível numa perspectiva que pode ir até entradas de habitações que tenham legibilidade e “função” no quadro de uma imagem urbana de proximidade.

Configuração cuidada e hierárquica da malha viárias e de acessibilidade.

Ter em conta bases adequadas, designadamente, em termos: geográficos, climáticos e ambientais, económicos, técnico-funcionais, sociais e de serviço por equipamentos colectivos, seja os conviviais e de proximidade, seja aqueles ligados aos transportes públicos, que garantem uma “plataforma” básica e “universal” de deslocações e de contactos urbanos e sociais.

Motivação da movimentação e do uso intenso de todo o quadro residencial

Aplicação de estratégias de visibilidade, legibilidade e orientação global e apelativa, criação de um quadro local e urbano de referências, e apoio a um leque específico de intenções de uso e de convívio, considerando adequadas condições de conforto/agradabilidade (bem-estar) e visando-se, naturalmente, o privilegiar da movimentação pedonal.

Desenvolvimento de conjuntos de imagens sequenciais e com continuidade urbana real

Visar e aplicar redes de acessibilidade mutuamente unificadas, estruturadas e vitalizadas por sequências visual e funcionalmente dinâmicas, estimulantemente tensas, mas bem fundamentadas em sítios de estar, que proporcionem uma permanência activa; e considerar e aplicar um vocabulário urbano completo, que atente, com especial cuidado, nas ligações entre tipos de espaços e de níveis físicos.



Fig. 02:

A acessibilidade, do bairro à habitação
A aplicabilidade arquitectónica e residencial da acessibilidade é, tal como foi já apontado, essencialmente, urbana e exterior, mas pode e deve marcar de forma muito estimulante os espaços de limiar entre exteriores e edifícios, assim como, de forma agradavelmente estimulante e caracterizadora, os próprios espaços comuns dos edifícios e mesmo a estruturação das habitações, ainda que, quando em quadros residenciais interiores a acessibilidade tenha de veicular um conteúdo residencial, marcado pelo sossego, pela calma e por um forte sentido de permanência.

O que se acabou de referir tem a ver com soluções urbanas de proximidade tão, mutuamente, distintas como:

- as pequenas ruas tradicionais dimensionalmente reduzidas, porque marcadas pela escala humana e por velhos usos urbanos e meios de acessibilidade, e caracterizadas, frequentemente, pelas próprias portas/janelas (portas com postigos envidraçados) de muitas habitações, assim como por passagens e acessos diversificados a continuidades de espaços exteriores por trás da continuidade de fachadas de edifícios que formam a rua, em pátios e quintais comuns e privados – e ninguém negará que se trata aqui de uma caracterização marcada pelas acessibilidades;

- e edifícios cuja estruturação interna de acessibilidades e de tipologia de agregação de habitações e de outras unidades funcionais, como lojas e espaços complementares diversificados (ex., passagens, galerias, alpendres e esplanadas), seja organicamente aparente, a partir da rua contígua; de certa forma em soluções de edifício embebidas e muito caracterizadas por uma estratégia de acessibilidades privadas, comuns e semi-públicas, soluções estas em que a acessibilidade ultrapassa claramente as suas fronteiras “funcionais” e assume uma importância estruturadora da respectiva vizinhança – aliás, tal como também acontece na solução anterior, mais “histórica” ou tradicional.

No interior da habitação a acessibilidade é um factor de flexibilidade de uso e de usos, designadamente, em termos de harmonização entre actividades puramente habitacionais e trabalho profissional, e é também um factor de privacidade e de apropriação, proporcionando que determinadas zonas do lar sejam usadas com autonomia sem afectar outras zonas e proporcionando, mesmo, uma agradável “convivência” entre um estar mais privado e pouco evidenciado e situações de socialização e de animação noutras zonas da habitação.

Tudo isto se refere a um conceito recorrente na concepção habitacional que é a acessibilidade alternativa, uma possibilidade que garanta o acesso às zonas mais privadas da habitação sem se passar obrigatoriamente pelas zonas mais sociais, habitualmente concentradas na respectiva sala-comum.

Estratégias de acessibilidade
As estratégias de acessibilidade são múltiplas, mas aqui apenas nos dedicamos a duas “famílias” temáticas, que se consideram prioritárias: a acessibilidade urbana como ferramenta de vitalização do uso do exterior em boas condições de segurança; e a acessibilidade nos edifícios por parte de pessoas com mobilidade condicionada.

A acessibilidade urbana como ferramenta de vitalização do uso do exterior em boas condições de segurança

A acessibilidade ou um sistemático potencial de acessibilidade, devidamente mitigada e caracterizada pelos diversos ambientes urbanos e residenciais, é uma condição fundamental para o seu uso frequente e intenso, um uso que caracteriza aquilo que podemos designar como uma verdadeira acção de “habitar o exterior”.

Tal como se passa na estruturação das essenciais sequências de imagens urbanas, somos “pré-movidos” pelo olhar, pela possibilidade que o nosso olhar nos transmite relativamente à facilidade que termos numa dada deslocação e aos benefícios que ela nos proporcionará, seja em termos funcionais, seja no que se refere a condições de convívio, seja em termos de bem-estar e conforto.

Naturalmente, devemos ter bem presente que o nosso clima nos oferece, de forma geral, excelentes condições para uma intensa e profícua estadia no exterior residencial, mas para que assim aconteça há que proporcionar boas relações de acessibilidade ao longo de toda a sequência, ou cadeia, de níveis físicos residenciais e urbanos: habitação; espaço comum habitacional (quando exista); vizinhança de proximidade e seus pólos de actividade, que têm de ser efectivos e afectivos; e núcleos de relação entre essas vizinhanças e a continuidade com o bairro e a cidade, e aqui são fundamentais aspectos de grande continuidade física e apoio à deslocação pedonal e de excelente serviço de transportes públicos.

A questão do uso do exterior em boas condições de segurança, uma segurança que tem variadas facetas, mas que aqui dedicamos, essencialmente à “segurança pública” contra acções violentas, depende, praticamente, de uma forma directa do desenvolvimento das condições de motivação das acessibilidades, acima apontadas; pois afinal um espaço urbano intensamente usado é, basicamente, um espaço muito mais seguro, do que zonas exteriores onde encontramos poucas pessoas e onde não existem actividades.

Mas há um outro aspecto que também se liga á acessibilidade e à segurança pública urbana, que é a própria escala global do edificado, sabendo-se que edifícios baixos e bem ligados aos exteriores contíguos, através de janelas e de actividades térreas (ex., lojas, esplanadas e pátios/quintais privados), convidam ao uso desse exterior e asseguram-lhe excelentes condições de visibilidade de segurança com continuidade, e tratamos aqui também de uma evidente acessibilidade visual, ligada a um claro e forte potencial de apoio/socorro a situações eventuais que ocorram nesse espaço público – condições bem diferentes de ambientes urbanos compostos por edifícios altos e com pisos térreos sem actividades. E há ainda uma outra matéria associada a estes aspectos, que tem a ver com o grau de boa pormenorização que pode e deve caracterizar continuidades de espaços exteriores e edifícios, uma pormenorização que é capaz de potenciar todas essas relações de acessibilidade física e visual, e é capaz de as harmonizar com as necessárias condições de privacidade – um bom projecto de Arquitectura urbana consegue compatibilizar todos estes aspectos.

Destaca-se, ainda, fazendo-se uma certa “ponte” com a matéria em seguida abordada, que uma estratégia de intensificação do uso dos espaços exteriores residenciais passa pelo cuidar sistemático e exigente da acessibilidade nesse exterior por parte de pessoas com mobilidade e percepção condicionadas e nestas com um enfoque muito especial para as condições que apoiam a acessibilidade física, a segurança e a orientação de crianças e de idosos; habitantes estes que são os grupos mais numerosos caracterizados por necessidades específicas em termos de uso do exterior e que, cumulativamente, são aqueles grupos dos quais depende boa parte da capacidade de vitalização e de intensidade de uso desse mesmo exterior.

A acessibilidade nos edifícios por parte de pessoas com mobilidade condicionada

O cuidado com a acessibilidade das pessoas com dificuldades na movimentação e na percepção espacial tem marcado e bem os últimos anos, designadamente, na produção de legislação que visa a sua adequada acessibilidade e segurança em meio urbano e a sua funcionalidade, agradabilidade e segurança em meio doméstico.

Nesta matéria aponta-se que há que desenvolver mais estudos de ergonomia pois até existem hoje em dia ideias pouco correctas, por exemplo, ligadas à grande adequação das rampas para pessoas condicionadas na mobilidade, quando é defendido, por médicos especialistas em fisiatria, que uma escada bem concebida e integrando degraus bem desenhados e revestidos é um meio óptimo e preferencial para a deslocação de muitas pessoas com dificuldade de movimentação. (1)

O que aqui se sugere não é, naturalmente, a ideia de substituir, globalmente, rampas por escadas, mas apenas o interesse de se poder proporcionar, no maior número de casos ou como “solução-base”, por exemplo, em promoções de habitação de interesse social, edifícios de baixa altura, sem elevadores, com escadas muito bem concebidas e pisos térreos com excelentes condições de acessibilidade e uso por pessoas muito condicionadas na sua mobilidade. O que aqui se aponta é a possibilidade de se conceberem excelentes soluções habitacionais económicas, servidas por escadas.

