segunda-feira, novembro 28, 2005

55 - Os idosos na cidade e a cidade envelhecida – Sessão Técnica do Grupo Habitar - um artigo de António Baptista Coelho - Infohabitar 55

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Os idosos na cidade e a cidade envelhecida – Sessão Técnica do Grupo Habitar

um artigo de António Baptista Coelho

A 22 de Novembro de 2005 decorreu no Centro de Congressos do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), em Lisboa, a 3.ª Sessão Técnica do Grupo Habitar (GH). Foi uma primeira incursão do GH numa temática que é, hoje em dia, crucial para todos nós e para os nossos próprios projectos de vida, mas também para a vida das nossas cidades, pois o envelhecimento da população e o envelhecimento do seu quadro de vida são processos que se influenciam, mútua e muito negativamente.




Após uma introdução sobre a dinâmica do GH, a intervenção de base da sessão foi realizada pelo doutor Paulo Machado, sociólogo, Investigador do Núcleo de Ecologia Social do LNEC. Em seguida, e com as palavras do próprio Paulo Machado faz-se a síntese da sua intervenção:

“Num quadro de profundas transformações demográficas, sociais, culturais, políticas e económicas, as cidades portuguesas acordam, a cada dia que passa, mais envelhecidas.

Causa e efeito dessas mesmas transformações, o envelhecimento urbano não surpreende mas faz pensar sobre:
  • a sustentabilidade dos tecidos urbanos num contexto de esgotamento intergeracional,
  • a capacidade de corresponder à satisfação das exigências técnicas (mais ligadas ao edifício e ao fogo), funcionais (de segurança, de mobilidade, de acessibilidade aos bens e serviços) e avaliativas (qualidade de vida auto-percepcionada) dos idosos residentes,
  • a humanização possível da cidade como património cultural/civilizacional.
A intervenção proposta procura situar a mudança social que induz as transformações, caracterizá-la no que em relação a Lisboa respeita, identificar alguns dos problemas já sinalizados e desafios sugeridos por essa mudança, discutindo soluções num quadro de reflexão técnico-científica alimentada pela intervenção cívica.”



Levantaram-se nesta intervenção variadas e interessantíssimas questões, e entre estas destacam-se e ficam para próximo debate e aprofundamento:
  • A satisfação relativa a um dado espaço de vivência alarga-se da casa, à rua, ao bairro e à cidade; e a compreensão da relação entre as pessoas e os espaços exige um grande esforço interdisciplinar e metodológico, designadamente, no sentido de se poder e dever reinventar o lugar onde se envelhece – da cidade, ao bairro e à célula doméstica.
  • A inversão da antiga “pirâmide” etária é algo de irreversível e temos de saber/fazer viver (n)uma sociedade/cidade com um número muito grande de idosos (cada vez mais idosos), de pessoas que vivem sozinhas, de idosos que vivem sós e de idosos cuja solidão se associa à pobreza. E este é um problema muito crítico em zonas do interior do País; e aqui o meio citadino até pode proporcionar alguns aspectos positivos.
  • A satisfação das exigências técnicas não corresponde à satisfação das necessidades de bem-estar. Há excelentes equipamentos de apoio a idosos, em termos de funcionalidade conforto ambiental, em que as pessoas se sentem menos bem porque estão fora do seu espaço de habitar conhecido e “familiar”. Acabam por se sentir estranhos num ambiente que lhes é estranho. Os equipamentos deviam ser das comunidades e não apenas da cidade; e além disto a cidade transformou-se, tal como disse Paulo machado, “essa nova cidade que é a minha cidade, mas que eu já não reconheço.”
  • E uma nova cidade que é muito pouco amiga do natural vagar dos idosos na circulação e no uso dos espaços públicos, e, generalizando-se, uma cidade muito pouco amiga do peão. Um questão que tem uma visibilidade clara nos terríveis números dos atropelamentos, mas que tem uma raiz profunda, ainda nas palavras de Paulo Machado, ”numa dissociação entre a casa e a rua que primeiro se estranhou e, depois, se entranhou.” Mas uma questão que também se liga a uma cidade que já não é marcada, como devia ser, pela civilidade.
  • Mas é possível e essencial intervir na cidade e nos seus espaços públicos e nos seus elementos de vitalização, como são os pólos de comércio diário. É possível mas há que ter presente que o tempo de intervenção necessário é muito longo, “o médio prazo da cidade é muito longo” (P. Machado).
Note-se que estes apontamentos são apenas, isso mesmo, apontamentos de uma exposição com grande interesse, ligada a tantas outras matérias do habitar com tanto interesse e que gerou questões e intervenções da plateia que nos teriam levado bem longe, houvesse tempo para tal.




Em seguida o Eng.º Duarte Nuno Ribeiro Gonçalves, Presidente da Direcção da Cooperativa Colmeia, apresentou um inovador e recém—inaugurado equipamento para idosos e crianças na zona do Parque das Nações , em Lisboa, projectado pelos arquitectos do gabinete SerraAlvarez.

Neste conjunto, merecedor de uma visita, associa-se um quarteirão urbano atraente e agradavelmente densificado, destinado a habitação, com um piso térreo quase inteiramente destinado a dois equipamentos “gémeos”, acessíveis a partir de uma entrada comum, ligada a um serviço de gestão central e também comum aos dois equipamentos:
  • um deles destinado a crianças (a “Casa das Abelhinhas”);
  • e o outro destinado à estadia prolongada de idosos (a “Casa dos Mestres”), onde se integram 30 quartos individuais e duplos, para 45 residentes, com excelentes condições de privacidade, funcionalidade e convívio;
  • entre um e outro equipamento, no miolo do quarteirão, um espaço exterior de lazer constitui, de certa forma, um espaço de relação entre as crianças e os idosos.
Naturalmente, salienta-se a possibilidade que aqui se oferece de uma “parceria” no habitar, entre uma família com uma habitação integrada no quarteirão e um membro idoso desta mesma família, que possa eventualmente necessitar de cuidados especiais e/ou que queira morar perto mas independentemente, e que poderá residir na “Casa dos Mestres.”




