quarta-feira, março 12, 2025

Desafios e Vantagens das Cooperativas de Habitação Económica em Portugal - Infohabitar # 930

Desafios e Vantagens das Cooperativas de Habitação Económica em Portugal - Infohabitar # 930 

Informa-se que para aceder (fazer download) do mais recente Catálogo Interativo da Infohabitar, que está tematicamente organizado em mais de 20 temas e tem links diretos para os 922 artigos da Infohabitar, existentes em janeiro de 2025 (documento pdf ilustrado e com mais de 80 pg), usar o link seguinte:

https://drive.google.com/file/d/1vw4IDFnNdnc08KJ_In5yO58oPQYkCYX1/view?usp=sharing

Infohabitar, ano XXI, n.º 930

Edição: quarta-feira 12 de março de 2025

 

Fig. 0: a partir de cerca de 1976, projeto-tipo que integra o excelente “bairro jardim” da Cooperativa As Sete Bicas em Matosinhos, Carriçal, Arq.os Eduardo Iglésias e Pedro Mesquita – a Cooperativa As Sete Bicas celebra 50 anos de vida em 2025.

 

Editorial

Caros leitores da Infohabitar,

Lembrando que em 2025 se comemora o Ano Internacional das Cooperativas, e citando: “Ao longo de 2025, a ONU pretende incentivar os países-membros da organização a adotarem medidas que fortaleçam o movimento cooperativista, dando visibilidade para ser reconhecido como o caminho para a distribuição de renda, geração de empregos e aumento da prosperidade de pessoas no mundo todo”, sendo que se recomenda o acesso ao portal da Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (CASES), em https://cases.pt/aic25/ onde informações mais completas sobre esta matéria estão disponíveis,

faz-se no presente artigo um comentário, que se pretende que seja bastante prático, sobre o papel que as Cooperativas de Habitação Económica – organizadas no âmbito da Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE) – podem ter, em Portugal, no combate à falta de habitação com qualidade e custos controlados, um papel com muitos benefícios, em primeiro lugar, para os habitantes cooperativistas que assim podem obter melhor habitação e melhor habitar (habitação, vizinhança e cidade) com melhores custos, mas também para o Estado que assim consegue desmultiplicar a promoção de habitação com verdadeira qualidade e custos controlados e, finalmente, para a sociedade, que assim consegue obter um crescimento consolidado de bom habitar e de melhor cidade, com excelentes vizinhanças e adequada gestão.

O artigo está sinteticamente ilustrado, com alguns casos de referência habitacionais e urbanos de promoção cooperativa, que evidenciam a cada ano que passa uma melhor qualidade residencial, organizados cronologicamente, sendo o último um caso de promoção cooperativa ainda em acabamento no que se refere à sua última fase construtiva (zona Poente do Bairro Cooperativo do Vale Formoso de Cima, em Lisboa); muitos outros bons exemplos existem, naturalmente, disseminados por todo o Portugal.

Azambuja e Lisboa, editado em 12 de março de 2025

António Baptista Coelho

Editor da Infohabitar, Presidente da MAG da GHabitar, investigador principal com habilitação em Arquitectura e Urbanismo (LNEC), doutor em Arquitetura (FAUP), Arquiteto (ESBAL), Vogal Dir NHC Social Cooperativa de Solidariedade.


Nota editorial: as matérias ligadas à Habitação Intergeracional Participada serão retomadas muito em breve.


Desafios e Vantagens das Cooperativas de Habitação Económica em Portugal -Infohabitar # 930 

Manuel Tereso (Presidente da Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica FENACHE)

António Baptista Coelho (arq.º, doutor em Arquitectura, investigador habitacional e cooperativista)

Objetivos da promoção Cooperativa de Habitação Económica e sua história recente em Portugal

