quinta-feira, julho 27, 2006

96 - Lisboa palco de beleza; ... cidade, no rio… a caminho do mar: artigo duplo, sobre a Tall Ships’ Races 2006, Celeste Ramos e M. João Eloy - Infohabitar 96

 - Infohabitar 96


LISBOA CIDADE - PALCO DE BELEZA

Maria Celeste d'Oliveira Ramos - arqtª-paisagista
Como é bela a velha cidade que parece mais feliz quando algo de novo e grandioso nela se manifesta e faz com que todos os seus habitantes desçam colina a colina quais regatos que desaguam no grande rio a ver o que nele acontece de fantástico e do rio, mais uma vez, se enamorem.
Feliz é a cidade que se situa à beira de estuário de Rio, matéria-primordial de Civilização, como foi a do Nilo que deu origem a uma das mais inteligentes e perturbadoras das civilizações antigas, dela perdurando até nós fábulas, não apenas de Cleópatra, mas essencialmente das suas pedras transtornadas-arte-religião-cultura-história-saberes-mistério, hoje continuando a ser, não apenas local mítico, mas permitindo, ainda agora, desenterrar do mar esfinges após esfinges, quais "MonaLisa" do passado, pedras sagradas da sabedoria da beira-do-deserto e tal que a sua grandeza nunca se apagou, sendo hoje local de peregrinação-turística na demanda de saberes antigos e de mistério nunca desvendado.



Fig.1



Fig. 2

Feliz Lisboa do lendário rei de Ítaca que a baptizou e onde, para além do número sagrado - o sete - o número das suas colinas, mora gente que ama a sua cidade e o seu rio e o veneram tão só para, inocentemente e alheados da história, pescarem o mais humilde peixinho ou assistirem ao grandioso espectáculo dado pelos mais belos e gigantescos veleiros – nas Tall Ships’ Races 2006 - engalanando o Rio e a Cidade que forneceu, para agradecer a sua visita, o clima mais esplendoroso e até o vento necessário e a Luz, sempre a luz desta "Lusitânia" para que pudessem brilhar mais neste estuário maior da Europa, de água sempre corrente e sem gêlo e de imensa biodiversidade, parte da Rede Natura do continente e património do mundo, porque este mundo moderno que somos "partiu daqui."




Figg. 3, 4
Bela a cidade com o rio como paisagem, com escala para ser detectado pelas lentes inquisidoras dos satélites mundiais, paisagem única e mítica de onde partem e onde aportam constantemente todos os navios do mundo.
Feliz o habitante que pode olhar o rio da janela de sua casa ou da rua do seu bairro ou que, em dia de descanso, desce até à beira rio e, sem saber, procura "as Tágides minhas" que o poeta desencantou dando ao país memória eterna e eternizada porque, também ele, um dia daí partiu para longe e regressou com palavras-escritas da sua epopeia que se confunde com a epopeia do país de marinheiros e é raíz, na sua forma-renascentista-original, que continua a ser essência lusitana.
Feliz a Cidade-palco de beleza e de história de toda a humanidade, para sempre a capital do primeiro gesto que tornou o mundo global e redondo ao desbravá-lo, correndo mares fora e dando identidade a continentes até aí desconhecidos.

Como que reavivando essas memórias, mais uma vez, pelas águas foi agora materializado esse passado comum com o esplendor exibido pelos Veleiros mais belos do mundo lembrando aos homens que é a PAZ entre eles que é preciso anunciar a todas as gerações para serem mais humanos e felizes, porque já todos os mares foram desbravados e conquistados como que anunciando que falta apenas conquistar o Homem-Global.

Feliz o Rio que tal "mensagem" transporta hoje, como transportou nas brancas velas pandas com a Cruz de Cristo, Ele, que veio à Terra anunciar o Amor e a Paz.





Fig. 5




Fig. 6

E assim se fez e continua a fazer cidade-cidadania-global, nas águas do rio que corre doce e tranquilo para o mar.
Mítica Cidade de mítico Rio e de gente que um dia sonhou abrir as estradas do mar para homens e continentes e semear aquilo em que acreditava.