E não tenhamos dúvidas que este tipo de previsão será muito adequada para a globalidade dos habitantes, seja em termos funcionais como em termos de economias de manutenção dos respectivos edifícios; e não devemos ter dúvidas sobre a capacidade que estes terão para satisfazer a grande maioria os seus habitantes ao longo das suas vidas e designadamente na sua velhice.



Fig. 03: pormenor da entrada do conjunto da Cooperativa Lar Para Todos, em Beja, projectada por Raúl Hestnes Ferreira.

A acessibilidade arquitectónica residencial ao nível urbano
A acessibilidade numa Área Residencial depende, em primeiro lugar, de uma boa estruturação "da chegada lá", isto é de toda a malha viária que a serve e para a qual existem múltiplas "receitas" entre as quais cada vez mais são de destacar as clássicas soluções reticuladas, pela sua capacidade de adequação ao sítio e à sua envolvente e pelo seu inegável protagonismo na "unificação do espaço urbano"; é assim intitulado o parágrafo do excelente estudo dos Duplay (2) em que se apresenta uma ordem de grandeza e de relacionamento das redes viárias, baseado no caso parisiense, em que se sucede uma hierarquia de quadrícula de vias; hierarquia esta que se aponta em nota apenas para proporcionar um quadro global de referência (3).

Podemos afirmar que a boa acessibilidade habitacional decorre, naturalmente, do êxito dessa unificação entre vias e edifícios e de um modo mais geral da compatível e estimulante combinação entre os espaços residenciais de circulação e outros com outros usos; no exterior residencial, um exemplo desta combinação é proporcionado pelo arranjo dos estacionamentos de veículos em pequenos grupos articulados com os edifícios, próximos das entradas das habitações e amenizados por árvores de enquadramento, enquanto no interior da habitação todos nós já sentimos, por exemplo, o efeito de animação que uma circulação recatada e tangencial pode ter numa zona de estar.

E falando de unificação chegamos ao fundamental elemento de coesão num espaço residencial, que é o peão. Porque "é a rede de caminhos para peões que transforma a cidade numa estrutura transitável", como refere Cullen na sua já clássica "Paisagem Urbana" (4), e pouco mais à frente, ao tratar dos variados elementos que formam a rede pedonal (degraus, pontes, diversos tipos de pavimentos, etc.), Cullen chama-lhes elementos de conexão, garantes da continuidade e da acessibilidade, ao mesmo tempo que oferecem uma variedade de imagens da rede pedonal, que é assimilada como um "todo coeso".

É de salientar que existe a facilidade de aproximação habitual/normal, de todos os dias e de todos os grupos de utentes da Área Residencial e existe, também, a acessibilidade especial e com frequente carácter de urgência.

A acessibilidade nos espaços públicos versus a acessibilidade nos espaços edificados

A acessibilidade é uma qualidade com grande continuidade entre exterior e interior, mudam apenas as escalas e a pormenorização da intervenção, mas mantêm-se idênticas preocupações ergonómicas, de universalidade de uso, de motivação por associação com outros elementos de composição e de previsão de medidas eventuais de acção e intervenção rápidas e estratégicas.

No entanto, no exterior público e na sua relação pormenorizada com o edificado, muito se tem de fazer para articular todos estes aspectos e para os subordinar, coerente e eficazmente, a determinados objectivos que sejam considerados localmente estratégicos (ex. pedonalização e humanização urbana).

A acessibilidade nos espaços públicos conjuga-se com as escalas e usos do exterior, bem como com as suas imagens e é base da continuidade urbana, devendo assegurá-la em completa parceria com o edificado, formalizando ordens hierárquicas equilibradas pela surpresa da visão serial.

A acessibilidade na Vizinhança Próxima do edifício residencial e nas relações físicas, funcionais e “ambientais” com este edifício tem de privilegiar o peão não esquecendo a funcionalidade de veículos e há que articular entradas comuns e privadas com a definição de diversos espaços e arranjos mais ou menos representativos. E nesse privilegiar do peão há que ter em conta, de forma muito especial e cuidadosa, as crianças e os idosos, pois estamos numa zona de influência que pode e deve ser, praticamente, a expansão natural dos respectivos espaços domésticos; e aqui julga-se ser muito pertinente a gradual e rápida implementação de espaços com predominância pedonal e legalmente marcados pela obrigatoriedade de os veículos circularem abaixo de 30Km/h.

A acessibilidade nos espaços edificados é veículo da universalidade de uso e deve articular-se com a gradação de territórios cada vez mais privados/pessoais e apropriados, á medida que nos aproximamos dos compartimentos domésticos. A acessibilidade é, ainda, motivo estruturante da composição do multifamiliar e até da sua envolvente directa, por exemplo, através de circulações visualmente comunicantes e de alternativas de acesso; afinal para além de fogos esse edifício tem espaços comuns de circulação e pode ter situações de acesso directo ao exterior comum ou quase público.



Fig. 04: conjunto municipal no Lugar do Meio, Viana do castelo, projecto de José Carapeto e Paulo Vieira.

Carácter e importância da acessibilidade
A acessibilidade é uma qualidade, em grande parte, objectiva, mas cujos standards merecem uma reflexão associada, quer a aspectos de carácter funcional ligados a objectivos socioarquitectónicos (ex. quais são realmente as medidas indicadas para determinado tipo de usos e comportamentos), quer a opções-base tanto de ordem política como filosóficas (ex. pretende-se pedonalizar realmente uma determinada área, pretende-se generalizar as capacidades de uso espacial doméstico adequadas a condicionados na mobilidade).

Ainda nesta perspectiva de reflexão sobre os aspectos mais objectivos da acessibilidade bastará ter em conta o bem conhecido processo de raios de influência de equipamentos, tão divulgado a partir do eclodir do funcionalismo urbanístico, para termos bem presente que há muito mais a considerar em termos de acessibilidade urbana efectiva/afectiva para além das distâncias, tantas vezes, apenas teóricas, entre equipamentos e habitações. No entanto e se for possível “automatizar” a apreciação das condições de afastamento e ligação pedonal dos fogos aos equipamentos de animação e de vitalização da zona residencial (atente-se que haverá aqui, desde logo, um ”afunilar” de tipos de equipamentos e há que contar com equipamentos “vivos”), há alguns elementos numéricos, em seguida registados, que se podem considerar básicos/críticos e que terão de ser considerados numa perspectiva de rítmica continuidade de motivações e de variados interesses:

225 m, ou cerca de 3 minutos a pé, aos principais equipamentos de lazer (pólo comercial, jardim) (5);

100 m (máx.) entre elementos de pontuação de percursos urbanos que estejam dispostos em cadeias, tornando coesa toda a zona residencial (ex., esquinas com lojas, mudanças de direcção, paragens de transportes publicos, quiosques, árvores grandes, etc.) (6).

Mas aponta-se que nunca é suficiente a consideração “objectiva” destes elementos, é sim necessário que estes elementos sejam integrados numa composição coesa e apelativa de um espaço urbano e residencial, em que acessibilidade aconteça em aliança natural com uma e uma legibilidade imagem urbanas verdadeiramente motivadoras; e não podemos esquecer que, tal como escreveu Gérard Bauer (7): "O citadino se perde quando lhe falta uma estrutura lisível do espaço", uma estrutura construída com referências visuais fortes, individualizando os locais e agregando-os em formas gerais orientadas e polarizadas, povoadas por "acentos" claramente notados e capazes de marcarem e clarificarem as distâncias a percorrer. E nesta estruturação a individualização dos locais também passa pela recuperação do vocabulário de espaços públicos que no século XX se abandonou em favor de um urbanismo pseudo-científico e objectivo; e salienta Bauer que: "tínhamos pátio, jardim, largo, parque, apenas temos espaço verde" (8).

A acessibilidade é, assim, uma qualidade arquitectónica residencial e urbana que se pode considerar “de primeira linha”, tanto por ser responsável por parte considerável das condições de sucesso ou de insucesso urbano de parcelas do habitat humano - e isto desde o meio urbano até ao mundo doméstico (ex. caso dos deficientes) -, como por associar aspectos de apoio a intervenções de emergência.

Faz-se notar a importância fulcral de adequadas condições de acessibilidade nas acções de requalificação urbana e de reabilitação de conjuntos residenciais de baixo custo em particular.

A acessibilidade é um veículo privilegiado de uma grande série de outras qualidades arquitectónicas aplicáveis e fundamentais no mundo residencial, ela joga com aspectos tão claramente importantes, como a espaciosidade, ela traduz relações aparentemente tão subjectivas como a apropriação, ela adiciona-se ou subtrai-se aos espaços de convívio, ela amplifica ou reduz, estrategicamente, a capacidade de atracção e o carácter residencial/intimista ou mais público e urbano de determinados espaços e ambientes e ela é parceira estruturadora das condições de integração urbana e natural.