No que se refere aos objetivos que podem ser assegurados por uma cooperativa de habitação eles são múltiplos e vão corresponder aos perfis específicos que as caracterizam, desde a simples associação de um conjunto de cooperantes que se associam para poderem poupar na construção das suas habitações e, talvez tão importante como isso, poderem formatar um edifício e uma solução habitacional às suas necessidades, às suas disponibilidades financeiras e aos seus modos de vida e  mesmo até, um pouco, aos seus sonhos residenciais, mas naturalmente desenvolvendo um processo que fica concluído quando a respetiva obra termina, até soluções mais institucionais e adequadas a apoios do Estado, e portanto regulamentadas, designadamente, em termos de áreas máximas e custos máximos, em que Cooperativas de Habitação Económicas, que são entidades sem fins lucrativos, promovem conjuntos residenciais onde se procura maximizar uma aliança entre aquele tipo de objectivos – habitação mais barata do que a disponível no mercado, porque sem margem de lucro, e com características vivenciais adequadas – , mas caraterizados por um processo promocional que não se esgota em cada conjunto residencial concluído, marcado, assim, por um evidente objetivo social amplo, oficialmente regulado pelo Estado num amplo leque de aspetos com destaque para as respetivas áreas e custos finais, e um processo que é de “portas abertas”, sendo as únicas regras a ordem de inscrição e as quotas mensais, mais os respetivos regulamentos cooperativos bem clarificados, assegurando-se, deste modo que cada uma destas cooperativas cumpre uma finalidade social contínua, no âmbito da disponibilização de habitação regulada, que pode servir, em diversos conjuntos, diversas gerações; e não se limitando à disponibilização de habitação pois pode também assegurar a gestão de todo o processo, desde a pré-ocupação à gestão corrente da obra concluída.

As cooperativas de habitação estão, assim, ligadas a vários tipos de promoção possíveis,  uma bastante corrente que corresponde a associações voluntárias entre futuros moradores que desta forma conseguem poupanças específicas no na construção das suas habitações e que podem também estar associados devido a objetivos habitacionais muito específicos em termos de soluções arquitectónicas residenciais e temos depois as cooperativas de habitação económica que estão vocacionadas para a construção de habitação de interesse social e que tiveram e podem ter um papel determinante na disponibilização deste tipo de habitação e no âmbito de uma oferta habitacional com qualidade e com custo controlado: portanto com bom nível de qualidade e com uma poupança garantida e fazendo este tipo de habitação em quantidade muito significativa, tal como está provado em Portugal no passado recente do pós 25 de Abril e durante o quarto de século que se seguiu, com as muitas dezenas de milhares de habitações – cerca de 160.000 – que foram construídas e constituindo vizinhanças e bairros muito agradáveis e que hoje em dia têm, frequentemente, melhor qualidade global do que quando fora pela primeira vez habitadas, pois o verde urbano cresceu e as atividades citadinas surgiram e floresceram.

 

Fig. 1: 1988 e anteriormente, Gondomar Rio Tinto Lugar do Forno, uma parte do excelente bairro da Cooperativa Mãos à Obra, Arq.os Alfredo Brandão João Sarabando.

 

Vantagens concretas da promoção pelas cooperativas de habitação económica

Em termos de vantagens concretas e pormenorizadas muitas existem no âmbito da promoção habitacional das cooperativas de habitação económica desde o próprio processo de poupança  que os cooperadores desenvolvem previamente logo que se associam a uma cooperativa de habitação económica, começando essa poupança anteriormente à compra da sua habitação, e desenvolvendo assim excelentes hábitos que os preparam para o esforço que irão fazer a seguir, quando da respetiva compra,  até ao desenvolvimento de uma solução projetual de habitação que é discutida, desde o princípio do processo, com os futuros habitantes;  sendo que assim existe na prática uma excelente informação sobre o tipo de promoção que será desenvolvida e que esta participação se vai desenvolvendo ao longo do processo da construção do edifício e da respetiva vizinhança, concluindo-se este processo com a escolha de alguns pormenores alternativos, devidamente apresentados aos futuros habitantes pela Cooperativa.

Para além de tudo isto há, evidentemente, a grande vantagem de podermos ter, numa cooperativa habitacional de interesse social, custos mais reduzidos do que os custos correntes, pois não há fins lucrativos no processo, e custos que não se refletem em menor qualidade, pois as cooperativas vão sempre aplicando a sua experiência anterior e melhorando as soluções em termos de custo e benefício. Neste momento temos um conjunto de cooperativas a construir um empreendimento em Lisboa, junto á estação ferroviária de Braço de Prata, em que um T2 com cerca de 100 m2 custará cerca de 204 mil euros, incluindo um parqueamento e arrecadação. E sublinha-se que o público-alvo são cidadãos sem capacidade financeira para aceder ao mercado habitacional, mas também não sem requisitos para se poderem candidatar a habitações de promoção pública.