PS – Um lisboeta entrevistado hoje, à beira rio, para o noticiário televisivo das 20:00, disse que estava, por um lado, maravilhado com o que via mas que, por outro, lamentava olhar os Veleiros e nada saber deles e muito menos da história do país do tempo dos descobridores.
Fica aqui esta "nota triste" de uma cidade que esteve "feliz" por alguns dias de emaravilhamento pela beleza dos "visitantes" do seu Rio.
Maria Celeste d'Oliveira Ramos
Lisboa, bairro de Santo Amaro, 23 julho 2006

Fotos 1 a 6 - M.J.Eloy – Tall Ships’ Races 2006, Tejo – Lisboa
1. Doca de Alcântara e Navio Escola ‘Sagres’, 2006.07.21
2. ‘Sagres’ , Tejo, Lisboa
3. ‘Europa’ - detalhe
4. ‘Amerigo Vespucci’ - detalhe e Ponte 25 de Abril
5. ‘J. S. De Elcano’, Tejo, Lisboa
6. ‘Stravos S Niarchos’, Tejo, Lisboa


TAMBÉM ASSIM SE FAZ CIDADE, NO RIO… A CAMINHO DO MAR

Maria João Eloy - arquitecta



Fig. 7




Fig. 8




Fig. 9




Fig. 10




Fig. 11




Fig. 12

Uma doca de acessos controlados,
de seguranças discretamente armados,
pede cartões na suspeita de identidades.
O festival transborda o rio para o cais,
num deslumbre de objectos pesados,
etereamente flutuantes.
A água plena de utilidade.
O Sol explicando-se melhor.
A escala ignorada todo o ano.
Nós sufucando de crise e inanição.
Eles inchados de soberba e precisão.
Governados humilde e habilmente.
Emprestados ao bulício citadino.
Ignorantes da sua administração.
Tradições de antanho, perícias tamanhas.
Azuis, brancos, pretos e amarelos.
Solidariedade intergeracional.
Proposta para prémio da paz.
108 metros, 100, 50, 10 e tais.
Velas, mastros, cordames.
Um arrepio ao desfilar da Sagres.
Um não sei quê de brio.
Que bem vão em formatura.
Da proa à popa que longe fomos.
Hoje deslumbrados restamos.
A guerra já aqui tão perto.
Eles afinados, emproados.
Nós preocupados com o chaço velho.
A cidade engalanada, mascarada.
Bem usada e abusada.
Vida, cultura, desporto.
Foguetório, homenagens.
Faça turismo por cá.
Dividendos vários.
Dentro de dois anos, mais haverá.

Também assim se faz cidade,
no rio… a caminho do mar.
Trata-se do 50º aniversário
da Regata dos Grandes Veleiros.
Prontos a zarpar, que se faz tarde.


Maria João Eloy
Lisboa, 23 Julho 2006

Fotos 7 a 12 - M.J.Eloy – Tall Ships’ Races 2006, Tejo – Lisboa
7. Largada no Tejo da Regata dos Grandes Veleiros, 2006.07.23
8. ‘Amerigo Vespucci’, Lisboa e Ponte 25 de Abril
9. ‘Christian Radich’, Tejo, Lisboa
10. ‘Europa’ – detalhe
11. ‘Dar Mlodziezy’, Tejo, Lisboa
12. Acesso ao cais da Tall Ships’ Races na Doca de Alcântara e ‘Sagres’

domingo, julho 23, 2006

95 - Ambiente e construção sustentável numa promoção cooperativa na Ponte da Pedra, Matosinhos - um artigo de José Coimbra - Infohabitar 95


