quarta-feira, junho 07, 2023

Breves considerações históricas sobre o processo mundial de segregação sócio espacial urbana – Infohabitar # 862

Ligação direta (clicar no link seguinte ou copiar para site de busca) para aceder à listagem interativa de 840 Artigos editados na Infohabitar – edição de janeiro de 2022 com links revistos em junho de 2022 (38 temas e mais de 100 autores):

https://docs.google.com/document/d/1WzJ3LfAmy4a7FRWMw5jFYJ9tjsuR4ll8/edit?usp=sharing&ouid=105588198309185023560&rtpof=true&sd=true

 

Breves considerações históricas sobre o processo mundial de segregação sócio espacial urbana – Infohabitar # 862

Artigo II da série editorial da Infohabitar “Segregação sócio-espacial em contexto urbano. Um estudo comparativo entre Braga - Portugal e Aracaju-Brasil”. A presente série editorial integra uma sequência de capítulos da tese de doutorado de Anselmo Belém Machado intitulada “Segregação sócio-espacial em contexto urbano, através de um estudo comparativo entre Braga - Portugal e Aracaju-Brasil”, adaptada, pelo respetivo autor, especificamente, para esta iniciativa editorial na Infohabitar.

 

Infohabitar, Ano XIX, n.º 862

Edição: quarta-feira, 07 de junho de 2023

 

Caros leitores da Infohabitar,

É com muito gosto que, com o presente artigo, damos continuidade à edição de uma nova série editorial dedicada à temática geral da Segregação sócio-espacial em contexto urbano”, através de um estudo comparativo entre Braga - Portugal e Aracaju-Brasil.

Este gosto muito especial resulta de a autoria deste conjunto de artigos ser do Professor Anselmo Belém Machado um dos mais assíduos articulistas da nossa Infohabitar, que aqui saudamos calorosamente, e que, assim, e com base na adaptação da sua tese de doutoramento a uma sequência de artigos, nos irá acompanhar ao longo de algumas semanas com a edição de um conjunto de artigos sequenciais relativos à fundamental e sempre presente problemática da Segregação sócio-espacial em contexto urbano”; edição esta que irá sendo intercalada com outros artigos e designadamente com os da série editorial dedicada ao PHAI3C.

Agradecemos, portanto, ao colega Anselmo Belém Machado, por mais esta excelente contribuição para o acervo editorial da nossa revista e aproveitamos para referir que se prevê que a respetiva base bibliográfica deste conjunto de artigos, por ser muito extensa, seja repartida em quatro partes, sequencialmente editadas, ao longo dos diversos artigos que integram a série editorial; podendo ainda ser posteriormente republicada, na íntegra, numa edição específica e sequencial ao remate editorial da série; proporcionando-se, assim, aos interessados uma melhor consulta à globalidade da mesma bibliografia.

Recorda-se, como sempre, que serão sempre muito bem-vindas eventuais ideias comentadas sobre os artigos aqui editados e propostas de novos artigos (a enviar, ao meu cuidado, para abc.infohabitar@gmail.com).

Com as melhores saudações a todos os caros leitores,     

Lisboa, em 07 de junho de 2023

António Baptista Coelho

Editor da Infohabitar

 

Breves considerações históricas sobre o processo mundial de segregação sócio espacial urbana – Infohabitar # 862

Anselmo Belém Machado

 

Resumo curricular de Anselmo Belém Machado

Doutor em geografia Humana pela Universidade do Minho (Portugal). Com mestrado em Organização do Espaço Rural no Mundo Subdesenvolvido, licenciado e bacharel em geografia na Universidade Federal de Sergipe (Brasil).

O autor tem experiência profissional em ensino, pesquisa e extensão nas seguintes Universidades: Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Atualmente é professor associado no Departamento de Geografia da Universidade Federal de Sergipe (UFS).

O autor tem as seguintes áreas de interesse: Geografia Humana, Geografia Urbana e em Estudos de Segregação Sócio Espacial (Portugal e Brasil). 

 

Série Editorial sobre Segregação Sócio-espacial em Contexto Urbano: Texto de apresentação

Face ao contexto actual de urbanização acelerada, são vários os desafios que se colocam ao desenvolvimento das cidades contemporâneas, de entre os quais aqueles que se relacionam com a urgência de novas políticas de gestão urbana, capazes de promover um urbanismo inclusivo que contribua para o surgimento de cidades socialmente mais coesas, integradas e justas. Assim, importa reforçar o conhecimento existente em torno das dinâmicas urbanas de segregação sócio- espacial. Este trabalho contribui para esta reflexão a partir de uma investigação que se singulariza por uma abordagem comparativa desenvolvida a dois níveis. Por um lado, trata-se de um estudo de geografia urbana que privilegia a comparação entre duas cidades (Braga em Portugal e Aracaju no Brasil), que embora se enquadrem em países diferentes e com culturas e realidades sócio- econômicas específicas, enfrentam ambas processos de segregação sócio-espacial no interior das suas malhas urbanas. Por outro lado, trata-se de um estudo que confronta simultaneamente a análise de dinâmicas espaciais distintas, quer a concentração de cidadãos de baixo nível sócio- económico (segregação imposta), quer a realidade oposta onde a homogeneidade sócio- económica de algumas bolsas territoriais se faz sentir pela presença exclusiva de cidadãos de altos rendimentos (auto-segregação).

 

Breves considerações históricas sobre o processo mundial de segregação sócio espacial urbana – Infohabitar # 862

 

No século XX, sobretudo a partir da sua segunda metade, o mundo passou por inúmeras transformações no campo da economia, da política e principalmente na área tecnológica que tornaram o nosso planeta uma “sociedade global” (Ianni, 1996, p.123). As inovações tecnológicas fizeram com que os acordos e transações comerciais fossem mais rápidos, ou mesmo, instantâneos, superando perdas de tempo que até então existiam. Posteriormente, sobretudo já no século XXI, a modernidade dos sistemas de informação e comunicação e a alta complexidade tecnológica fizeram com que o mundo globalizado provocasse um rompimento com os limites tradicionais (concretos) do espaço geográfico. Pois com a disseminação e consolidação do ‘mundo virtual’ aumenta a “porosidade das múltiplas fronteiras espaciais e temporais que dividem os nossos universos tradicionais de acção” (Nunes, 2007.p. 109). A distância física entre os espaços geográficos perdeu algum do seu sentido, passando a ser de certa maneira ‘eliminada’, com a ‘compressão tempo-espaço’ (Harvey, 1989), com grandes implicações para a concretização de acordos comerciais e outras interacções não apenas económicas, mas também políticas e culturais, entre países e territórios até então considerados muito distantes. Segundo Schwab (2016) e Magalhães e Vendramini (2018) vive-se actualmente no período da Revolução Industrial, em que a humanidade, especialmente as populações mais urbanizadas e conectadas, enfrentam novas realidades, dentre as quais se pode destacar:

 

“A flexibilização da economia, com a implantação do chamado capitalismo pós-fordista ou de acumulação flexível; a hegemonia do capital financeiro sobre o capital produtivo; a crise do Estado do bem-estar social e, consequentemente, dos grandes projetos de planeamento regional-nacional integrado, e a instituição ainda em processo de ‘Estados de controle’ ou de ‘segurança’; a difusão das tecnologias da informação, gerando uma violenta e desigual ‘compressão tempo-espaço na rica expressão de Harvey (1989), e, a nível cultural, a propagação do multiculturalismo e/ou hibridismo cultural, onde seria cada vez mais difícil encontrar identidades claramente definidas.” (Haesbaert, 2006, p.118).