Um outro aspeto que marcou e bem, o passado recente da promoção de habitação de interesse social – a tal bem regulamentada pelo Estado, designadamente, em termos de áreas e de custos finais – foi o frequente apoio público realizado através da cedência de terrenos públicos bem localizados e disponibilizados em condições adequadas e portanto não especulativas; o que faz uma enorme diferença e pode tornar possível muitas promoções, pois o terreno deixa de “pesar” quase tanto ou até mais do que a construção no custo final: a regulamentação oficial aponta para cerca de 20% do custo global, sendo, frequentemente este custo do terreno liquidado pelas cooperativas através da cedência aos municípios de equipamentos coletivos funcionais e/ou de habitações concluídas, condição esta que também contribui para a integração social local.

Evidentemente que tais apoios públicos têm de ter condições bem regulamentadas no sentido de as habitações que deles gozaram deverem continuar a ter uma adequada função social, sendo-lhes vedada a entrada no mercado habitacional corrente, pelo menos, durante um período temporal realmente eficaz para esse objetivo; havendo, provavelmente, trabalho a fazer nesta matéria.

Um outro aspeto que marca muito bem a utilidade específica e o perfil socio-financeiro da promoção cooperativa habitacional com apoios públicos é que o seu público-alvo são cidadãos que não possuem meios financeiros para resolverem as suas necessidades habitacionais através do mercado, mas que também não reúnem os requisitos para se poderem candidatar a habitações de promoção pública; e não tenhamos dúvidas que estamos a referir-nos, aqui, a uma tranche habitacional extremamente numerosa, socialmente muito diversificada – o  que é excelente em termos de potencial de integração social – e que tem tido muito poucas respostas concretas e adequadas, em Portugal, nos últimos anos.

Como complemento destas vantagens temos também um enfoque num amplo leque de aspetos, que podemos designar como realmente de “interesse social”, associados, quer à natural, mas muito rica,, integração social de vários estratos e grupos socioculturais nos mesmos edifícios e nas mesmas vizinhanças, até mesmo a um a verdadeiro sentido convivial espontâneo entre os participantes na cooperativa; aspeto este que consideramos ser hoje em dia de enorme valia, num sociedade tão marcada pelo individualismo e pelo isolamento de cada um em sua casa e nas suas redes sociais.

Ainda para além destes vantagens há também uma outra bem interessante que é a questão da gestão habitacional pelas cooperativas não se limitar à entrega da habitação, estando as cooperativas vocacionadas para assumir a respetiva gestão posterior o que proporciona também muitas vantagens, quer práticas no dia-a-dia dos residentes, quer  na respetiva influência  na vida útil dos próprios conjuntos assim realizados e bem geridos. Exemplos deste tipo de vantagens das cooperativas de habitação económica podem encontrar-se por todo o país sendo possível obter a confirmação destes factos, muito facilmente, em estudos de satisfação habitacional que podem ser realizados e que aliás já foram realizados várias vezes por entidades tecnicamente tão importantes como o LNEC; e que digamos provam que estes tipos de vantagens são reais, pois aconteceram já muitas vezes e beneficiaram um amplo e diversificado grupo sociocultural que é aquele que nem tem dinheiro para ir ao mercado comprar digamos a chamada habitação de luxo, mas que também não se pode candidatar à habitação de interesse social de apoio camarário.

 

Fig. 2: 1988, o excelente quarteirão residencial da Cooperativa Coohafal na Madalena, Funchal, Arq.º Guilherme Barreiros Salvador (100 fogos).


Atual escassez da promoção habitacional cooperativa de habitação de interesse social

Tendo-se em conta todas estas caraterísticas sociais e promocionais que se julgam se claramente apetecíveis, não parece fazer sentido a atual e evidente escassez de uma promoção habitacional cooperativa dirigida para a habitação de interesse social apoiada pelo Estado.