 - Infohabitar 95


Notas iniciais:
É com grande satisfação que o Infohabitar acentua, com este artigo, a sua vertente tecnológica, caminho este que se pretende harmonizar, nas futuras edições da nossa revista/blog, com a continuidade das temáticas que têm merecido a nossa atenção.
O Eng. José Coimbra, que hoje, pela primeira vez, aqui assina um excelente artigo tem, entre outras funções, importantes responsabilidades técnicas na Cooperativa de Habitação As Sete Bicas e na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE) e foi um dos elementos-chave no incentivo e no levar à prática de uma pioneira intervenção de habitação de interesse social ambientalmente sustentável, assegurada pela promoção cooperativa e apoiada pelo Instituto Nacional de Habitação; um exemplo, actualmente em acabamento, e que, sem dúvida, ajudará a marcar um novo e essencial caminho na promoção habitacional em Portugal.
O texto que se segue é da autoria do Eng. José Coimbra, refere-se à segunda fase do indicado conjunto da Ponte da Pedra, em Matosinhos, e será integrado numa publicação subordinada ao tema “Ambiente e Construção Sustentável”, desenvolvida em colaboração com o Instituto do Ambiente e que já integra uma primeira avaliação do referido conjunto, à qual se seguirão outras análises e avaliações mais completas e detalhadas.

A edição



Ficha técnica da segunda fase do conjunto da Ponte da Pedra, em Matosinhos:
Intervenientes: Promotor: NORBICETA – União de Cooperativas de Habitação, U.C.R.L. (Nortecoope, As Sete Bicas, Seta).
Projecto: Carlos Coelho – Consultores, Lda.
Controlo Técnico: CPV, Controle e Prevenção de Riscos, S.A.
Construção: J. GOMES Sociedade de Construções do Cávado, S.A.
Coordenação de Higiene, Segurança e Saúde: SOPSEC Sociedade de Prestação de Serviços de Engenharia Civil, Lda.
Financiamento da Construção: Instituto Nacional de Habitação – INH
Projecto – piloto comunitário, subsidiado e apoiado pelo Projecto SHE, Sustainable Housing in Europe





Dados gerais:
Área de implantação: 3105 m2
Área bruta de construção: 14.852,40 m2 (101 fogos)





O Conjunto residencial da Ponte da Pedra, promovido pela NORBICETA – União de Cooperativas de Habitação, U.C.R.L., situado em Matosinhos, substituiu uma zona industrial degradada, valorizando o local de implantação, na medida em que, para além da operação habitacional, se procedeu a uma acção de regeneração ambiental e urbana.
Este Conjunto Residencial é constituído por uma primeira fase que conta com 6 Blocos, os quais contemplam 150 habitações, um equipamento educativo e cultural a norte do novo arruamento e um equipamento desportivo a meio da área habitacional.
A segunda fase do Empreendimento, constituída por 2 blocos (Bloco 7 e Bloco 8 – 101 habitações, tipologia T2 e T3), prevê ainda a criação de um equipamento infantil, parque público e espelho de água, peça escultórica, com zonas ajardinadas e vias pedonais em todo o Empreendimento.
Esta segunda fase, ainda em construção e com data de conclusão prevista para Setembro (Lote 7) e Novembro (Lote 8) de 2006, representa a participação portuguesa no Projecto SHE (Sustainable Housing in Europe) e surge na sequência da candidatura desta fase a esse mesmo Projecto.
O Projecto SHE é um projecto-piloto desenvolvido a nível europeu, co-financiado pela UE, incluindo-se no Eixo nº 4 – Cidades do Futuro e Herança Cultural, do 5º Programa Quadro de Investigação: Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
O Projecto tem como objectivo demonstrar a viabilidade da Habitação Sustentável do ponto de vista económico, ambiental, social e cultural, utilizando, para tal, construções cooperativas europeias.
Durante o uso das habitações, serão desenvolvidas acções de monitorização a esses níveis com o propósito de demonstrar, com resultados concretos, a viabilidade, importância e vantagem da construção sustentável. Em Portugal, o Projecto foi desenvolvido em parceria pela NORBICETA – União das Cooperativas de Construção, U.C.R.L., pelo Departamento de Engenharia Mecânica e Gestão Industrial da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e pela Federação Nacional das Cooperativas de Habitação Económica, U.C.R.L, dando assim origem ao Primeiro Empreendimento Cooperativo de Construção Sustentável em Portugal.