 

Este capitalismo globalizado que entretanto se proporcionou pelas novas técnicas de produção global criou, por sua vez, inúmeras novas territorialidades com novos significados e novas características e favorecedoras de novos problemas inerentes ao mundo pós-moderno, como a crise do estado-nação ou a necessidade dos governos reinventarem as suas formas de atuação..

 

“A globalização do capitalismo está sendo acompanhada da formação de vários sistemas económicos regionais, nos quais as economias nacionais são integradas em todos mais amplos, criando-se assim condições diferentes para a organização e o desenvolvimento das atividades produtivas. Em vez de ser um obstáculo, a regionalização pode ser vista como um processo por meio do qual a globalização recria a nação, de modo a conformá- la à dinâmica da economia transnacional” (Ianni, 1999, p.29).

 

“As rupturas trazidas pela quarta revolução industrial estão redefinindo o funcionamento de instituições e organizações. Em particular, elas obrigam os governos nos níveis regionais, nacionais e locais – a se adaptarem, reinventando-se e encontrando novas formas de colaboração com seus cidadãos e com o setor privado. Elas também afetam como países e governos se relacionam entre si.” (Schwab, 2016, p.71).

 

A globalização e a revolução digital vieram produzir uma sociedade mais seletiva quanto aos que estão em condições de beneficiar das novas oportunidades entretanto criadas, ao obrigar a que as populações dos países se fossem enquadrando nas novas exigências dos novos modos de produção, com novas especializações em sua mão-de-obra e uma nova divisão internacional do trabalho. Por outro lado as cidades receberam e recebem influências diretas e indiretas desse processo de globalização que se vão traduzindo em alterações da sua forma e estrutura mas também da sua composição social e económica. “Os desenvolvimentos da nova divisão internacional do trabalho, do mercado mundial, da fábrica global não abrem como criam e recriam espaços físicos, sociais, económicos, políticos e culturais” (Ianni, 1996, p.122).

A nova divisão internacional do trabalho irradia suas novas exigências e técnicas de produção, que são incorporadas nos distintos territórios com níveis de interferência que vão sendo diferenciados consoante o contexto local e as suas especificidades. Em Aracaju, por exemplo, o contexto mundial tem determinadas e diferentes interferências das que ocorrem em Braga, mas os produtos deste processo muitas vezes se assemelham.

 

À medida que as exigências da globalização ficam mais fortes e mundialmente presentes, os territórios, em todo mundo, estão sendo fragmentados, os limites físicos perdem a importância; e, mesmo existindo os limites políticos-administrativos, agora estes passam a funcionar com outra perspectiva e com novas características que se tornam mais instáveis num contexto de novas mobilidades. “Assim, territorializar-se significa, hoje, construir e/ou controlar fluxos/redes e criar referenciais simbólicos num espaço em movimento, no e pelo movimento” (Costa, 2007, p.280).

 

Neste novo contexto e mesmo com a efetivação de uma sociedade pós-moderna, dita civilizada, e com os incontáveis avanços tecnológicos, continuamos a enfrentar problemas que há muito exigem solução. Segundo Santos (2008, pp.286-296), os problemas fundamentais da contemporaneidade são três: a explosão demográfica, a degradação ambiental e o reforço das desigualdades decorrentes da globalização da economia. O autor afirma que a população mundial continua crescendo em ritmo acelerado, principalmente nos países do Sul, existindo projeções que apontam para uma explosão demográfica com implicações desconhecidas. O segundo ponto descrito pelo autor é a degradação ambiental que se alastra em todas direções do planeta, num processo contínuo e crescente de prejuízo dos recursos naturais. Essa degradação tem produzido vários impactos, tais como: a destruição da fauna e flora, o aumento da emissão de gases na atmosfera, ou o aumento da temperatura média do planeta, qualquer um deles com severas repercussões. Esta degradação ambiental está alertando a atenção dos líderes mundiais para os problemas ambientais nos países do Sul que interferem nos países do Norte e vice-versa. Estes problemas são da Terra como um todo, pelo que todos os países têm de se unir em prol da sua atenuação, o que parece ser fácil de afirmar e difícil de concretizar. Por fim, o terceiro problema decorre do facto da globalização da economia ter provocado o aumento, de maneira significativa, das desigualdades, mas não apenas entre o Norte e o Sul do planeta, mas também num contexto intra-urbano. E é precisamente na avaliação desta dimensão de análise, a manifestação das desigualdades e fragmentações sócio-económicas em contexto intraurbano, que este trabalho se procura centrar.

 

Esta dimensão de análise e reflexão reveste-se de grande relevância na actualidade, por exemplo quando se torna progressivamente mais visível que o mundo globalizado tem forçado e reproduzido o carácter exclusivo e selectivo sobre determinados territórios da cidade. Quer bairros mais problemáticos onde se assiste à exclusão de grupos sociais de menor poder aquisitivo, alguns desses bairros de génese ilegal, com problemas múltiplos de infraestruturação, habitabilidade, segurança, higiene, conforto, entre muito outros, e onde se tendem a aglomerar os indivíduos que mais dificuldades revelam em se integrar nas novas lógicas de produção do mundo global. Quer, em oposição, o estímulo que se tem evidenciado na construção de condomínios de alto valor imobiliário e de produtos habitacionais acessíveis aos grupos mais privilegiados, uma vez que a sua seletividade está centrada no fato de ter ou não poder aquisitivo para comprar esses imóveis mais caros, localizados nos bairros nobres das cidades, pelo que são também estas manifestações de segregação social urbana.

 

“Estes impõem-se como demarcação social de territórios exclusivistas de bem-estar e segurança, a exemplo dos condomínios fechados e edifícios-fortaleza. Revelam-se os registros de reiteração da segregação social urbana, alimentada por radicais contradições sociais que, na atualidade, a expressão suprema da gentryfication da cidade diante do crescente empobrecimento económico de imensas parcelas da população urbana (Barbosa, 2007, p.131).

 

Todos estes processos preocupantes vêm ocorrendo também tanto em Aracaju como em Braga, sendo que os inúmeros planos de desenvolvimento realizados não impediram que os seus processos de urbanização, hoje alarmantes, minimizassem ou atenuassem a segregação social- espacial bem visível em alguns dos territórios destas cidades. Isto porque, dentro do contexto da globalização, todas as cidades, com níveis diferentes de intensidade em seus processos de urbanização, estão sobre os reflexos das transformações técnico-científicas da pós-modernidade e das suas consequências. Assim, o que estamos vivenciando, no contexto do “tecido urbano” contemporâneo, é a existência de múltiplas e novas maneiras de estruturação dos espaços construídos e de uma cultura urbana pós-moderna, em que existe de facto uma multiterritorialidade e não uma desterritorialização como defende (Haesbaert, 2005, p.17):

 

“Desterritorialização como ‘fim das distâncias’, por exemplo, nada mais seria do que um enfoque muito parcial que, além de confundir territorialidade e espacialidade, o espaço tão somente a partir dos processos de compressão tempo-espaço, ou seja, da sua ‘forma’ ligada à presença-ausência. Ela nada traduz acerca da intensificação dos processos de diferenciação (‘desigualização’) e de exclusão socioespacial em curso”.