Ao nível do edificado a acessibilidade, designadamente, quando articulada com a luz natural, é transformadora do espaço, favorecendo continuidades funcionais por vezes insuspeitadas que extravasam as razões de primeira linha que levam, frequentemente, à sua cuidada previsão em espaços comuns e domésticos.



Fig. 05: praceta no Bairro municipal de Santa Luzia, Porto, projectistas Márcio de Freitas, Chaves de Almeida e Fernando Neves.

Notas de reflexão e para desenvolvimento
Em termos de reflexão geral apuram-se, para já, os seguintes aspectos.

É interessante observar o papel unificador de uma área residencial, que pode ser cumprido por uma malha de acessibilidade baseada num vocabulário urbanístico rico e completo, isto é, como que fundida entre exteriores e edifícios, dando-lhes coesão e continuidade, desde as ligações à envolvente do Bairro até às entradas dos edifícios (e em casos específicos até, mesmo, à entrada dos fogos) (9).

E nesse papel unificador, colado ao conjunto de redes de acessibilidade de uma dada vizinhança e de um dado bairro, é muito importante o mecanismo que rege as relações de identidade e de apropriação, pois, afinal, apropriamos o que sentimos como nosso, que controlamos, porque é o nosso território, e para isso a estrutura de acessibilidade contribui muito; nas palavras de Elisabeth Mackintosh (10), "Áreas que são terra de ninguém, onde a responsabilidade pelo espaço é pouco clara e o acesso não pode ser facilmente controlado, não estimulam a territorialidade e são consequentemente vulneráveis ao crime".

Há ainda que considerar que, pela negativa, a acessibilidade pode também ser factor negativo, quando há excesso de acessibilidade em zonas do habitat que devem ser íntimas ou de algum modo condicionadas no seu uso e imagem, resultando daí a necessidade de se controlar a acessibilidade por barreiras e por limiares de transição; não é, assim, de estranhar que Chermayeff e Alexander num estudo sobre a privacidade habitacional (11) a façam depender, basicamente, do desenvolvimento de limiares ou módulos de transição, clara e cuidadosamente configurados.

Em termos de desenvolvimentos prioritários desta matéria da acessibilidade urbana e residencial, salientam-se as seguintes áreas de estudo.

Procurar entender melhor e ir, gradualmente, entendendo e consolidando os aspectos que motivam, realmente, os habitantes no uso que fazem das suas vizinhanças e bairros. Uma matéria extremamente actual e com muito para estudar, seja em termos dos aspectos mais teóricos da respectiva fundamentação, seja em termos de análises de uso fundamentadas no diálogo com os habitantes.

Naturalmente é bem conhecido que as pessoas são motivadas pela visão e, tal como refere Arnheim (12), "os olhos olham em frente, para o espaço que pode ser atravessado; descobrem aberturas e direcções e avaliam a facilidade e a dificuldade do avanço", descobrindo e construindo, mentalmente, as essenciais sequências urbanas ... e é ainda Arnheim que, de seguida, caracteriza esta motivação da acessibilidade de um ponto de vista dinâmico, recusando as sequências imutáveis e salientando a importância da sua "transformação gradual e constante, criada pela perspectiva e pela iluminação, em cada parede ou constelação de elementos" (13).

Mas nesta articulação visual do espaço habitado há que aprofundar uma afirmada unificação das redes de acessibilidade em cada sítio residencial específico, e é ainda Arnheim que a defende, claramente, quando se opõe a que o habitante seja "asfixiado pela inércia de um conjunto de contentores, ligados uns aos outros por corredores que não transmitem qualquer espécie de avanço" (14); estreitamentos e alargamentos "pontuais" produzirão, quando devidamente encadeados, sequências de vistas convergentes e divergentes, produtoras de tensões que estimulam os fluxos de circulação.

E não é possível deixar de sublinhar que a cidade verdadeira e bem habitada nunca foi composta, apenas, por tais “contentores” de funções, meramente agrupados numa óptica funcional estrita e até, por vezes, numa base de concepção estruturada por meros aspectos formais de esquemas gráficos urbanos; mas esta ideia de inércia de um conjunto de contentores apenas funcionalmente interligados é, infelizmente, uma imagem bem correntes em tantas das nossas periferias e em tantos dos nosso conjuntos ditos urbanos. Há, realmente, muito mais cidade habitada para lá dos sempre importantes contentores funcionais.

A acessibilidade, para além do seu papel primário na ligação de espaços e ambientes, deve também, em parte, antecipá-los, polarizando e enriquecendo os variados "caminhos" do habitat.
A acessibilidade pode e deve ser transmissora de ricos e importantes conteúdos nos espaços residenciais e urbanos de proximidade e designadamente nas transições que marcam mudanças radicais de ambientes e de conteúdos funcionais.

Quanto à relação entre segurança e acessibilidade, ela é naturalmente fundamental, mas tem de ser considerada na sua relação mútua: a segurança motiva a acessibilidade, e a vontade de usar e ir até um dado espaço; mas boas condições de acessibilidade, designadamente, em termos de funcionalidade, vitalidade e agradabilidade nos mais diversos espaços residenciais e urbanos, são aspectos fundamentais em termos de geração de adequadas condições de segurança; e desta forma e liminarmente são colocados em causa os condomínios com acesso exclusivo, pois nem contribuem para a segurança urbana dos espaços onde se integram, nem são garantes de uma segurança eficaz de quem lá mora, pois de certa forma acabam por se constituir em alvos preferenciais para roubos e violência – não é por acaso que, por exemplo, na sociedade árabe tradicional ricos e pobres viviam lado a lado em edifícios cuja imagem pública pouco ou nada evidenciava a capacidade económica dos seus habitantes.

Notas:
(1) E apenas a título de exemplificação desta matéria registam-se as dimensões mais adequadas para os espelhos máximos dos degraus, segundo Patricia Tutt e David Adler (Ed.), no seu "New Metric HandBook" (p. 29): 0,165 m no interior; 0,145 m no exterior.
(2) Claire e Michel Duplay, "Methode Illustrée de Création Architecturale" p. 347.
(3) Avenidas, distanciadas de 1200 a 1600 m entre si; Ruas principais, separadas cerca de 400 m entre si; Ruas secundárias, distanciadas de 100 a 200 m entre si.
Apenas como nota pessoal refere-se que, nesta matéria, poderá haver ainda uma escala viária residencial mais íntima, onde os mundos públicos, comuns e privados se poderão articular com vantagens em termos de imagens urbanas produzidas e até, quem sabe, em termos de conteúdos funcionais devidamente esclarecidos.
(4) Gordon Cullen, "Paisagem Urbana", p. 56.
(5) Cristopher Alexander, Sara Ishikawa, Murray Silverstein, et al, "A Pattern Language, Un Lenguaje de Patrones", pp. 287 e 288.
(6) Cristopher Alexander, Sara Ishikawa, Murray Silverstein, et al, "A Pattern Language, Un Lenguaje de Patrones", pp. 523 e 524.
(7) Gerard Bauer, “Un urbanisme pour les maisons”, pp. 168 a 172.
(8) Gerard Bauer, “Un urbanisme pour les maisons”, p. 173.
(9) Um exemplo retirado da já citada obra dos Duplay (p. 149) refere uma sequência muito completa de espaços exteriores residenciais bem unificados com a massa edificada habitacional: ruela parcialmente coberta por 2 compartimentos habitacionais; pátio de acesso a 6 fogos; passagem coberta pelos estendais; praça reservada aos peões; ruela aberta; galeria/ passeio alto; grande praça para peões e viaturas; rua de tráfego automóvel e de acesso a garagens.
(10) Elisabeth Mackintosh, "Territoriality", in "Housing: symbol, structure, site”.
(11) S. Chermayeff, C. Alexander, "Intimité et Vie Communautaire".
(12) Rudolf Arnheim, “A dinâmica da forma arquitectónica”, p. 130,
(13) Rudolf Arnheim, “A dinâmica da forma arquitectónica”, p. 131.
(14) Rudolf Arnheim, “A dinâmica da forma arquitectónica”, p. 131.

Infohabitar, Ano VI, n.º 291
Infohabitar a Revista do Grupo Habitar
Editor: António Baptista Coelho
Edição de José Baptista Coelho
Lisboa, Encarnação - Olivais Norte, 28 de Março de 2010

domingo, março 21, 2010

290 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura I: Introdução - Infohabitar 290

Infohabitar, Ano VI, n.º 290
Nota explicativa
Com este artigo apresenta-se uma nova série editorial do Infohabitar sobre a matéria da qualidade arquitectónica residencial, uma temática cuja abordagem foi, desde sempre, matéria de estudo no Núcleo de Arquitectura e Urbanismo do LNEC, tendo sido desenvolvidos e editados diversos estudos com considerável dimensão entre os quais uma tese de doutoramento que foi apoiada pelo então Instituto Nacional da Habitação, baseada em muitos elementos recolhidos no âmbito da intensa cooperação que sempre caracterizou a relação entre o INH e o LNEC, e que foi apresentada e discutida na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto em 9 de Junho de 1995.