Nesta mesma linha de Intervenção seguiram-se as palavras de Guilherme Vilaverde, Presidente da FENACHE (Federação das Cooperativas de Habitação Económica) e da Cooperativa As Sete Bicas, de Matosinhos, sobre um novo equipamento misto, residencial e de apoio a idosos, actualmente a ser iniciado por esta cooperativa.

É também de grande interesse a perspectiva desta cooperativa, que depois de ter proporcionado excelentes condições de habitação a muitas famílias, acompanha a evolução das necessidades destas famílias, agora muitas delas já idosas, e propõe uma nova tipologia de habitar, do tipo “residência assistida”, em que se associam 30 quartos com todo um leque completo de serviços de apoio a “seniores”, a um conjunto relativamente corrente de habitações (40 fogos).

Nos quartos da “residência assistida” vai haver idosos que irão pagar uma mensalidade “social” ao lado de outros quartos cujas mensalidades são ao nível “do mercado”.




Sublinha-se que esta experiência “mista” de habitação e habitação assistida está já a ser repetida pela Cooperativa noutros empreendimentos em fase de programação. Pode-se, assim, salientar, tal como disse G. Vilaverde, que a iniciativa cooperativa, depois do apoio à infância, ao convívio, e ao equipamento diário e social está, agora, a seguir no sentido do apoio diversificado aos idosos, mas sempre de uma forma integrada, integradora e muito positivamente caracterizada em cada sítio de intervenção.




Finalmente o arquitecto e Investigador António Reis Cabrita, da Direcção do Grupo Habitar, associou a temática dos idosos na cidade envelhecida às respostas que podem ser proporcionadas pelas novas tipologias de habitação.

Não se irá aqui fazer, naturalmente, uma síntese adequada desta intervenção, tal ficará para o próprio em artigo próprio, que terá, sem dúvida, grande actualidade. Referem-se, apenas, e informalmente, alguns temas de interesse que foram apontados:
  • A grande diversidade de respostas para o habitar dos idosos, ligada à grande diversidade das condições exigidas por: idosos sós mas autónomos, agregados familiares envelhecidos, idosos com necessidade de apoios específicos, idosos com necessidades de apoios críticos, etc.
  • A urgente necessidade de se considerarem grandes aspectos estratégicos, tais como:
. a importância do percurso residencial;
. a importância do apoio/enquadramento social;
. a grande expressão numérica dos idosos na sociedade actual;
. a crescente semelhança entre família nuclear e família de idosos;
. a actual e crescente valorização do espaço do habitar individual (o que tem grande interesse na problemática dos idosos);
. o “fechamento territorial” que caracteriza o nosso envelhecimento – mas que se associa a outros aspectos de relação e caracterização territorial (ex., “eu transporto comigo o meu mundo”, “eu tenho o meu recanto”);
. a possibilidade de fazer o espaço do habitar e designadamente o espaço doméstico adaptar-se ao envelhecimento da família e aos mundos dos idosos – situação que pode concretizar-se numa perspectiva que privilegie, por exemplo, “não mudar o idosos, mas mudar a casa”;
. e a preocupação, que tem de ser constante, de fazer o espaço doméstico prolongar-se, natural e agradavelmente, pela vizinhança, pelo bairro e pela cidade.
  • A afirmação que um serviço humanizado é mais importante do que uma estrutura física muito boa – mas contudo é muito importante esta mesma qualidade. E a afirmação que a integração social, comunitária e familiar do idoso é ainda mais importante do que esse serviço humanizado.
  • Relativamente ao projecto destaca-se:
. a importância dos aspectos simbólicos e afectivos;
. a valorização da adaptabilidade e a grande importância da acessibilidade (com sentido amplo);
. o desenvolvimento de níveis de satisfação ergonómica: (i) gerais, (ii) para idosos e (iii) para situações-limite (que provavelmente podem ter ainda um dado escalonamento);
. a aplicação de soluções de arquitectura moderna consideradas muito adequadas para idosos (ex., compartimentação adaptável, abertura ao exterior, exterior privado e acessibilidade urbanas);
. e o desenvolvimento de soluções tipológicas específicas (ex., sub-divisão, geminação e “suites”).




Tal como referiu Reis Cabrita, o idoso vai assumir, cada vez mais, um papel activo e muito diversificado na sociedade, papel este bem distinto do corrente estereotipo que ainda temos do mesmo idoso.

Sendo assim há que pensar de forma integrada na problemática dos idosos e das cidades, provavelmente focando os aspectos de envelhecimento de uns e outras, mas aproveitando todas as virtualidades e especificidades que possam contribuir para a melhoria das condições de vida dos idosos – que serão cada vez mais – e das condições de vida nas cidades, onde cada vez mais pessoas viverão. E tal como foi referido pelo Arq. José Bicho não podemos, de forma alguma, criar “guetos” para idosos, tal como, infelizmente, criámos alguns “guetos” de “habitação social.”

O debate marcou todas as intervenções havidas e generalizou-se no final da sessão. A ideia que fica é que é uma temática que exige um aprofundamento cuidadoso, uma discussão extensa e um sistemático confrontar entre os estudos e a prática, e tudo isto com um carácter de urgência e prioritário. E sendo assim o GH está já a preparar uma nova sessão técnica sobre esta temática noutra cidade do País.


Lisboa e Encarnação/Olivais N, 28 Novembro 2005

Contactos do Grupo Habitar: Porto, José Clemente Ricon, Arq. - jroliveira@inh.pt - Tel. 226079670 / Fax. 226079679; Lisboa: António Baptista Coelho, Arq. - abc@lnec.pt - Tel. 218443679 / Fax. 218443028

quarta-feira, novembro 23, 2005

54 - Interpelações Virtuais ao Cidadão Comum - um artigo de Maria João Eloy - Infohabitar 54

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Interpelações Virtuais ao Cidadão Comum

um artigo de Maria João Eloy

O cidadão comum terá ficado subjugado pelas notícias recentes, quer do alastramento do terrorismo urbano em cidades europeias (i), quer do Congresso Internacional para a Nova Evangelização que decorreu este ano em Lisboa (ii) e ainda das referentes às canções que Paul Mc Cartney tocou ao vivo por meio da TV da NASA para o astronauta dos EUA e o cosmonauta russo que estão a bordo da Estação Espacial Internacional, uma improvável Cidade-Estação ‘que circula o planeta a uma altura de 350 quilómetros’ (iii).