De seguida, são apresentadas as medidas aplicadas no projecto SHE de Ponte da Pedra, de acordo com os critérios do Sistema " Líder A ".







Local e Integração:

O projecto da Ponte da Pedra 2ª Fase demonstra preocupações na análise do local e das suas características, nomeadamente através do levantamento prévio das especificidades do local e da sua integração no projecto, destacando-se a procura de gestão de águas locais, assegurando as funções ecológicas do solo (C2).
Para além deste aspecto, é ainda relevante o facto de o empreendimento se localizar numa antiga zona industrial, tendo recuperado uma zona degradada, o que constitui um factor de destaque no que respeita à selecção do local – análise macro e planeamento (C1).
Existem também nas proximidades ao local várias amenidades (farmácia, banco, lojas de comida, etc.) e acesso a transportes públicos.

Recursos:

As medidas aplicadas demonstram uma efectiva preocupação na adequada gestão energética, que passam pela utilização de medidas solares passivas, melhorando o desempenho energético passivo do edifício (C10), e activas que permitirão reduzir o consumo de electricidade (C11) e de gás, aproveitando energia solar para AQS, ou seja, recorrendo a formas de energia renovável (C14).
Existem também medidas que permitem uma adequada gestão da água no interior das habitações (chuveiros com válvulas termostáticas para controlo de temperatura, autoclismos com dupla descarga de 3 e 6 litros, aproveitamento de águas pluviais para a sanita, etc.), contribuindo, desta forma, para a redução do consumo de água para abastecimento doméstico (C16).
No exterior dos apartamentos são também aplicadas medidas para reduzir os consumos de água em espaços comuns e exteriores (C17), nomeadamente através do aproveitamento de águas recuperadas para rega da totalidade dos jardins da urbanização e da introdução de sensores de humidade que permitem detectar a necessidade de rega.
O facto de se ter implementado um sistema de recolha e armazenamento das águas pluviais, de escorrência superficial na área do empreendimento e de infiltração nas garagens, depois utilizadas, como referido, nas sanitas e rega de jardins, contribui efectivamente para a gestão de águas localmente (C20).
Verificou-se uma preocupação na utilização de materiais locais (C22) preferencialmente localizados na zona centro norte, num raio de aproximadamente 100 km, apresentando certificados de qualidade.

Ambiente Interior:

Relativamente ao ambiente interior, é evidente a introdução de medidas para a redução de ruído, através do reforço do isolamento acústico (C42), quer nas paredes exteriores, quer nas zonas interiores mais sensíveis (quartos).
A adequada ventilação e contributo natural (C36) das habitações, associada à ausência de aparelhos de ar condicionado, irá permitir estabelecer padrões adequados de qualidade de ar interior, nomeadamente no que respeita à prevenção de micro contaminações (C38), por exemplo legionella.
As medidas aplicadas para reforçar o isolamento térmico, bem como as medidas solares passivas e activas referidas, permitirão obter valores de conforto térmico (C39) adequados no interior das habitações.
Pelo que se pode observar na visita ao local, os níveis de iluminação (C40) deverão também ser bastante confortáveis, nomeadamente através do aproveitamento da iluminação natural (C41) considerada no dimensionamento das janelas.

Gestão Ambiental e Inovação:

A sensibilização dos futuros moradores é assegurada nos vários momentos de desenvolvimento e de apresentação do Empreendimento (encontros conjuntos que reúnem promotor, construtor, projectista e autarquia e que são apoiados pela emissão de Dossiers actualizados sobre o Empreendimento).
As acções de sensibilização culminam com a edição do Manual do Cooperador Proprietário de Uso e de Manutenção do Imóvel, distribuído aquando da entrega das habitações, documento este que divulga informação ambiental (C48) relevante sobre o edifício e sua adequada utilização.
Para além deste aspecto é ainda de referir que será desenvolvida uma monitorização energética e ambiental, social e económica (implicadas pelo projecto SHE), que permitirá acompanhar e controlar o desempenho do edifício.