O principal núcleo teórico-prático da referida tese foi editado pela Livraria do LNEC em 2000, integrando a colecção Informação Técnica Arquitectura (ITA 8), com o título Qualidade Arquitectónica Residencial - Rumos e factores de análise.

Passados mais de 15 anos sobre a elaboração desse estudo, que se considera abordar uma matéria que mantém toda a actualidade, seja em termos temáticos seja no que se refere à perspectiva de abordagem, houve vontade de retomar a temática, não com a ideia de realizar qualquer tipo de revisão dessa matéria e dessa publicação específica, mas sim de procurar, na medida do possível, reflectir sobre ela de uma forma talvez mais solta e integrada, ou discursiva, mas mantendo-se a mesma estruturação em 15 grandes qualidades arquitectónicas e residenciais.

E assim se avançou para esta série de artigos, que irão sendo editados, ao longo de 2010, alternadamente com outros artigos e de acordo com a sua respectiva elaboração, sob o título: Melhor Habitação com Melhor Arquitectura (nº de ordem de I a XVI ou XVII): (temática específica do artigo, sendo a primeira e referida ao presente artigo: Introdução).

Salienta-se que o tratar-se de 15 temas, relativamente distintos uns dos outros, proporciona esta edição disseminada e alternada com outros artigos, pois cada uma das 15 temáticas pode ser lida com garnde autonomia. E comenta-se que um outro título geral deste grande conjunto de artigos poderia ser, também, "Melhor Arquitectura Melhor Habitação".

Devido ao significativo desenvolvimento que caracterizará, muito provavelmente, cada artigo eles terão uma parte introdutória reduzida ao mínimo e um conteúdo de ilustração também muito sintetizado.
http://livraria.lnec.pt/php/livro_ficha.php?cod_edicao=52319.php




Fig. 01: capa da edição do LNEC " Qualidade Arquitectónica Residencial - Rumos e factores de análise" - ITA 8, da Livraria do LNEC, referindo-se, acima, o respectivo link para a Livraria do LNEC


Melhor Habitação com Melhor Arquitectura I: Introdução
Novos comentários sobre a qualidade arquitectónica residencial

artigo de António Baptista Coelho

Introdução
Referiu o Arq.º Charles Moore, num texto que inicia um livro sobre parte da sua obra habitacional (1) que "devemos aprender a desenvolver limites (para promover segurança), centros (para promover sociabilidade), organização (para promover uma ordem claramente perceptível, racionalidade e privacidade) e ícones e ornamento (para induzir ligações à nossa cultura)." Defende, depois, no mesmo texto, que é fundamental desenvolver a energia e o conhecimento necessários para aplicar em grandes conjuntos urbanos e habitacionais a qualidade que se conseguege assegurar isoladamente, ou em pequenos grupos.

O que Moore aponta aqui, de forma clara, é um caminho de aprofundamento qualitativo diversificado à matéria da concepção arquitectónica residencial, tendo em conta o objectivo de procurar garantir essa qualidade a uma escala urbana; e foi esse o caminho seguido nos estudos e nas reflexões que, em seguida, se apresentam, globalmente, e que se prolongarão por cerca de 16 outros artigos.

A perspectiva que se desenvolve neste artigo e em todos os outros desta série, abrange o meio urbano residencial na sua globalidade, atribui idêntica importância de base, para suporte da análise, a aspectos tão distintos como a acessibilidade e a apropriação, não aprofunda áreas de especialização, como os aspectos de conforto, considerando essencialmente a necessidade de se lançarem pontes ou ferramentas de uso prático pela concepção arquitectónica desses saberes e não considera áreas muito ligadas à concepção arquitectónica, mas autonomizáveis, como a economia.

Sinteticamente ela pretende constituir uma base de reflexão e de trabalho sobre os principais rumos da qualificação arquitectónica residencial, traçando caminhos sobre os quais já avançaram estudos mais focados e/ou pormenorizados e objectivos, sendo exemplo dos primeiros o excelente "O Homem e a Casa - Definição individual e social da qualidade da habitação", de António Reis Cabrita (n.º 2 da Colecção Edifícios do LNEC, editado em 1995), que, tal como é patente no título, enquadra amplamente a temática, e o "Programa Habitacional", de João Branco Pedro (ITA 4 a ITA 7, editados em 2002), que desenvolve os aspectos mais objectivos destas matérias.

Regista-se, ainda, que uma parte complementar da tese de doutoramento que deu origem à referida edição "Qualidade Arquitectónica Residencial - Rumos e factores de análise" (ITA 8 da Livraria do LNEC) foi também editada no LNEC sob o título "Do Bairro e da Vizinhança à habitação - Tipologias e caracterização dos níveis físicos residenciais", já em 1998, integrando a mesma colecção Informação Técnica Arquitectura (ITA 2).

Tal como já foi referido, a qualidade arquitectónica será abordada com base em alguns comentários exploratórios recentemente desenvolvidos, sobre a importância relativa e o carácter mais ou menos objectivo dos diferentes rumos que pode seguir a procura e a aplicação dessa mesma qualidade arquitectónica residencial.

Será, assim, desenvolvida uma aproximação sistemática a uma série de subtemáticas dessa qualificação, numa perspectiva que não esquece as essenciais ligações entre edifícios e espaços públicos envolventes.

Para se iniciar a temática atente-se em algumas frases magistrais de Norberg-Schulz: “O homem precisa de um ambiente urbano que lhe facilite referências de imagens” - o que destaca a importância da imagem urbana -, “precisa de recintos ou zonas que tenham um carácter particular” - o que evidencia a importância da definição de níveis físicos urbanos, desde os espaços mais dinamizados até às vizinhanças próximas e íntimas - “e precisa de percursos que levem a sítios específicos e de pólos urbanos que sejam lugares distintos e inesquecíveis" - o que revela a importância do ordenamento e da coesão urbana, bem como de uma cuidada qualificação do nosso habitat, que é, afinal a temática cuja divulgação hoje se inicia no Infohabitar.

Não são só estes mestres que nos falam da qualificação como elemento básico da concepção arquitectónica, nem são só arquitectos os estudiosos e práticos que abordam as qualidades do habitat humano, nem só em livros técnicos, mais ou menos teóricos, se fala desta qualificação, realmente, desde grande parte das memórias descritivas dos projectos à análise histórica da vida quotidiana encontramos todo um manancial de referências sobre a qualidade arquitectónica residencial.

E também na ficção, responsável por imagens tantas vezes dramatizadas e reforçadas dessa vida quotidiana e dos seus espaços de exercício, há todo um outro manancial, desde a "Casa Grande de Romarigães" de Aquilino Ribeiro aos "Mistérios de Alvalade" de Cardoso Pires, apenas para usar duas referências relativamente recentes e associadas a dois grandes escritores portugueses.

E se entrarmos pelos ensaístas e por especialistas de ciências humanas, são também muitos os que abordam a qualidade arquitectónica urbana e residencial. E nos próprios jornais, muitas matérias afins da arquitectónica residencial são, cada vez mais, abordadas e numa perspectiva que abarca todos os habitantes e cidadãos, afinal a perspectiva fundamental a considerar nestas matérias, e com a qual iremos concluir a série editorial agora iniciada, abordando globalmente algumas análises de áreas habitacionais já habitadas há alguns anos, através do apontamento de alguns aspectos que caracterizam uma metodologia desenvolvida no Núcleo de Arquitectura e Urbanismo do LNEC.

Trata-se, realmente, de um tema chave e globalizador, que é determinante de uma concepção arquitectónica que respeite uma perspectiva ampla e bem informada de desenvolvimento de uma concepção multidisciplinar de espaços e ambientes do habitat, perspectiva que tem de ser cada vez mais conhecida, discutida e participada por todos aqueles com responsabilidades na promoção habitacional e no seu acompanhamento – e perspectiva essa que, cada vez mais, considere como objectivo fundamental a procura e o desenvolvimento das melhores condições de satisfação e de agrado quem habita, e para tal cada vez mais é também necessário incorporar na concepção e programação habitacional elementos claros responsáveis pela provada satisfação e pelo agrado de quem habita.

Refere-se, assim, esta matéria a uma contribuição para o desenvolvimento das bases de uma Qualidade Arquitectónica Residencial com âmbito multidisciplinar e aberto, procurando a gradual constituição de um conjunto de ferramentas práticas de promoção dessa qualidade, por um lado úteis aos projectistas e ao diálogo entre especialidades, e por outro lado cada vez mais provadas em termos da sua eficácia para a satisfação dos habitantes e portanto por eles bem compreendidas e até exigidas; de certa forma trata-se de dinamizar um ciclo de promoção e exigência de uma adequada ecologia urbana e residencial, ou mais simplesmente de uma estimulante qualidade de vida quotidiana.