A observação virtual de tais fenómenos apresentados numa disparidade de registos de difícil apreensão, poderá fazer crer que se tratou de acontecimentos de natureza diversa, porque acompanhados de discursos inconciliáveis; todavia, no primeiro caso e como foi noticiado, a partir do momento em que os canais de televisão deixaram de filmar os locais onde deflagrou maior violência, reduziram-se esses actos de violência e no segundo e terceiro casos a emissão televisiva acrescentou milhares de fiéis aos dois fenómenos de culto.

Permito-me sugerir que, através das imagens incluídas no texto (iv), se proceda a um exercício de reflexão sobre a improbabilidade de comunicação entre as diferentes crenças que são subjacentes a essas manifestações urbanas, que se assumem, hoje, como um happening global;

e a um exercício semelhante sobre a necessidade de, apesar da improbabilidade referida, apostarmos na criatividade e na diversidade das configurações da compaixão, veiculadas pelas novos meios de comunicação dos homens;

aposta que, de alguma forma, constitui sempre uma provocação aos poderes instituídos, à ‘ordem’ de qualquer PDM e ao ‘rigor’ de qualquer Orçamento de Estado;

criatividade e compaixão que parecem prometer mais ‘conhecimento’ e mais ‘justiça’ numa sociedade global que, vivendo em rede, escuta virtualmente todas as linguagens e dialectos, mas permanece impotente para acudir aos seus apelos.












Maria João Eloy
2005.11.13

                      










(i) http://www.7sur7.be/hln/cch/det/art_137747.html
(ii) http://www.icne-lisboa.org/
(iii)http://musica.terra.com.br/interna/0,,OI749651-EI1267,00.html
(iv) Imagens das estações de televisão RTP1, RTP2 e RTP N em 2005.11.12/13

quarta-feira, novembro 16, 2005

53 - As cidades também se abatem, “They kill horses - don't they ?” - um artigo de Celeste Ramos - Infohabitar 53

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As cidades também se abatem, “They kill horses - don't they ?”

um artigo de Celeste Ramos
fotografias de António Baptista Coelho

Inspirada no título do magnífico filme de Polansky dos anos 70 com Jane Fonda - "they kill horses - don't they” ?, também pergunto "ao vento" porque se abatem cidades, como Lisboa está a ser abatida um pouco por todo o lado, mas especialmente na zona ribeirinha, e sobretudo neste ano de 2005, como nunca, com tal escala e velocidade que quase faz esquecer o que lá estava “ontem".

Todas as cidades envelhecem, mas nem todas "desmoronam" a menos que, como em Hiroshima e Nagasaki, seja lançada uma bomba atómica, de que se comemoram 60 anos, ou que sobre elas se abata, como em Lisboa em 1 de Novembro de 1755 (e está a fazer 250 anos) um terramoto.



Quanto à natureza bruta já se sabe como actua e o que pode fazer, e desde o tsunami de 26 dezembro 2004 em Acheh, na Indonésia, ao que se seguiu este ano o tornado em N. Orleans e Houston, fazendo tudo desaparecer do mapa em poucos instantes, como se a natureza quisesse "fazer-se ouvir" mais profundamente.

Será a natureza tão mais brutal quanto menos atenção o homem tem quanto à sua força, e decide construir onde e como não deve, ou sem os saberes e os cuidados que deve, só contando com a sua inteligência arrogante?

Pergunto, não sei a quem, mas pergunto, o que está a acontecer à Lisboa que adoptei como a minha cidade desde o fim dos anos 50, a que chamava a Cidade do meu encantamento, mesmo depois de conhecer calcorreada a pé Roma, Veneza e Florença, Istambul e Ephesus, ou Paris, e outras do outro lado dos mares. Mas que bem cedo me faziam apressar o regresso, como se aqui eu tivesse outro respirar. Como se aqui fosse o lugar do bater mais ritmado do meu coração, porque pertenço aqui, a este lugar – ponho os pés no meu chão.


Lisboa, hoje a cidade do meu des-encantamento que começa a cair pedra a pedra com o camartelo – mesmo que, ao vir de sul e atravessar a velha Ponte, ela apareça ainda como um poderoso dorso de dinossauro emergindo do seu mergulho em águas profundas, carregando os bairros e monumentos desde o Castelo até desaparecer para os lados do Mar, que lhe deram a mais longínqua identidade e glória. Seja de noite, seja iluminada pelo pôr-do-sol que a torna doirada e eterna “ninfo-maníaca” do Tejo.

Com a cidade cresci e com ela envelheci, que foi tempo de me construir em identidade cultural, emocional e cívica, a ela reportada como ponto de partida como se fora a "minha casa", onde habita "a minha família colectiva" !

Vi na cidade buliçosa, mas verde e limpa, saltarem os golfinhos no Cais das colunas. Vi a Praça do Comércio mudar de "escala" quando as suas fachadas pintadas do verde de Raúl Lino mudaram para rosa fresca ajudando a ler a sua horizontalidade, ou para cores que lhe adulteram demasiado a escala. Vi desaparecer os eléctricos e o contínuo de passeios de peões por onde se corria sem cuidado. Vi a arte das fachadas e o pormenor dos ornamentos. Vi a história dos tempos nas paredes e no chão escrita, até submergir com o automóvel e, pior, com o betuminoso que se sobrepôs ao belo e eterno pavimento de granito que deixava a chuva entrar devagarinho e refrescar o chão e o ar. E agora não vejo nada disso, não por saudosismo, mas por quebra vertical na qualidade do habitar esta minha cidade, sem grandeza nem verdadeiro progresso.


