Desafios e Vantagens das Cooperativas de Habitação Económica em Portugal - Infohabitar # 930
Informa-se que para aceder (fazer download) do mais
recente Catálogo Interativo da Infohabitar, que está tematicamente organizado
em mais de 20 temas e tem links diretos para os 922 artigos da Infohabitar,
existentes em janeiro de 2025 (documento pdf ilustrado e com mais de 80
pg), usar o link seguinte:
https://drive.google.com/file/d/1vw4IDFnNdnc08KJ_In5yO58oPQYkCYX1/view?usp=sharing
Infohabitar, ano XXI, n.º 930
Edição: quarta-feira 12 de março de 2025
Fig. 0: a partir de cerca de 1976,
projeto-tipo que integra o excelente “bairro jardim” da Cooperativa As Sete
Bicas em Matosinhos, Carriçal, Arq.os Eduardo Iglésias e Pedro Mesquita – a
Cooperativa As Sete Bicas celebra 50 anos de vida em 2025.
Editorial
Caros leitores da Infohabitar,
Lembrando que em 2025 se comemora o Ano Internacional das
Cooperativas, e citando: “Ao longo de 2025, a ONU pretende incentivar os
países-membros da organização a adotarem medidas que fortaleçam o movimento
cooperativista, dando visibilidade para ser reconhecido como o caminho para a
distribuição de renda, geração de empregos e aumento da prosperidade de pessoas
no mundo todo”, sendo que se recomenda o acesso
ao portal da Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (CASES), em https://cases.pt/aic25/ onde informações mais completas sobre esta matéria estão
disponíveis,
faz-se no presente artigo um comentário, que se pretende que seja
bastante prático, sobre o papel que as Cooperativas de Habitação Económica –
organizadas no âmbito da Federação Nacional de Cooperativas de Habitação
Económica (FENACHE) – podem ter, em Portugal, no combate à falta de habitação
com qualidade e custos controlados, um papel com muitos benefícios, em primeiro
lugar, para os habitantes cooperativistas que assim podem obter melhor
habitação e melhor habitar (habitação, vizinhança e cidade) com melhores
custos, mas também para o Estado que assim consegue desmultiplicar a promoção
de habitação com verdadeira qualidade e custos controlados e, finalmente, para
a sociedade, que assim consegue obter um crescimento consolidado de bom habitar
e de melhor cidade, com excelentes vizinhanças e adequada gestão.
O artigo está sinteticamente ilustrado, com alguns casos de
referência habitacionais e urbanos de promoção cooperativa, que evidenciam a
cada ano que passa uma melhor qualidade residencial, organizados
cronologicamente, sendo o último um caso de promoção cooperativa ainda em
acabamento no que se refere à sua última fase construtiva (zona Poente do
Bairro Cooperativo do Vale Formoso de Cima, em Lisboa); muitos outros bons
exemplos existem, naturalmente, disseminados por todo o Portugal.
Azambuja e Lisboa, editado em 12 de março de 2025
António Baptista Coelho
Editor da Infohabitar, Presidente da MAG da GHabitar, investigador principal com habilitação em Arquitectura e Urbanismo (LNEC), doutor em Arquitetura (FAUP), Arquiteto (ESBAL), Vogal Dir NHC Social Cooperativa de Solidariedade.
Nota editorial: as matérias ligadas à Habitação Intergeracional
Participada serão retomadas muito em breve.