 

A existência de uma multiterritorialidade é uma das características das sociedades atuais, onde existem inúmeras novíssimas paisagens de tamanhos e influências variadas, sujeitas a relações de poder diversificadas, e onde em muitas delas se aprofunda a segregação sócio-espacial como produto de toda uma rede de fluxos de capitais e técnicas pós-modernas, que se integram para acelerarem o motor do sistema de produção capitalista e urbanização desenfreada. Neste contexto, os países hegemónicos articulam a reprodução do sistema e o aprofundamento da segregação social, fazendo por exemplo com que os povos que habitam os territórios periféricos, com menor tecnologia e cultura diferente, perpetuem a sua dependência (Corrêa, 1993; Silva, 2005).

 

“No final dos anos oitenta, as políticas neoliberais foram apresentadas como única alternativa aos países em desenvolvimento, a fim de que pudessem inserir-se na modernidade, mas isso não ocorreu. Ao contrário, os governos nacionais foram submetidos a exigências políticas e económicas que os tornariam ainda mais frágeis, dependentes e vulneráveis às decisões internacionais.” (Silva, 2005, p.256).

 

Neste processo de ampliação da dependência económica e política, dos países pobres em relação aos países industrializados, foram também participando, com a legitimação do Estado capitalista, os agentes produtores do espaço urbano que Corrêa (1993), descreve como os agentes que estão continuamente articulados entre si, para reproduzir as estratificações sociais e económicas existentes nas cidades. Por exemplo os bancos financiam e colaboram com as construtoras na remodelação da morfologia urbana, de modo a perpetuar a estratificação social no solo urbano, e os incorporadores imobiliários juntamente com os industriais e os proprietários imobiliários, constroem os condomínios verticais e horizontais, aprofundando processos de segregação sócio- espacial. Assim ações dos agentes produtores do espaço urbano são estrategicamente combinadas.

 

“O processo de reprodução espacial na cidade se realiza na articulação de três níveis: o político (que se revela na gestão política do espaço), o económico (que produz o espaço como condição e produto da acumulação) e o social (que nos coloca diante das contradições geradas na prática socioespacial como plano da reprodução da vida). A articulação desses níveis se efetiva pela mediação do Estado, que organiza as relações sociais (e de produção) por meio da reprodução do espaço”. (Bortolo, 2010, p.09)

 

Assim os grupos hegemónicos que detêm o poder sobre o território, passam a comandar em todas escalas, quer seja a nível mundial, nacional, regional e local, sendo que comandar o território significa ordená-lo conforme os interesses dos grupos que detém o poder económico político e cultural.

 

“Se territorializar-se é, sobretudo, exercer controle sobre os movimentos de pessoas, objetos ou informações que se dão no e pelo espaço (Sack, 1986) e, a partir daí, dominar e apropriar-se deste espaço, podemos dizer que formar territórios é, automaticamente, ‘ordená-los’” (Haesbaert, 2006, p.120).

 

No âmbito deste processo de domínio e controlo, com os inúmeros avanços decorrentes da globalização e do desenvolvimento tecnológico, as cidades e seus cidadãos passaram a evidenciar e reproduzir problemas decorrentes da falta de organização da estrutura urbana. Nesse devir o crescimento urbano foi gerando conflitos territoriais intra-urbanos que têm aumentado consideravelmente nas últimas décadas. Em grande parte este fenómeno é fruto de modos de governação que vêm historicamente favorecendo a dimensão física das cidades e não a sua dimensão social, valorizando a expansão do espaço construído em detrimento de uma organização mais funcional da cidade baseada numa distribuição mais democrática e equitativa das oportunidades associadas ao contexto urbano. De entre esses conflitos territoriais intra-urbanos deve referir-se que da maneira como está sendo efetivada a gestão urbana, tem-se estimulado (ou pelo menos não se tem procurado inverter) processos de segregação sócio-espacial e tornando mais complexa a gestão urbana. Segregação sócio-espacial é entendida neste trabalho, na linha de pensamento de muitos autores (Harvey, 1976; Castellls, 1983; Villaça, 2001; Caldeira, 2003; Marcuse, 2004; Negri, 2008, entre outros), como um processo decorrente da estratificação social e económica que ocorre na área urbana, a qual se expressa pela concentração territorial de um

grupo sócio-económico de grande homogeneidade interna e que se distingue das condições económicas e características sócio-culturais da população urbana que reside na sua envolvente.

 

O fenómeno da segregação sócio-espacial urbana vem ocorrendo um pouco por todas regiões mundiais. Dependendo da região, do nível de desenvolvimento económico, social e tecnológico de cada país, o fenômeno tem características e intensidades diferentes. Existem assim várias manifestações de segregação sócio espacial urbana, pelo que é relevante fazer uma breve síntese do contributo de vários autores que têm evidenciado essas diferenciações, sobretudo a partir da pesquisa de artigos publicados em revistas conceituadas nacionais e internacionais, procurando demonstrar as especificidades do fenômeno ao nível da Europa e da América do Sul (os contextos territoriais em que se enquadram os estudos de caso que suportam a análise comparativa deste estudo) e posteriormente, também uma análise de como tem ocorrido a segregação sócio espacial urbana no contexto dos dois países estudados, Portugal e Brasil.

 

Segundo alguns autores o fenômeno da segregação sócio espacial urbana surge hoje com maior aprofundamento e abrangência, quanto menor for o desenvolvimento técnico científico informacional (Santos, 1998) existente nas cidades e em seus países. Todavia este é um processo com raízes históricas mais profundas, pois são conhecidos muitos exemplos de separação dos grupos humanos, consoante o seu perfil social e económico, em espaços geográficos distintos no seio das cidades, os quais vão eles próprios produzindo e reproduzindo os vários tipos de estratificações da população urbana. A este respeito Negri (2008) descreve que muitos séculos a segregação sócio espacial existe e de várias formas. Pois o desenvolvimento e crescimento das cidades, desde a antiguidade, faz-se no seu interior de forma desigual, do ponto de vista económico e social.

 

“A questão da segregação urbana tem uma longa tradição na história da sociedade, pois, desde a antiguidade, a sociedade conhecia formas urbanas de segregação sócio- espacial. Cidades gregas, romanas, chinesas possuíam divisões definidas social, política ou economicamente.” (Negri, 2008.p.130).


Pode-se pensar nos modos em que esta já se manifestava nos tempos mais longínquos, onde os direitos eram algo exclusivo para os grupos que pertenciam aos estratos sociais, políticos e económicos superiores, enquanto que alguns só tinham o necessário para sobreviver e para poderem exercer suas obrigações. Todavia, Rolink (1995) em seu livro ‘O que é cidade’, descreve o momento em que a segregação sócio espacial passa a ser mais evidente na Europa, sobretudo a partir da Idade Moderna. Examinando a história destas cidades a autora percebe que a segregação sócio-espacial começa a ficar mais evidente à medida que avança a mercantilização da sociedade e se organiza o Estado Moderno. Na Europa, este quadro emerge no século XVII, e torna-se bem evidente no projeto barroco das cidades-capitais (Rolink, 1995, p. 47).

 

Com a estruturação dos Estados Modernos o mercantilismo se amplia e as cidades europeias passam por um intenso crescimento urbano e populacional, favorecido pelo comércio além-mar. A chegada de novos produtos ao comércio das cidades europeias fez surgir novas classes sociais. Os processos de desenvolvimento urbano, administrativo e económico multiplicaram as diferenças sociais, que se traduziram no modo como diferenciadamente se organizava o espaço urbano. Mais tarde com o avanço do modo de produção capitalista, nos séculos XVIII e XIX, intensifica-se a produção em quantidade que exige uma força de trabalho numerosa em contexto urbano, alimentada por um expressivo êxodo rural. Nesse sentido as populações das cidades multiplicam- se e as camadas menos favorecidas mais ainda, principalmente nas maiores cidades europeias da época (Londres e Paris).

