segunda-feira, setembro 30, 2013

455 - Espaços comuns habitacionais (I) - Infohabitar 455


Infohabitar, Ano IX, n.º 455

Artigo XXXVI da Série habitar e viver melhor

A importância dos espaços comuns ou semi-privados nos edifícios multifamiliares (I)

António Baptista Coelho

Falamos, agora, um pouco, daqueles sítios e daqueles elementos do edifício ou do agregado de habitações, que podem ser verdadeiros protagonistas em termos de marcação de identidades estimulantes e de relações entre zonas mais públicas e mais privadas, em termos de se evidenciarem aspectos de apropriação natural e equilibrada, e mesmo em termos de caraterização de soluções de habitação que aproveitem e explorem, ao máximo, uma aliança activa entre o enorme potencial de riqueza e diversidade de pormenorização urbana e os elementos responsáveis por uma caracterização residencial marcada, quer por um sentido doméstico amplo, quer pela identidade de cada habitação.
Há, realmente, alguns elementos urbanos, como as entradas, as escadas, as passagens, as janelas próximas do nível da rua, os muros, as floreiras e outros elementos de pormenor, que podem caracterizar, muito positivamente, as vizinhanças urbanas, tanto com um interessante cunho individual, como com um estimulante caráter orgânico e diversificado (nada monótono), quer, ainda, criando imagens locais de ruas, pracetas e outros espaços de vizinhança local, agradavelmente marcados por uma mistura de um sentido urbano e residencial “único”.

Fig 1: exemplo de espaços comuns habitacionais em Olivais Norte - Lisboa

E há, depois, todo um amplo leque de espaços comuns, dominantemente interiores, que podem ser "manejados" de forma a caraterizar positivamente a solução residencial e atenção que estamos aqui a referir-nos:
(i) quer a grandes soluções de habitação apoiada estruturadas em torno de amplos e multifuncionais espaços comuns com muitas valências funcionais e "ambientais" (exemplo: uma residência com células habitacionais relativamente pouco desenvolvidas e amplos espaços e múltiplos serviços comuns e/ou on demand);
(ii) quer a pequenos multifamiliares cujos espaços comuns são estrategicamente reduzidos em termos de espaciosidade, mas estrategicamente muito bem pormenorizados em termos de atratividade e capacidade de apropriação;
(iii) quer a agrupamentos residenciais constituídos por agregados de edifícios unifamiliares e de muito pequenos multifamiliares, mas onde continua a haver um estartégico e natural sentido de comunidade optativa, mas sempre funcional em termos de aspetos como a identidade local, a segurança e a opção pelo convívio; e sublinha-se ser esta matéria que se julga ter hoje em dia grande importância;
(iv) quer, até, a uma forma de tratar o unifamiliar, na sua "pele" mais pública, que consiga atribuir-lhe um interessante sentido de cidade e de articulação numa relativa ou afirmada continuidade urbanística.
De certa forma podemos considerar que esta aproximação a determinadas soluções habitacionais tendo por base as caraterísticas dos respetivos espaços comuns, desde a sua expressiva presença até à sua relativa ou total ausência, corresponde a uma nova forma de desenvolvimento tipológico, que tem sempre de se relacionar com as caraterísticas das respetivas vizinhanças urbanas e paisagísticas; uma matéria que foi desenvolvida já em outros artigos desta série.
Importa ainda referir que a diversidade de aspetos caraterizadores dos espaços comuns, ou semiprivados, habitacionais não se esgotam nas grandes famílias tipológicas que são apontadas em seguida (das entradas comuns, aos patins, garagens, etc.), havendo variadas matérias a ter em conta e que, muitas vezes, resultam no desenvolvimento das soluções mais adequadas e estimulantes; e neste sentido importa, desde já, registar, que os espaços comuns, ou semiprivados, habitacionais podem e devem ser cuidadosamente manejados e (re)configurados em termos dimensionais, funcionais, de integração, qualitativos, identitários, “apropriativos”, conviviais, privatizadores, securizadores, etc. – e nos próximos artigos desta série apenas iremos aflorar um pouco esta estimulante matéria, que é responsável pela urgente e bem desejável reinvenção tipológica habitacional e urbana.


Fig 2: exemplo de espaços comuns habitacionais em Olivais Norte - Lisboa

Importa sublinhar que são estes espaços, elementos e aspetos qualitativos e quantitativos os verdadeiros potenciais autores de uma renovada tipologia do habitar, muito mais coerente seja em termos de adequação individual e familiar, seja em termos de vizinhança urbana e mesmo paisagística.
E não tenhamos dúvidas de que há um extenso manancial de criatividade tipológica do habitar (habitação e vizinhança), e um, ainda mais, extenso registo de soluções e dos seus principais resultados (humanos e urbanos), que estão disponíveis para ser ponderados e (re)aplicados e devidamente "reformatados" pelos projetistas, numa perspetiva que se carateriza por estar bem sustentada em termos muito diversificados, desde aspetos de integração urbana e vicinal a uma estimulante adequação aos modos de vida e aos desejos domésticos específicos de famílias e de gostos individuais; e uma tal perspetiva não afeta nem aspetos funcionais e de segurança, que têm as suas “normas” de aplicação específicas, nem aspetos de economia da construção, que têm também as suas recomendações específicas.
Houve, sim, durante boa parte do Século XX, uma ideia, que se revelou errada, de que todos “teriam” de habitar de forma idêntica e que, em síntese, quase que só havia duas tipologias distintas, que eram o uni ou o multifamiliar, sendo que este último era, até, por vezes, ridiculamente, idêntico na sua estruturação de espaços comuns, mesmo em edifícios com dimensões e altura bem distintas. Fomos aceitando tal ideia, que hoje se entende que não faz sentido, assim como fomos sendo habituados a soluções domésticas organizadas segundo uma mesma “regra” funcional, o que também não parece estar correto; mas hoje em dia podemos começar a pensar diferente e a diversificar, atenta e coerentemente, tipologias de edifícios de habitação e mistos (habitação e serviços) e tipologias domésticas que sejam amigas de diversas formas de habitar.
Podemos ainda referir que o atual conhecimento relativamente aos mais diversos aspetos da qualidade habitacional – conforto ambiental, funcionalidade, segurança, acessibilidade, etc. – permite autonimizar, pelo menos parcialmente, o necessário cumprimento destes aspetos do desenvolvimento de soluções habitacionais diversificadamente organizadas.
Mas há, no entanto, um aspeto que é essencial em tudo isto e que se liga a uma significativa qualidade arquitetónica do projeto, pis, afinal, (re)inventar boas tipologia exige excelente arquitetura, uma arquitetura com qualidade, que não estará, naturalmente, ao alcance de todos os projetistas e que exige que, do lado dos habitantes utentes, haja processos seguros para a sua respetiva apreciação e desejada validação, caso contrário podemos estar a aceitar soluções funcionalmente incoerentes e até perdulárias em termos de espaços e de custos. E se há um setor habitacional onde todos estes cuidados qualitativos são essenciais, pois estamos a tratar de bens públicos, ele é o da habitação de interesse social; até porque no setor da habitação privada o mecanismo do mercado e até da arquitetura de autor poderá ir equilibrando uma variada e, talvez, adequada oferta de soluções residenciais – embora eta adequação tenda a acontecer, essencialmente, nos setores menos económicos da habitação privada (uma matéria que fica para posterior desenvolvimento).
São os seguintes os espaços comuns ou semi-privados mais correntes, que se consideram e que serão abordados em diversos e futuros artigos desta série:
·        Entradas comuns e sua pormenorização.
  • Átrios e outros espaços comuns conviviais ou específicos.
  • Elevadores.
  • Escadas comuns.
  • Patins de distribuição para habitações.
  • Galerias interiores (corredores).
  • Galerias exteriores.
  • Garagens.
  • Aspectos qualitativos gerais nos espaços comuns e respectiva pormenorização.
  • Elementos “verdes”.