Notas complementares:
O Instituto Superior Técnico, sob a orientação do Professor Manuel Pinheiro da Secção de Hidráulica e Recursos Hídricos e Ambientais, e ao abrigo do Sistema Líder A (Sistema Ambiental de Reconhecimento da construção sustentável), irá proceder à avaliação ambiental do Empreendimento da Ponte da Pedra 2ª Fase, promovido pela NORBICETA – União de Cooperativas de Habitação, U.C.R.L.
O referido grupo de investigação do IST está agora a desenvolver os critérios segundo os quais será possível proceder à avaliação e certificação ambiental de empreendimentos, e à identificação dos “casos de estudo“ considerados mais significativos a este nível.
Julho de 2006
José Coimbra
Nota do editor: a este importante exemplo de aliança entre promoção de habitação de interesse social e construção que integra critérios práticos de sustentabilidade, voltaremos, designadamente, por ocasião da sua próxima inauguração.

sexta-feira, julho 21, 2006

94 - Seis cantos contra a guerra - Infohabitar 94

 - Infohabitar 94

Disse-me o grande amigo e membro do Grupo Habitar, Khaled Ghoubar: “é o melhor que eu posso fazer contra esse absurdo no Líbano, e eu acho que eles podem ser muito úteis porque não pretendem ser parciais.”

E assim, sem mais comentários a não ser uma imagem, que ofereço ao Khaled, e com a qual partilho a intenção dos cantos, editam-se,

“Seis cantos contra a guerra.”

António Baptista Coelho




1/6
Quando ansiava pela paz,
me anunciaram a guerra.

Já gastei no passado quase todo o meu ódio,
hoje eu o conservo em pequenas garrafas,
como perfume.

Bateram à minha porta
com armas de fogo e armas brancas,
sem nenhuma bandeira branca...

Disse-lhes que eu saí
que a minha alma foi penar
onde as mães penam seus filhos mortos,
onde os filhos perdidos procuram suas mães,
onde o sangue não alimenta nada.

Disse-lhes que eu ali
era só um corpo inútil, desalmado
e que poderiam levá-lo para a guerra,
para aumentar as penas
das mães e dos filhos,
ambos perdidos nos escombros
que produzirei.

Me carregaram em regozijo,
me carregaram morto-vivo,
eu que só queria parar
para chorar todos os mortos.

Khaled Ghoubar 19 07 2006


2/6
Já viram a mãe muçulmana
no quadro de Guernica?

Já identificaram a criança judia
no quadro de Guernica?

Já sentiram o cheiro
de carne humana dilacerada,
soterrada, carbonizada?
Dizem que começa com um cheiro doce...
que depois atrai os abutres!

Guernica, de guerreiros carniceiros,
que escória é essa gente
que chamamos de humanos?

Não são judeus, nem são muçulmanos!

Khaled Ghoubar 19 07 2006


3/6
Antes que sobre só estupidez
e rancor dilacerante,
faço meu testamento de fé:

De nada adianta matar o corpo
se a alma é imortal;
De nada adianta castigar
o mal com o mal
que nunca nascerá o bem;
De nada adianta me ofender,
serão sempre injustos;
De nada adianta queimar minha casa,
sei reconstrui-la com cinzas;
De nada adianta me expulsar,
a memória dos meus pés me trará de volta;
De nada adianta me acusar,
eu sou uma peça de dominó;
Eu só queria a ingenuidade honesta
de uma paz definitiva;
Não quero flores,
choros e tiros para o ar,
só quero o silêncio dos campos arados;
Eu quero que eles atravessem a fronteira
para apararem no peito
as balas que eles desferiram;
Não haverá nem céu, nem inferno,
só um eterno murmúrio de lamento.

Khaled Ghoubar 19 07 2006


4/6
Não vai dar certo!
Eles gostam de fogo
e eu do vento...

Eles gostam de brincar de policial
e me tratarem como bandido...

Eles não querem ver
que “beith” muçulmano
é o mesmo “beith” judeu...

Todas as mortes para eles
são muito divertidas,
do outro lado da fronteira...