 

No Século XIX, a industrialização favoreceu processos de urbanização generalizada, a população camponesa, que vivia em condição miserável na área rural, migra para as grandes cidades em busca de emprego e melhoria na sua qualidade de vida. Posteriormente com a energia elétrica a industrialização intensifica-se ainda mais, atraindo multidões para as áreas mais urbanizadas, que não estavam preparadas para acolher esses fluxos populacionais tão intensos. Esse grande contingente populacional, principalmente nas grandes cidades europeias, fez surgir uma densa população urbana, em que grande parte da mão-de-obra operária se aglomerava em habitações deploráveis e com péssimas ou nenhumas condições de habitabilidade (Hall, 2016). Toda esta dinâmica ampliou o processo de estratificação social em contexto urbano, com reflexo na organização das cidades.

 

Com o aumento dos problemas decorrentes da grande estratificação social e urbana, começaram a surgir alertas específicos sobre o fenômeno da segregação sócio espacial urbana. A partir da segunda metade do século XIX a desordem urbana de Paris foi um reflexo de vários problemas sociais, decorrentes da péssima infraestrutura existente e do aumento populacional. Nesse período, várias alterações foram realizadas nas cidades industrializadas, como a reforma urbana liderada por Haussmann, entre os anos de 1853 a 1882. Segundo Benévolo (2001, p.98), a reforma de Paris começou pelo desenho das ruas e traçados das avenidas, sistema de esgoto e iluminação. Posteriormente foi realizada a melhoria no sistema de transporte e posteriormente a construção de grandes boulevards.

 

Nesse período os problemas urbanos tinham-se multiplicado muito, decorrentes da instalação de inúmeras fábricas e novas indústrias, que passaram a necessitar de mão-de-obra barata e desqualificada. A partir da primeira metade do século XIX, milhares de pessoas migram em busca de emprego e de uma sobrevivência que o espaço rural não era capaz de lhes assegurar.

 

“Assim, a primeira metade do século XIX europeu foi marcada pelas principais conseqüências destes acontecimentos. Grande quantidade de imigrantes foram para diversas partes do mundo à procura de uma vida melhor, muitos seguiram para as Américas, para países como Brasil, Estados Unidos e outros se aventuraram em direção à Austrália, Alemanha, Itália, etc. Eram pessoas que, tendo sido expropriadas de seu ofício pelo capitalismo industrial, perceberam na emigração a melhor saída. A partir de 1850, porém, o capitalismo europeu consegue dar emprego a essas pessoas, entre outros motivos, devido ao crescimento da indústria com a tecnologia. Somado a isso, era preciso pessoas sem qualificação e sem nada além da vontade de trabalhar” (Oliveira, 2004, p.93).

 

Esses acontecimentos reforçaram a necessidade de se realizar uma maior e mais efetiva estruturação urbana, visto que com a migração em massa, as grandes cidades recebiam populações de todos os tipos, raças e religiões, em busca de trabalho. Com a instalação de várias indústrias a população urbana foi se multiplicando. Decorrente desse fato, o fenômeno da segregação sócio-espacial urbana passou a ser ampliado e com maior complexidade, visto que nesse período novos problemas decorrentes da péssima infraestrutura urbana foram sobretudo vivenciados pela multidão de pessoas que afluíam aos principais centros urbanos para procurar trabalho nas novas indústrias.

 

Assim, segundo Negri (2008), somente após a Revolução Industrial, é que foram sendo realizados estudos efetivos e mais complexos, dos tipos de segregação sócio-espacial urbana. A este respeito Negri destaca a importância que os escritos de Friedrich Engels passaram a ter em determinado período no século XIX:


 

“Mas é importante lembrar que uma das mais valiosas contribuições do século XIX foi dada por Friedrich Engels em seus textos imprescindíveis A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra (1845) e Contribuição ao Problema da Habitação (1886), nos quais o autor descreve e denuncia as condições de vida e de moradia do proletariado inglês na cidade de Manchester, logo após a Revolução Industrial.” (Negri, 2008, p.132).

 

Na segunda metade do Século XIX as precárias condições de habitabilidade da população pobre de Londres e Paris era generalizada, apesar dos processos de reforma urbana em curso e das inúmeras descobertas e inovações que por essa altura ocorreram. Mas, mesmo assim, as condições de vida dos proletários eram calamitosas. Ou seja, quem detinha o poder, na época, não se preocupavam com as condições de vida da grande maioria dos excluídos. Os impostos aumentavam e a miséria crescia fora dos palácios e burgos e nos arredores das cidades. A concentração de renda e de poder político se restringia a uma minoria que vivia no “luxo” enquanto a grande maioria viviam no “lixo”, passavam fome e muitos morriam pela falta de higiene e saneamento básico, por acção de várias doenças, decorrentes do acúmulo de todo tipo de lixo nas ruas. Exemplificando a situação, Sposito (2001, p. 49) refere que “os índices de mortalidade eram altíssimos na Europa. Milton Santos, em ‘A urbanização desigual’, apresenta alguns dados ilustrativos deste processo. As taxas de mortalidade na Europa Ocidental eram da ordem de 30% no começo do século XIX, e ainda de 18% em 1900”. Continuando o mesmo raciocínio, a autora Sposito (2001), complementa descrevendo que:


“Os índices acentuam-se à medida que tomamos dados para as grandes cidades: a taxa de mortalidade em Paris era de 29,8% entre 1851 e 1855 e de 24,4% entre 1881 e 85. Ainda que se considerar que a mortalidade infantil era alta, e que na Inglaterra, por exemplo, na metade do século XIX, a mortalidade no meio urbano era 25% maior que no meio rural”. (Sposito, 2001, pp. 49 e 50).

 

Mesmo no final do século XIX, em Londres e Paris, muitas habitações careciam de infraestrutura adequada, saneamento, drenagem e sistema de esgoto. Também nas menores cidades europeias essas condições precárias, de infraestrutura, eram generalizadas. Esses serviços essenciais deveriam acompanhar o ritmo de criação de riqueza mas de fato não ocorria a evolução da infraestrutura nas cidades no mesmo ritmo.

 

Mesmo com tantos avanços tecnológicos a estrutura urbana era decadente. Em Paris as condições de infraestrutura urbana eram precárias e o ar respirado era horrível e poluído. Por outro lado, também na cidade de Londres, a situação não era diferente, no contexto das condições de higiene, esgotos e drenagem. A miséria reinava nas ruas, com multidões famintas e esfarrapadas. De um lado as revoluções industriais trouxeram prosperidade para as cidades, no sentido de existirem novas e inúmeras fábricas, novas descobertas na medicina, na engenharia, na área da química e física. Mas por outro lado, estimulou a miséria urbana sobretudo nos contextos de residência dos operários pobres e explorados, incentivando assim manifestações de segregação socio-espacial. Neste sentido, a miséria que enfrentava grande parte da população europeia produzia milhões de doentes e milhares de mortes, devido às condições insalubres dos bairros em que residiam.

 

Isso ocorreu mais fortemente, nas cidades europeias e nas maiores cidades da América do Norte, a partir do final do Século XIX e nas primeiras décadas do século XX. As cidades foram se tornando mais “desenvolvidas”, consideradas mais “civilizadas”, mas ao mesmo tempo, mais desiguais, com a concentração de renda e poder a aumentar sem que fosse discutida a ética do desenvolvimento, que era comandado pelos interesses e determinações dos donos do capital:

 

“O século XIX não trouxe nenhuma melhoria na ética do capitalismo. A Revolução Industrial que varreu a Europa enriqueceu os banqueiros e os donos do capital,  mas condenou milhões de trabalhadores a uma vida de pobreza objeta”. (Harari, 2017, p. 342).