Fig. 3: exemplo de espaços comuns habitacionais em Olivais Norte - Lisboa

Desde já se salienta haver aspetos fundamentais numa qualificação humana e arquitectónica dos espaços comuns residenciais e nestes aspetos e a título de significativo exemplo, assume uma importância fundamental a possibilidade de se ter luz natural pois, afinal, tal como refere o Arq. Ch. Labbé “quando se sai do elevador e há luz natural, pode-se conversar, favorece-se a convivialidade pela qualidade do espaço que se desenvolve”. (1)
E, naturalmente, que a luz natural e as respetivas zonas mais iluminadas e mais em sombra, não estará sozinha num leque fundamental de qualidades do habitar a ter em conta nos espaços comuns e semi-privados.
Não se irá, em próximos artigos desta série, fazer uma viagem exaustiva por todos esses tipos de espaços e elementos, mas apenas proporcionar algumas indicações e alguns exemplos de tais soluções, que se julga serem diretamente responsáveis por uma boa parte da satisfação que se pode viver no habitar.
E guardaremos, sempre, espaço de reserva para podermos ir debatendo o (re)aplicar e a (re)conceção de tipologias do habitar estimulantemente inovadoras, relativamente ao “árido” menu tipológico que nos foi legado por um modernismo corrente e “de mercado”, que não soube ou não quis inspirar-se no grande modernismo que tanto inovou de forma adequada e ao serviço de novas formas de viver a casa e a cidade.
(1) Monique Eleb; Anne Marie Chatelet – Urbanité, sociabilité et intimité des logements d’aujourd’hui.  Paris : Éditions de l’Épure, 1997 (Col. Recherche d’Architecture), p. 85.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.

Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano IX, nº455
A importância dos espaços comuns ou semi-privados nos edifícios multifamiliares (I)
Grupo Habitar (GH) e Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do LNEC
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.

segunda-feira, setembro 23, 2013

454 - Qualidade Ambiental na Habitação: Avaliação pós-ocupação – novo livro - Infohabitar 454


Infohabitar, Ano IX, n.º 454


O dia em que um novo livro sobre as matérias habitacionais é editado será sempre especial, e quando o livro em questão associa um grupo muito amplo de especialistas do habitar, será então, sempre, um dia muito muito especial aqui na Infohabitar.

O novo livro tem o título "Qualidade Ambiental na Habitação: Avaliação pós-ocupação” e as suas organizadoras são as colegas Simone Barbosa Villa e Sheila Walbe Ornstein; sendo a editora a Oficina de Textos, de São Paulo; e desde já às organizadoras e à editora os parabéns da Infohabitar, por um livro em que se aliam um importante e extenso conteúdo a uma excelente imagem gráfica. 

Gostaria, também, de sublinhar que a temática global deste novo livro, a "Qualidade Ambiental na Habitação", e a sua temática mais específica, "Avaliação pós-ocupação”, são assuntos cada vez mais na ordem do dia, considerando adequados e portanto amplos aspetos qualitativos, níveis físicos de aplicação – da habitação interiorizada à vizinhança e cidade habitadas –, especializações técnicas envolvidas e, designadamente, metodologias de análise e avaliação dessa qualidade – com destaque para a referida Avaliação pós-ocupação (APO), que foram sendo gradualmente estabilizadas, experimentadas e validadas ao longo de muitos anos e que, portanto, se encontram já eficazmente desenvolvidas e disponíveis nos países da lusofonia e um pouco por todo o mundo (tal como é sintetizado, mais abaixo, na apresentação do livro); e nesta matéria há que dar o devido destaque ao importante papel que foi desempenhado, neste processo, pelas organizadoras deste novo livro, as colegas Sheila Ornstein e Simone Villa, um papel que tem nesta edição um marco muito importante nos fundamentais caminhos de divulgação e formação nestas matérias; e por isso bem hajam no vosso trabalho, que, sem dúvida, irá continuar com êxito reforçado.

E realmente a temática deste novo livro é assunto urgente e fundamental: (i) seja pelas necessidades quantitativas do habitar ainda a disponibilizar, em tantas regiões; (ii) seja por estarmos a viver o século das cidades e das megacidades, sendo vital sabermos lidar, positivamente, com tal realidade; (iii) seja pelo fundamental aprofundamento das necessidades qualitativas do mesmo habitar (tão importantes como as quantitativas); (iv) seja ainda pelos reflexos - que cada vez mais estão a ser provados e considerados, pela sociedade - da satisfação de todas essas necessidades na saúde e no bem-estar dos habitantes e, dá vontade de dizê-lo, na própria "saúde" e bem-viver das nossas cidades e vizinhanças.