Desafios e Vantagens das Cooperativas de Habitação Económica em Portugal -Infohabitar # 930
Manuel Tereso (Presidente da Federação Nacional
de Cooperativas de Habitação Económica FENACHE)
António Baptista Coelho (arq.º, doutor
em Arquitectura, investigador habitacional e cooperativista)
Objetivos da promoção Cooperativa de Habitação Económica e sua história recente em Portugal
No que se refere aos objetivos que podem ser assegurados por uma
cooperativa de habitação eles são múltiplos e vão corresponder aos perfis
específicos que as caracterizam, desde a simples associação de um conjunto de
cooperantes que se associam para poderem poupar na construção das suas
habitações e, talvez tão importante como isso, poderem formatar um edifício e
uma solução habitacional às suas necessidades, às suas disponibilidades
financeiras e aos seus modos de vida e
mesmo até, um pouco, aos seus sonhos residenciais, mas naturalmente
desenvolvendo um processo que fica concluído quando a respetiva obra termina, até
soluções mais institucionais e adequadas a apoios do Estado, e portanto
regulamentadas, designadamente, em termos de áreas máximas e custos máximos, em
que Cooperativas de Habitação Económicas, que são entidades sem fins
lucrativos, promovem conjuntos residenciais onde se procura maximizar uma
aliança entre aquele tipo de objectivos – habitação mais barata do que a
disponível no mercado, porque sem margem de lucro, e com características
vivenciais adequadas – , mas caraterizados por um processo promocional que não
se esgota em cada conjunto residencial concluído, marcado, assim, por um
evidente objetivo social amplo, oficialmente regulado pelo Estado num amplo
leque de aspetos com destaque para as respetivas áreas e custos finais, e um
processo que é de “portas abertas”, sendo as únicas regras a ordem de inscrição
e as quotas mensais, mais os respetivos regulamentos cooperativos bem
clarificados, assegurando-se, deste modo que cada uma destas cooperativas
cumpre uma finalidade social contínua, no âmbito da disponibilização de
habitação regulada, que pode servir, em diversos conjuntos, diversas gerações;
e não se limitando à disponibilização de habitação pois pode também assegurar a
gestão de todo o processo, desde a pré-ocupação à gestão corrente da obra
concluída.
As cooperativas de habitação estão, assim, ligadas a vários tipos
de promoção possíveis, uma bastante
corrente que corresponde a associações voluntárias entre futuros moradores que
desta forma conseguem poupanças específicas no na construção das suas
habitações e que podem também estar associados devido a objetivos habitacionais
muito específicos em termos de soluções arquitectónicas residenciais e temos
depois as cooperativas de habitação económica que estão vocacionadas para a
construção de habitação de interesse social e que tiveram e podem ter um papel
determinante na disponibilização deste tipo de habitação e no âmbito de uma
oferta habitacional com qualidade e com custo controlado: portanto com bom
nível de qualidade e com uma poupança garantida e fazendo este tipo de
habitação em quantidade muito significativa, tal como está provado em Portugal
no passado recente do pós 25 de Abril e durante o quarto de século que se
seguiu, com as muitas dezenas de milhares de habitações – cerca de 160.000 – que
foram construídas e constituindo vizinhanças e bairros muito agradáveis e que
hoje em dia têm, frequentemente, melhor qualidade global do que quando fora
pela primeira vez habitadas, pois o verde urbano cresceu e as atividades
citadinas surgiram e floresceram.
Fig. 1: 1988 e anteriormente, Gondomar Rio Tinto
Lugar do Forno, uma parte do excelente bairro da Cooperativa Mãos à Obra, Arq.os
Alfredo Brandão João Sarabando.
Vantagens concretas da promoção pelas cooperativas de habitação económica
Em termos de vantagens concretas e pormenorizadas muitas existem no
âmbito da promoção habitacional das cooperativas de habitação económica desde o
próprio processo de poupança que os cooperadores
desenvolvem previamente logo que se associam a uma cooperativa de habitação
económica, começando essa poupança anteriormente à compra da sua habitação, e
desenvolvendo assim excelentes hábitos que os preparam para o esforço que irão
fazer a seguir, quando da respetiva compra, até ao desenvolvimento de uma solução
projetual de habitação que é discutida, desde o princípio do processo, com os
futuros habitantes; sendo que assim
existe na prática uma excelente informação sobre o tipo de promoção que será
desenvolvida e que esta participação se vai desenvolvendo ao longo do processo
da construção do edifício e da respetiva vizinhança, concluindo-se este
processo com a escolha de alguns pormenores alternativos, devidamente
apresentados aos futuros habitantes pela Cooperativa.
Para além de tudo isto há, evidentemente, a grande vantagem de
podermos ter, numa cooperativa habitacional de interesse social, custos mais
reduzidos do que os custos correntes, pois não há fins lucrativos no processo,
e custos que não se refletem em menor qualidade, pois as cooperativas vão
sempre aplicando a sua experiência anterior e melhorando as soluções em termos
de custo e benefício. Neste momento temos um conjunto
de cooperativas a construir um empreendimento em Lisboa, junto á estação
ferroviária de Braço de Prata, em que um T2 com cerca de 100 m2 custará cerca
de 204 mil euros, incluindo um parqueamento e arrecadação. E sublinha-se
que o público-alvo são cidadãos sem capacidade financeira para aceder ao
mercado habitacional, mas também não sem requisitos para se poderem candidatar
a habitações de promoção pública.