 

Para Corrêa (1999) apud Negri (2008, p.131) o primeiro modelo de segregação “foi formulado por J. G. Kohl em 1841, geógrafo Alemão”, ao descrever a cidade como um divisão em anéis, onde a classe alta habitava o centro enquanto que na periferia viviam os mais pobres. Segundo o mesmo autor esse tipo de modelo vigorou por quase um século, até que na década de 1920, surge o modelo de E. W. Burgess, que segue uma proposta inversa à de Kohl, descrevendo que com o avançar do processo de industrialização, as classes mais ricas passaram a viver mais afastadas do centro das cidades, buscando casas maiores em locais com maior qualidade de vida e segurança, enquanto as classes mais pobres residiam nas áreas centrais da cidade, com uma localização que facilitava o acesso diário ao trabalho, devido às dificuldades existente em relação ao sistema de transporte.

 

O mesmo autor, Negri (2008, p.131), descreve que as diferenças dos dois modelos citados fizeram com que surgisse um novo modelo do economista norte-americano Hoyt. “Segundo este, o padrão de segregação não seguia um tipo concêntrico, mas em setores a partir do centro, onde a região de maiores amenidades era ocupada pela classe de mais alta renda, sendo circundada pela classe média e estando a classe pobre localizada diametralmente oposta”. Ainda seguindo Negri (2008), a colocação em prática desse modelo, condicionou os processos de transformação urbana. Em que a classe mais favorecida podia usufruir mais ainda do espaço urbano com a abertura de mais avenidas e ruas, o que facilitou a circulação de pessoas, dos automóveis e dos bens de consumo. Nesse ponto pode ser frisado que com estas novas avenidas a pavimentação das cidades passou por grandes inovações, visto que avenidas mais largas e com novas pavimentações asfálticas se tornou necessária para o escoamento dos produtos e pessoas pelos bairros onde residia a população mais favorecida. Posteriormente com o século XX o processo de urbanização foi ampliado mais ainda, sobretudo nos vários países europeus e nos Estados Unidos da América. As cidades se tornavam continuamente mais habitadas e o adensamento urbano foi se tornando um problema severo em algumas parcelas urbanas, decorrente da carência e da má qualidade da infraestrutura básica existente e dos serviços urbanos prestados à população residente nesses bairros.

Importa ainda referir que nas primeiras décadas do Século XX, entre os principais estudos desenvolvidos sobre os modelos de segregações sócios espaciais, teve grande importância o da Escola de Ecologia Humana de Chicago (EUA). “Os estudiosos dessa escola basearam suas análises urbanas em modelos metodológicos fornecidos pelo Darwinismo Social” (Negri, 2008, p.132). Para esses representantes a cidade seria como um “organismo vivo” em que pelas histórias de vida dos seus habitantes se vai defender que os que mais prosperaram são os que mais conseguiam “se adaptar ao estilo de vida urbano conseguindo habitar as melhores áreas deste espaço” (Negri, 2008, p.132). Nesse sentido, podemos perceber que os defensores dessa escola tinham uma visão “naturalista” e positivista da sociedade. Pensavam que a distribuição das pessoas em diferentes espaços da cidade ocorria de maneira natural, em que a localização e moradia de determinadas pessoas ou grupos de pessoas em locais melhores da cidade, apenas representava uma organização social “natural”, que era decorrente dos que melhor se conseguiam adaptar ao funcionamento da sociedade. Isso é uma visão errónea e que ajudou a aprofundar as desigualdades e privilégios para determinados grupos sociais, em detrimento da grande maioria despossuída da época.

 

Apesar das críticas desta visão naturalista da organização do espaço urbano, para Marafon (1996, p.154), os estudiosos da Escola de Chicago estabeleceram vários conceitos relevantes, entre eles o de segregação, que era analisada como decorrente da distribuição ‘natural’ (ecológica) da população na cidade. Não analisavam assim a segregação como um problema decorrente das contradições sociais e económicas dos diferentes grupos humanos existentes na cidade. Segundo a sua perspectiva de análise os “agentes produtores do espaço urbano” (Corrêa, 1989) (1) , agem conjuntamente para que o processo de segregação sócioespacial urbano, seja considerado algo natural, que ocorre à medida que a cidade cresce. Divulga-se assim a ideia de que esse processo de segregação é decorrente do ritmo “normal” da organização da sociedade urbana. De um lado os privilegiados e do outro lado, os destituídos de quase tudo. Mas Negri (2008, p.133), que discorda dessa teoria, esclarece que:

 

“Fica evidente que, em certas ocasiões, o imigrante prefere morar próximo aos seus semelhantes, parentes ou amigos, por diversas razões de ordem cultural, moral, étnica, entre outras. Mas essa falsa noção de auto-segregação de alguns grupos sociais, na realidade encobrem as diferenças sociais entre os vários grupos que habitam a cidade.”

 

Mais tarde a segregação sócio-espacial passa a ser analisada como decorrente das relações de poder entre os diferentes grupos sociais e da necessidade de reprodução das lógicas de controlo e domínio dos territórios. Neste sentido, autores, tais como Castells apud Negri (2008, p. 136), durante a década de 1970 “analisam o processo de segregação sócio-espacial como reflexo da distribuição espacial das diversas classes sociais, de acordo com o nível social dos indivíduos, sendo que esta tem determinações políticas, económicas e ideológicas”. Outro autor que contribuiu muito para este modo de ler a segregação sócio espacial, na década de 1980, foi Harvey, com a publicação do livro “A Justiça Social e a Cidade”, em que utilizando a geografia económica faz uma análise crítica de como o capitalismo contribuiu para uma nova teoria do espaço com fortes implicações no desenvolvimento das cidades. Mais recentemente, em 2012, Harvey publicou “as cidades rebeldes”, reflectindo como ao longo do tempo os processos de transformação urbana têm muitas vezes introduzido factores de descriminação das classes menos favorecidas, algo que se assiste desde as reformas urbanas de Paris do século XIX ao boom imobiliário do início do século XXI em alguns países, sendo que todos esses eventos ocorridos, a nível mundial, promovem cidades ‘rebeldes’, decorrente do aprofundamento do fenômeno da segregação sócio espacial urbana, que tem sido aprofundado mediante as decisões económicas e políticas que os grupos hegemónicos têm tomado para a perpetuação da sociedade estratificada socialmente (Oliveira, 2014).

 

Ainda no âmbito desta visão sobre segregação sócio espacial, nos estudos mais atuais, pós década de 1990, vale destacar a importância dos estudos de Lefebvre, que fez uma grande contribuição para os estudos sobre as sociedades urbanizadas, quando escreveu o livro “O Direito à Cidade”, onde reflecte sobre a sua preocupação com a exclusão social existente nas cidades contemporâneas. Essas cidades estão crescendo e se tornando cada vez mais modernas e cosmopolitas, mas será que estão de fato se desenvolvendo? Em relação a esta questão o autor demonstra nos seus trabalhos que “a experiência prática mostra que pode haver crescimento sem desenvolvimento social -crescimento quantitativo, sem desenvolvimento qualitativo-” (Lefebvre, 2001, p.137). Pois não existe desenvolvimento urbano se não houver o direito efetivo à cidade, onde os cidadãos possam usufruir da cidade e das suas oportunidades. Mas segundo Lefebvre (2001) não se pode alcançar essa plenitude de viver no urbano com equidade e felicidade, sem uma reforma revolucionária, essencial para tornar possível a efetivação de uma sociedade urbana mais justa.