Esse meu tempo de vida na cidade, correspondeu, exactamente, ao avanço da cidade por Benfica e Loures, no início, que se tornou imparável em ambas as margens do Tejo, coalescendo-se a Sintra e Vila Franca de Xira, e país fora, como mancha de óleo irreparável.

Pergunta-se, assim, porque não se decide desmoronar controladamente essa espécie de cidade "arrabaldes" roubados ao campo-horta e ao campo-palácios-quintas da envolvente, que se perdeu na construção maciça e sem lei, e porque não se reorganizam e restauram esses espaços na sua dimensão edificada com verdadeiros espaços públicos e culturais, incluindo o fundamental verde urbano.

Porquê também este desmoronado visual da beira-rio onde as auto-estradas urbanas, no seu pior, acabam em nós viários sobre o ex-libris do Aqueduto das Águas Livres, e a irreconhecível Algés e desembocam "sobre" a Torre de Belém, que já não se sabe onde fica, e que é outro berço da cidade e da nossa história, como se a cidade destas últimas 5 décadas, que trocou ser campo, Palácios e Conventos, por habitação desqualificada e amontoados de automóveis, se tivesse igualmente saturado e empurrasse agora a velha cidade ribeirinha para dentro do rio.


Da grande cidade que foi toda de beleza frágil e simples, mas segura e luminosa nos seus conjuntos, só restam cada vez menos "ilhas” da velha urbe saudável e equilibrada.

Assim, desta forma, a cidade não envelhece, positivamente; desmorona-se. E podia e devia envelhecer bem, através de tantos edifícios em que as funções originais, desactivadas, por naturais razões evolutivas, se prolongassem por outras funções hoje necessárias e positivas. Os edifícios continuam a ser história/memória da arquitectura, e da cidade e das artes envolvidas e deviam mudar de funções, positivamente, como no caso da Cordoaria e não como no caso do Éden. E nessa mudança positiva e dinâmica de funções deve ter-se bem presente que nesta cidade e em tantas outras continua a haver uma crítica carência de espaços culturais, tanto museológicos e bem abertos à sociedade, como de encontro de grandes grupos para música ou teatro, e situados em plena cidade velha, pois desta mistura de memória de cidade e de cultura de hoje resulta uma riquíssima mais-valia.


A Cultura é um quadro ético, que "mora" num lugar especial que é a Cidade. Diminuir a qualidade do ambiente de uma cidade é diminuir a qualidade de vida de cada cidadão, e se chegarmos ao acto último do abater de uma cidade, serão abatidos os seus cidadãos.

Mas porquê esta tendência, tão sentida, de fazer desmoronar a "cidade original", semente da memória colectiva, ancestral?

Não sei nem responder nem compreender.



PS:

Mas sei que os problemas de Lisboa se resolvem no "interior provincial", hoje vazio de habitantes e de cultura, que nos anos 90 foram obrigados a deixar por ausência de estratégia de desenvolvimento de cada local habitado há milénios. E sei que bastava ter percebido que Lisboa começou a morrer quando, em vez de capital, passou a ter que ser uma "nação" que não poderá nunca responder ao que o país inteiro respondia, em cada local "abandonado" desse interior que também se “abateu”, como se abate qualquer cidade abandonada que a natureza selvagem invade.

E em toda esta problemática tenhamos bem presente que as cidades médias, com dimensões de cerca de 40 mil habitantes, são o sustentáculo do conceito de cidade evolutiva e dinâmica, auto-sustentável, fazedora de Civilização.


Lisboa - Santo Amaro – domingo - 23 Outubro 2005

Maria Celeste d'Oliveira Ramos, Arquitecta Paisagista



Fotografias de António Baptista Coelho

Infohabitar/actualidades - Um comentário da Arq.ª Sara Eloy sobre um PER que vise a regeneração habitacional e urbana - Infohabitar 52

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(Segue-se um texto de comentário da Arq.ª Sara Eloy ao artigo sobre o PER, numa perspectiva de regeneração habitacional e urbana, saído no Infohabitar a 27 de Outubro, e que além de aprofundar estas matérias, as liga, de forma muito estimulante, a outras matérias igualmente críticas nas nossas cidades, como é o caso do envelhecimento da população das zonas urbanas centrais; trata-se de um caminho de discussão e desenvolvimento que poderá ser feito em próximos artigos e textos de comentário, aqui no Infohabitar - ABCoelho)

Um comentário da Arq.ª Sara Eloy sobre um PER que vise a regeneração habitacional e urbana


Permito-me comentar este esclarecedor artigo que nos alerta para a problemática da regeneração habitacional e urbana.

Apesar das diversas considerações que anunciam um "novo PER, que promova a introdução de habitação de mercado, urbanamente bem integrada nas restantes promoções", ainda assim, parece partir-se do princípio de que será sempre necessária a construção de habitação nova (as fotografias do artigo parecem ilustrar essa tese), a qual, dado o pouco espaço destinado a novos programas habitacionais que ainda resta na cidade, tem vindo, tendencialmente, a ser remetida para as periferias.

Assistindo à inevitável degradação de muitos edifícios em zonas centrais ou menos periféricas da cidade, acompanho os que se questionam sobre a razão das autarquias não adquirirem esses mesmos edifícios (numa figura próxima da expropriação) para uma posterior reabilitação com vista ao realojamento. Deste modo atingir-se-iam as desejáveis "condições de integração física e social, as tipologias aconselháveis e as acções de apoio prolongado e completo ao (re)alojamento e ao acolhimento", que o artigo enuncia.

À semelhança de experiências realizadas na Europa seria possível realizar planos de reabilitação de edifícios de habitação nos vários municípios com vista ao realojamento ou melhoria das condições de vida dos moradores, que permitissem concretizar, numa 2.ª fase do PER, soluções de integração social e urbana onde se evitassem as consequências da proliferação de "guettos", propícios a uma segregação social que tem sido causadora de fenómenos de exclusão e geradora de conflitos insanáveis.