Um outro aspeto que marcou e bem, o passado recente da promoção de
habitação de interesse social – a tal bem regulamentada pelo Estado,
designadamente, em termos de áreas e de custos finais – foi o frequente apoio
público realizado através da cedência de terrenos públicos bem localizados e
disponibilizados em condições adequadas e portanto não especulativas; o que faz
uma enorme diferença e pode tornar possível muitas promoções, pois o terreno
deixa de “pesar” quase tanto ou até mais do que a construção no custo final: a
regulamentação oficial aponta para cerca de 20% do custo global, sendo,
frequentemente este custo do terreno liquidado pelas cooperativas através da
cedência aos municípios de equipamentos coletivos funcionais e/ou de habitações
concluídas, condição esta que também contribui para a integração social local.
Evidentemente que tais apoios públicos têm de ter condições bem
regulamentadas no sentido de as habitações que deles gozaram deverem continuar
a ter uma adequada função social, sendo-lhes vedada a entrada no mercado
habitacional corrente, pelo menos, durante um período temporal realmente eficaz
para esse objetivo; havendo, provavelmente, trabalho a fazer nesta matéria.
Um outro aspeto que marca muito bem a utilidade específica e o
perfil socio-financeiro da promoção cooperativa habitacional com apoios
públicos é que o seu público-alvo são cidadãos que não possuem meios
financeiros para resolverem as suas necessidades habitacionais através do
mercado, mas que também não reúnem os requisitos para se poderem candidatar a
habitações de promoção pública; e não tenhamos dúvidas que estamos a
referir-nos, aqui, a uma tranche habitacional extremamente numerosa,
socialmente muito diversificada – o que
é excelente em termos de potencial de integração social – e que tem tido muito
poucas respostas concretas e adequadas, em Portugal, nos últimos anos.
Como complemento destas vantagens temos também um
enfoque num amplo leque de aspetos, que podemos designar como realmente de “interesse
social”, associados, quer à natural, mas muito rica,,
integração social de vários estratos e grupos socioculturais nos mesmos
edifícios e nas mesmas vizinhanças, até mesmo a um a verdadeiro sentido convivial
espontâneo entre os participantes na cooperativa; aspeto este que consideramos
ser hoje em dia de enorme valia, num sociedade tão marcada pelo individualismo
e pelo isolamento de cada um em sua casa e nas suas redes sociais.
Ainda para além destes vantagens há também uma outra bem interessante
que é a questão da gestão habitacional pelas cooperativas não se limitar à
entrega da habitação, estando as cooperativas vocacionadas para assumir a respetiva
gestão posterior o que proporciona também muitas vantagens, quer práticas no
dia-a-dia dos residentes, quer na
respetiva influência na vida útil dos
próprios conjuntos assim realizados e bem geridos. Exemplos deste tipo de
vantagens das cooperativas de habitação económica podem encontrar-se por todo o
país sendo possível obter a confirmação destes factos, muito facilmente, em
estudos de satisfação habitacional que podem ser realizados e que aliás já
foram realizados várias vezes por entidades tecnicamente tão importantes como o
LNEC; e que digamos provam que estes tipos de vantagens são reais, pois aconteceram
já muitas vezes e beneficiaram um amplo e diversificado grupo sociocultural que
é aquele que nem tem dinheiro para ir ao mercado comprar digamos a chamada
habitação de luxo, mas que também não se pode candidatar à habitação de
interesse social de apoio camarário.
Fig. 2: 1988, o excelente quarteirão
residencial da Cooperativa Coohafal na Madalena, Funchal, Arq.º Guilherme Barreiros
Salvador (100 fogos).
Atual escassez da promoção habitacional cooperativa de habitação de interesse social
Tendo-se em conta todas estas caraterísticas sociais e promocionais
que se julgam se claramente apetecíveis, não parece fazer sentido a atual e
evidente escassez de uma promoção habitacional cooperativa dirigida para a
habitação de interesse social apoiada pelo Estado.