A explicação desta escassez tem a ver, em primeiro lugar, com o atual reduzido número de cooperativas de habitação económica, porque a crise do imobiliário aconteceu e estas cooperativas, não sendo entidades com fins lucrativos, não tinham reservas financeiras significativas e portanto foram muito afetadas por essa mesma crise do imobiliário; mas há também uma rotação geracional natural nos próprios responsáveis pelas cooperativas de habitação económica, que na prática começaram a sua atividade a seguir ao 25 de abril e que acabaram por atingir, naturalmente, a idade da aposentação e isto também afeta nessa redução do número e atividade das cooperativas de habitação económica, na medida em as novas gerações não têm demonstrado o mesmo entusiasmo para darem continuidade a esses projetos, ou criarem novas cooperativas.

Mas se formos um pouco mais fundo nesta atual e eventual redução da vitalidade cooperativas de habitação económica, importa lembrar que, quando do “boom” destas cooperativas, que marcou o final da década de 1970 e a de 1980, foi o próprio Estado que apoiou, de facto, a sua criação e o seu funcionamento inicial, por exemplo, até através da formação internacional dos seus dirigentes (a eficaz Cooperação Luso-Sueca nesta área apoiada pelo Fundo de Fomento de Habitação), formação esta depois replicada nacionalmente; e na altura estas cooperativas conseguiram bolsas de terrenos a custos equilibrados, num mercado pouco dinamizado, e mereceram, frequentemente, apoios substanciais de muitos municípios em termos de disponibilização de bons terrenos a custos adequados, tal como acima se apontou: portanto, repete-se, o entusiamo cooperativista de então também teve um excelente apoio municipal, a esse nível, e também por parte do então Instituto Nacional de Habitação, nova entidade pública mas com características de eficácia idênticas à da melhor gestão privada (fundada no tempo do Bloco Central), que tinha substituído o FFH e que tinha trazido ao sector da promoção de habitação a custo controlado uma enorme eficácia, tanto no financiamento habitacional, como no respetivo apoio técnico e mesmo técnico-científico – neste caso através do apoio corrente do LNEC.

Concluindo-se esta matéria da falta de cooperativas e de alguma desmotivação existente é claro que a falta de terrenos e financiamentos adequados, a falta de apoio “oficial” específico às cooperativas e até a falta de um adequado e esclarecido acompanhamento técnico também contribuem para desmotivar os mais jovens e mais carentes de soluções habitacionais participadas a envolverem-se de corpo e alma com as cooperativas; e isto prova-se por uma simples análise do passado recente desta promoção, tal como se procurou sintetizar.

Mas há um aspeto que se julga realmente determinante no que se julga ser a elementar justiça que tem esse apoio múltiplo Estatal à atividade das cooperativas de habitação económica em Portugal: é que as habitações, os edifícios, as vizinhanças e os pequenos bairros por elas realizados constituem soluções residenciais e urbanas eficazes e resilientes, que, com o passar do tempo, só ganham interesse, riqueza vivencial e mesmo valor, sendo modelos de integração social natural e verdadeiros “elevadores sociais” para muitas pessoas e famílias, e tudo isto com um mínimo de trabalho oficial e apoios do Estado, desde a preparação do alojamento, à gestão da construção e à gestão corrente diária posterior; condições estas facilmente provadas em análises pós-ocupação e de satisfação residencial (após um mínimo de 5 anos de habitação), estudos estes já realizados e que podem ser facilmente replicados; e condições estas que, infelizmente, não caraterizam muitos conjuntos e bairros de promoção municipal, que poucos anos depois de feitos têm de ser, em boa parte, refeitos e sempre com grande esforço Estatal.

 

Fig. 3: 1990, o belíssimo bairro bem equipado e vivo da Cooperativa As Sete Bicas, Matosinhos, Arq.ºs Pedro Ramalho e Luís Ramalho,  (516 habitações).