Neste sentido desenvolve-se, neste número da Infohabitar, uma apresentação pormenorizada no novo livro: primeiro com um texto que foi propositadamente realizado, com este objetivo, pelas organizadoras da nova obra; e, depois, com uma descrição do livro, de diversas formas e com destaque para os respetivos conteúdos.

Lisboa, LNEC, GH e NUT, 23 de SETEMBRO de 2013

António Baptista Coelho
Editor da Infohabitar




Capa do novo livro: "Qualidade Ambiental na Habitação: Avaliação pós-ocupação”

APRESENTAÇÃO DE LIVRO
“QUALIDADE AMBIENTAL NA HABITAÇÃO: AVALIAÇÃO PÓS-OCUPAÇÃO”
Simone Barbosa Villa e Sheila Walbe Ornstein (org.)
Editora Oficina de Textos, São Paulo, Brasil, 400p.
ISBN 978 85 7975 076 2

A produção da arquitetura e do urbanismo destinados ao morar claramente focados na relação entre qualidade e satisfação dos moradores usuários se desenvolveu mais fortemente durante a década de 1970, com abordagens propostas por autores internacionais como John Zeisel, Clare Cooper Marcus, Oscar Newman entre outros.  Em um cenário pós II Grande Guerra os anseios da população mundial por moradia de qualidade fomentaram posturas projetuais mais amplas e de caráter interdisciplinar às tradicionais posturas até então consolidadas da arquitetura dos edifícios e elementos urbanos a eles vinculados como composição artística e formal e seus impactos estéticos no desenho das cidades. Tais debates valorizavam além do desempenho físico pleno das habitações, propiciado não só pela estabilidade estrutural, abrigo das intempéries e beleza estética, mas também pelo conforto e o bem estar de seus usuários –moradores.
No Brasil, os estudos sobre as Relações Ambiente Construído – Comportamento Humano ganham consistência acadêmica a partir dos trabalhos de Avaliação Pós-Ocupação (APO) do Ambiente Construído, iniciados em Cursos de Arquitetura e de Engenharia em meados da década de 1980. Neste cenário, reforça-se o conceito de que diretrizes de projetos habitacionais devam ser estabelecidas por um lado, com base em conjunto de critérios de desempenho físico e, por outro, a partir do (re) conhecimento dos aspectos culturais intrínsecos, das expectativas e dos níveis de satisfação dos usuários de empreendimentos habitacionais semelhantes, constituindo-se assim num processos cíclico realimentador. Este olhar, com vistas ao entendimento do desempenho habitacional no decorrer do uso como insumo para diretrizes de futuros projetos semelhantes, são o princípio básico norteador da APO.
Há aproximadamente trinta anos, a APO no Brasil tem sido discutida e estudada em Universidades nas diversas áreas do conhecimento como: ciências sociais aplicadas, humanas e exatas, destacando-se as áreas da arquitetura e do urbanismo, da psicologia ambiental e da engenharia. Inicialmente aplicadas nas modalidades habitacionais, durante estes anos os trabalhos e  as pesquisas sobre APO se estenderam para outras modalidades da arquitetura e do urbanismo como as corporativas, as institucionais, as área de saúde, entre outras.
Grupos de pesquisa e instituições espalhados pelo Brasil – e no exterior - puderam, neste período, concretizar condutas metodológicas, testar técnicas e definir enfoques teóricos e práticos divulgados em congressos, simpósios e encontros específicos. A APO pôde, por meio destas inúmeras e consolidadas pesquisas, se fortalecer e crescer dentro do âmbito nacional com apoio do CNPq, CAPES, FINEP e Fundações de Amparo à Pesquisa. Com isso extrapolaram seus limites institucionais e foram aplicadas no campo prático contribuindo para a melhoria da qualidade de vida da sociedade. Nesse sentido, esta publicação pretende divulgar os trabalhos recentes da área em habitações, demonstrando a validade de sua aplicabilidade nos setores públicos e privados e a potencial contribuição da APO com a definição de diretrizes para o aumento da qualidade de vida urbana.
Amparado nesta evolução, este livro teve como objetivo principal apontar avanços metodológicos para a APO aplicada em habitações e suas possíveis aproximações com o campo prático através de exemplos realizados envolvendo setores públicos, privados e institucionais. Dividido em três partes, inicia-se pela conceituação e desenvolvimento de aspectos metodológicos frequentemente utilizados nas APOs em habitações, posteriormente dedica-se em apresentar seus rebatimentos em aplicações práticas e finalmente apresenta a experiência no campo internacional destas avaliações.
A partir desta estruturação os autores foram elencados por seus reconhecidos e consolidados trabalhos de pesquisa com diferentes enfoques e sua vinculação com a prática. Estes grupos de pesquisadores experimentados sediados de Norte a Sul do país são bons exemplos na Academia dos quais órgãos públicos, projetistas, construtores e profissionais em gestão de facilidades podem se valer para realizar pesquisas e consultorias no campo da avaliação de desempenho em uso de sistemas construtivos tradicionais e inovadores em prol da qualidade destes "produtos" ao longo do processo de projeto execução e vida útil. Enriquece de forma contundente a obra, os capítulos de colegas pesquisadores de Portugal, Reino Unido e Holanda.
Esta obra oferece aos projetistas, construtores, docentes, pesquisadores e estudantes as inúmeras vertentes contemporâneas da APO no país, apresentando alternativas metodológicas para um olhar “além do belo ou do feio” inerente a uma crítica mais formal da arquitetura, pois busca suporte em pesquisas aplicadas com foco concreto no projetar e no construir melhor e com pensamento persistente no usuário final da habitação.

Setembro de 2013.
Simone Barbosa Villa
Arquiteta e Urbanista, professora adjunto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design da Universidade Federal de Uberlândia (FAUeD/UFU), coordenadora do [MORA]: Pesquisa em Habitação (CNPq/FAUeD/UFU).
Sheila Walbe Ornstein
Arquiteta e urbanista, professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, atual diretora do Museu Paulista da USP.