E faz todo o sentido este acréscimo de exigência qualitativa residencial, seja no apoio à resolução dos problemas de carências habitacionais ainda existentes e críticos, seja no desenvolvimento de uma qualidade residencial aprofundada e diversificada, no apoio a modos de viver e habitar mais específicos, a novas e mais frequentes composições familiares e ao conhecido crescimento da população mais idosa.

Apresentação geral do estudo

Este estudo, no seu conjunto, pretende constituir-se, não num qualquer "manual" da qualidade arquitectónica residencial, mas apenas numa base para o seu estudo e sistematização e, também, num documento, que nas suas partes mais práticas sirva para tirar algumas dúvidas e propor algumas reflexões e ideias sobre soluções habitacionais e urbanas.
A variedade estética e ambiental tem um campo muito largo e específico, que não se deve confundir com o direito básico à qualidade residencial, baseada no respeito para com os habitantes e concretizada na identificação de factores elementares ou básicos para essa qualidade, capazes de fundamentarem análises com conteúdos clarificados, realizadas com base em conjuntos de indicadores facilmente detectáveis.
As relações e os elementos arquitectónicos da qualidade residencial que todos nós, habitantes, desejamos e merecemos não são objectos abstractos, são coisas concretas, com presença real, que pode ser perfeitamente ilustrada e descrita em termos de imagens e de "relatos técnicos" no campo da matéria da arquitectura; se o não forem, serão entidades subjectivas pertença ou de cada habitante ou da mente mais ou menos genial e criativa do projectista.

Factores da qualidade arquitectónica residencial
Apontam-se, em seguida os grandes conjuntos de qualidades arquitecónics residenciais consideradas.

1. RELAÇÃO E CONTACTO ENTRE ESPAÇOS E AMBIENTES

ACESSIBILIDADE:
Refere-se à facilidade na aproximação ou no trato, ao desenvolvimento de continuidades naturais por prolongamentos e múltiplas ligações. Essa facilidade está basicamente estruturada por objectivos de adequação a ambientes residenciais predominantemente pedonais.

COMUNICABILIDADE:
É a qualidade daquilo que está ligado ou que tem correspondência ou contacto físico ou visual.

2. CARACTERIZAÇÃO ADEQUAÇÃO DE ESPAÇOS E AMBIENTES

ESPACIOSIDADE:
Refere-se tanto aos espaços que são extensos e amplos como aos que apresentam desafogo nas suas envolventes. No primeiro caso caracterizam-se condições dimensionais, habitualmente acima da média ou ultrapassando claramente os mínimos regulamentares, e no segundo caso refere-se à existência de intervalos apropriados entre elementos do habitat contíguos ou próximos.

CAPACIDADE:
Designa e qualifica o âmbito interior (dentro dos limites) ou a aptidão geral, espacial e ambiental, de qualquer elemento residencial (ex., "a casa tem muita arrumação" = despensa + arrumação geral + bons armários de cozinha + numerosos e funcionais roupeiros de quarto de dormir e gerais + grande e generalizada aptidão para "encostar" mobiliário muito variado).

FUNCIONALIDADE:
Refere-se ao adequado desempenho das várias funções e actividades residenciais, organizadas num conjunto coerente e eficiente, que deve ser estruturado por preocupações que visem o rápido desenvolvimento e o posterior e gradual enriquecimento de um meio ambiente predominantemente residencial.

3. CONFORTO ESPACIAL E AMBIENTAL

AGRADABILIDADE:
A agradabilidade, aprazibilidade ou confortabilidade é uma qualidade residencial que se refere, essencialmente, ao desenvolvimento de condições de conforto, bem-estar material, consolação (ou consolo), comodidade, e prazer ou agrado nos diversos espaços e ambientes residenciais.

DURABILIDADE:
É a qualidade do que dura muito ou, melhor, do que pode durar muito e em excelentes condições de manutenção do uso e do aspecto.

SEGURANÇA:
É a qualidade que se refere ao acto ou efeito de tornar seguro, prevenir perigos, (tranquilizar).

4. INTERACÇÃO SOCIAL E EXPRESSÃO INDIVIDUAL

CONVIVIALIDADE:
Qualidade relativa ao viver em comum, ao ter familiaridade e camaradagem, à entreajuda natural ou sociabilidade entre vizinhos, e ao trato diário espontâneo e fácil em unidades de convizinhança.

PRIVACIDADE:
A privacidade é a qualidade da intimidade, a capacidade de privança oferecida por um dado espaço num dado ambiente.

5. PARTICIPAÇÃO, IDENTIFICAÇÃO E REGULAÇÃO

ADAPTABILIDADE:
A adaptabilidade ou versatilidade é a qualidade do que se pode acomodar e consequentemente apropriar.

APROPRIAÇÃO:
Refere-se capacidade de identificação, à acção de "tomar de propriedade", tornando próprio e a si adaptado.

6. ASPECTO E COERÊNCIA ESPACIAL E AMBIENTAL

ATRACTIVIDADE:
É a capacidade de dinamizar e polarizar a atenção, a qualidade proporcionada por aquilo que atrai, pelo que é atraente, porque satisfaz e encanta.

DOMESTICIDADE:
A domesticidade ou a residencialidade é a expressão mais pública ou doméstica do carácter residencial, significa que estão presentes características habitualmente associadas a espaços domésticos que são sedes de aprazível viver diário, relativas à casa e à família, inerentes ao domicílio que é a casa de residência permanente e o lugar onde o cidadão exerce os seus direitos e funções.

INTEGRAÇÃO:
A integração ou integridade de um contexto, de uma totalidade onde não falta nem um elemento de conteúdo e de relação.

Grandes níveis físicos do habitat
O estudo da qualidade arquitectónica residencial através de uma estratégica repartição por rumos qualitativos com diversas naturezas foi prolongado na análise do habitat residencial, pela caracterização dos principais níveis físicos onde essas qualidades têm de ser aplicadas, tendo-se destacado entre realidades físicas indiscutíveis, como o bairro (ou vizinhança alargada) e os edifícios, uma série ou “caracol” de níveis e sub-níveis físicos do habitat humano fortemente encadeados .

Estes níveis físicos são em seguida apontados (de i a xii) e encontram-se extensamente desenvolvidos na edição do LNEC, já atrás referida, cujo link e cuja capa se apresentam.

http://livraria.lnec.pt/php/livro_ficha.php?cod_edicao=53085.php




Fig. 02: capa da edição do LNEC " Do Bairro e da Vizinhança à habitação - Tipologias e caracterização dos níveis físicos residenciais" - ITA 2, da Livraria do LNEC
(i) Envolventes de Áreas Residenciais (EAR).

(ii) Relações entre a Envolvente da Área Residencial e o seu sistema de Vizinhança Alargada (EAR/VA).

(iii) Áreas residenciais com pequena e média dimensão, desde que constituindo bairros ou outros sistemas de Vizinhança Alargada (VA).

(iv) Tipologias exteriores e edificadas/construídas de relacionamento entre sistemas de Vizinhança Alargada e de Vizinhança Próxima (VA/VP).

(v) Quarteirões e outros agrupamentos e conjugações de edifícios e de espaços exteriores que constituem sistemas de Vizinhança Próxima (VP).

(vi) Relações do Edifício com a sua Vizinhança Próxima - frequentemente o quarteirão - e com os espaços exteriores contíguos (VP/Ed).

(vii) Edifícios habitacionais (Ed).

(viii) Relações da Habitação com o Edifício habitacional (Ed/Ha).

(ix) Habitações (Ha).

(x) Relações dos Compartimentos e outros Espaços habitacionais com a Habitação (Ha/EC).

(xi) Compartimentos e outros Espaços da habitação (EC).

(xii) Aspectos de pormenorização, essencialmente arquitectónica, dos Espaços e Compartimentos habitacionais (EC/Po).

No estudo destes 12 níveis e inter-níveis retirou-se que os espaços de relação e os microespaços urbanos acabaram por se revelar protagonistas, quer de conteúdos funcionais próprios, quer de uma capacidade de vitalização e de dinamização de pequenos mundos residenciais que são verdadeiras ilhas de qualidade vivencial múltipla, aprofundada e rica, em cidades, frequentemente tão desumanizadas e infuncionais.

A importância destes níveis físicos urbanos e residenciais e da sua fundamental articulação com a qualificação arquitectónica fica bem patente nas seguintes palavras de John Ruble: “O mais importante valor de uma casa é a sua qualidade de casa, que se reflecte na importância de se usar plenamente o sítio e as suas adjacências para criar um ambiente de vida; cada aspecto do planeamento de pormenor do sítio - vistas, jardins, a localização do jogo e do recreio, a sequência de chegada - acrescenta uma dimensão vital à vivência e contribui para o sucesso ou fracasso da criação de um sítio de comunidade”.