A explicação desta escassez tem a ver, em primeiro lugar, com o
atual reduzido número de cooperativas de habitação económica, porque a crise do
imobiliário aconteceu e estas cooperativas, não sendo entidades com fins
lucrativos, não tinham reservas financeiras significativas e portanto foram
muito afetadas por essa mesma crise do imobiliário; mas há também uma rotação
geracional natural nos próprios responsáveis pelas cooperativas de habitação
económica, que na prática começaram a sua atividade a seguir ao 25 de abril e
que acabaram por atingir, naturalmente, a idade da aposentação e isto também
afeta nessa redução do número e atividade das cooperativas de habitação
económica, na medida em as novas gerações não têm demonstrado o mesmo
entusiasmo para darem continuidade a esses projetos, ou criarem novas
cooperativas.
Mas se formos um pouco mais fundo nesta atual e eventual redução da
vitalidade cooperativas de habitação económica, importa lembrar que, quando do
“boom” destas cooperativas, que marcou o final da década de 1970 e a de 1980,
foi o próprio Estado que apoiou, de facto, a sua criação e o seu funcionamento inicial, por exemplo, até através da
formação internacional dos seus dirigentes (a eficaz Cooperação Luso-Sueca
nesta área apoiada pelo Fundo de Fomento de Habitação), formação esta depois
replicada nacionalmente; e na altura estas cooperativas conseguiram bolsas de
terrenos a custos equilibrados, num mercado pouco dinamizado, e mereceram,
frequentemente, apoios substanciais de muitos municípios em termos de
disponibilização de bons terrenos a custos adequados, tal como acima se
apontou: portanto, repete-se, o entusiamo cooperativista de então também teve
um excelente apoio municipal, a esse nível, e também por parte do então Instituto
Nacional de Habitação, nova entidade pública mas com características de eficácia
idênticas à da melhor gestão privada (fundada no tempo do Bloco Central), que
tinha substituído o FFH e que tinha trazido ao sector da promoção de habitação
a custo controlado uma enorme eficácia, tanto no financiamento habitacional,
como no respetivo apoio técnico e mesmo técnico-científico – neste caso através
do apoio corrente do LNEC.
Concluindo-se esta matéria da falta de cooperativas e de alguma
desmotivação existente é claro que a falta de terrenos e financiamentos
adequados, a falta de apoio “oficial” específico às cooperativas e até a falta
de um adequado e esclarecido acompanhamento técnico também contribuem para
desmotivar os mais jovens e mais carentes de soluções habitacionais
participadas a envolverem-se de corpo e alma com as cooperativas; e isto
prova-se por uma simples análise do passado recente desta promoção, tal como se
procurou sintetizar.
Mas há um aspeto que se julga realmente determinante no que se
julga ser a elementar justiça que tem esse apoio múltiplo Estatal à atividade
das cooperativas de habitação económica em Portugal: é que as habitações, os
edifícios, as vizinhanças e os pequenos bairros por elas realizados constituem soluções
residenciais e urbanas eficazes e resilientes, que, com o passar do tempo,
só ganham interesse, riqueza vivencial e mesmo valor, sendo modelos de
integração social natural e verdadeiros “elevadores sociais” para muitas
pessoas e famílias, e tudo isto com um mínimo de trabalho oficial e apoios do
Estado, desde a preparação do alojamento, à gestão da construção e à gestão
corrente diária posterior; condições estas facilmente provadas em análises
pós-ocupação e de satisfação residencial (após um mínimo de 5 anos de
habitação), estudos estes já realizados e que podem ser facilmente replicados;
e condições estas que, infelizmente, não caraterizam muitos conjuntos e bairros
de promoção municipal, que poucos anos depois de feitos têm de ser, em boa
parte, refeitos e sempre com grande esforço Estatal.
Fig. 3: 1990, o belíssimo bairro bem
equipado e vivo da Cooperativa As Sete Bicas, Matosinhos, Arq.ºs Pedro Ramalho
e Luís Ramalho, (516 habitações).