Qualidade Ambiental na Habitação
Avaliação pós-ocupação
Apresentação editorial
 
Organizado por Simone Barbosa Villa e Sheila Walbe Ornstein

A indústria de construção brasileira experimenta um momento de intensa atividade, com muitos lançamentos habitacionais destinados a diferentes públicos e faixas de renda. Nesse contexto, mais exigentes e atentos, compradores pressionam por produtos que atendam suas necessidades na qualidade da habitação requisitando do profissional de Arquitetura uma boa preparação para avaliar e projetar sempre pensando no usuário final.
A Qualidade Ambiental na Habitação supre, nas suas 400 páginas, este complexo problema de aferir qualidade da habitação, oferecendo um amplo e profundo conhecimento de métodos e técnicas consistentes e atualizadas de avaliação de desempenho e satisfação dos usuários.

Com rigor acadêmico, utilidade prática, abordagem inovadora e multidisciplinar, esta publicação primorosa organizada pelas professoras Simone Villa e Sheila Ornstein, reúne contribuições valiosas dos principais pesquisadores brasileiros e expoentes internacionais na área da Avaliação Pós-Ocupação (APO).

A obra é dividida em três partes: a primeira aprofunda conceitos e métodos; a segunda traz discussões de diversas aplicações do APO e a terceira e última parte apresenta análises dos autores internacionais de casos de seus países de origem. É leitura fundamental para pesquisadores da área de Arquitetura e referência valiosa para os profissionais projetistas e construtores preocupados com a qualidade de sua produção.

Livro : ”Qualidade Ambiental na Habitação: avaliação pós-ocupação”, organizado por Simone Barbosa Villa e Sheila Walbe Ornstein

Listagem de conteúdos

PARTE 1: Conceituação e aspectos metodológicos

1 - Analisando a experiência do habitar: algumas estratégias metodológicas. Gleixe Azambuja Elali, José Q. Pinheiro – Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
2 – A avaliação pós-ocupação em empreendimentos habitacionais no Brasil: da reabilitação aos novos edifícios. Walter José Ferreira Galvão – Universidade Nove de Julho. Sheila Walbe Ornstein – Universidade de São Paulo e Rosária Ono – Universidade de São Paulo.
3 – A atuação do observador-pesquisador na avaliação da habitação. Paulo Afonso Rheingantz – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rosa Maria Leite Ribeiro Pedro – Universidade Federal do Rio de Janeiro.
4 – A participação de usuários nos processos avaliativos: metodologias e resultados. César IMai – Universidade Estadual de Londrina.
5 – Avaliação estética de empreendimentos habitacionais de interesse social. Antonio Tarcisio da Luz Reis – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Maria Cristina Dias Lay -  Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
6 – Multimeios em avaliação pós-ocupação e sua aplicabilidade para o mercado imobiliário habitacional. Simone Barbosa Villa – Universidade Federal de Uberlândia.
7 – Métodos e instrumentos de avaliação de projetos destinados à habitação de interesse social. Doris C.C.K.Kowaltowski, Ariovaldo Denis Granja, Daniel de Carvalho Moreira, Vanessa Gomes da Silva, Silvia A. Mikami G. Pina – Universidade Estadual de Campinas.
8 – Técnicas estatísticas aplicadas à APO em habitações. Fulvio Vittorino -  Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo. Rosaria Ono. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

PARTE 2: Rebatimentos em aplicações práticas

9 – Avaliação da qualidade no projeto de HIS: uma parceria com a Cohab/SC: Carolina Palermo – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina.
10 – Geração de valor em empreendimentos HIS: parcerias com o Poder Público. Luciana Inês Gomes Miron. : Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Patrícia Tzortzopoulos – University of Salford. Carlos Torres Formoso – Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
11 – A contribuição da APO da gestão de espaços coletivos nos programas habitacionais brasileiros: qualidade obtida ou ainda desejada? Nice Saffer Medvedovski – Faculdade Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas.
12 – APO da habitação com base na teoria das representações sociais. Mauro Cesar de Oliveira Santos – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Helga Santos da Silva – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ivani Bursztyn – Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Luiz Fernando Tura – Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
13 – APO promovidas pela prefeitura de São Paulo: estudo de caso do Programa 3R. Luiz Ricardo Pereira Leite – Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo (SEHAB/SP), Aline Cannataro de Figueiredo – Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (COHAB/SP), Heloisa Masuda – Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo  COHAB/SP Josefina Ocanto – Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo (SEHAB/SP), Márcia Maria Fartos Terlizzi – Superintendência de Habitação Popular (HABI/SP) e Nancy Cavallete da Silva – Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo (SEHAB/SP).

PARTE 3: A experiência Internacional - exemplos

14 – Cinco décadas de pesquisa habitacional no LNEC e a metodologia de APO. Dr. António Baptista Coelho – Laboratório Nacional de Engenharia Civil e Grupo Habitar (Lisboa, Portugal) e Dr. João Branco Pedro – Laboratório Nacional de Engenharia Civil e TUDelft (Lisboa, Portugal).
15 – Eficiência energética no parque habitacional holandês. Henk Visscher – Universidade Tecnológica de Delft, OTB Instituto de Pesquisa em Ambiente Construído (Holanda), Eefje Van Der Werf – SEV Rotterdam & Energiesprong (Holanda) e Theo J. M. Van Der Voordt – Universidade Tecnológica de Delft, Faculdade de Arquitetura, Departamento de Mercado Imobiliário e Habitação, Holanda. Tradução: Rita de Cássia Pereira Saramago, Fabrício Caetano Garcez e Simone Barbosa Villa – Universidade Federal de Uberlândia.
16 – Avaliação de um ambiente planejado e a busca pela sustentabilidade ambiental em moradias. O caso do Reino Unido. Fionn Stevenson – The University of Sheffield / Reino Unido. Tradução: Rita de Cássia Pereira Saramago , Fabrício Caetano Garcez e Simone Barbosa Villa – Universidade Federal de Uberlândia.


Organizadores (notas curriculares)

Simone Barbosa Villa é doutora pela FAU-USP na subárea Tecnologia da Arquitetura, mestre em Arquitetura e Urbanismo, Tecnologia do Ambiente Construído pela EESC da Universidade de São Paulo, e graduada em Arquitetura e Urbanismo pelo Centro Universitário Moura Lacerda. É Docente e Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Projeto de Arquitetura, e do [MORA]: Pesquisa em Habitação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU-MG). É parecerista ad hoc das Revistas Ambiente Construído e Horizonte Científico. Sua experiência tem ênfase em Projeto de Edificações, atuando principalmente nos seguintes temas: Habitação Unifamiliar e Plurifamiliar (Apartamentos), Avaliação Pós-Ocupação dos edifícios, Habitação de Interesse Social e estudos de viabilidade de projetos para o mercado imobiliário habitacional.

