- Infohabitar 49
A Organização Mundial de Saúde estabeleceu em 1984 seis objectivos para os cuidados que devem ser prestados ao idoso: (i) contribuir para que morra tranquilo; (ii) dar suporte à sua família; (iii) manter a qualidade de vida; (iv) mantê-lo no lugar que deseja; (v) prevenir a perda de aptidões funcionais; (vi) e proporcionar-lhe assistência de qualidade.
No mundo ocidental industrializado e evoluído, sobretudo a partir da segunda metade do séc. XX, com o melhoramento global da qualidade de vida e da prestação dos serviços médicos incluindo o desenvolvimento da ciência da gerontologia (termo usado em 1909 por Nasher para a ciência que estuda o envelhecimento), com abertura socio-cultural à mulher proporcionando acesso ao emprego, com o planeamento familiar, com o aumento da infertilidade e com o aumento da esperança de vida, assistiu-se ao "envelhecimento da população".
Aplica-se a nível institucional e estatal, no ocidente, o termo idoso aos maiores de 65 anos, mas apenas aos maiores aos maiores de 60 anos no mundo oriental onde é menor a esperança de vida.
E assim sendo, porque se chega mais longe na idade, Bize e Vallier (1995) adoptam a designação de terceira idade, igualmente usada pela ONU, enquanto a UE adoptou o termo de sénior aos maiores de 50 anos, e fala-se já numa quarta idade a partir dos 74 anos.
Não está muito longe o tempo em que a família incluía "os seus velhos" no agregado familiar onde faziam sempre todo o tipo de trabalho, podendo-se situar pelos anos 60 do século passado, o fenómeno de separação da família, que veio dar lugar ao aparecimento dos "lares da terceira idade", sobretudo privados, locais que foram sendo cada vez menos acolhedores e, sobretudo, que deram lugar a grandes dramas com a separação familiar radical, mas igualmente da sua rua, dos seus vizinhos e amigos, dos seus hábitos e objectos familiares, das suas actividades e gostos específicos, e mesmo da sua memória, como se fossem remetidos para local onde apenas lhes restava estar à espera de morrer.
Como ouvi a alguém dizer num extraordinário programa da BBC – “a vida escureceu, longe do local de morar, dos locais de comércio e de cultura, longe dos seus hábitos.” E uma vez tornado improdutivo, incómodo e pesado, o velho é ainda uma carga no orçamento familiar (“desfamililiarização” e isolamento familiar – Jenoir 1997).
Na Europa estima-se para 2025 um "pupy-boom" a atingir 80 milhões de velhos, contra o"baby-boom" das décadas de 50/60.
Mas com o enriquecimento da Europa a tendência de olhar os velhos e a terceira idade é a de ir institucionalizando a solução de todos os problemas a eles ligados, o que ainda não acontece na Europa do sul, mais pobre, mas que conserva laços familiares caracterizados por uma maior proximidade.
As mudanças radicais sociais, económicas e de trabalho, dos anos 60, acarretaram para os velhos os maiores dramas de discriminação social e de falta de afectos, de discriminação pela idade (ageism - estudos de Buttler 1982), para além de não lhes ser concedido mais o direito de trabalhar quando ainda cheios de valor mental e físico, mas que a situação económica atira para o desemprego cedo demais, aliando-se, sem qualquer sentido, o desprezo por valores humanos fundamentais com o malbaratar de utilíssimas experiências e conhecimentos pessoais, técnicos, sociais e institucionais.
Só em 1982 se organizou a primeira Assembleia Mundial sobre envelhecimento, sendo que em Portugal o INE recenseou, em 2001, 16.4% de população idosa, o que já supera os 16% de jovens.
E pode sublinhar-se que o "pupy-boom" não colhe grande resposta nem da parte da família nem da comunidade ou do Estado, que não possui estruturas financeiras para apoiar e colmatar os direitos dos velhos – ex., apoio social, assistência médica e dignificação das pensões de reforma.
Mas também a cidade está "desprevenida" relativamente aos seus velhos, independentemente da sua condição socio-cultural e económica, porque por razões várias (violência juvenil, ruído, poluição, insegurança em geral mesmo nos poucos largos e jardins), a cidade não tem "lugares e equipamentos" de acordo com as suas preferências e necessidades específicas, porquanto um velho poderá ter toda a capacidade até de viver só, mas poderá ter a maior dificuldade em deslocar-se para longe do local onde mora por razões, exclusivamente, de fragilidade física e maior lentidão (dê-se mais tempo aos que dele precisam).
E não têm, sobretudo os que vivem sós, nos lugares “onde vive toda a gente”, centros de dia, ou a possibilidade de sair e fazer "o que lhes apeteceria fazer" "ao pé da porta", ou acesso a transporte acessível, mas mais confortável, para ir mais longe, por exemplo, ao coração da cidade, às compras, ao cinema, ou a qualquer outro local onde se vai acidentalmente, só ou acompanhado.
E sobre isto na TV2, depois do noticiário das 22 horas, num programa sobre as Misericórdias, foi dito que só em Lisboa existem 170 mil velhos, dos quais 70% vivem sozinhos.