Os tempos atuais e as Cooperativas de Habitação Económica

Para além de todos estes aspetos há, hoje em dia, uma realidade social e imobiliária muito diferente daquela que vivemos no pós 25 de abril, sendo natural que assim aconteça e as novas cooperativas de habitação económica têm que responder a essa nova realidade e estão preparadas para isso, sendo possível digamos que elas apareçam exatamente na resposta a novas necessidades com soluções renovadas, muito adequadas e inovadoras em variados aspetos residenciais e urbanos. Aliás foram também as cooperativas de habitação económica quem mais inovou em termos de soluções residenciais e urbanas no pós 25 de Abril, fazendo-o, quase sempre, com grande qualidade Arquitectónica e vivencial através da contribuição de muitos dos então jovens arquitectos da grande geração portuense que tantos nomes trouxe para a nossa história da Arquitectura; numa tradição de participação entre cooperativas de habitação e excelentes projectos de Arquitectura que tudo tem para se poder replicar.

E será, aqui, oportuno comentar que se não forem as cooperativas habitacionais a assegurarem uma tal dinâmica de inovação fundamentada e participada em termos de processos de promoção habitacional e de soluções residenciais específicas, não nos parece que possa ser a inovação do mercado ligado ao lucro a avançar nestes sentidos, nem a inovação por parte de uma promoção Estatal central rígida e tendencialmente formal e institucional.

Tal como se apontou e se reafirma, para o retomar de uma adequada dinâmica cooperativa de habitação de interesse social, que seja capaz de participar decididamente na atual falta de habitação a custos controlados, faltam variados tipos de apoio e essencialmente falta um apoio específico na disponibilização de terrenos que sejam adequados em termos de localização e adequados em termos de custo; julgamos mesmo que isto é extremamente importante porque atualmente podemos dizer que para um terreno bem localizado, praticamente o custo final da habitação que aí se constrói é dividido quase em partes iguais em termos do valor da construção e do valor do respetivo terreno, e isto inviabiliza logo à partida a disponibilização de habitações a um preço realmente adequado em termos da sua finalidade de interesse social.

Para além do que atrás se aponta, e que a lei 56/2023 parecia querer inverter, mas que por falta de regulamentação não deu em nada, até ao momento, é necessário que as entidades públicas e o próprio Estado aproveitem as múltiplas vantagens das cooperativas de habitação económica; que permitem ganhos para todos: os cooperantes e o Estado, que assim desmultiplica a promoção da habitação de interesse social por entidades com raízes locais e com eficaz capacidade de gestão, muito maior do que quando a promoção é feita “impessoalmente” através de entidades oficiais; conseguindo-se garantir não apenas a boa construção habitacional, mas também a participação dos cidadãos na resolução das suas necessidades habitacionais, e garantindo-se, ainda, uma sua gestão eficaz ao longo de um extenso período temporal, com as consequentes poupanças na manutenção.

Para  além disto seria muito importante que por parte das entidades públicas e do próprio Estado houvesse uma real divulgação e um eficaz esclarecimento público sobre a natureza e as múltiplas vantagens da promoção de habitação por parte de cooperativas de habitação económica; parecendo que há a tudo a tudo a ganhar neste com esta atitude, pois ganha o Estado porque consegue de certa forma desmultiplicar a promoção da habitação e interesse social por uma série de entidades com raízes locais específicas e com adequada capacidade de gestão, muito maior do que quando a promoção é feita “impessoalmente” através de entidades oficiais, conseguindo-se que essas  promoções sejam asseguradas em termos não só da sua boa construção, mas sim também em termos de uma adequação maximizada aos seus moradores específicos e garantidas em termos de uma sua gestão eficaz ao longo de um prolongado período temporal, condição esta que é determinante da sua adequada e económica manutenção.

 

Fig. 4: 1991, o exemplar quarteirão urbano habitacional e equipado da Cooperativa Coobital, em Faro, Arq.º José Lopes da Costa e Arq.º pais. José Brito, (115 habitações).