Sheila Walbe Ornstein é arquiteta e urbanista formada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Foi vice-diretora da FAU-USP e atualmente é diretora do Museu Paulista da Universidade de São Paulo. É pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e especialista em Avaliação Pós-Ocupação e gestão na qualidade de projetos, além de autora e co-autora de diversos artigos, capítulos de livros e livros no país e no exterior sobre esses temas.

Lista completa com currículo dos autores: clique aqui.


Página da editora e dados complementares
ISBN: 9788579750762| 20 x 27 cm| 400 páginas

Aproveia-se, ainda, para referir algumas das iniciativas de divulgação do livro:
  • Lançamento no ENCAC 2013 (Brasília) - dia 26/09 às 10h;
  • Lançamento no I SEMINÁRIO PPGAU-FAUeD-UFU (Uberlândia) - entre os dias 30/10 a 01/11;
  • Lançamento em SP - local ainda não definido na primeira semana de novembro;
  • Divulgação geral na mídia (eletrônica e impressa);
  • Divulgação geral através de contatos pessoais e profissionais de cada autor;
  • Inserção de exemplares em nossas bibliotecas e centros de pesquisa;
  • Inserção de exemplares de venda em consignação em editoras das nossas universidades e institutos (EDUSP, EDUFU, etc);
  • Divulgação regional - através dos autores em suas cidades nos principais meios de comunicação (jornais, revistas, sites de universidades, etc);
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.


Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano IX, nº454
Qualidade Ambiental na Habitação: Avaliação pós-ocupação
Grupo Habitar (GH) e Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do LNEC
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.

segunda-feira, setembro 16, 2013

453 - ARQUITETURA EM ESTADO CRÍTICO - Infohabitar 453

 Infohabitar, Ano IX, n.º 453

É sempre com grande satisfação que a Infohabitar acolhe um seu novo autor, neste caso o Prof. Arq.º Carlos Marques, projetista e professor que, lembramos, apresentou um novo livro, em março passado, no 2.º CIHEL – “Habitação: Da Indústria à Fábrica da Cidade” – e que aqui nos oferece uma oportuna reflexão sobre assuntos que se colocam aos estudiosos e interessados pelas matérias da arquitetura e do urbanismo contemporâneo, nas áreas das referências históricas, dos critérios estéticos e das questões ligadas ao gosto.
Agradecemos ao colega Carlos Marques por este excelente texto, que cabe muito bem dentro do amplo leque temático da Infohabitar, e que sem dúvida poderá contribuir para o fundamental diálogo entre aquilo de que gosta quem projeta e o que os habitantes das casas e das cidades desejam;
e boa leitura!

António Baptista Coelho
Editor da Infohabitar


Nota prévia: o presente artigo corresponde a uma comunicação ao Congresso Internacional “O que é uma escola de Projeto na contemporaneidade – Questões de ensino e critica do conhecimento em Arquitetura e Urbanismo”, promovido em São Paulo, Brasil, entre 9 e 11 de SETEMBRO de 2013, pela FAU UPM – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo, Brasil e organizado pela FAU UPM – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo, Brasi e pelo INIFAUA – Instituto de Investigación – Facultad de Arquitectura, Urbanismo y Artes. Universidad Nacional de Ingeniería. Lima, Peru.
Quem estiver interessado poderá consultar o Blog do Congresso em:
http://projetocontemporaneo.wordpress.com/
 

ARQUITETURA EM ESTADO CRÍTICO
Carlos Almeida Marques (*)
(*) Centro de Administração e Políticas Públicas – Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade Técnica de Lisboa, Portugal, camarques@iscsp.utl.pt

RESUMO
O artigo pretende trazer a debate algumas questões que hoje, de alguma forma, se colocam aos arquitetos, aos teóricos ou estudiosos do mundo académico, sobre a arquitetura e o urbanismo contemporâneo. Num primeiro momento procura-se analisar alguns aspetos relacionados com a ausência de referências históricas e critérios estéticos, em favor do surgimento de processos criativos subjetivos, em que a forma e a imagem são vistas como um fim em si próprias. Num segundo momento do texto, propomos analisar o tema do julgamento de gosto, tomando como referência a Dialética do julgamento estético de Emmanuel Kant para interrogar a argumentação do gosto no contexto específico da conceção e da teorização arquitetónica contemporânea.
Palavras-chave: Arquitetura. Espaço. Gosto. Estético. Ensino.
ABSTRACT
The article aims to bring to the discussion some issues, currently placed to architects, researchers, academic scholars on contemporary architecture and urbanism. At first we seek to analyze some aspects related to the absence of historical references and aesthetic criteria, in favor of the emergence of subjective creative processes, in which the shape and image are seen as an end in itself. Secondly, we propose to analyze the theme of taste judgment, with reference to work of Emmanuel Kant "Dialectic of aesthetic judgment" to examine the arguments of taste in the specific context of design and contemporary architectural theory.
Keywords: Architecture. Space. Taste. Teaching




1. INTRODUÇÃO

Uma leitura dos ciclos históricos mostra que vivemos hoje um período eclético, em que tanto os cânones da arquitetura clássica como os paradigmas da arquitetura moderna “não fazem escola”, nem é suposto serem seguidos os seus conceitos teóricos e críticos como referência analítica, estética ou compositiva da arquitetura e do urbanismo. Por outro lado, a busca incessante do gesto bizarro, a vontade de fragmentar à exaustão volumes e espaços, o apelo à subjetividade concetual e ao arbítrio do traço pessoal, surgem sem causa ou ideologia, em rutura com qualquer pacto coletivo ou compromissos com o lugar e a história.

Estas duas situações estão diretamente relacionadas tanto com o ensino como com a prática da arquitetura, uma vez que o afastamento de uma abordagem metodológica para a construção formal e estética do objeto arquitetónico serve em grande parte para justificar opções não racionalistas, com a perda de significado e caráter analógico em favor de um experimentalismo apresentado como método estético e compositivo.