Há ainda que destacar que todo este estudo se apoiou no conhecimento directo e na análise de centenas de conjuntos residenciais em grande parte desenvolvidos em Portugal e com uma perspectiva de controlo de custos, facto este que acaba por destacar que a relação entre habitat humano e qualidade não se pode, de forma alguma, limitar a uma mera questão de maior ou menor investimento financeiro.

Notas:
(1) O texto intitula-se "Designing the Act of Dwelling", e integra a pg. 12 do início do livro "Moore Ruble Yudell Houses & Housing", edição e coordenação de Oscar Riera Ojeda e Lucas H. Guerra, Rockport Publishers, Rockport , Massachusetts, 1994.

Infohabitar, Ano VI, n.º 290
Infohabitar a Revista do Grupo Habitar
Editor: António Baptista Coelho
Edição de José Baptista Coelho
Lisboa, Encarnação - Olivais Norte, 21 de Março de 2010

domingo, março 14, 2010

289 - Soluções de realojamento I: a Residencial Alexandre Mackenzie no realojamento da favela Nova Jaguaré - Infohabitar 289

Infohabitar, Ano VI, n.º 289 Soluções de realojamento I: reflexões preliminares sobre a recente solução da Residencial Alexandre Mackenzie para realojamento da favela Nova Jaguaré, em São Paulo
Artigo de António Baptista Coelho

Divulgação da
13.ª Visita Técnica do Grupo Habitar
sexta-feira, 26 Março, 14h.00, Cais de Vila Nova de Gaia


Antes de passarmos ao artigo da semana, acima referido, relembramos a 9.ª Assembleia-geral do Grupo Habitar (GH), cuja convocatória formal foi editada a semana passada, no nº 288 do Infohabitar e que continua disponível, salientando-se que, tal como tinha sido considerado, foi possível programar na mesma sexta-feira 26 de Março, numa parceria entre o GH, a CidadeGaia-SRU e a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, a partir do Cais de Vila Nova de Gaia a 13.ª Visita Técnica do GH, entre as 14.00h e as 18.00h, com o seguinte programa:

. Encontro: entrada do Convento Corpus Christi, sexta-feira dia 26 de Março de 2010, às 14h 00.
. 14,00h- Visita ao Convento Corpus Christi, da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia .
. 15,30h – Visita
à obra do THE YEATMAN OPORTO HOTEL .
. 17,00h – Visita à Zona do
CASTELO DE GAIA .

A visita é pública, tal como acontece com todos os eventos participados pelo Grupo Habitar. E o Grupo Habitar agradece, desde já, publicamente, à Cidade Gaia - SRU e à Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia por esta excelente parceria.

A partir das 18h 00, decorrerá a 9.ª Assembleia-geral do Grupo Habitar, na sede da CidadeGaia - SRU: Rua Guilherme Gomes Fernandes Nº 136-140; esta Assembleia decorrerá de acordo com a respectiva convocatória e será reservada aos associados do GH e aos colegas que queiram aderir ao Grupo e que, entretanto tenham manifestado esse interesse a um dos associados.
E junta-se a localização da CidadeGaia-Sru:
http://www.cm-gaia.pt/gaia/portal/user/anon/page/_SRU_apresentacao.psml?categoryOID=96928080808180GC&contentid=EE92808680CO&nl=pt

A Direcção do Grupo Habitar
António Baptista Coelho
Defensor de Castro
Segue-se o artigo da semana.
Soluções de realojamento I: reflexões preliminares sobre a recente solução da Residencial Alexandre Mackenzie para realojamento da favela Nova Jaguaré, em São Paulo
Artigo de António Baptista Coelho

Não gosto especialmente de títulos longos, mas neste caso teve de ser pois quero, com este artigo, iniciar uma nova série editorial de textos ilustrados sobre soluções de realojamento, ou sobre novas ou renovadas soluções de realojamento, mas quero, também, aproveitar esta série de reflexões para pensar um pouco sobre as questões, bem integradas, das tipologias e das áreas domésticas, que se disponibilizam nestas operações e da qualidade arquitectónica residencial interior e exterior que aqui se tem de aplicar. E, por isso, o longo título.

Mas vamos à matéria.

Na sequência de uma última estadia na excelente Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, para realizar uma conferência, fui convidado por colegas da Superintendência de Habitação Popular e da Secretaria de Habitação da Prefeitura da Cidade de São Paulo, para visitar as margens da favela Nova Jaguaré, e, especificamente, as últimas soluções de realojamento que aí têm vindo a ser aplicadas de forma faseada e bem avaliada/acompanhada tecnicamente; e aproveito, aqui, para agradecer a excelente oportunidade e a gentileza e eficácia desta visita pois não tenhamos dúvidas que da troca de experiências sobre problemas com alguma identidade surgirão, sempre, resultados positivos acrescidos, e quando a cultura e a língua são comuns, então, os resultados poderão ser muito expressivos.



Fig. 01: o novo conjunto de realojamento "Residencial Alexandre Mackenzie"(imagem cedida por Marcos Boldarini).

Quero ainda salientar que a palestra na FAUUSP, acima referida, foi realizada, por convite da Prof.ª Sheila Ornstein, em 17 de Novembro de 2009 no Auditório Ariosto Mila, e nela abordei as amplas matérias da "humanização do habitar", matérias estas que, naturalmente, têm tudo a ver com o necessário caminho que tem de ser seguido nas acções de realojamento de pessoas que vivem em condições domésticas e urbanas sub-humanas, em zonas de barracas e em casas abarracadas, em aglomerados muitas vezes até higienicamente inaceitáveis.

Introdução
Fazendo justiça à indicação de ir aqui fazer, apenas, algumas "reflexões preliminares", até porque é muito negativo falar-se de assuntos que pouco se dominam e, neste caso, pouco conheço das soluções de realojamento aplicadas no âmbito da "urbanização de favelas", seja em São Paulo, seja noutras zonas do Brasil, irei apontar, apenas, alguns comentários, decorrentes da visita à intervenção de realojamento de cerca de 400 famílias, que anteriormente habitavam a favela Nova Jaguaré (onde vivem cerca de 4.500 famílias), no conjunto designado por Residencial Alexandre Mackenzie, situado na Av. Alexandre Mackenzie, em São Paulo; e há que sublinhar, ainda, que essas reflexões "preliminares" decorrem quer do que se viu, ouviu e discutiu na referida visita, quer dos mais de 20 anos, que tenho, de conhecimento directo da realidade portuguesa da promoção de habitação de interesse social e, especificamente, de soluções de realojamento de zonas de barracas.



Fig. 02: vista geral do conjunto de realojamento, podendo observar-se a margem da favela, a zona de edifícios/apartamentos concluía e habitada e a zona de "casas sobrepostas", ainda em conclusão (imagem cedida por Marcos Boldarini).

Devo referir ainda que esta visita foi realizada, também, na companhia do respectivo projectista, o Arq.º Marcos Boldarini, e nela foi possível visitar, longamente, boa parte do conjunto, seus edifícios e espaços exteriores de vizinhança, tendo havido a possibilidade de dialogar com outros técnicos envolvidos na respectiva obra e, ainda, de entrar em alguns dos apartamentos e trocar impressões com os seus habitantes; e quero agradecer ao colega Marcos Boldarini, além da gentileza da visita, ter facultado a ficha técnica do seu projecto, que se anexa, e um inestimável conjunto de imagens sobre as suas peças técnicas e sobre a obra acabada.

Aponta-se, portanto, neste texto, um conjunto de temas que se consideram muito importantes em situações críticas de realojamento e que, se julga, serem bem identificáveis neste conjunto situado na Av. Alexandre Mackenzie, em São Paulo.

Salienta-se que será abordado, essencialmente, o conjunto de edifícios de apartamentos com 5 pisos e acesso por galerias exteriores comuns, encontrando-se a zona de "casas sobrepostas" em acabamento à data da visita; para outra ocasião e, eventualmente, outro autor - quem sabe o próprio projectista - ficará uma reflexão sobre os objectivos desta diversificação tipológica: 295 habitações em "prédios" (baixos e alongados), e 132 habitações em "casas sobrepostas".



Fig. 03: as "casas sobrepostas" em acabamento.

Definição do território de intervenção
Uma matéria importante é a definição do território de intervenção, feita de uma forma clara e cuidadosa. Não estamos em presença de um "condomínio" de acesso exclusivo, mas há locais de acesso "visualmente" controláveis, com portões que estão fechados, mas apenas "no trinco", e que caracterizam um limite e uma área de vizinhança e de pertença da globalidade dos edifícios de apartamentos; na altura da visita assistimos à saída de um grupo de crianças, devidamente monitorizado, sendo que a primeira criança do grupo abriu o pequeno portão.
Ainda nesta matéria destaca-se, quer o cuidado que foi investido na vedação do conjunto, através de uma solução que, garantindo segurança, tem uma adequada imagem residencial, quer todo o cuidado que marca a intervenção pormenorizada em todos os espaços exteriores entre os edifícios e, designadamente, nas zonas contíguas ás fronteiras com a favela.