Os tempos atuais e as Cooperativas de Habitação Económica
Para além de todos estes aspetos há, hoje em dia, uma realidade
social e imobiliária muito diferente daquela que vivemos no pós 25 de abril,
sendo natural que assim aconteça e as novas cooperativas de habitação económica
têm que responder a essa nova realidade e estão preparadas para isso, sendo possível digamos que elas apareçam exatamente na resposta a
novas necessidades com soluções renovadas, muito adequadas e inovadoras em
variados aspetos residenciais e urbanos. Aliás foram também as cooperativas de
habitação económica quem mais inovou em termos de soluções residenciais e
urbanas no pós 25 de Abril, fazendo-o, quase sempre, com grande qualidade
Arquitectónica e vivencial através da contribuição de muitos dos então jovens
arquitectos da grande geração portuense que tantos nomes trouxe para a nossa
história da Arquitectura; numa tradição de participação entre cooperativas de
habitação e excelentes projectos de Arquitectura que tudo tem para se poder
replicar.
E será, aqui, oportuno comentar que se não forem as cooperativas
habitacionais a assegurarem uma tal dinâmica de inovação fundamentada e
participada em termos de processos de promoção habitacional e de soluções
residenciais específicas, não nos parece que possa ser a inovação do mercado
ligado ao lucro a avançar nestes sentidos, nem a inovação por parte de uma
promoção Estatal central rígida e tendencialmente formal e institucional.
Tal como se apontou e se reafirma, para o retomar de uma adequada
dinâmica cooperativa de habitação de interesse social, que seja capaz de
participar decididamente na atual falta de habitação a custos controlados, faltam
variados tipos de apoio e essencialmente falta um apoio específico na
disponibilização de terrenos que sejam adequados em termos de localização e
adequados em termos de custo; julgamos mesmo que isto é extremamente importante
porque atualmente podemos dizer que para um terreno bem localizado,
praticamente o custo final da habitação que aí se constrói é dividido quase em
partes iguais em termos do valor da construção e do valor do respetivo terreno,
e isto inviabiliza logo à partida a disponibilização de habitações a um preço
realmente adequado em termos da sua finalidade de interesse social.
Para além do que atrás se aponta, e que a lei 56/2023 parecia
querer inverter, mas que por falta de regulamentação não deu em nada, até ao
momento, é necessário que as entidades públicas e o próprio Estado aproveitem
as múltiplas vantagens das cooperativas de habitação económica; que permitem ganhos para todos: os cooperantes e o Estado, que
assim desmultiplica a promoção da habitação de interesse social por entidades
com raízes locais e com eficaz capacidade de gestão, muito maior do que quando
a promoção é feita “impessoalmente” através de entidades oficiais;
conseguindo-se garantir não apenas a boa construção habitacional, mas também a
participação dos cidadãos na resolução das suas necessidades habitacionais, e
garantindo-se, ainda, uma sua gestão eficaz ao longo de um extenso período
temporal, com as consequentes poupanças na manutenção.
Para além disto seria muito importante que por parte das entidades públicas e do próprio Estado houvesse uma real divulgação e um eficaz esclarecimento público sobre a natureza e as múltiplas vantagens da promoção de habitação por parte de cooperativas de habitação económica; parecendo que há a tudo a tudo a ganhar neste com esta atitude, pois ganha o Estado porque consegue de certa forma desmultiplicar a promoção da habitação e interesse social por uma série de entidades com raízes locais específicas e com adequada capacidade de gestão, muito maior do que quando a promoção é feita “impessoalmente” através de entidades oficiais, conseguindo-se que essas promoções sejam asseguradas em termos não só da sua boa construção, mas sim também em termos de uma adequação maximizada aos seus moradores específicos e garantidas em termos de uma sua gestão eficaz ao longo de um prolongado período temporal, condição esta que é determinante da sua adequada e económica manutenção.
Fig. 4: 1991, o exemplar quarteirão urbano habitacional e equipado da Cooperativa Coobital, em Faro, Arq.º José Lopes da Costa e Arq.º
pais. José Brito, (115 habitações).