A promoção habitacional pelas Cooperativas de Habitação Económica

No que se refere à dinâmica evolutiva do processo de promoção habitacional pelas Cooperativas de Habitação Económica (CHE) este pode vir a ser, naturalmente, revisto em termos de estrutura financeira do processo cooperativo habitacional e visando especificamente o seu contributo para a criação de um adequado parque de habitação pública, atualmente reduzido, mas também em termos de novos e urgentes modelos habitacionais apoiados pelo Estado, aproveitando-se as vantagens cooperativas em termos de participação, convívio, integração social natural e apoio a novas necessidades habitacionais, hoje em dia cada vez mais frequentes e sem respostas adequadas no mercado corrente habitacional, relacionadas, não só com a falta de habitação, mas também com a falta de habitação adequada, uma habitação e uma vizinhança verdadeiramente amigáveis em relação com tantos novos modos de vida, que não encontram respostas minimamente adequadas  no mercado corrente habitacional (em termos de natureza global da intervenção e seu custo e qualidade)

Referimo-nos, neste caso, a muitas necessidades habitacionais e urbanas e a muitos modos de vida atualmente dinamizados (ex. vários tipos de famílias, diversos contextos culturais, etc.), mas sublinham-se, pela sua atual e em breve crítica importância, as necessidades dos idosos, que poderão ter novas formas de habitação intergeracional apoiada, convivial e bem localizada. Abordamos aqui as velhas e novas necessidades e exigências pessoais, habitacionais e urbanas dos idosos que poderão ter novas formas de habitação apoiada e convivial, que conjugue os espaços privados com espaços comuns mais desenvolvidos, com serviços de apoio domiciliário e pessoal  e com atividades diversificadas e tudo isto em localizações urbanas adequadas; esta nova oferta habitacional está extremamente vocacionada para a promoção e gestão cooperativas; e os seus moradores não se limitam aos idosos – num tempo em que Portugal está cada vez mais envelhecido e cheio de idosos que têm de viver sozinhos e muitas vezes dolorosamente em solidão -, mas abrangendo também muitas pessoas que vivem sozinhas, por opção, ou em pequenos agregados familiares, que são também cada vez mais numerosas, e que também encontrarão neste novo tipo de soluções residenciais respostas muito adequadas a uma vivência, por exemplo, muito urbana e muito libertada do conjunto de atividades domésticas correntes, assim como contextos residenciais que privilegiam a interação social natural e até o encontro entre pessoas com interesses comuns; e tudo isto num meio residencial saudavelmente intergeracional e socialmente integrado, diversificado e que combate naturalmente uma solidão que tão frequentemente é verdadeiro flagelo entre os mais idosos, mas não só entre eles.

 




Fig. 5: 1992, os excelentes edifícios da Cooperativa Nova Ramalde, no Porto, 129 fogos com projeto do Arq. Manuel Correia Fernandes; que integram um dos melhores fogos já realizados com áreas e custos controlados.


As vantagens, também na gestão, associadas à atividade das Cooperativas de Habitação Económica

Um aspeto que não foi, aqui, ainda suficientemente salientado no âmbito das vantagens associadas à atividade das Cooperativas de Habitação Económica é  a questão da gestão, pois as cooperativas não se limitam a fazer a promover  habitação, mas, por um lado, fazem a preparação da respetiva gestão na pré-construção, asseguram uma construção sensível às necessidades e gostos dos futuros habitantes e asseguram, depois, e naturalmente não com carácter obrigatório, a boa gestão corrente diária de proximidade dos respetivos conjuntos de habitação concluídos, condição esta  que lhes vai proporcionar excelentes condições (con)vivenciais e uma sua vida útil prolongada e com menores custos de manutenção; isto  porque sabemos que se a manutenção for feita rápida e eficazmente, a vida útil de uma construção é muito mais prolongada e é mais económica e racional em termos de manutenção programada. Para além disto as cooperativas também podem fazer, e fazem em muitos casos, uma gestão das respetivas vizinhanças, chegando mesmo a ter a responsabilidade da gestão ao nível do bairro e com excelentes resultados em termos de satisfação, segurança e custos; estes casos de gestão urbana são frequentes na Europa do Norte, mas também existiram e existem em soluções cooperativas portuguesas, por exemplo nas Sete Bicas e na Mão à Obra, entre outras, onde se pratica uma gestão global do bairro, com resultados evidentes tanto ao nível da satisfação dos moradores como das poupanças publicas.