Fig. 04: a excelente pormenorização em todos os espaços exteriores entre os edifícios e, designadamente, nas zonas contíguas ás fronteiras com a favela.

Solução edificada escolhida e respectivo potencial de atractividade
A solução escolhida estará no limite do uso funcional do elevador, uma longa discussão pode ser desenvolvida quanto á necessidade de haver elevador para o acesso a um 4.º andar, mas fiquemos quer com a oportuna comparação com a regulamentação de edificações portuguesa, que até há bem pouco tempo, aceitava tal situação desde que com alturas piso a piso relativamente reduzidas, quer com a disponibilização, nos pisos térreos, de acessos directos entre as habitações e o exterior contíguo, e que poderão servir casos de grande necessidade em termos de acessibilidades.
E há que ser lógico e interiorizar, ou simplesmente constatar, que o custo inicial, o custo de manutenção e a insegurança associada ao mau uso e à potencial vandalização de elevadores coloca este tipo de instalações fora do campo de adopção em soluções dedicadas a elevados números de habitantes e a populações socialmente críticas; e em termos técnicos há que sublinhar que será possível prever posteriores agregações de "colunas" de elevadores a galerias exteriores comuns.

Um outro aspecto bem importante nesta escolha tipológica refere-se a um desenho do edificado marcado por expressiva capacidade de atractividade, em termos de volumetrias e de cores, mas não se arriscando, nem a regularidade e, consequentemente, a economia global da construção (volumetria geral simplificada), nem um "partido" geral de "desenho", positivamente marcado pela sobriedade e estratégica "horizontalidade", que, assi, faz acentuar uma agradável relação com o solo, bem conhecida de quem antes habitava barracas ou casas abarracadas.



Fig. 05: é importante investir numa atractividade que sirva/atinja quem habita e que dignifique o espaço urbano.
A solução de acesso por galerias exteriores comuns, a partir de circulações verticais estrategicamente encerradas, proporciona que as pessoas habituadas a uma vivência da habitação em forte relação com o exterior, continuem a poder fruir tal relação, assim como algumas relações de convívio com quem vive em cada piso, embora seja positivamente controlado o número de vizinhos em cada galeria de acessos.



Fig. 06: galerias que são quase varandas domésticas, humanizadas e que também contribuem para o referido potencial de atractividade da solução.


No exterior também se habita
Numa forte relação entre escolha da tipologia edificada e opção geral de habitabilidade do conjunto, temos um conjunto residencial harmonizadamente entremeado de edifícios alongados e vizinhanças de proximidade potencialmente conviviais, que constituem os "negativos", desses edifícios, criando-se, assim, como que grandes "compartimentos" exteriores - numa interessante relação com a ideia de se fazer um exterior "interior".
Mas não se trata de um exterior residencial apenas volumetricamente disponível, pois os edifícios têm acessos estrategicamente vitalizadores de todas essas vizinhanças, e há numerosas habitações - todas as do piso térreo, portanto cerca de um quinto do total (cerca de 60) - que dão acesso directo ao exterior, vitalizando-o e securizando-o com naturalidade; e além de tudo isto todas as habitações até ao 4.º andar (piso mais alto) têm janelas e galerias de acesso que funcionam como varandas de "diálogo", dinamização e "controlo" natural do que se passa no exterior residencial.



Fig. 07: a ideia de se fazer um exterior que també se habita, realmente, um exterior que é também um "interior".

Mas além de tudo isto há um claro objectivo de uma positiva apropriação das vizinhanças de edifícios e espaços exteriores contíguos, logo a partir dos elementos cromáticos estratégicos, mas também pelo desenvolvimento de canteiros ao longo das habitações térreas e que são arranjados e cuidados pelos respectivos habitantes, e, naturalmente, há todo o pormenorizado arranjo, ajardinamento e equipamento dos espaços exteriores de vizinhança, evidenciando-se, assim, que estamos em presença de espaços exteriores que são, também, espaços para serem efectiva e afectivamente habitados no dia-a-dia; uma opção que é, também, estratégica, seja no aproveitamento de condições de conforto ambiental que permitem estar "na rua" frquentemente, seja num natural equilíbrio compensado de espaciosidades interiores domésticas e exteriores "públicas"/de vizinhança.

Há, assim, aqui, um estimulante pequeno "mundo" de vizinhança de proximidade, que desde que bem gerido e acompanhado, para se evitarem e reduzirem "desvios", poderá funcionar como uma segunda "concha" protectora, que envolve os espaços domésticos e que prepara a relação com o verdadeiro mundo urbano. E, já agora, refere-se não ter sido observado, a este nível, que tipos de relações estratégicas com a cidade foram ou estão a ser previstos, designadamente, quanto a transportes públicos, e que tipo de localização urbana caracteriza o sítio em termos de proximidades a estruturas urbanas importantes; matérias estas que são, como sabemos, vitais para o êxito social do realojamento, até porque tem de haver vida urbana acessível em termos de equipamentos diários.



Fig. 08: a apropriação do exterior residencial contíguo às habitações térreas, uma forma de proporcionar uma forma de habitar mais adequada a quem está habituado ao contacto com o exterior e também uma forma de tornar este exterior mais vivo e mais seguro.


Sensibilidades na solução edificada
No que se refere à solução edificada há variadas sensibilidades algumas já aqui apontadas, como é o caso da altura geral humanizada e dialogante com os exteriores contíguos, mas também da opção por fazer habitar bem e intensamente toda a envolvente, através de acessos directos das habitações térreas ao exterior, e, naturalmente a própria imagem geral transmitida, que funde um estratégico sentido de residencialidade e de capacidade (cromática e volumétrica) de apropriação, com um "partido" global de adequada sobriedade urbana.
Mas há outras "sensibilidades", entre as quais se referem as soluções de controlo de acesso em metal "microperfurado" (provavelmente não será esta a designação técnica), que propicia o controlo sem os problemas dos caixilhos envidraçados tão frequentemente degradados, mas também as soluções de previsão, em cada piso, da reserva de um compartimento para as mais diversas utilidades. Uma criança que nos acompanhou estava genuinamente entusiasmada com a planeada pequena biblioteca que aí poderia surgir, mas podem ser também sítios para os mais diversos objectivos muito práticos, desde o arrumar de bicicletas a locais de atendimento social; e aqui e nestas perspectivas é essencial o acompanhamento e a gestão social da ocupação, tal como iremos, sempre, sublinhando.

E há no último piso, em terraço, a ideia de se proporcionar um amplo espaço de convívio do condomínio, num reafirmar de uma solução estruturada pela circulação bem visível e dinamizadora nas galerias exteriores comuns; galerias estas cuja extensão foi sabiamente encurtada - é sabido que estas galerias funcionam tanto melhor, quanto mais semelhantes forem a varandas "privatizadas", e foi assim que elas aqui foram desenvolvidas.



Fig. 09: o terraço de convívio, que contribui, também, para outros níveis de leitura e de uso dos espaços residenciais.


E, finalmente, a "célula" doméstica, espacialmente equilibrada e razoavelmente multifuncional

Quanto à habitação propriamente dita considera-se que, globalmente, ela é espacialmente equilibrada, numa perspectiva de que havendo pouco espaço toda a habitação é "razoavelmente" pouco espaçosa - isto naturalmente considerando as referências na actual habitação de interesse social portuguesa - , e escreve-se "razoavelmente" pois é bem perceptível a adequada funcionalidade da organização doméstica, prevendo-se uma pequena cozinha autonomizada da sala-comum e dispondo de adequados vãos exteriores e de uma pequena zona de tratamento de roupas; e assim não se associando funções dmésticas tão criticamente distintas como: o cozinhar; o tratar a roupa; e o estar/lazer e as refeições familiares e conviviais. E destaca-se que as dimensões da cozinha proporcionam alguma positiva funcionalidade e até flexibilidade no seu uso, podendo "libertar-se" a pequena sala-comum para usos, por exemplo, mais ligados aom lazer e, quem sabe, ao trabalho em casa - uma realidade que se julga ser de incentivar e apoiar em termos espaciais e de conforto.
Mais se sublinha que a organização da pequena habitação liga-se, funcionalmente, aos quartos e à pequena casa de banho, que tem janela exterior.



Fig. 10: a "pequena" cozinha e a casa de banho; espaços bem pormenorizados.


Um outro aspecto que importa destacar é o cuidado colocado na ventilação cruzada das habitações e na sua adequada e ampla fenestração, apoiando-se o bom arejamento doméstico e propiciando-se boas condições de luz natural, depois servidas por uma adequada e alegre paleta cromática interior.