Por outro lado e vivendo-se hoje numa Sociedade da Informação, urge dotar as habitações (tanto as novas, como as reabilitadas) de tecnologias adequadas a uma melhoria da qualidade de vida e da autonomização dos seus utentes. Numa experiência europeia de reabilitação de habitação – Glastonbury House (projecto INTEGER) – o facto do edifício ser habitado por idosos, ofereceu a hipótese de se testarem sistemas inovadores de cuidados, como os da telesaúde, que permitem aos residentes viver nas suas casas o máximo de tempo possível, evitando o recurso a serviços de assistência, como lares de idosos.

terça-feira, novembro 08, 2005

51 - Urgência e complexidade da regeneração de bairros sociais e outros espaços urbanos degradados - Infohabitar 51

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Urgência e complexidade da regeneração de bairros sociais e outros espaços urbanos degradados

um artigo de António Baptista Coelho

Numa altura marcada pelos graves problemas de violência no anel de cidades-subúrbios em torno de Paris, que, convém desde já lembrar, vão acontecendo de forma cíclica e ao que parece com uma crítica tendência de agravamento, e na sequência de uma reflexão activa que tem de continuar a ser feita sobre a problemática do realojamento – que, se volta a salientar, tem de ter, entre nós, atenção urgente por parte do Estado e dos Municípios –, vão apontar-se, em seguida, alguns aspectos que se consideram fulcrais nas necessárias acções integradas de regeneração urbana e habitacional que têm de ser dinamizadas, com carácter de urgência, mas com cuidadosa preparação, em muitos dos maiores e/ou mais degradados “bairros sociais” e outros conjuntos urbanos degradados que existem nas nossas cidades e vilas.
Os grandes conjuntos de realojamento e também os grandes conjuntos urbanos degradados não podem ter uma remissão eficaz, quer apenas com medidas sociais e de gestão local, quer apenas com medidas físicas de reabilitação dos espaços públicos e dos edifícios numa perspectiva eminentemente física, quer apenas através de medidas de segurança urbana.


Algumas notas breves sobre as medidas sociais e de gestão do realojamento


É fundamental associar as medidas sociais e de gestão, de acompanhamento e de enquadramento, mas visando um horizonte profundo/longo caso contrário será provavelmente quando o meio social está a começar a responder pela positiva e as estruturas lançadas estão a começar a funcionar, que se decide terminar determinados programas e acções ou mudá-los, por vezes, radicalmente em termos de processos e de pessoas envolvidas. E temos que entender que a cidade positiva se faz com tempo – um ano é realmente muito pouco na história da cidade – e se faz com pessoas específicas, pessoas com caras e com histórias de vida, pessoas que ao fim de meses de trabalho empenhado conquistam confianças fundamentais e só assim se pode pensar em avançar solidamente ainda que devagar.

Um aspecto que se sublinha, é que não se irá aqui desenvolver mais os aspectos sociais de enquadramento, acima apenas indicados, que são vitais numa acção de regeneração residencial e urbana com viabilidade, apenas porque outras pessoas há mais habilitadas para o fazer, sublinhando que isto não reduz, nem um pouco, a importância que é fundamental atribuir efectivamente aos aspectos sociais e de gestão local na regeneração urbana.


Quanto aos aspectos físicos do realojamento


Quanto aos aspectos físicos é essencial considerar que não vale a pena pensar, isoladamente, em arranjos de espaços públicos e de edifícios; há que pensar integradamente nos dois e pensar nos dois visando-se usos e aspectos urbanos verdadeiramente úteis em cada local, sejam, por exemplo, aspectos de atractividade e/ou de acessibilidade e/ou de segurança. Porque a cidade nunca se fez de actos mais ou menos gratuitos ou bem intencionados de arranjos exteriores, mas sim de troços urbanos bem ligados uns aos outros e aos núcleos citadinos próximos mais consolidados e vitalizados.

Mas quanto aos aspectos ditos físicos há também que considerar que a intervenção a este nível tem de ser pensada no serviço fiel e total de dois factores básicos do urbanismo, hoje infelizmente, com frequência pouco respeitados.

O primeiro destes factores é a (re)constituição efectiva e afectiva das vizinhanças urbanas, mas de vizinhanças com alguma possibilidade de viabilidade, onde haja espaços razoavelmente confinados e úteis, onde haja verde urbano que é real sinal da vida e do tempo que passa e testemunho vital da presença e da força da natureza, e onde haja lugar para que possa haver convívio; pode ser que esse convívio não vá acontecer, mesmo assim, havendo lugar, mas se não houver lugar é que de certeza não haverá convívio e cortesia entre vizinhos.

O segundo destes factores é a ligação efectiva e afectiva com a cidade “mãe” e com a própria continuidade e vitalidade urbanas; e acredite-se que por melhor vizinhança criada se ela não for vitalizada e bem enraizada na cidade viva ela irá decair e morrer; mas se pelo contrário uma vizinhança residencial e urbana for vitalizada pela cidade – por exemplo por eixos urbanos dinâmicos e contíguos e por diversidade de transportes e acessos ao centro urbano – ela irá prosperar em termos de condições de habitabilidade e de urbanidade e irá começar, ela própria, a participar activamente nessa mesma vitalidade urbana, passando a pertencer a uma cadeia de cidade consolidada, funcional e atraente.


E, já agora, não devemos esquecer a própria qualidade da arquitectura urbana, feita de raiz ou refeita, pois cada vez mais fica evidente que não sendo essa qualidade uma determinante isolada/autónoma da qualidade de vida e do habitar, ela realmente ajuda muito e participa muito na criação de espaços residenciais e urbanos verdadeiramente geradores ou influenciadores de felicidade: e não haja “receio” de perguntar às pessoas que têm o privilégio de viver em tais condições se isso não é verdade! E atenção esta condição de humanização e qualidade arquitectónica não tem a ver com o custo da habitação e da vizinhança, há dela excelentes exemplos em habitação dita “social”.


Sobre a segurança urbana no realojamento


O futuro das nossas cidades não pode passar por cenários mais ou menos ficcionados de “espaços rigorosamente vigiados”. A ideia que importa deixar aqui bem sublinhada é que não devemos importar soluções para problemas que felizmente ainda não temos de forma significativa. Se o fizermos estaremos provavelmente até a suscitar esses mesmos problemas.