A procura da «forma pela forma» não é uma demanda dos nossos dias. Esta quase obsessão por «originalidades arquitetónicas», associada à fragmentação da imagem da cidade enquanto unidade ou agregado de subunidades morfológicas que progressivamente se vão desarticulando e perdendo estrutura orgânica, são em parte consequência do liberalismo da economia monetária que Georg Simmel descreve em a Filosofia do Dinheiro e das mudanças sociais e culturais, que especialmente a partir do último pós-guerra, vêm a caracterizar a civilização pós-moderna ou a sobremodernidade, na expressão de Marc Augé (2005: 67).

Manfredo Tafuri explica este fenómeno na rapidez do consumo das imagens, das investigações, dos movimentos em que a dificuldade em historizar a arquitetura contemporânea resulta de se pretender apresentá-la como fenómeno radicalmente anti-histórico (1979: 31). Tal situação pode ser explicada pelo facto de que, desde há algum tempo, a atitude face ao conhecimento da arquitetura tende a não estar estruturado, deixando de estar assente em paradigmas, axiomas ou qualquer lógica compositiva, estética ou artística, mas a sustentar-se em formulações de «gosto», de que o autor-arquiteto se serve para justificar a criação de objetos-arquiteturais, os quais são mostrados nas revistas e jornais da especialidade como uma vaga sucessiva de ideais vanguardistas, mas que na maioria dos casos mais não são do que exercícios formais, objetos sensação que anseiam ser aceites como ícones acríticos, desobrigados de qualquer regra de valor que não seja a auto-expressão do seu autor ou do seu promotor.

Como será identificada a cultura do nosso tempo, qual a imagem que no futuro irá registar o património arquitectónico e urbanístico, os ideais estéticos e artísticos que identificarão a nossa época? Serão as nossas cidades uma silhueta de objetos insólitos e delirantes perfilados ao longo de eixos viários numa atitude de pretensa monumentalidade? Que modelo urbanístico nos proporciona espaços coerentes de suporte da vida quotidiana? Estas são questões que importa analisar por estudiosos e académicos, a quem cabe ensinar a ver e pensar a arquitetura, transmitir conhecimento teórico e induzir comportamento crítico aos seus formandos, mas também pelos responsáveis da administração pública e municipal, a quem cabe o trabalho de definir as políticas urbanas, gerir e planear as cidades.

2. POR UMA IDEIA DE ARQUITETURA

Quando o Movimento Moderno, nos finais de novecentos, avança contra a disciplina doutrinária do classicismo das Beaux-Arts, não o faz sem propor um conjunto de novos princípios que dão sustentabilidade à sua causa revolucionária. Como sabemos, o Modernismo não nasce da simples recusa do passado, mas da criação de um programa novo, fortemente ancorado em conceitos científicos, matemáticos, sociais, culturais e artísticos a partir dos quais surge uma nova arquitetura e um novo urbanismo que hoje temos facilidade de identificar como a formação de um novo estilo, tal como o foi o gótico, o barroco, o renascimento.

Em As Metáforas da Arquitectura Contemporânea, Victor Consiglieri explica o quanto esta realidade concetual do racionalismo e do funcionalismo modernista é distinta daquilo que caracteriza hoje o pensamento arquitetónico, que nas palavras de Consiglieri vive atualmente da “intranquilidade das imagens” num processo ideológico em que a atividade crítica abandona os esclarecimentos sociais, se desvia de modelos filosóficos e se afasta de interligações culturais para se remeter a uma expressão de símbolos, individuais ou imaginários, apoiando-se numa nova gramatologia da desconstrução como grau mais evoluído da fragmentação (2007: 29).

Bruno Zevi expõe o problema quando nos chama a atenção para que o defeito característico da maneira de tratar a arquitectura nas histórias da arte corrente […] consiste no facto de os edifícios serem apreciados como se fossem esculturas e pinturas, quer dizer, externa e superficialmente, como puros fenómenos plásticos. […] desta forma, esquecem o que é específico da arquitectura e, portanto, diferente da escultura e da pintura, isto é, no fundo o que vale na arquitectura como tal (1977:13).
A sua crítica à finalidade escultórica ou pictórica da arquitetura é expressa de forma quase radical quando defende a não arquitetura do templo grego: Quem investigar arquitectonicamente o templo grego, buscando, sobretudo, uma concepção espacial, fugirá horrorizado, assinalando-o ameaçadoramente como exemplar típico da não arquitectura (Zevi, 1997:48). […] Os elementos constitutivos do templo grego são, como é sabido, uma plataforma elevada, uma série de colunas apoiadas nela e um entablamento contínuo que sustenta o tecto. É verdade que existe também uma cela que no período arcaico constituiu o único núcleo construtivo do templo, e por isso um espaço interior, mas nunca foi pensada,… [com] funções e interesses sociais: foi um espaço não contido, mas literalmente fechado, e o espaço interior fechado é precisamente característico da escultura (Zevi, 1977:49).

Naturalmente que com isto não queremos por em causa o quanto os protótipos da arquitetura greco-romana influenciaram a arquitetura do mundo Ocidental, e que Chueca Goitia soube magistralmente expor nas suas lições sobre a depuração dos modelos arquitetónicos e a agregação de corpos simples que, desde o Partenon até ao recente projeto do Bundestag de Berlim, criam toda uma gama de composições elementares ou mais complexamente articuladas (Goitia, 1996:21).

É exatamente por se constituir como espaço habitado que a arquitetura se distingue das outras artes, designadamente a escultura. Para Zevi o espaço é a realidade em que a arquitetura se concretiza (1977:19). Este protagonismo do espaço sobre a arquitetura, de que fala Bruno Zevi, não pode ser entendido pelo sentido meramente físico da coisa, ou seja, ele não se refere exclusivamente à compreensão do espaço enquanto abrigo da atividade humana, ainda que, apesar de todos os desenvolvimentos da ciência e da técnica, o homem, continua condicionado pela sua própria biologia, pela gravidade que o prende ao solo e pelas necessidades culturais inexoráveis que são constantes da arquitetura, independentes das roupagens com que esta se reveste em cada época.

Temos de entender esta ideia de espaço arquitetónico enquadrada numa lógica que incorpora múltiplos princípios e conceitos, como por exemplo os que Attilio Marcoli apresenta no seu curso de educação da visão em a Teoria do Campo. Aqui são tratadas matérias chave sobre a arte e a técnica na conceção da arquitetura como: os campos geométrico intuitivo, ghestáltico, topológico e fenomenológico; o campo morfogenético e as células construtivas; o campo ambiental. Em todos estes campos, um conjunto de elementos constitutivos estabelecem, entre si, interações e relações associativas, descritas e apresentas detalhadamente por Marcoli, como sejam as interações entre cada um destes campos, entre o objeto e cada campo, e a sua influência na composição arquitetónica.