 

Ainda no âmbito desta visão sobre o processo de urbanização e o fenómeno da segregação sócio espacial urbana, nos estudos mais atuais, vale destacar a importância de Préteceille (2003) com a publicação “A evolução da segregação social e das desigualdades urbanas”, onde realça a necessidade de investimentos contínuos em estruturação urbana, melhoria da saúde das populações mais pobres, e decisões políticas mais democráticas com o intuito de maiores investimentos em obras públicas nas cidades, para minimizar desigualdades urbanas. Uma das preocupações nos estudos desse autor, foi revelar que as classes sem renda e de baixa renda, estão em áreas (sobretudo habitação social periférica) onde são acumuladas várias dificuldades (Préteceille, 2003) que vão desde a falta de uma ação de assistência social que vise integrar essas comunidades, a falta de manutenção dos imóveis que estão muito degradados, além da alta densidade desses conjuntos habitacionais, muito próximos e com crescente insegurança para os moradores. Nesse estudo Préteceille (2003) evidencia a ocupação dos mais ricos nas melhores áreas da cidade e à medida que nos afastamos dos melhores bairros os grupos de menor poder aquisitivo vão se instalando. Estes padrões territoriais resultam de um princípio de “hierarquização dos preços fundiários e imobiliários que produz, em primeira instância, a hierarquização das posições sociais dos espaços residenciais, conduzindo, ao final da cadeia, à concentração dos mais pobres nos espaços mais desvalorizados”. (Préteceille, 2003, p.37/38).

 

Outro autor, que estudou esta problemática foi Marcuse (2004), que veio a considerar três tipos de segregação sócio-espacial.

 

“Segundo Marcuse (2004), historicamente existe um padrão geral de segregação das classes sociais, que podemos dividir da seguinte maneira:

1.   Divisão Cultural realiza-se através da língua, da religião, das características étnicas, estilo arquitetônico, por país ou nacionalidade;

2.    Divisão Funcional é resultado da lógica económica, resultando na divisão entre bairros residenciais e comerciais, áreas rurais e indústrias. Ela pressupõe a divisão do espaço pela função exercida para cada atividade.

3.   Divisão por Diferença no Status Hierárquico reflete e reproduz as relações de poder na cidade. Pode ser representada, por exemplo, por um enclave (condomínio fechado) ou pela distribuição dos serviços públicos pelo Estado.” (Negri, 2008, p.131).

 

Nesses três tipos de segregação constata-se que o poder económico estratifica a sociedade dentro da cidade, formando Status Hierárquicos ao separar os grupos humanos em partes (bairros) separados na cidade. Quer seja por nível cultural, pela função exercida ou por nível de renda, tem- se como resultado, em vários períodos históricos, a cidade estratificada que cresce reproduzindo territorialmente esses tipos de segregação.

 

Continuando na reflexão sobre a segregação sócio-espacial urbana, foi realizado uma pesquisa em alguns periódicos nacionais e internacionais, destacando o modo como está a ocorrer esse fenômeno no contexto territorial de enquadramento do estudo empírico desta tese, na Europa e mais precisamente em Portugal, e em alguns países da América Latina, mais concretamente no Brasil.

 

Sendo o fenômeno da segregação sócio-espacial urbana um problema mundial, na Europa têm sido realizadas várias tentativas de minimizar essa questão. Um dos exemplos é a formulação da política urbana europeia, descrita por Medina (2013) em seu artigo La europeización urbana através de la política de cohesión, descrevendo como a política urbana europeia tem encarado esta problemática com a análise das opções privilegiadas na agenda urbana europeia, desde 1990. Uma agenda comandada por ações que propuseram o desenvolvimento urbano a partir de uma política de coesão, de modo a estruturar um processo de europeização urbana mais equilibrado, integrado e mais equitativo para todos os cidadãos europeus. Essas ações fazem assim parte de uma estratégia de envolvimento das cidades no projecto de desenvolvimento da União Europeia, segundo uma visão que busca o reconhecimento das cidades como protagonistas da governança europeia.

 

Essa política urbana tem evoluído muito na última década, mas o problema da segregação sócio- espacial urbana no contexto europeu tende a persistir, por vezes na sequência de novas dinâmicas urbanas. Sendo que muitos dos problemas que decorrem da separação física de diferentes grupos sociais, que tendem a existir em espaços próximos entre si, podem, segundo alguns autores, ser minimizados pelo aumento da tributação junto dos grupos mais favorecidos. Essa tese foi defendida por Carvalho (2016) no seu artigo ‘Gentrificação: a tributação como atenuante da segregação social e urbana’. O autor ressalta que, nestes casos, o Estado deve tomar medidas efetivas para uma verdadeira justiça social. Essas medidas têm maior consistência, quando são aplicadas em casos onde exista a gentrificação de determinados bairros das cidades. Pois essa valorização de determinadas áreas da cidade, cria outro problema a partir do momento em que um determinado contingente populacional foi expulso do local que passou pelo processo de enobrecimento urbano. Esse enobrecimento urbano sempre é promovido pelo capital privado em consonância com o poder público. Isso com certeza gera conflitos e deixa claro que a cidade ainda hoje evolui no sentido de se tornar cada vez mais segregada.

 

Quanto a estes processos de gentrificação, pode ser afirmado que esse fenómeno está presente também em Portugal. Para exemplificar este caso Malheiros et al. (2013) em seu artigo Gentrification, residential ethnicization and the social production of fragmented space in two multi- ethn ic neighbourhoods of Lisbon and Bilbao’, analisou como as tendências, simultâneas de etnicização e gentrificação, estão contribuindo para a fragmentação dos espaços urbanos contemporâneos. O autor também salienta neste seu artigo que a quebra da homogeneidade da cidade moderna, decorrente da existência de novas unidades sociais urbanas, provocam o surgimento de novas redes com descontinuidade territorial que estão menos centradas no bairro. Esse estudo foi realizado no bairro Mouraria (Lisboa, Portugal) e São Francisco (Bilbao, Espanha), bairros esses que são constituídos por grupos multiétnicos. Nesses bairros as ações de grupos privados promovendo o enobrecimento dessas áreas têm contribuído para a fragmentação sócio- urbana. Essas ações geram a fragmentação dos dois bairros estudados, provocada pela gentrificação e provocando um tipo de etnicização marginal.

No caso da América Latina Thibert e Osorio (2014) analisaram os padrões sócio económicos das cidades desse sub-continente, que estão sendo alterados rapidamente no decurso de processos acelerados de metropolização e suburbanização. Estes autores destacam que as consequências políticas decorrentes desse processo não são bem compreendidas ainda, no entanto torna-se claro que o processo de segregação sócio-espacial urbano tem interferido negativamente na evolução dos padrões sociais e económicos das populações urbanas e mais fortemente, das residentes nas grandes áreas metropolitanas. Outros autores como Girola et al. (2015) analisaram experiências de segregação com base numa pesquisa sócio-antropológicas de corte etnográfico, constatando que a contínua persistência de condições de desigualdade socioeconómica é um traço comum que caracteriza as cidades contemporâneas da América latina. Visão partilhada por outra autora que estudou a segregação residencial latino-americana, a partir de um estudo realizado em Bogotá (Arcila, 2015), com o qual mostrou como os agentes sociais dão valorização diferenciada para determinados grupos, dependendo de sua localização no espaço urbano da cidade de Bogotá. O texto destaca ainda que as regiões são segregadas por razões económicas e as desigualdades são expressas na falta de organização urbana.