Imaginem-se partes de cidades feitas de condomínios fechados com acesso rigorosamente controlado e de espaços públicos sujeitos a uma vigilância automatizada com carácter de continuidade. Ninguém em seu bom juízo quererá um futuro assim.

No entanto há, com certeza, pontos urbanos específicos que obrigarão a um reforço e a uma grande eficácia na vigilância (contínua/”automática”) e sobre esta matéria sublinha-se que se considera fundamental que toda a estrutura de acessibilidades públicas ofereça um nível de segurança extremamente positivo ao longo de todo o dia, pois só assim a cidade pode realmente funcionar e só assim a rede de acessibilidades poderá vitalizar toda a rede mais “fina” e ampla das vizinhanças de proximidade.


Nestas vizinhanças de proximidade é fundamental a existência de um sistema de segurança pública bem ligado à gestão local e com uma forte valência de proximidade e de constância na presença e na acção, associado a uma efectiva cadeia de responsabilidades, que responda eficazmente a qualquer problema (ex., um vidro que é partido, um roubo numa loja, etc.).


Comentários finais ao realojamento


Falou-se de enquadramento social e de gestão, de regeneração urbana física e de segurança urbanística. Todos estes aspectos têm de concorrer nas urgentes acções de requalificação das partes de cidade e dos bairros de realojamento com graves problemas de vitalidade e de falta de qualidade de vida e há que ter bem presente que estas acções não são nem baratas, nem rápidas, nem simples; mas se não as começarmos a desenvolver os resultados estão, infelizmente, aí para ser vistos, noutras cidades da nossa Europa, e terão gravíssimas consequências e levarão a custos de intervenção muito mais significativos.

Apenas cinco notas finais complementares.

A primeira, é que não é possível admitir que se façam mais conjuntos urbanos e de realojamento com grandes dimensões, isolados da continuidade urbana, sem vida própria, compostos por grandes edifícios, sem qualidade arquitectónica e destinados apenas a determinados grupos sociais. Se sabemos que tais condições geram más condições de vida urbana e de habitação e, a longo prazo, problemas sociais graves, por favor, não se admita nem mais uma habitação em tais condições.

E sublinhe-se, sempre, que há excelentes bons exemplos de referência, um pouco por todo o País, que podem e devem ser considerados. Dá vontade de dizer que não é de admitir nem mais um único conjunto de realojamento com uma única de tais características e que não se pense em qualquer desculpa ligada a dificuldades processuais ou ausência de terrenos; não é admissível criar mais guetos e consequentemente mais problemas para o médio e longo prazos; até numa perspectiva prática e “calculista” não se criem novos e graves problemas na sequência da resolução de outros problemas – dá vontade de dizer que numa altura com tantas preocupações para com a sustentabilidade da segurança social/pensões de reforma, é necessário interiorizar que outras áreas também têm idênticos problemas de crítica sustentabilidade e provavelmente no realojamento e na regeneração urbana poderá não haver, no futuro (próximo), verbas adequadas para remediar os erros do passado próximo e do presente.


A segunda nota liga-se à primeira e refere-se à necessidade de, urgentemente, se ter uma ideia rigorosa sobre as condições de sensibilidade social, de integração urbana e de estado físico dos conjuntos de interesse social existentes e designadamente dos grandes conjuntos do realojamento situados nas periferias das nossas cidades. Sejam os velhos bairros sociais que, por vezes, ainda se encontram um pouco esquecidos e mal tratados, sejam os grandes conjuntos do PER em que se aplicaram, recentemente, grandes edifícios em altura, exigem uma monitorização adequada e a consequente proposta de acções de melhoria.

Outra nota para as acções extremamente positivas, quer de ordem social quer de ordem física, que vários municípios e outras entidades, tais como empresas municipais, empresas privadas e cooperativas, têm desenvolvido nesta área da regeneração urbana. Não serão muitas as acções mas há, entre nós, variadas boas práticas que é urgente serem divulgadas – até porque esta matéria é tecnicamente muito exigente e serão as equipas com experiência aquelas que deverão ser ouvidas em primeira linha.


Uma penúltima nota, essencialmente com carácter processual, que poderia não ser necessária, mas afinal “o seguro morreu de velho”: é que não se podem desenvolver acções sociais e de gestão, físicas e urbanas e de segurança pública, sem uma adequada integração e complementaridade mútua. Não faz sentido actuar na regeneração urbana sem ser de uma forma cuidadosamente integrada nas várias frentes de actuação.

A nota final é para sublinhar que mesmo não havendo em Portugal grandes bairros de realojamento com grandes edifícios e com problemas sociais e físicos de grande gravidade, há zonas urbanas e bairros de realojamento cuja dimensão, complexidade social, e características urbanas e de integração, merecem e exigem um urgente reforço dos cuidados acima referidos de forma genérica. É fundamental ter a ideia que no Portugal “dos bons costumes” também há “bairros sensíveis” e é fundamental perceber que é necessário avançar rapidamente na resolução de tais problemas; problemas que, é importante nunca esquecer, resultaram essencialmente de situações urbanística e habitacionalmente deficientes que se eternizaram às vezes ao longo de décadas.

Ficam por abordar outros aspectos importantes e que se ligam muito a estas temáticas, mas ficam para outros textos e, deseja-se, para os comentários, mas não é possível concluir este texto sem o reavivar da urgência e da necessidade de se resolver rapidamente o problema de habitação daqueles que, hoje, em Portugal, vivem em condições degradadas. Não é admissível que mesmo a urgência evidente da regeneração urbana, acima desenvolvida, faça esquecer a urgência básica que é não “ter” habitação digna. E os dois problemas podem e devem ter uma resolução combinada, pois na regeneração pode haver inclusão de novas edificações ou conversão de velhas edificações para novas tipologias habitacionais e urbanas.