O TodoPoderoso
os castigará com a simetria,
eles que são ignorantes
da Geometria Divina,
são filhos do Caos.

Eu sou simplesmente
um homem preocupado,
ajudando os salmões
a subirem os rios.

Khaled Ghoubar 19 07 2006
5/6
Enquanto a guerra não acaba,
no Vale do Anhangabau
o PCC montou um telão
que de 5 em 5 minutos
dá o escore da guerra,
enquanto escrotos fazem apostas.

Quantas mortes faz uma vitória?
Quantas vitórias faz um campeão?
Quem é o demente juiz
desse jogo macabro e absurdo?

Khaled Ghoubar 19 07 2006

6/6
Antes que tudo volte ao normal,
como é normal...

Antes que as orações
sepultem para sempre
os corações expostos
pela bala ou pela dor.

Antes que as fronteiras se abram
para recolher e trocar seus mortos.

Antes que uma mãe
em desespero grite em hebreu
e uma criança
em pânico responda em árabe.

Antes que se esqueçam da barbárie
que é lavar a Terra Santa
dos muçulmanos e judeus
com o sangue de inocentes iludidos,
enlouquecidos, e enraivecidos,
judeus e muçulmanos.

Antes que se esqueçam
do enxofre e da prata
nessas terras enterrados.

Antes que se esqueçam...

Khaled Ghoubar 19 07 2006

sexta-feira, julho 14, 2006

93 - A CIDADE QUE SOU E TENHO EM MIM – Maria Celeste Ramos ; REGRA DE OURO: HABITAR – Maria João Eloy - Infohabitar 93

 - Infohabitar 93

Artigo duplo
Introdução
Das propostas do PNPOT (1) destacamos o tema “Portugal: os grandes problemas para o Ordenamento do Território” (2), elegendo o domínio que incide na “Expansão urbana desordenada e correspondentes efeitos na fragmentação e desqualificação do tecido urbano e dos espaços envolventes” para, numa abordagem não institucional, empreendermos uma reflexão sobre o acto de ‘habitar’, a pretexto das louváveis intenções das alíneas seguintes:
Degradação da qualidade de muitas áreas residenciais, sobretudo nas periferias e nos centros históricos das cidades, e persistência de importantes segmentos de população sem acesso condigno à habitação, agravando as disparidades sociais intra-urbanas”; “Insuficiência das políticas públicas e da cultura cívica no acolhimento e integração dos imigrantes, acentuando a segregação espacial e a exclusão social nas áreas urbanas”.
(1) No dia 27 de Abril de 2006, foi publicada em Diário da República a Resolução do Conselho de Ministros que aprova para discussão pública a proposta técnica do Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território, PNPOT. O período de discussão pública ocorre de 17 de Maio a 9 de Agosto de 2006.
(2) http://www.territorioportugal.pt/Proposta.aspx

A CIDADE QUE SOU E TENHO EM MIM

Maria Celeste Ramos



A cidade é como a vida – está dentro de mim e sou dela pertença.
Ao atravessá-la a caminho da escola ou do local de trabalhar ou, simplesmente, de ir daqui para acolá, recolhem-se imagens codificadas que vão para uma zona do cérebro, arquivo da memória imagética, como vão as imagens de qualquer outra vivência no espaço familiar.
A vida é um processo de acumulação de imagens (3) anexando a respectiva emoção que, frequente e tardiamente, já não é uma memória mas uma recordação, baralhando o "tempo" cronológico mas deixando uma sucessão de "pegadas."
A cidade educa e eleva, ensina e informa estabelecendo um relacionamento eu-cidade-espaço-acontecimento, transmite alegria e/ou dor, nem que seja a provocada pelas enxurradas e pelo fogo, porque a cidade não é apenas o espaço físico impessoal e impessoalizado, mas sim o que nele se vive e se troca.
A Cidade como a Casa é palco de-vida-acontecer e tal que, ao viajar-se para longe se traz, igualmente, a memória do lugar habitado por outrém, colhida emocional e culturalmente e vivida como se o homem e o espaço fossem impossíveis de dissociar, tornando-nos mais ricos e conscientes ao adquirir mais experiência vivencial e matéria de troca, porque viajar é por si só aprender.
Uma cidade abandonada pelos habitantes é uma cidade fantasma que o vento e o tempo devoram ficando só ruínas, ou nem isso.
A cidade vive porque nela se habita com-a-vida-toda e será sempre o espelho multi-facetado das vivências humanas e das estações do tempo.
A cidade é o espaço de crescimento e desenvolvimento do ser humano que vai construindo memória colectiva como herança de cada geração, para a legar às gerações que vão nascendo.
Lisboa é a minha Cidade - é a cidade que eu tenho cá dentro – porque a gente pertence às cidade e às vilas e a cidade pertence à gente numa interacção constante.
Como as pegadas que deixamos na vida dos outros, a cidade deixa em nós matéria de identificação do que somos e que transborda para não importa que habitante urbano ou rural.