Tendo em conta o que acabou de ser referido em termos da gestão residencial cooperativa e da eficácia de uma sua gestão diária de proximidade, que acompanha todo o processo de vida de um conjunto habitacional, desde a sua primeira habitação às suas fases de manutenção e mesmo de reabilitação parcial,  o resultado que temos presente em termos do estado de conservação das vizinhanças dos edifícios e dos bairros cooperativos é globalmente muito positivo; e só o pode ser porque a melhor gestão é aquela que é feita dessa maneira, com regularidade, eficácia, proximidade, informação continuada e participação.

 

Fig. 6: 1995, a Cooperativa Massarelos, no Porto, Arq.ºs Francisco Barata e Manuel Fernandes Sá; uma cooperativa que teve raízes numa associação de moradores.

 

Sobre a promoção habitacional, as novas regulamentações e a atividade das Cooperativas de Habitação Económica

Passando, agora, para alguns aspetos mais pormenorizados, designadamente, quanto à aplicação dos aspetos ligados às novas regulamentações, que têm sido têm sido introduzidas em termos de construção de habitação, podemos apontar que as cooperativas de habitação económica foram inovadoras, em Portugal, em termos da introdução de uma série de matérias ligadas à regulamentação térmica e aos aspetos de sustentabilidade na construção, desenvolvendo empreendimentos, premiados a nível Internacional (por exemplo p Projecto SHE, Sustainable Housinh in Europe), onde estes aspetos foram foram introduzidos, não comprometendo o respetivo carácter de “habitação de interesse social” e a “custos controlados”; houve, portanto, conjuntos como os da Ponte da Pedra, em Matosinhos, em que com os custos praticados em termos de habitação e interesse social as pessoas puderam ter acesso a uma série de inovações em termos de sustentabilidade quando tal não acontecia praticamente em mais nenhum tipo de promoção incluindo a promoção privada.

Interessa também considerar que este nível as cooperativas também foram pioneiras na reabilitação de edifícios de habitação de interesse social com importância histórica e cultural, em casos em que os aspetos de reabilitação térmica foram introduzidos em situações complicadas e muito condicionadas, e até com as pessoas a habitarem.

Continuando nestas matérias mais ligadas à qualidade construtiva e à manutenção do edificado a promoção de habitação cooperativa não se distingue, globalmente, dos outros  tipos de promoção; mas há aspetos em que também  se destaca pela positiva, um deles ligado à tradicional associação das cooperativas de habitação económica a uma escolha muito cuidadosa das equipas de projeto e um outro aspeto ligado à aplicação, pelas cooperativas associadas na sua Federação Nacional (FENACHE), sem haver necessidade legal, de um seguro decenal de construção, que  garante a manutenção dos respetivos edifícios habitacionais e a sua qualidade estrutural e construtiva durante um período alargado.

 

Fig. 7: 2006 a 2025, o Vale Formoso de Cima , Lisboa, mais de 800 habitações para um conjunto amplo de 23 cooperativas, no âmbito de um protocolo com a Câmara Municipal de Lisboa, projeto urbano Arq.ºs António Piano e Eduardo Campelo.

 

As cooperativas de habitação económica portuguesas como importante parceiro na promoção de habitação de interesse social em Portugal

Para concluir esta reflexão considera-se que as cooperativas de habitação económica portuguesas, estruturadas no âmbito da FENACHE, podem ser um parceiro de grande importância na promoção de habitação de interesse social em Portugal e na disponibilização de um número significativo de novas habitações económicas, tal como o fizeram há poucos anos e contribuindo assim para a redução da crítica falta de habitação deste tipo, que existe em Portugal.

As cooperativas de habitação económica portuguesas estão extremamente vocacionadas para um extenso e diversificado conjunto de moradores que integram um amplo leque de sociocultural de pessoas que não conseguem aceder a um valor aos valores habitacionais praticados pelo mercado (onde não existe realmente uma oferta de “habitação económica”) e que, “no entanto”, têm rendimento que não lhes permitem aceder a apoios estatais e municipais específicos para pessoas com reduzidos rendimentos; continua, portanto, a haver um grande e diversificado grupo social que não tem uma adequada oferta de habitação “económica”, tal como aconteceu em Portugal num passado bem recente, quando mais de 160.000 habitações e respetivos espaços de vizinhança foram sendo realizados, em todo o País,  ao longo de mais de um quarto de século, pelas cooperativas da FENACHE.