A "nova habitação" não contempla, como devia, tipologias pequenas – por exemplo, apenas com sala/quarto (T0) ou só com um quarto além da sala (T1) – e funcionalmente mais adaptadas aos idosos. Previsão esta que é essencial para que não haja "guetos" de velhos mas sim, por exemplo, possibilidade de "casa nova" no “lugar antigo". E nesta perspectiva há que considerar para além dos aspectos domésticos funcionais, outros aspectos igualmente importantes como é a possibilidade de os idosos poderem desfrutar da companhia amiga e doce dos seus "pets" que os ajudam a sentir-se mais humanos e úteis.
E essa matéria do fazer "casa nova" no “lugar antigo” é também muito importante ao nível urbano da hoje tão crucial vitalização da cidade que também está mais velha.
As imagens que se acabaram de juntar referem-se a um edifício no Funchal, em que verdadeiramente se deu "casa nova" no “lugar antigo” e provavelmente também um pouco de família e de cidade amigável a quem vive sozinho – trata-se de uma promoção da C. M do Funchal com projecto da Arq.ª Susana Fernandes, que integra oito fogos T0 e que foi Prémio INH em 2002.
Conclui-se referindo que os velhos têm necessidade de ter, na RUA, equipamento diferente e específico para "estar na rua" ou em espaços colectivos e diferente ainda para o sexo masculino ou feminino, e para tanto "olhemos" que lugares "procuram" .
Felizmente a sociedade vai acordando para a crueldade implantada tão rapidamente e já se pode até falar em programas especiais de Termalismo e de Turismo da Terceira Idade ou da existência de Colónias de Férias na praia ou montanha renovando direitos iguais para idades diferentes para que a vida não escureça.
Nota: existe em Portugal a Associação Portuguesa de Psicogerontologia (APP - www.app.com.pt), Associação sem fins lucrativos e de âmbito nacional, que se debruça sobre as questões biopsicológicas e sociais inerentes ao envelhecimento e ao idoso, e que visa objectivos de valorização humana, técnica e científica de referência, numa postura de Observatório que canalize as boas práticas das actividades nesta área.
Outubro 2005
Lisboa, Santo Amaro, Outubro 2005
Maria Celeste d'Oliveira Ramos, arquitecta paisagista
A primeira fotografia é de um jardim em St. Amaro, Lisboa.
As fotografias do edifício no Funchal são de António Baptista Coelho
Os Velhos e a Sociedade
A Organização Mundial de Saúde estabeleceu em 1984 seis objectivos para os cuidados que devem ser prestados ao idoso: (i) contribuir para que morra tranquilo; (ii) dar suporte à sua família; (iii) manter a qualidade de vida; (iv) mantê-lo no lugar que deseja; (v) prevenir a perda de aptidões funcionais; (vi) e proporcionar-lhe assistência de qualidade.
No mundo ocidental industrializado e evoluído, sobretudo a partir da segunda metade do séc. XX, com o melhoramento global da qualidade de vida e da prestação dos serviços médicos incluindo o desenvolvimento da ciência da gerontologia (termo usado em 1909 por Nasher para a ciência que estuda o envelhecimento), com abertura socio-cultural à mulher proporcionando acesso ao emprego, com o planeamento familiar, com o aumento da infertilidade e com o aumento da esperança de vida, assistiu-se ao "envelhecimento da população".
Aplica-se a nível institucional e estatal, no ocidente, o termo idoso aos maiores de 65 anos, mas apenas aos maiores aos maiores de 60 anos no mundo oriental onde é menor a esperança de vida.
E assim sendo, porque se chega mais longe na idade, Bize e Vallier (1995) adoptam a designação de terceira idade, igualmente usada pela ONU, enquanto a UE adoptou o termo de sénior aos maiores de 50 anos, e fala-se já numa quarta idade a partir dos 74 anos.
Não está muito longe o tempo em que a família incluía "os seus velhos" no agregado familiar onde faziam sempre todo o tipo de trabalho, podendo-se situar pelos anos 60 do século passado, o fenómeno de separação da família, que veio dar lugar ao aparecimento dos "lares da terceira idade", sobretudo privados, locais que foram sendo cada vez menos acolhedores e, sobretudo, que deram lugar a grandes dramas com a separação familiar radical, mas igualmente da sua rua, dos seus vizinhos e amigos, dos seus hábitos e objectos familiares, das suas actividades e gostos específicos, e mesmo da sua memória, como se fossem remetidos para local onde apenas lhes restava estar à espera de morrer.
Como ouvi a alguém dizer num extraordinário programa da BBC – “a vida escureceu, longe do local de morar, dos locais de comércio e de cultura, longe dos seus hábitos.” E uma vez tornado improdutivo, incómodo e pesado, o velho é ainda uma carga no orçamento familiar (“desfamililiarização” e isolamento familiar – Jenoir 1997).
Na Europa estima-se para 2025 um "pupy-boom" a atingir 80 milhões de velhos, contra o"baby-boom" das décadas de 50/60.