Lugar que pode ser também cidade do ESQUECIMENTO - cidade que esquece os velhos porque os DESACTIVA, ou não valoriza os que, sendo portadores de handicap, são também cidadãos activos, criativos e produtivos
E porque a cidade é o espaço de abrigo que fornece habitação, cultura, religião, serviços, jardins e bem estar, é também o lugar que dá prioridade ao automóvel sobre o peão – que se limita a fornecer espaços lúdicos só para os teenager e não para os velhos, num ambiente que se torna progressivamente hostil e incomunicável com o habitante, perdendo o sentido de cidade e das funções para que foi contruída – as funções dos cidadãos.
Esta Cidade de hoje é a cidade onde MORA o quê ?? A alienação ? O esquecimento da origem da sua função ?? O esquecimento da criação de lugares com "espírito do lugar" e espírito de criar condições de vizinhança, de bem estar e de alegria e de um orgulho de pertença de nela habitar.
(3) Na esteira de George Steiner: “Não é o passado literal que nos governa, excepto, talvez, muma acepção biológica. São imagens do passado: com frequência tão intensamente estruturadas e tão imperativas como os mitos. As imagens e as construçõs simbólicas do passado encontram-se impressas, quase à maneira de informações genéticas, na nossa sensibilidade. (…)” – “No Castelo do Barba Azul – Algumas Notas para a Redefinição da Cultura” (1971), Relógio d’Água, 1992, p 13
Maria Celeste d’Oliveira Ramos, 4 junho 2006
Fotos: ‘O Rio como Paisagem’, Doca de Santo Amaro, Lisboa, 2006 – MCOR.


REGRA DE OURO: HABITAR

Maria João Eloy



A utilização do termo ‘habitar’ traduz tradições e pressupostos contraditórios, reveladores do estatuto dos habitantes de lugares em regime de paz, que é irreconciliável com o dos que sobrevivem nos lugares em guerra; pensar na qualidade do ‘habitar’, releva o significado de pertencer ou não a uma comunidade, de ser ou não reconhecido como habitante, de viver como deslocado e emigrante ou de, paulatinamente, permanecer há gerações no mesmo território.
Além destas situações, em que os envolvidos se empenham na sua cidadania, sempre se puderam encontrar, no ‘habitar’, os sintomas de não pertencer e não acreditar, reflexo das singularidades da vida nua que ignora o implacável poder soberano da cidade, “a coisa mais universal, a coisa mais partilhada (...)” porque “com a cidade temos a impressão de descobrir o mundo tal qual ele é, ‘em directo’, de sermos actor e observador, exploradores de uma selva viva que constitui o próprio corpo da sociedade.”(4)
Reflectindo sobre a esperança daqueles a quem restam tentativas reiteradas de aceder a condições precárias de ‘habitar’, recorrerei à noção de irreparável de Agamben, que não retira nobreza a esse modo de ‘existir’: “O irreparável não é nem uma essência, nem uma existência, nem uma substância, nem uma qualidade, nem um possível, nem um necessário. Não é propriamente uma modalidade do ser, mas é o ser que se dá desde logo na modalidade, é as suas modalidades. Não é assim, mas é o seu assim.” (5)