A par destes aspetos teóricos, outros domínios da gramática arquitetural foram elaboradamente expostos e ilustrados por Francis Ching em Arquitectura: Forma, Espaço e Ordem, como sejam as ligações entre formas aditivas e subtrativas, as relações entre forma e espaço, a sua modulação, agregação e articulação, a interceção dos espaços e das formas, a relação interior exterior e as suas implicações com as aberturas, a circulação, a luz as sombras, os sistemas matemáticos e a noção de escala e proporcionalidade e não menos importante os princípios ordenadores como o eixo, a hierarquia ou o ritmo.

Teremos ainda de incluir nesta estrutura de fundamentos da ciência da conceção arquitetural, o que foram as várias idades do espaço, ou seja a sua história, aquilo que lhe dá identidade cultural e informa a sua antropologia, o que pode ser a expressão vernácula e a tradição local de interpretar, conceber e fazer arquitetura, no seu compromisso com a natureza cultural dos lugares e na sua ligação com a especificidade geográfica dos sítios e das paisagens. Neste sentido há que ter em conta o que diz respeito ao urbanismo ecológico, nomeadamente as interdependências entre o sistema projetado e o meio ambiente e os novos modelos de uso associados aos conceitos de ecoedificação e as suas consequências no projeto, particularmente o que se refere aos modelos lineares e cíclicos de uso de matérias e o seu impacto direto no ciclo de vida do edificado (Ken Yeang: 1999).

A aquisição deste conhecimento teórico é exigível aos arquitetos e deveria fazer parte do seu discurso e do seu vocabulário sobre a arquitectura e o urbanismo. Neste conhecimento teórico deveria sustentar-se a prática da arquitetura, com todas as implicações técnico-construtivas inerentes à materialização e funcionamento dos edifícios, em contracorrente a uma aposta que passa por uma arquitectura não codificada, desterritorializada, intencionalmente subjectiva e na qual não seja possível aplicar categorias de entendimento (Consiglieri, 2007: 290). 

Tal conhecimento confere ao arquiteto uma maior consciência do que é a arquitetura e do seu valor enquanto objeto de arte onde se associam a dimensão física e social do espaço e permite, numa perspetiva otimista, reverter o processo atual de produção de uma arquitetura sem raízes culturais e históricas, que a economia de mercado fez entrar na cadeia de consumo, onde o espaço passou a ser considerado um produto de marketing integrado na cadeia de produção da indústria do imobiliário. Não sendo esse o caso, existe o risco de no futuro as cidades estarem pejadas de “não arquiteturas”, fragmentos de formas efémeras, sem tempo nem lugar, momentos etéreos de modas estéticas, e por isso mesmo dispensáveis e descartáveis no registo da memória futura.

3. CONCEITO, RAZÃO E A QUESTÃO DO GOSTO

A ausência no discurso dos arquitetos de uma linguagem codificada, onde o entendimento do “raciocínio de projecto” (utilizando a expressão do texto introdutório deste congresso) assenta numa gramática logicamente formulada sobre a teoria e a prática da arquitetura, tem levado muitos arquitetos ao uso recorrente da afirmação de “gosto pessoal” como estratégia justificativa das opções arquitetónicas, sem ter de admitir a necessidade de uma defesa lógica e coerente das tomadas de decisão sobre as escolhas estéticas, formais e espaciais.

O mesmo se poderá colocar quando falamos do ensino da arquitetura e do urbanismo, sendo uma das críticas apontadas, o seu estado deficitário em termos curriculares por este se encontrar demasiado centrado nas questões da imagem e propostas casuísticas consignadas ao “gosto individual”, sem verdadeiro propósito de uma formação assente em teorias, princípios, códigos ou modelos de composição.

Sobre este apelo ao “gosto” como argumento de autojustificação para a tomada de decisão estética, formal ou artística, considero ser importante citar o que Emmanuel Kant nos diz na sua Dialética do julgamento estético onde este filósofo faz a exposição da anatomia do gosto, a partir de duas expressões proverbiais de afirmação do gosto, procurando demonstrar a sua insuficiência argumentativa e a inutilidade da sua aplicação prática.

O primeiro lugar comum do gosto está contido na proposição, graças à qual aqueles que, não têm gosto, pensam defender-se de qualquer culpa: a cada um o gosto próprio. Isso significa que o princípio de determinação desse julgamento é simplesmente subjetivo (prazer ou dor); e o julgamento não dá qualquer direito à necessária adesão de outros (Kant, 1986: 162-163). A afirmação do gosto próprio como único termo justificativo implicaria aceitar a arquitetura como um exercício de vontade própria, resultante de uma conceção baseada em princípios subjetivos, desobrigada de um compromisso social e acordo com o coletivo, cultura e lugar, colocando o objeto arquitetónico numa situação acrítica do ponto de vista da sua análise e teorização.

Pensar o objeto arquitetónico como uma singularidade, cujo processo criativo não está sujeito às propriedades das formas nem condicionado pela fenomenologia do fazer arquitetural, dependendo a sua composição estética e estrutura formal do gosto próprio, seria admitir a inutilidade do pensamento arquitetónico e talvez a própria improficiência do seu ensino e vacuidade da sua aprendizagem. Tal não significa que deixemos de ter em consideração um grande número de obras arquitetónicas de excelência, que em todos os períodos históricos se constituíram exemplos únicos, protótipos concetuais de novos movimentos doutrinários, ou cuja beleza pode ser reconhecida sem conceito como objecto de uma satisfação necessária (Kant, 1986:80).