Destaca-se ainda e com especial relevo o cuidado investido no acabamento e equipamento das habitações; e aqui e tendo sido o conjunto habitado há pouco tempo, sentia-se, nas habitações visitadas, um certo sentido de satisfação e de estima, que provavelmente só se atinge quando se proporciona às pessoas um ambiente doméstico cuidadosamente acabado, ainda que através de soluções simples, económicas e duráveis.
Os elementos de referência de que disponho são essencialmente os portugueses, e em Portugal já visitei habitações de realojamento cujas famílias são tão pobres que são deixadas criticamente vazias, o que leva/levou a pensar e actuar com medidas específicas de apoio a um equipamento/mobiliário mínimo; e em São Paulo já me foi dado visitar anteriores soluções que apostavam em acções de auto-acabamento e equipamento pelos próprios habitantes, soluções estas que me são processual e intelectualmente estimulantes, pois permitem poupança, adequação e auto-ajuda; mas, no entanto, a ideia de se proporcionar, a uma dada família, como que um "novo começo" com uma pequena habitação "razoavelmente" mínima, mas agradavelmente acabada e equipada, pode ser um passo fundamental numa estratégia de desenvolvimento social, familiar e pessoal.


Aproximamo-nos do remate destas primeiras reflexões, aqui no Infohabitar, sobre acções específicas de realojamento, neste caso em São Paulo, Brasil, mas noutros artigos, naturalmente, noutras paragens ou, quem sabe, nas mesmas paragens mas através de outros pontos de vista, e nestes seria muito interessante ter a perspectiva dos projectistas sobre estes e outros pontos que considerem importantes especificamente em acções de uranização e realojamento de favelas. Iremos, no entanto, apontar ainda alguns aspectos, ainda que, para já, apenas de forma esquemática, sobre a sempre crítica questão das áreas domésticas em acções de realojamento.




Fig. 11: a planta-tipo de uma habitação com dois quartos (imagem cedida por Marcos Boldarini).

A "velha" e sempre presente questão das áreas domésticas "mínimas"
A questão das áreas domésticas é cíclica, estamos sempre a voltar a ela quando se trata de "habitações para o maior número", ou sempre que nos dedicamos a tentar resolver, um pouco mais, "o problema da habitação"; e trata-se de uma questão que exige uma abordagem cuidadosa e bem referenciada em termos dos quadros sociais e de carências específicos em que estamos a trabalhar e dos meios disponíveis para apoiar a sua resolução. Portanto, iremos ficar, aqui, apenas, com algumas reflexões globais e muito sintéticas.

A primeira é que a inexistência de condições espaciais e domésticas minimamente adequadas pode ter efectivas consequências patológicas em termos de saúde física e psicológica dos respectivos habitantes. E há, assim, que ter bem presente que, no interior doméstico, as reacções de insatisfação devidas à sobre-ocupação habitacional dominam, habitualmente, todas as outras, inclusivamente o extremo desconforto sanitário, e é sabido que abaixo de cerca de 20m2 por habitante aumentam os níveis de conflitualidade domésticos. Temos, assim, que tentar conciliar economia espacial com uma verdadeira "sanidade" e um, pelo menos mínimo, conforto espacial.

Para outros textos ficará a discussão destas matérias e o seu obrigatório "casamento" com a necessidade de "fazer pequeno" para servir o maior número. Salienta-se, apenas, que neste caso da Residencial Alexandre Mackenzie o pequeno talvez não seja assim "tão pequeno", pois a dimensão da habitação-tipo andará, julga-se, por cerca de 40 a 45m2 de Área Útil para uma habitação com dois quartos, e, não esqueçamos: que a organização é funcional e oferece alguma flexibilidade de usos; que no próprio edifício há verdadeiros "complementos" de habitabilidade; e que o exterior de vizinhança, logo ali bem perto, tem também excelentes condições para ser usado, em segurança e numa base de continuidade e de intensidade.

Sobre esta matéria gostaria de referir que cerca de 1960-1970, em Portugal, no âmbito da Categoria I, uma das "categorias" então mais económicas da Habitação de Interesse Social portuguesa (na altura eram usadas "categorias" de I a IV, essencialmente com base dimensional, depois optou-se por uma "categoria única), tivemos (e temos) excelentes soluções residenciais em que as habitações com dois quartos têm "Áreas Úteis" (espaço interior da habitação com exclusão da área das paredes) entre cerca de 45 e 50 m2, havendo mesmo vários casos próximos de 40 m2.

Como se referiu este é um tema extremamente discutível e apenas gostaria de sobre ele comentar que não é possível, ou não deveria ser possível, desenvolver habitações com áreas mínimas como estas sem um adequado quadro residencial edificado e de vizinhança, e sem uma adequada gestão social estratégica e de continuidade, capaz de identificar os problemas logo que surjam, ou de os despistar antes que ocorram. Um tal adequado quadro edificado e de vizinhança parece existir na Residencial Alexandre Mackenzie, esperando eu que exista o respectivo quadro de gestão.

Um outro aspecto é também importante e tem a ver com enorme diferença entre um projecto espacialmente reduzido, mas bem desenvolvido em termos funcionais, de acabamento e de conforto ambiental e um outro projecto em que se acumulem e agravem, mutuamente, os aspectos críticos de áreas reduzidas, inadequada funcionalidade, deficientes acabamentos e más condições de conforto ambiental (ex., ventilação, térmica e luz natural); e aqui também Residencial Alexandre Mackenzie parece marcar pontos positivos.

No entanto e para concluir esta brevíssima reflexão sobre espaciosidades domésticas críticas não tenhamos quaisquer dúvidas de que elas apenas terão uma eventual e positiva viabilidade quando veículadas por bons projectos de arquitectura, enquanto quando tal não acontece o resultado é muito grave, do curto ao longo prazo; e é sempre necessário referir que custa pouco juntar mais 3 ou 4 m2 num compartimento sem instalações e sem equipamentos específicos como é o caso da sala-comum, e que, cumulativamente, serve todos os habitantes de um dado apartamento ou casa, e há que contar com as perspectivas de sobre-ocupação que podem caracterizar as famílias realojadas e com eventuais necessidades espaciais acrescidas, associadas ao estudo e ao trabalho em casa.




Fig. 12: um pormenor do exterior humanizado da Residencial Alexandre Mackenzie, um passo muito positivo e marcante no realojamento da favela Nova Jaguaré.

Algumas reflexões finais e uma saudação
Apenas um pouco como nota complementar volta a sublinhar-se a importância de uma gestão social, do edificado e dos espaços exteriores, que acompanhe e enquadre a vivência e a cuidadosa manutenção do conjunto de realojamento, e uma gestão que tem de ser feita numa perspectiva de continuidade e proximidade.

E, finalmente, quero aqui deixar, em meu nome e nos do Grupo Habitar e do Núcleo de Arquitectura e Urbanismo do LNEC, os parabéns por esta excelente obra a todos os que por ela foram responsáveis, com uma natural referência para o seu projectista coordenador e para a Superintendência de Habitação Popular, da Secretaria Municipal de Habitação da Prefeitura da Cidade de São Paulo, a quem desejo a continuação e o aprofundamento deste tipo de intervenções, que marcam, sem dúvida, o caminho de um realojamento sensível e humanizado.


Anexo: ficha técnica da intervenção (cedida por Marcos Boldarini)
Obra: Residencial Alexandre Mackenzie - Favela Nova Jaguaré;
Local: Av. Alexandre Mackenzie, São Paulo/SP;
Data do Projeto: 2008;
Data da Conclusão da Obra: 2009;
Área do Terreno: 20.670,00m²;
Área Construída: 32.722,08m²;
Total de Unidades Habitacionais: 295 (em prédios), 132 (em casas sobrepostas);
Cliente: Prefeitura da Cidade de São Paulo / Secretaria Municipal de Habitação / Superintendência de Habitação Popular;
Arquitetura: Boldarini Arquitetura e Urbanismo - Marcos Boldarini e Sergio Faraulo (autores), Simone Ikeda, Daniel Souza Lima, Marina Ataguile Malagolini (colaboradores);
Paisagismo: Boldarini Arquitetura e Urbanismo - Marcos Boldarini, Melissa Matsunaga e Simone Ikeda (autores);
Estrutura: Somatec Engenharia;
Fundações: Somatec Engenharia;
Elétrica: Laranjeira Projetos (edifícios), Unika Projetos (casas sobrepostas);
Hidráulica: Laranjeira Projetos (edifícios), Unika Projetos (casas sobrepostas);
Construção: Schahin Engenharia;
Fotografias: Daniel Ducci (vistas gerais), Fabio Knoll (aéreas).
Boldarini Arquitetura e Urbanismo
www.boldarini.com.br, (11) 3287 3797.

Fontes: . AAVV, Urbanização de Favelas - A Experiência de São Paulo, edição da Superintendência de Habitação Popular, da Secretaria Municipal de Habitação da Prefeitura da Cidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
. DVD cedido por Boldarini Arquitetura e Urbanismo.

Infohabitar, Ano VI, n.º 289
Infohabitar a Revista do Grupo Habitar
Editor: António Baptista Coelho
Edição de José Baptista Coelho
Lisboa, Encarnação - Olivais Norte, 14 de Março de 2010