Notas finais:

As figuras juntas, ao longo do texto, são de conjuntos de realojamento recentes, que correspondem exactamente ao contrário do acima indicado como negativo. São, assim conjuntos com pequena dimensão, integrados na continuidade urbana, com (alguma) vida própria, compostos por edifícios com escala humana e com qualidade arquitectónica. A apresentação procurou definir uma sequência de variadas tipologias associada a um crescendo da dimensão dos respectivos edifícios, tentando sublinhar que os princípios aqui defendidos podem ser servidos por uma grande diversidade de soluções de arquitectura urbana.

Há que ser objectivo e referir que, de forma geral, e segundo uma regra que resulta já da observação directa de cerca de 600 casos de habitação com controlo de custos, em Portugal, a pequena dimensão dos conjuntos de realojamento é, provavelmente, o principal factor de integração; mas há verdadeiras excepções em que conjuntos com dimensão muito significativa conseguem atingir uma assinalável qualidade urbana e também há infelizmente muitos casos em que a positiva virtualidade da pequena dimensão de cada intervenção fica totalmente anulada, por exemplo, devido ao isolamento e à descontinuidade urbana dos respectivos sítios de implantação.

Em termos globais, entre nós, em termos de cuidados de enquadramento do realojamento, falta “repetir” o que foi bem feito, não “repetir” o que foi mal feito, e falta assegurar, sistematicamente, que em cada intervenção sejam alojados diversos grupos socioculturais – não apenas caracterizados por distintos níveis económicos, mas também, por exemplo, por serem grandes agregados e pessoas que vivem sós, por serem trabalhadores e por serem estudantes, por serem jovens e por serem idosos, etc, numa sistemática e cuidadosa mistura de grupos sociais. A pequena dimensão dos conjuntos e a continuidade urbana são factores essenciais nesta matéria, que importa garantir sempre, mas a esta matéria tão complexa há que dirigir uma atenção mais sistemática., específica e multifacetada, aprendendo continuamente com a experiência e as boas práticas.



1ª imagem: 2001, Somague, S. Miguel, Lagoa, 30 fogos, Arqos João Coutinho e Daniel Carrapa.

2ª imagem: 2001, CM Matosinhos, Bairro do Telheiro, 44 fogos, Arq. Manuel Correia Fernandes.

3ª imagem: 2002, CM Vizela, S. Miguel das Caldas, 18 fogos, Arq. Arq. Alexandre Ribeiro.

4ª imagem: 2002, CM Porto, Monte de S. João, 53 fogos, Arqos Arq. Rui Almeida, e Filipe Oliveira Dias

5ª imagem: 2000, CM Lisboa, Av. Berlim, 132 fogos, Arq. Arq. Rui Barranha Cunha.



8 de Novembro de 2005, Lisboa, Encarnação/Olivais N,

António Baptista Coelho


quarta-feira, novembro 02, 2005

Infohabitar/actualidades - um comentário de Nuno Teotónio Pereira - Infohabitar 50

 - Infohabitar 50

Um comentário de Nuno Teotónio Pereira


Excelentes os últimos textos divulgados. Em primeiro lugar o oportuníssimo, da autoria de António Baptista Coelho, sobre a necessidade de um novo PER e que precisava de ter divulgação junto da opinião pública e dos governantes. A propósito, chamo a atenção para a carta de uma leitora publicada no "Público Local" do dia 28 e que chama a atenção para o escândalo dos milhares de casas devolutas.
Uma penalização fiscal fortemente progressiva (e não a que timidamente foi agora contemplada pelo governo) obrigaria os proprietários a colocá-las no mercado a curto prazo, fazendo baixar os preços. Ver a este respeito o nº 4 da colecção de Estudos Urbanos da CML, da autoria do prof. João Seixas, intitulado "Diagnóstico Sócio-urbanístico da cidade de Lisboa.
Também muito interessantes "Bairro, uma cidade na cidade" e o relato do Curso em Sevilha, de António Reis Cabrita, "Acerca de la Casa". Chamo entretanto a atenção para o artigo de Ana Pinho e José Aguiar publicado no nº 5 da revista "arquitecturas".
Parabéns pelo vosso trabalho de divulgação, de que destaco ainda a relativa à Associação Solidariedade Imigrante, que me deu a oportunidade de subscrever a carta aberta ao Presidente da República protestando contra as brutais demolições que estão a ser feitas em vários municípios da AML.

Nuno Teotónio Pereira

49 - Os Velhos, a Cidade e a Sociedade - um artigo de Maria Celeste Ramos - Infohabitar 49

 - Infohabitar 49


Os Velhos e a Sociedade


A Organização Mundial de Saúde estabeleceu em 1984 seis objectivos para os cuidados que devem ser prestados ao idoso: (i) contribuir para que morra tranquilo; (ii) dar suporte à sua família; (iii) manter a qualidade de vida; (iv) mantê-lo no lugar que deseja; (v) prevenir a perda de aptidões funcionais; (vi) e proporcionar-lhe assistência de qualidade.


No mundo ocidental industrializado e evoluído, sobretudo a partir da segunda metade do séc. XX, com o melhoramento global da qualidade de vida e da prestação dos serviços médicos incluindo o desenvolvimento da ciência da gerontologia (termo usado em 1909 por Nasher para a ciência que estuda o envelhecimento), com abertura socio-cultural à mulher proporcionando acesso ao emprego, com o planeamento familiar, com o aumento da infertilidade e com o aumento da esperança de vida, assistiu-se ao "envelhecimento da população".

Aplica-se a nível institucional e estatal, no ocidente, o termo idoso aos maiores de 65 anos, mas apenas aos maiores aos maiores de 60 anos no mundo oriental onde é menor a esperança de vida.

E assim sendo, porque se chega mais longe na idade, Bize e Vallier (1995) adoptam a designação de terceira idade, igualmente usada pela ONU, enquanto a UE adoptou o termo de sénior aos maiores de 50 anos, e fala-se já numa quarta idade a partir dos 74 anos.