As cooperativas de habitação económica estão presentes e disponíveis para ajudar na resolução do atual problema habitacional português, assim existam terrenos a custos adequados e que não inflacionem logo à partida o custo da construção e aí o Estado é essencial.

Sobre a qualidade da promoção habitacional das cooperativas de habitação económica portuguesas os tantos e tão bons casos “falam por si”, com uma qualidade vivencial que muitas vezes é agora melhor do que quando foram habitados pela primeira vez; e não tenhamos dúvida que só assim se deve fazer uma nova fase e um novo parque público de “Habitação com Qualidade e Custos Controlados”, que tenha verdadeiro “interesse social”.

 

Breve bibliografia sobre o tema das Cooperativas de Habitação Económica em Portugal

- www.fenache.com

- Fenache - Audição da Fenache na Assembleia da República em 27 de abril de 2023, no âmbito da discussão do programa Mais Habitação (proposta de lei nº 71/XV/1ª(GOV)), com publicação no site www.fenache.com – (pasta noticias).

- Fenache - Manifesto “A Fenache e as eleições legislativas de 10 março 2024”, com publicação no site www.fenache.com – (pasta noticias).

- A propósito dos “anos dourados” das cooperativas de habitação económica, entre 1974 e 1984, ainda antes da criação do INH (série editorial: artigo 3/8) – infohabitar # 765. António Baptista Coelho – Infohabitar, Ano XVII, n.º 765 – Lisboa, terça-feira, fevereiro, 16, 2021. (20 p., 15 fig.)

- COELHO, António Baptista – Infohabitar, Ano XIV, n.º 656, segunda -feira, setembro 17, 2018,O HABITAR DE INTERESSE SOCIAL E O HABITAR COOPERATIVO Conjunto de 13 artigos (3 pp.).

- COELHO, A. Baptista – Qualidade arquitectónica residencial.  Rumos e factores de análise.  Lisboa : LNEC, 2000.  500 p.  (Informação Técnica de Arquitectura, ITA 8).  ISBN 972-49-1857-2.

- COELHO, A. Baptista – INH, Instituto Nacional de Habitação 1984-2004 20 Anos a Promover a Construção de Habitação Social. INH, Lisboa, 456 pp. Ilustrado, ed. Bólingue, 2006 (edição institucional não disponível em livraria)

 

 

Nota editorial: uma versão mais discursiva e menos ilustrada do conteúdo que integra o presente texto tem edição prevista numa outra revista – o presente texto resultou de um tratamento e desenvolvimento, pelos autores, de uma entrevista a ser editada na referida revista.

 

Notas editoriais gerais:

(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.

(ii) No mesmo sentido, de natural responsabilização dos autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos de ilustração dos mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos, gráficos, etc., é, igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores – que deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias autorizações.

(iii) Para se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

(iv) Brevemente haverá novidades no sentido do gradual, mas expressivo, incremento das exigências editoriais da Infohabitar, da diversificação do seu corpo editorial e do aprofundamento da sua utilidade no apoio à qualidade arquitectónica residencial, com especial enfoque na habitação de baixo custo.


Desafios e vantagens das Cooperativas de Habitação Económica em Portugal -Infohabitar # 930 

Informa-se que para aceder (fazer download) do mais recente Catálogo Interativo da Infohabitar, que está tematicamente organizado em mais de 20 temas e tem links diretos para os 922 artigos da Infohabitar, existentes em janeiro de 2025 (documento pdf ilustrado e com mais de 80 pg), usar o link seguinte:

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Infohabitar, ano XXI, n.º 930

Edição: quarta-feira 12 de março de 2025

Editor: António Baptista Coelho

Arquitecto/ESBAL – Escola Superior de Belas Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo pelo LNEC.

abc.infohabitar@gmail.com

 Os aspetos técnicos do lançamento da Infohabitar e o apoio continuado à sua edição foram proporcionados por diversas pessoas, salientando-se, naturalmente, a constante disponibilidade e os conhecimentos técnicos do doutor José Romana Baptista Coelho.

Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE).

 

 

 

 

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