A promoção habitacional pelas Cooperativas de Habitação Económica
No que se refere à dinâmica evolutiva do processo de promoção
habitacional pelas Cooperativas de Habitação Económica (CHE) este pode vir a ser, naturalmente, revisto em termos de
estrutura financeira do processo cooperativo habitacional e visando
especificamente o seu contributo para a criação de um adequado parque de
habitação pública, atualmente reduzido, mas também em termos de novos e
urgentes modelos habitacionais apoiados pelo Estado, aproveitando-se as
vantagens cooperativas em termos de participação, convívio, integração social
natural e apoio a novas necessidades habitacionais, hoje em dia cada vez mais
frequentes e sem respostas adequadas no mercado corrente habitacional,
relacionadas, não só com a falta de habitação, mas também com a falta de
habitação adequada, uma habitação e uma vizinhança verdadeiramente amigáveis em
relação com tantos novos modos de vida, que não encontram respostas minimamente
adequadas no mercado corrente
habitacional (em termos de natureza global da intervenção e seu custo e
qualidade)
Referimo-nos, neste caso, a muitas necessidades habitacionais e urbanas e a muitos modos de vida atualmente dinamizados (ex. vários tipos de famílias, diversos contextos culturais, etc.), mas sublinham-se, pela sua atual e em breve crítica importância, as necessidades dos idosos, que poderão ter novas formas de habitação intergeracional apoiada, convivial e bem localizada. Abordamos aqui as velhas e novas necessidades e exigências pessoais, habitacionais e urbanas dos idosos que poderão ter novas formas de habitação apoiada e convivial, que conjugue os espaços privados com espaços comuns mais desenvolvidos, com serviços de apoio domiciliário e pessoal e com atividades diversificadas e tudo isto em localizações urbanas adequadas; esta nova oferta habitacional está extremamente vocacionada para a promoção e gestão cooperativas; e os seus moradores não se limitam aos idosos – num tempo em que Portugal está cada vez mais envelhecido e cheio de idosos que têm de viver sozinhos e muitas vezes dolorosamente em solidão -, mas abrangendo também muitas pessoas que vivem sozinhas, por opção, ou em pequenos agregados familiares, que são também cada vez mais numerosas, e que também encontrarão neste novo tipo de soluções residenciais respostas muito adequadas a uma vivência, por exemplo, muito urbana e muito libertada do conjunto de atividades domésticas correntes, assim como contextos residenciais que privilegiam a interação social natural e até o encontro entre pessoas com interesses comuns; e tudo isto num meio residencial saudavelmente intergeracional e socialmente integrado, diversificado e que combate naturalmente uma solidão que tão frequentemente é verdadeiro flagelo entre os mais idosos, mas não só entre eles.
As vantagens, também na gestão, associadas à atividade das Cooperativas de Habitação Económica
Um aspeto que não foi, aqui, ainda suficientemente salientado no
âmbito das vantagens associadas à atividade das Cooperativas de Habitação
Económica é a questão da gestão, pois as cooperativas não se limitam a fazer a promover habitação, mas, por um lado, fazem a
preparação da respetiva gestão na pré-construção, asseguram uma construção
sensível às necessidades e gostos dos futuros habitantes e asseguram, depois, e
naturalmente não com carácter obrigatório, a boa gestão corrente diária de
proximidade dos respetivos conjuntos de habitação concluídos, condição esta que lhes vai proporcionar excelentes condições
(con)vivenciais e uma sua vida útil prolongada e com menores custos de
manutenção; isto porque sabemos que se a
manutenção for feita rápida e eficazmente, a vida útil de uma construção é
muito mais prolongada e é mais económica e racional em termos de manutenção
programada. Para além disto as cooperativas também podem fazer, e fazem em
muitos casos, uma gestão das respetivas vizinhanças, chegando mesmo a ter a
responsabilidade da gestão ao nível do bairro e com excelentes resultados em
termos de satisfação, segurança e custos; estes casos de gestão urbana são
frequentes na Europa do Norte, mas também existiram e existem em soluções
cooperativas portuguesas, por exemplo nas Sete Bicas e na Mão à Obra, entre
outras, onde se pratica uma gestão global do bairro, com resultados evidentes
tanto ao nível da satisfação dos moradores como das poupanças publicas.
Tendo em conta o que acabou de ser referido em termos da gestão
residencial cooperativa e da eficácia de uma sua gestão diária de proximidade,
que acompanha todo o processo de vida de um conjunto habitacional, desde a sua
primeira habitação às suas fases de manutenção e mesmo de reabilitação
parcial, o resultado que temos presente em
termos do estado de conservação das vizinhanças dos edifícios e dos bairros
cooperativos é globalmente muito positivo; e só o pode ser porque a melhor
gestão é aquela que é feita dessa maneira, com regularidade, eficácia,
proximidade, informação continuada e participação.