Mas com o enriquecimento da Europa a tendência de olhar os velhos e a terceira idade é a de ir institucionalizando a solução de todos os problemas a eles ligados, o que ainda não acontece na Europa do sul, mais pobre, mas que conserva laços familiares caracterizados por uma maior proximidade.
As mudanças radicais sociais, económicas e de trabalho, dos anos 60, acarretaram para os velhos os maiores dramas de discriminação social e de falta de afectos, de discriminação pela idade (ageism - estudos de Buttler 1982), para além de não lhes ser concedido mais o direito de trabalhar quando ainda cheios de valor mental e físico, mas que a situação económica atira para o desemprego cedo demais, aliando-se, sem qualquer sentido, o desprezo por valores humanos fundamentais com o malbaratar de utilíssimas experiências e conhecimentos pessoais, técnicos, sociais e institucionais.
Só em 1982 se organizou a primeira Assembleia Mundial sobre envelhecimento, sendo que em Portugal o INE recenseou, em 2001, 16.4% de população idosa, o que já supera os 16% de jovens.
E pode sublinhar-se que o "pupy-boom" não colhe grande resposta nem da parte da família nem da comunidade ou do Estado, que não possui estruturas financeiras para apoiar e colmatar os direitos dos velhos – ex., apoio social, assistência médica e dignificação das pensões de reforma.
Os Velhos e a Cidade
Mas também a cidade está "desprevenida" relativamente aos seus velhos, independentemente da sua condição socio-cultural e económica, porque por razões várias (violência juvenil, ruído, poluição, insegurança em geral mesmo nos poucos largos e jardins), a cidade não tem "lugares e equipamentos" de acordo com as suas preferências e necessidades específicas, porquanto um velho poderá ter toda a capacidade até de viver só, mas poderá ter a maior dificuldade em deslocar-se para longe do local onde mora por razões, exclusivamente, de fragilidade física e maior lentidão (dê-se mais tempo aos que dele precisam).
E não têm, sobretudo os que vivem sós, nos lugares “onde vive toda a gente”, centros de dia, ou a possibilidade de sair e fazer "o que lhes apeteceria fazer" "ao pé da porta", ou acesso a transporte acessível, mas mais confortável, para ir mais longe, por exemplo, ao coração da cidade, às compras, ao cinema, ou a qualquer outro local onde se vai acidentalmente, só ou acompanhado.
E sobre isto na TV2, depois do noticiário das 22 horas, num programa sobre as Misericórdias, foi dito que só em Lisboa existem 170 mil velhos, dos quais 70% vivem sozinhos.
Os Velhos e a Casa
Relativamente à habitação, também o "velho" que não tem família, mas conserva capacidade de ser auto-suficiente, e que já não precisa de habitação de muitas divisões, sente frequentes carências.A "nova habitação" não contempla, como devia, tipologias pequenas – por exemplo, apenas com sala/quarto (T0) ou só com um quarto além da sala (T1) – e funcionalmente mais adaptadas aos idosos. Previsão esta que é essencial para que não haja "guetos" de velhos mas sim, por exemplo, possibilidade de "casa nova" no “lugar antigo". E nesta perspectiva há que considerar para além dos aspectos domésticos funcionais, outros aspectos igualmente importantes como é a possibilidade de os idosos poderem desfrutar da companhia amiga e doce dos seus "pets" que os ajudam a sentir-se mais humanos e úteis.
E essa matéria do fazer "casa nova" no “lugar antigo” é também muito importante ao nível urbano da hoje tão crucial vitalização da cidade que também está mais velha.
As imagens que se acabaram de juntar referem-se a um edifício no Funchal, em que verdadeiramente se deu "casa nova" no “lugar antigo” e provavelmente também um pouco de família e de cidade amigável a quem vive sozinho – trata-se de uma promoção da C. M do Funchal com projecto da Arq.ª Susana Fernandes, que integra oito fogos T0 e que foi Prémio INH em 2002.
Conclui-se referindo que os velhos têm necessidade de ter, na RUA, equipamento diferente e específico para "estar na rua" ou em espaços colectivos e diferente ainda para o sexo masculino ou feminino, e para tanto "olhemos" que lugares "procuram" .
Felizmente a sociedade vai acordando para a crueldade implantada tão rapidamente e já se pode até falar em programas especiais de Termalismo e de Turismo da Terceira Idade ou da existência de Colónias de Férias na praia ou montanha renovando direitos iguais para idades diferentes para que a vida não escureça.
Nota: existe em Portugal a Associação Portuguesa de Psicogerontologia (APP - www.app.com.pt), Associação sem fins lucrativos e de âmbito nacional, que se debruça sobre as questões biopsicológicas e sociais inerentes ao envelhecimento e ao idoso, e que visa objectivos de valorização humana, técnica e científica de referência, numa postura de Observatório que canalize as boas práticas das actividades nesta área.
Outubro 2005
Lisboa, Santo Amaro, Outubro 2005
Maria Celeste d'Oliveira Ramos, arquitecta paisagista
A primeira fotografia é de um jardim em St. Amaro, Lisboa.
As fotografias do edifício no Funchal são de António Baptista Coelho
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