À necessidade de transmissão, no mundo civilizado, das regras de ouro de ‘habitar’ – aparentemente ausentes do ‘habitar’ precário de todo o tipo de desalojados – tem-se vindo a contrapor uma valorização do papel da intuição, do imaginário, da sensibilidade e do corpo, numa autoregulação indomável que lança uma disparidade de desafios à pesquisa dos conceitos normalizados para projectar habitação; através de persistentes e trangressoras reconfigurações das regras do ordenamento territorial, do urbanismo e da arquitectura, assiste-se à tentativa de “combater o niilismo do mundo moderno: o abstracto lugar onde não há lugar da metrópole, a destruição do mundo interior do espírito e a impossibilidade de morar de um modo autêntico, no sentido heideggeriano do termo”, como o entende M. Cacciari (6).
É neste sentido que, ao reproduzir a lamentação de Gabriel o Pensador em “O resto do mundo” (7), pretendo ir além da invocação do folclore urbano das metrópoles, interrogando-me sobre o valor dos recursos criativos de grande parte da humanidade; de ‘gente’ que, vivendo fora dos limiares do ‘habitar’ regulamentado dos prósperos centros urbanos, se confronta com a linguagem estrangeira da cidadania participativa, sem lhe poder retorquir, senão através do discurso musical e poético – entre outras formas, das menos violentas, do discurso de ‘existir’:
O resto do mundo
Eu queria morar numa favela (...)
O meu sonho é morar numa favela
Eu me chamo de chêroso como alguém me chamou
Mas pode me chamar do que quiser seu dotô
Eu num tenho nome
Eu num tenho identidade
Eu num tenho nem certeza se eu sou gente de verdade (...)
Eu sou o resto O resto do mundo
Eu sou mendigo um indigente um indigesto um vagabundo
Eu sou... Eu num sou ninguém (...)
Eu sou sujo eu sou feio eu sou anti-social
Eu num posso aparecer na foto do cartão postal
Porque pro rico e pro turista eu sou poluição
Sei que sou um brasileiro Mas eu não sou cidadão
Eu não tenho dignidade ou um teto pra morar (...)
Eu sei que a maioria do Brasil é pobre
Mas eu num chego a ser pobre eu sou podre!
Um fracassado Mas não fui eu que fracassei
Porque eu num pude tentar
Então que culpa eu terei
Quando eu me revoltar quebrar queimar matar
Não tenho nada a perder Meu dia vai chegar
Será que vai chegar? (...)
Eu num sou registrado Eu num sou batizado
Eu num sou civilizado eu num sou filho do Senhor
Eu num sou computado eu num sou consultado
Eu num sou vacinado Contribuinte eu num sou
Eu num sou comemorado eu num sou considerado
Evitando alongar esta interrogação, onde não cabe uma conclusão, escolheria o topos ou clichê que é conhecido na tradição como locus amoenus (lugar ameno, recanto aprazível) para, tentando não-entender e não-classificar os lugares de ‘habitar’ atrás exemplificados, perscrutar neles o ameno, o aprazível e o belo …
(4) Portzamparc, C. de - Prefácio a “ Vers la troisième ville ? ”, Mongin, Olivier; Hachette, 1995 pp. 8, 9.
(5) Agamben, Giorgio – “A comunidade que vem” (1991) - ed.Presença 1993, p 73.
(6) Cacciari, Massimo – “Architecture & Nihilism: on the philosophy of modern architecture”, London, Yale University Press, 1995.
(7) Excertos do texto da faixa 10 “O resto do mundo”, Gabriel o Pensador - CD, Chaos, 1993.
Maria João Eloy, Junho 2006
Fotos:
‘Um rectângulo de ouro no Rio de Janeiro’, 2003 – Vera Eloy.
‘Ordenamento do território entre Pemba e a ilha do Ibo’, Moçambique, 2005 – Margarida Nicolau.
‘O Resto do Abandono’, Ilha do Ibo, Moçambique, 2005 – Margarida Nicolau.