Fig. 6: 1995, a Cooperativa Massarelos, no Porto,
Arq.ºs Francisco Barata e Manuel Fernandes Sá; uma cooperativa que teve raízes
numa associação de moradores.
Sobre a promoção habitacional, as novas regulamentações e a atividade das Cooperativas de Habitação Económica
Passando, agora, para alguns aspetos mais pormenorizados,
designadamente, quanto à aplicação dos aspetos ligados às novas regulamentações,
que têm sido têm sido introduzidas em termos de construção de habitação, podemos apontar que as cooperativas de habitação económica foram
inovadoras, em Portugal, em termos da introdução de uma série de matérias
ligadas à regulamentação térmica e aos aspetos de sustentabilidade na
construção, desenvolvendo empreendimentos, premiados a nível Internacional (por
exemplo p Projecto SHE, Sustainable Housinh in Europe), onde estes aspetos
foram foram introduzidos, não comprometendo o respetivo carácter de “habitação
de interesse social” e a “custos controlados”; houve, portanto, conjuntos como
os da Ponte da Pedra, em Matosinhos, em que com os custos praticados em termos
de habitação e interesse social as pessoas puderam ter acesso a uma série de
inovações em termos de sustentabilidade quando tal não acontecia praticamente
em mais nenhum tipo de promoção incluindo a promoção privada.
Interessa também considerar que este nível as cooperativas também
foram pioneiras na reabilitação de edifícios de habitação de interesse social
com importância histórica e cultural, em casos em que os aspetos de
reabilitação térmica foram introduzidos em situações complicadas e muito
condicionadas, e até com as pessoas a habitarem.
Continuando nestas matérias mais ligadas à qualidade construtiva e
à manutenção do edificado a promoção de habitação cooperativa
não se distingue, globalmente, dos outros
tipos de promoção; mas há aspetos em que também se destaca pela positiva, um deles ligado à
tradicional associação das cooperativas de habitação económica a uma escolha
muito cuidadosa das equipas de projeto e um outro aspeto ligado à aplicação,
pelas cooperativas associadas na sua Federação Nacional (FENACHE), sem haver
necessidade legal, de um seguro decenal de construção, que garante a manutenção dos respetivos edifícios
habitacionais e a sua qualidade estrutural e construtiva durante um período
alargado.
Fig. 7: 2006 a 2025, o Vale Formoso de Cima
, Lisboa, mais de 800 habitações para um conjunto amplo de 23 cooperativas, no
âmbito de um protocolo com a Câmara Municipal de Lisboa, projeto urbano Arq.ºs
António Piano e Eduardo Campelo.
As cooperativas de habitação económica portuguesas como importante parceiro na promoção de habitação de interesse social em Portugal
Para concluir esta reflexão considera-se que as cooperativas de
habitação económica portuguesas, estruturadas no âmbito da FENACHE, podem ser
um parceiro de grande importância na promoção de habitação de interesse social
em Portugal e na disponibilização de um número significativo de novas
habitações económicas, tal como o fizeram há poucos anos
e contribuindo assim para a redução da crítica falta de habitação deste tipo,
que existe em Portugal.
As cooperativas de habitação económica portuguesas estão
extremamente vocacionadas para um extenso e diversificado conjunto de moradores
que integram um amplo leque de sociocultural de pessoas que não conseguem
aceder a um valor aos valores habitacionais praticados pelo mercado (onde não
existe realmente uma oferta de “habitação económica”) e que, “no entanto”, têm
rendimento que não lhes permitem aceder a apoios estatais e municipais
específicos para pessoas com reduzidos rendimentos; continua, portanto, a haver
um grande e diversificado grupo social que não tem uma adequada oferta de
habitação “económica”, tal como aconteceu em Portugal num passado bem recente,
quando mais de 160.000 habitações e respetivos espaços de vizinhança foram
sendo realizados, em todo o País, ao
longo de mais de um quarto de século, pelas cooperativas da FENACHE.
As cooperativas de habitação económica estão presentes e
disponíveis para ajudar na resolução do atual problema habitacional português,
assim existam terrenos a custos adequados e que não inflacionem logo à partida
o custo da construção e aí o Estado é essencial.