O segundo lugar comum do gosto, do qual fazem uso aqueles que conferem ao julgamento de gosto o direito de pronunciar julgamentos validos para todos, isto é: o gosto não se discute. O que significa: o princípio de que a determinação de um julgamento de gosto poderia seguramente ser objectiva, mas não se podendo reportar a conceitos determinados; por consequência não podemos decidir nada com provas sobre o próprio julgamento, ainda que se pudesse discutir a bom direito; […] naquilo em que por uma resistência recíproca aos julgamentos se procura produzir o […] acordo através de conceitos determinados como razões demonstrativas, e que em consequência admitem conceitos objectivos como princípios do julgamento (Kant, 1986: 163). Tomando como válida esta proposição, poderíamos dizer que «o gosto discute-se» uma vez que de outro modo seria absurdo manter o diálogo sobre um determinado projeto arquitetónico ou plano urbanístico. Defender a atitude opinativa de gosto sem necessidade de referência a conceitos objetivos, seria admitir que a cidade como um somatório de edificações autonomizadas sem critérios ou referências tipológicas e de espaços urbanos desarticulados e desconexos, impossíveis de conceber dentro de um qualquer sistema orgânico, ou seja, a inexistência do urbanismo.

Como refere Kant, onde é permitido discutir, devemos ter também a esperança de concordar: por consequência devemos contar com princípios de julgamento, que não possuem simplesmente um valor particular e que não são simplesmente subjectivos (1986:163).

Aceitando a ideia de que o julgamento de gosto corresponde a uma escolha arbitrária dos códigos que informam o processo compositivo que deixa de ter bases teóricas que o sustentem, sendo assim necessário, numa perspetiva académica e profissional, pensar a fenomenologia da arquitetura e do urbanismo contemporâneo e desenvolver os modelos teóricos e os fundamentos concetuais: técnicos, artísticos e estéticos sobre os quais seja possível construir o pensamento doutrinário que pretendemos seguir. Numa conferência realizada na Aula Magna da Universidade de Roma, em 1963, Bruno Zevi defendia a necessidade da substituição de uma doutrina precedente por doutrinas mais novas e atuais, e o dever de formular um novo método que em vez de suprimir a história e o conhecimento teórico, fosse capaz de penetrar na realidade arquitetónica a todos os níveis, desde o planeamento do território à modinatura e ao signo mais ínfimo da imagem. Esta será porventura a tarefa e o desafio que se coloca hoje a académicos e praticantes.

Figura 1: Cesto de papéis do atelier da rue de Sèvres antes e depois do pontapé de Alfred Roth, publicado por Le Corbusier em «Défense de l´architecture»

4. CONCLUSÕES

Desde o início da formação das sociedades humanas, a arquitetura tem estado intimamente ligada à existência humana e tem acompanhado a sua evolução histórica, registando na permanência da realidade física edificada pelo homem os fenómenos da sua existência. Em todos os tempos, em todas as civilizações, a arquitetura tem servido para registar o potencial da arte e do engenho criativo da humanidade e constituir-se simultaneamente no habitat da própria existência humana, como segunda pele, mais exterior, fazendo do espaço um outro corpo que o homem não sente estranho a si mesmo, mas com o qual se identifica.

Em todo este processo histórico, a íntima relação entre a arquitetura e a cultura humana, material e imaterial, implicou na formação dos arquitetos a aquisição de um conhecimento humanista; o desenvolvimento da capacidade de síntese; o exercício do desenho e a habilitação de projetar como processos de configuração e materialização das ideias.

Estas qualidades intelectuais, proporcionadas pelo ensino e a aprendizagem, são hoje essenciais para superar os desafios que se colocam ao urbanismo e ao ordenamento territorial, onde se juntam questões multidisciplinares e transdisciplinares, cuja resolução envolve processos e metodologias de trabalho integrado com o objetivo de conceber soluções de equilíbrio entre a dimensão física e social do espaço.

A capacidade de síntese revela-se determinante quando o arquiteto é confrontado com o dilema «arte-técnica», «forma-função», que faz da arquitetura uma atividade híbrida, que decorre da conjugação, formal e espacial, de lógicas estéticas com programas funcionais exigentes, inovações construtivas cada vez mais complexas, condicionalismos legais e orçamentais que necessariamente o projeto deve articular e integrar de modo coerente e sustentável.

O desenho, a expressão do traço, são normalmente associados à própria identidade do arquiteto, ao seu caráter, à sua forma de ver o mundo e interpretar os seus acontecimentos desde os aspetos mais abstratos e simbólicos aos pequenos detalhes do quotidiano, que se consubstanciam no conceito de projeto. Essa prática do desenho e, por consequência do projeto tem sido fortemente influenciada por dois fatores, interdependentes, que importa assinalar: 1) o acesso aos sistemas informáticos que facilitando o desenho por computação, abriu novas possibilidades no campo da representação da dinâmica das formas e na modelação e plasticidade dos espaços e superfícies; 2) a introdução de uma nova geometria fractal, fragmentada, distorcida, poliédrica, cujo conhecimento matemático verdadeiramente nos escapa e dificilmente se consegue transmitir de forma orientada a sua morfogénese.

Por tudo o anteriormente exposto podemos dizer que se colocam hoje grandes desafios ao ensino da arquitetura e do urbanismo. Competirá às escolas trazer a história, a filosofia, a sociologia e a própria arte para o centro das nossas preocupações de ordem espacial e construir um quadro de referências com base em critérios estéticos e processos criativos. Muito provavelmente a construção dessas referências passará por recuperar conceitos resilientes da história e da teoria que possam ser estudados a par de novos conceitos, num contexto cultural marcadamente distinto da realidade anterior, procurando assim proporcionar continuidade na evolução natural da arte e da ciência da arquitetura e do urbanismo.

REFERÊNCIAS
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CONSIGLIERI, Victor, As Metáforas da Arquitectura Contemporânea, Editorial Estampa, Lisboa, 2007.
GOITIA, Fernando C., Protótipos na Arquitectura Greco-Romana e a sua Influência no Mundo Ocidental, Ed. Ulmeiro, Lisboa, 1996.
KANT, Emmanuel, Critique de la Faculté de Juger, Librairie Philosophique J.Vrin, Paris, 1986.
SIMMEL, Georg, Philosofie de L´Argent, Quadrige / PUF Presses Universitaires de France, Paris, 1987.
TAFURI, Manfredo, Teorias e História da Arquitectura, Editorial Presença, Lisboa, 1979.
YEANG, Ken, Proyectar con la Naturaleza, Editorial Gustavo Gili, SA, Barcelona, 2006.
ZEVI, Bruno, Saber Ver a Arquitectura, Editora Arcádia, Lisboa, 1977.

Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.

Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano IX, nº453
ARQUITETURA EM ESTADO CRÍTICO
LNEC- Grupo Habitar (GH) e Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT)
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.