 

No caso do Brasil a segregação sócio-espacial urbana tem merecido a reflexão de vários autores, abordando especialmente a sua dimensão residencial. Para Villaça (2001), um estudioso do fenômeno da segregação sócio espacial urbana existente no Brasil, conclui através das suas análises que “a segregação é um processo necessário à dominação social, económica e política por meio do espaço” (Villaça, 2001, p.150). Essa dominação que ocorre em todas as esferas é expressa constantemente na sociedade, para ratificar a dominação geral de um grupo dominante sobre os demais grupos. Por via do favorecimento da segregação socio-espacial os grupos de alto poder económico, político e jurídico, legitimam a dominação. Sendo que o mais alarmante é que essa “legitimação” é considerada, pela maioria da população (dos dominados) como se fosse a única forma de existir na sociedade, num contexto de desigualdade evidente.

 

Segundo este autor a diferenciação intra-urbana em termos sociais, económicos, infraestruturais e residências, é um fenómeno que foi sendo permitido e estimulado pelos grupos dominantes como forma de promover uma sociedade assente na diferenciação de grupos sociais, ao separar fisicamente os de menor poder aquisitivo em áreas com pouca ou quase nenhuma infraestrutura básica urbana. Sendo que no Brasil a segregação sócio-espacial residencial é assim inerente ao contexto global de uma sociedade de classes antagónicas. Historicamente os grupos sociais mais privilegiados sempre procuraram criar a diferença de valor do solo urbano, para justificar a alocação dos diferentes grupos sociais. Essa diferença do valor por bairro força a distribuição da população de baixa renda ou/e sem renda para os bairros mais afastados do centro e das áreas mais estruturadas. Ao marginalizar o cidadão de baixa renda este quase não tem condições de ascender socialmente, porque não pode beneficiar das mesmas oportunidades a nível social, económico, cultural ou educacional. A segregação socio-espacial vai assim garantir que estas oportunidades desiguais se reproduzam intergeracionalmente, conseguindo-se assim a manutenção de uma sociedade de classes antagónicas.

 

“Morar num bairro periférico de baixa renda hoje significa muito mais do que apenas ser segregado, significa ter oportunidades desiguais em nível social, económico, educacional, renda, cultural. Isto quer dizer que um morador de um bairro periférico pobre tem condições mínimas de melhorar socialmente ou economicamente. Implica, na maioria dos casos, em apenas reproduzir a força de trabalho disponível para o capital.” (Negri, 2008, p.136).

 

Metodologicamente este fenómeno da segregação sócio espacial urbana tem sido estudado com recurso sobretudo aos índices de segregação. Por exemplo no estudo feito por Carvalho et al. (2013), no qual os autores procuraram calcular os índices por faixas de renda em quatro períodos distintos na região metropolitana de São Paulo. O período estudado foi de 1994 a 2009, procurando revelar-se o comportamento da segregação das faixas de renda, com a avaliação da concentração ou dispersão de certo grupo em determinado espaço urbano. Outro estudo realizado sobre a segregação em São Paulo foi o de Marques (2014) com o seu artigo ‘Estrutura social e segregação em São Paulo: Transformações na década de 2000’ em que foram utilizadas as hipóteses mais importantes da literatura internacional a respeito dos impactos sociais da reestruturação produtiva recente e sobre as mudanças na segregação residencial em grandes cidades, utilizando dados dos Censos de 1991 e 2010. Esse trabalho mostrou que a metrópole paulistana continua intensamente segregada com um alto padrão de evitação entre os grupos sociais localizados nos extremos níveis económicos. Entre as suas conclusões, por um lado foi constatado que existe uma maior homogeneidade nos bairros habitados pelos mais ricos. Por outro lado, as áreas habitadas pela população de baixa renda tendem a ser mais heterogéneas, o que tem contribuído para maior mistura social em bairros intermediários e nas periferias.

 

Outro estudo também feito no Brasil, agora na cidade de Recife, foi realizado por Oliveira e Silveira Neto (2015), revelando a segregação sócio-espacial nesta cidade utilizando dados censitários do IBGE de 2000 e 2010 pela variável de rendimentos. As evidências indicam um padrão de concentração espacial dos grupos de mais altos rendimentos em alguns bairros de Recife como: Rio Capibaribe, Praia de Boa Viagem e parque da cidade. Essas áreas são localizadas próximo ao centro da cidade com grande oferta de serviços públicos e bom saneamento básico. Esta análise evidenciou a presença de auto segregação urbana desses grupos com renda superior a 10 salários mínimos. Ainda a respeito desta segregação da classe de maior nível sócio-económico nas cidades metropolitanas no Brasil, Cerqueira (2015) estudou a existência das novas lógicas da fortificação residencial nas periferias de Belo Horizonte, afirmando que a fortificação residencial tem produzido “homogeneidade social intramuros”, mas por outro lado, reforça a heterogeneidade extramuros. Essas práticas de crescente proteção com seguranças, muros, grades, câmaras de segurança e outras ações de proteção e fortificação residencial, têm sido característicos nas diversas metrópoles latino-americanas. Decorrente dessas ações de isolamento/proteção, a fortificação provoca uma homogeneidade social dentro dos muros dos condomínios e por outro lado, aumenta a segregação sócio espacial urbana. Esses condomínios exclusivos, controlados por tecnologias e barreiras físicas, têm sido disseminados pelo Brasil reforçando a estratificação residencial das suas cidades.

Ainda sobre este contexto específico de segregação sócio espacial urbana, Silva et al. (2015), estudaram os condomínios horizontais e loteamentos fechados, analisando a situação da capital do Piauí (Teresina), no nordeste brasileiro, onde a presença desse tipo de habitação tem alterado a morfologia urbana do tecido urbano. Para comprovar esse processo de segregação sócio espacial, foi realizado um levantamento em jornais e classificados de imóveis no Arquivo Público do Piauí e em sites de imobiliárias até novembro de 2014. Foi destacado neste estudo que a expansão dos condomínios horizontais e loteamentos fechados provocam vários impactos nas cidades, alertando para o facto de provocar o abandono do uso do espaço urbano público, por medo e receio de agressões e roubos, sobretudo enquanto espaço de cruzamento, encontro e diversidade. Pois cada vez mais esses espaços públicos têm sido subutilizados pelos grupos de maior poder aquisitivo. Por outro lado, o fato do acesso a esses espaços condóminas ser restrito, reforça o tipo de auto segregação. Dentro desse mesmo tipo de análise, Milani e Góes (2015), publicaram um estudo sobre os espaços residenciais fechados nas cidades não metropolitanas, concluindo que os mesmo constituem “barreira material e quanto um limite simbólico” visto que os muros criam uma imagem clara da separação dos grupos sociais existentes nas cidades.

 

Outra pesquisa importante, foi o estudo feito por Caldeira (2003) em seu livro ‘Cidade de Muros’, lembrando que antes existiu no Brasil um determinado padrão de segregação socio-espacial, do tipo centro-periferia. Mas as alterações ocorridas no processo de desenvolvimento e crescimento urbano, nas últimas décadas, têm gerado um tipo de segregação distinto, em que grupos opostos (de níveis sócio económicos diferentes) estão agora muitas vezes próximos fisicamente, mas continuam separados entre si, pela acção desses condomínios fechados.