Sobre a qualidade da promoção habitacional das cooperativas de
habitação económica portuguesas os tantos e tão bons casos “falam por si”, com
uma qualidade vivencial que muitas vezes é agora melhor do que quando foram
habitados pela primeira vez; e não tenhamos dúvida que só assim se deve fazer
uma nova fase e um novo parque público de “Habitação com Qualidade e Custos
Controlados”, que tenha verdadeiro “interesse social”.
Breve bibliografia sobre o tema das Cooperativas de Habitação Económica em Portugal
- Fenache - Audição da Fenache na Assembleia da República em 27 de
abril de 2023, no âmbito da discussão do programa Mais Habitação (proposta de
lei nº 71/XV/1ª(GOV)), com publicação no site www.fenache.com –
(pasta noticias).
- Fenache - Manifesto “A Fenache e as eleições legislativas de 10
março 2024”, com publicação no site www.fenache.com – (pasta noticias).
- A propósito
dos “anos dourados” das cooperativas de habitação
económica, entre 1974 e 1984, ainda antes da criação do INH
(série editorial: artigo 3/8) – infohabitar # 765. António Baptista Coelho – Infohabitar, Ano XVII,
n.º 765 – Lisboa, terça-feira, fevereiro, 16, 2021. (20 p., 15 fig.)
- COELHO, António Baptista – Infohabitar, Ano XIV, n.º 656, segunda
-feira, setembro 17, 2018,O
HABITAR DE INTERESSE SOCIAL E O HABITAR COOPERATIVO Conjunto de 13
artigos (3 pp.).
- COELHO, A. Baptista – Qualidade arquitectónica residencial. Rumos e factores de análise. Lisboa : LNEC, 2000. 500 p.
(Informação Técnica de Arquitectura, ITA 8). ISBN 972-49-1857-2.
- COELHO, A. Baptista – INH, Instituto Nacional de Habitação
1984-2004 20 Anos a Promover a Construção de Habitação Social. INH, Lisboa, 456
pp. Ilustrado, ed. Bólingue, 2006 (edição institucional não disponível em
livraria)
Nota editorial: uma versão mais discursiva e menos ilustrada do conteúdo
que integra o presente texto tem edição prevista numa outra revista – o
presente texto resultou de um tratamento e desenvolvimento, pelos autores, de
uma entrevista a ser editada na referida revista.
Notas editoriais gerais:
(i) Embora a edição dos artigos
editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no
sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo
nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários
apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores
desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos
mesmos autores.
(ii) No mesmo sentido, de natural
responsabilização dos autores dos artigos, a utilização de quaisquer
elementos de ilustração dos mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias,
desenhos, gráficos, etc., é, igualmente, da exclusiva responsabilidade dos
respetivos autores – que deverão referir as respetivas fontes e obter as
necessárias autorizações.
(iii) Para se tentar assegurar o
referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta
a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários
"automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos
conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição
da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos
editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à
verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da
revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de
eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.
(iv) Brevemente haverá novidades no
sentido do gradual, mas expressivo, incremento das exigências editoriais da
Infohabitar, da diversificação do seu corpo editorial e do aprofundamento da
sua utilidade no apoio à qualidade arquitectónica residencial, com especial
enfoque na habitação de baixo custo.
Desafios e vantagens das Cooperativas de Habitação Económica em Portugal -Infohabitar # 930
Informa-se
que para aceder (fazer download) do mais recente Catálogo Interativo da
Infohabitar, que está tematicamente organizado em mais de 20 temas e tem links
diretos para os 922 artigos da Infohabitar, existentes em janeiro de
2025 (documento pdf ilustrado e com mais de 80 pg), usar o link seguinte:
https://drive.google.com/file/d/1vw4IDFnNdnc08KJ_In5yO58oPQYkCYX1/view?usp=sharing
Infohabitar, ano XXI,
n.º 930
Edição: quarta-feira 12 de março de
2025
Editor: António Baptista Coelho
Arquitecto/ESBAL – Escola Superior de Belas
Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da
Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura
e Urbanismo pelo LNEC.
Os aspetos técnicos do lançamento da
Infohabitar e o apoio continuado à sua edição foram proporcionados por diversas
pessoas, salientando-se, naturalmente, a constante disponibilidade e os
conhecimentos técnicos do doutor José Romana Baptista Coelho.
Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa
para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na
Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE).
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