Não está muito longe o tempo em que a família incluía "os seus velhos" no agregado familiar onde faziam sempre todo o tipo de trabalho, podendo-se situar pelos anos 60 do século passado, o fenómeno de separação da família, que veio dar lugar ao aparecimento dos "lares da terceira idade", sobretudo privados, locais que foram sendo cada vez menos acolhedores e, sobretudo, que deram lugar a grandes dramas com a separação familiar radical, mas igualmente da sua rua, dos seus vizinhos e amigos, dos seus hábitos e objectos familiares, das suas actividades e gostos específicos, e mesmo da sua memória, como se fossem remetidos para local onde apenas lhes restava estar à espera de morrer.

Como ouvi a alguém dizer num extraordinário programa da BBC – “a vida escureceu, longe do local de morar, dos locais de comércio e de cultura, longe dos seus hábitos.” E uma vez tornado improdutivo, incómodo e pesado, o velho é ainda uma carga no orçamento familiar (“desfamililiarização” e isolamento familiar – Jenoir 1997).

Na Europa estima-se para 2025 um "pupy-boom" a atingir 80 milhões de velhos, contra o"baby-boom" das décadas de 50/60.

Mas com o enriquecimento da Europa a tendência de olhar os velhos e a terceira idade é a de ir institucionalizando a solução de todos os problemas a eles ligados, o que ainda não acontece na Europa do sul, mais pobre, mas que conserva laços familiares caracterizados por uma maior proximidade.

As mudanças radicais sociais, económicas e de trabalho, dos anos 60, acarretaram para os velhos os maiores dramas de discriminação social e de falta de afectos, de discriminação pela idade (ageism - estudos de Buttler 1982), para além de não lhes ser concedido mais o direito de trabalhar quando ainda cheios de valor mental e físico, mas que a situação económica atira para o desemprego cedo demais, aliando-se, sem qualquer sentido, o desprezo por valores humanos fundamentais com o malbaratar de utilíssimas experiências e conhecimentos pessoais, técnicos, sociais e institucionais.

Só em 1982 se organizou a primeira Assembleia Mundial sobre envelhecimento, sendo que em Portugal o INE recenseou, em 2001, 16.4% de população idosa, o que já supera os 16% de jovens.

E pode sublinhar-se que o "pupy-boom" não colhe grande resposta nem da parte da família nem da comunidade ou do Estado, que não possui estruturas financeiras para apoiar e colmatar os direitos dos velhos – ex., apoio social, assistência médica e dignificação das pensões de reforma.


Os Velhos e a Cidade


Mas também a cidade está "desprevenida" relativamente aos seus velhos, independentemente da sua condição socio-cultural e económica, porque por razões várias (violência juvenil, ruído, poluição, insegurança em geral mesmo nos poucos largos e jardins), a cidade não tem "lugares e equipamentos" de acordo com as suas preferências e necessidades específicas, porquanto um velho poderá ter toda a capacidade até de viver só, mas poderá ter a maior dificuldade em deslocar-se para longe do local onde mora por razões, exclusivamente, de fragilidade física e maior lentidão (dê-se mais tempo aos que dele precisam).

E não têm, sobretudo os que vivem sós, nos lugares “onde vive toda a gente”, centros de dia, ou a possibilidade de sair e fazer "o que lhes apeteceria fazer" "ao pé da porta", ou acesso a transporte acessível, mas mais confortável, para ir mais longe, por exemplo, ao coração da cidade, às compras, ao cinema, ou a qualquer outro local onde se vai acidentalmente, só ou acompanhado.

E sobre isto na TV2, depois do noticiário das 22 horas, num programa sobre as Misericórdias, foi dito que só em Lisboa existem 170 mil velhos, dos quais 70% vivem sozinhos.


Os Velhos e a Casa

Relativamente à habitação, também o "velho" que não tem família, mas conserva capacidade de ser auto-suficiente, e que já não precisa de habitação de muitas divisões, sente frequentes carências.

A "nova habitação" não contempla, como devia, tipologias pequenas – por exemplo, apenas com sala/quarto (T0) ou só com um quarto além da sala (T1) – e funcionalmente mais adaptadas aos idosos. Previsão esta que é essencial para que não haja "guetos" de velhos mas sim, por exemplo, possibilidade de "casa nova" no “lugar antigo". E nesta perspectiva há que considerar para além dos aspectos domésticos funcionais, outros aspectos igualmente importantes como é a possibilidade de os idosos poderem desfrutar da companhia amiga e doce dos seus "pets" que os ajudam a sentir-se mais humanos e úteis.


E essa matéria do fazer "casa nova" no “lugar antigo” é também muito importante ao nível urbano da hoje tão crucial vitalização da cidade que também está mais velha.


As imagens que se acabaram de juntar referem-se a um edifício no Funchal, em que verdadeiramente se deu "casa nova" no “lugar antigo” e provavelmente também um pouco de família e de cidade amigável a quem vive sozinho – trata-se de uma promoção da C. M do Funchal com projecto da Arq.ª Susana Fernandes, que integra oito fogos T0 e que foi Prémio INH em 2002.

Conclui-se referindo que os velhos têm necessidade de ter, na RUA, equipamento diferente e específico para "estar na rua" ou em espaços colectivos e diferente ainda para o sexo masculino ou feminino, e para tanto "olhemos" que lugares "procuram" .

Felizmente a sociedade vai acordando para a crueldade implantada tão rapidamente e já se pode até falar em programas especiais de Termalismo e de Turismo da Terceira Idade ou da existência de Colónias de Férias na praia ou montanha renovando direitos iguais para idades diferentes para que a vida não escureça.



Nota: existe em Portugal a Associação Portuguesa de Psicogerontologia (APP - www.app.com.pt), Associação sem fins lucrativos e de âmbito nacional, que se debruça sobre as questões biopsicológicas e sociais inerentes ao envelhecimento e ao idoso, e que visa objectivos de valorização humana, técnica e científica de referência, numa postura de Observatório que canalize as boas práticas das actividades nesta área.



Outubro 2005

Lisboa, Santo Amaro, Outubro 2005

Maria Celeste d'Oliveira Ramos, arquitecta paisagista


A primeira fotografia é de um jardim em St. Amaro, Lisboa.
As fotografias do edifício no Funchal são de António Baptista Coelho