 

“O principal instrumento desse novo padrão de segregação espacial é o que chamo de "enclaves fortificados". Trata-se de espaços privatizados, fechados e monitorados para residência, consumo, lazer e trabalho. A sua principal justificação é o medo do crime violento. Esses novos espaços atraem aqueles que estão abandonando a esfera pública tradicional das ruas para os pobres, os "marginalizados" e os sem-teto”. (Caldeira, 2003, p.211).

 

Esses enclaves fortificados de reclusão residencial são o mais recente tipo de segregação sócio espacial urbana na cidade contemporânea. Decorrente desse processo de isolamento social pelos condomínios fechados, a especulação mobiliária tem sido ampliada no espaço urbano. Os autores Pagani et al. (2015), estudaram como essas atuais formas de uso e ocupação do solo urbano aprofundam práticas de valorização imobiliária. Chegando à conclusão que essas práticas de especulação imobiliária têm acentuado as contradições sociais e económicas no seio das cidades, favorecendo a segregação sócio espacial.


A opção das classes sociais de maior poder aquisitivo por residir em condomínios fechados de moradias ou prédios, ou seja, tanto horizontais quanto verticais, tem reforçado e aprofundado o processo da segregação, uma vez que separa mais ainda, um determinado estrato social, dos demais cidadãos de menor poder aquisitivo. Além de se protegerem em seus condomínios, passam a usufruir de muitos serviços que o condomínio lhes providencia, sentindo-se com eles mais protegidos. Mas o que está ocorrendo de fato, é que estão sendo enclausurados nos seus condomínios, em relação ao contexto urbano mais vasto de que fazem parte.

 

Concluindo este enquadramento e breve problematização do objecto de estudo desta tese, pode ser afirmado que o processo de segregação sócio-espacial urbana é uma tendência mundial, embora com mais expressão em alguns contextos territoriais, onde este fenómeno tem raízes históricas profundas e onde se tem tornado progressivamente mais relevante na contemporaneidade. Pelos estudos elaborados conclui-se que embora existam várias tentativas de compreensão do fenómeno para procurar minimizá-lo, percebe-se que a complexidade e dimensão do processo de segregação sócio espacial urbana tem sido reforçada pelos grupos privilegiados, com o objetivo claro de manter a dominação, económica, social, política na cidade, em prol da reprodução da força de trabalho e da manutenção do status quo.

 

De fato, as políticas públicas não têm resolvido a questão da segregação sócio espacial urbana. Em certos casos específicos tem apenas minimizado o problema. Na generalidade as políticas públicas urbanas existentes servem para melhorar a infraestrutura em áreas específicas, mas nos bairros dos grupos sócio-económicos menos privilegiados os investimentos públicos são reduzidos e escassos. As regiões mais valorizadas recebem mais investimentos que as menos valorizadas, assim a segregação sócio-espacial vai se aprofundando. Os problemas sociais, que estão associados à segregação, são assim muito maiores entre os pobres, devido à distribuição das ações do poder público e dos baixos recursos utilizados nas áreas em que residem, facilitando ou mesmo estimulando ações ilícitas de toda ordem. Esta realidade é bem presente nos países latinos americanos e nas cidades brasileiras, quer sejam metrópoles ou cidades médias, onde o fenômeno da segregação socio-espacial tem aumentado à medida que as cidades crescem, rumo à sua periferia.

 

Por este breve estado da arte apresentado percebe-se que os estudos desenvolvidos até o momento têm sobretudo procurado compreender a segregação sócio-espacial, as suas causas e consequências, e, por outro lado, têm procurado identificar metodologias para identificar/detectar a segregação sócio-espacial e a sua incidência. Estas têm sido as duas vias de análise privilegiadas. Nesta tese procura-se contribuir para o aprofundamento da compreensão desta problemática explorando uma via de análise distinta das que têm sido perseguidas, que consiste na interpretação deste fenómeno na perspectiva do indivíduo que por ele é afectado, quer através da análise da percepção deste fenómeno por parte de quem reside nas parcelas urbanas segregadas, quer através da análise da imagem mental que sobre estes territórios urbanos se vai estruturando por parte de quem vive fora deles. É assim um trabalho de investigação que opta por analisar o fenómeno na perspectiva do indivíduo, embora também o faça na óptica das estratégias de desenvolvimento urbano e das políticas de cidade.

 

Esta tese utiliza como modelo de análise para a abordagem do seu estudo comparativo, dois tipos específicos de segregação sócio-espacial urbana: a auto-segregação e a segregação imposta. A auto segregação refere-se à segregação urbana da classe de alta renda por opção própria, em espaços com alto grau de homogeneidade social, muitas vezes condomínios fechados, mas não só. A segregação imposta refere-se à segregação urbana referente à classe de baixa renda ou sem renda por imposição do funcionamento do mercado imobiliário ou das políticas de habitação social, em espaços onde existe também um alto grau de homogeneidade social.

 

A auto segregação é uma escolha dos grupos de alta renda, que residem nos bairros bem mais estruturados das cidades, a que eles têm acesso, e onde se concentra a melhor infraestrutura da cidade e os imóveis mais luxuosos. Neste caso a segregação é uma opção não uma inevitabilidade, uma vez que a classe de alto poder aquisitivo se auto segrega. Indivíduos de um mesmo grupo social optam por partilhar um contexto de residência que lhes é exclusivo, pelas vantagens que consideram-lhe estar associadas. Em oposição, a segregação imposta é conotada com os bairros de baixo poder aquisitivo, uma vez que os residentes destes bairros não escolheram residir em áreas sem estrutura básica (sem pavimentação adequada, esgoto, drenagem, energia elétrica, etc.), a segregação de que são alvo é-lhes imposta. Neste caso, a falta de condições económica determina a localização residencial, dos habitantes citadinos de baixa renda ou sem renda, em contextos de forte segregação que são ‘forçados’ a partilhar com outros indivíduos do mesmo grupo social. Em ambos os casos, as classes de alto poder aquisitivo e, opostamente, as classes sociais de baixo poder aquisitivo, habitam num contexto social de grande homegeneidade social e distinto da sua envolvência.


Notas

(1) “1) Os proprietários dos meios de produção...2) Os proprietários fundiários...3) Os promotores imobiliários...4) O Estado... e 5) Os grupos sociais excluídos”. Corrêa (1989), Apud Sposito (2008, pp. 24 a 27).

Nota final ao artigo:

Em próximas semanas será dada continuidade à presente série editorial.

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Notas editoriais gerais:

(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.

(ii) No mesmo sentido, de natural responsabilização dos autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos de ilustração dos mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos, gráficos, etc., é, igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores – que deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias autorizações. 

(iii) Para se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

 

Breves considerações históricas sobre o processo mundial de segregação sócio espacial urbana – Infohabitar # 862

Artigo I da série editorial da Infohabitar “Segregação sócio-espacial em contexto urbano. Um estudo comparativo entre Braga - Portugal e Aracaju-Brasil”. A presente série editorial integra uma sequência de capítulos da tese de doutorado de Anselmo Belém Machado intitulada “Segregação sócio-espacial em contexto urbano, através de um estudo comparativo entre Braga - Portugal e Aracaju-Brasil”, adaptada, pelo respetivo autor, especificamente, para esta iniciativa editorial na Infohabitar.

 

Infohabitar, Ano XIX, n.º 862

Edição: quarta-feira, 07 de junho de 2023

Infohabitar

Editor: António Baptista Coelho, Investigador Principal do LNEC

abc.infohabitar@gmail.com, abc@lnec.pt

A Infohabitar é uma Revista do GHabitar Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação atualmente com sede na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE) e anteriormente com sede no Núcleo de Arquitectura e Urbanismo do LNEC.

Apoio à Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.

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