Pancho, psykelekedana e xipocos – infohabitar # 954
Informa-se
que para aceder (fazer download) do mais recente Catálogo Interativo da
Infohabitar, que está tematicamente organizado em mais de 20 temas e tem links
diretos para os 922 artigos da Infohabitar, existentes em janeiro de
2025 (documento pdf ilustrado e com mais de 80 pg), usar o link seguinte:
https://drive.google.com/file/d/1vw4IDFnNdnc08KJ_In5yO58oPQYkCYX1/view?usp=sharing
Infohabitar, ano XXI,
n.º 954
Edição: quarta-feira 12 de novembro de 2025
(antecipação da Fig. 03)
Editorial
Caros amigos e leitores da
Infohabitar,
É com um mínimo de palavras que a
Infohabitar, divulga, um artigo sobre o grande Pancho Guedes, na sua múltipla dimensão
humanista, cidadã, arquitectónica e artista, na sequência quase direta da data
que lembra os dez anos do falecimento do Arquitecto Amancio Miranda Guedes, o
bem conhecido Pancho Guedes, em 7 de Novembro de 2015.
O artigo intitula-se Pancho, psykelekedana e xipocos e foi realizado pelo Arquitecto Jaime Comiche, que tem sido um
elemento fundamental nos processos de promoção e realização das várias edições
do Congresso Internacional da Habitação no Espaço Lusófono (CIHEL) e relativamente
ao qual, no final do artigo, se anexa
uma muito breve nota biográfica.
As fontes das imagens são referidas
nas respetivas legendas.
Boa leitura! E um agradecimento
muito especial ao Jaime Comiche.
Saudações amigas
António Baptista Coelho
Editor da infohabitar
Pancho, psykelekedana e xipocos – infohabitar #
954
Jaime Comiche
Detentor de um excepcional acervo de psykelekedana (artesanato) Moçambicano, e famoso por ter petrificado xipocos (fantasmas) em betão um pouco por toda a xilunguine (cidade dos brancos ou Lourenço Marques), Amancio Miranda Guedes ou simplesmente Pancho, tinha além disso uma característica não menos importante e, quiçá menos celebrada, a sua dimensão humanista.
Fig. 01: A "cabeça de ovo"do
Pancho Guedes, por Neville Dubow, Special
Collections UCT Library.
Na verdade, tanto como
arquitecto, quanto como cidadão, Pancho foi um mediador das distintas
realidades socioculturais da cidade de Lourenço Marques, construindo pontes
culturais entre as chamadas cidade de cimento e cidade de caniço,
e considerava que a segregação entre ambas tornava a cidade “doente”. Nas
circunstâncias em que o fez, os seus actos foram no mínimo, temerários, visto
que suscitaram muita ansiedade nos meios securitários do regime colonial, que o
fizeram assíduo nos interrogatórios da PIDE a propósito das suas ligações e
contactos com personalidades das comunidades não-brancas da cidade de caniço.
Miranda Guedes, como era carinhosamente tratado
pelos seus amigos do caniço, reconhecia nesta parte descriminada da
cidade idêntica relevância cultural e humana à da cidade de cimento,
devido a manifestações de creatividade merecedoras de atenção e apreço.
A faceta humanista do Pancho gerou oportunidades tão concretas quanto inéditas para pessoas menos favorecidas, que sem a sua intervenção não teriam sido os artistas plásticos, escritores ou profissionais qualificados nas mais variadas competências. Entre os beneficiários da sua generosidade, e em secção transversal à sociedade sobretudo da então Lourenço Marques, encontravam-se muitos anónimos, mas também jovens pupilos que se notabilizaram, como por exemplo a Dana Michaelis e o José Forjaz. Foi assim que o seu amigo Malangatana Ngwenya, beneficiou da sua network (rede de contactos), ganhando visibilidade além fronteiras por exemplo em Salisbúria (actual Harare) em 1962 no 1º Congresso Internacional de Cultura Africana, onde participaram também os marimbeiros de Zavala, ou ainda em Londres, 1963 no Institute of Contemporary Art onde os seus trabalhos estiveram em destaque a par das obras do consagrado pintor sudanês Ibrain-El-Salahi; em Bombaim (actual Mumbai) e no Paquistão em 1964, em que para além de Malangatana e El-Salahi, esteve também em destaque o nigeriano Uche Okeke. Naquele trio, apenas o Malangatana era auto-didata, pois os restantes tinham formação universitária em artes.
Fig. 02: Pancho Guedes no seu atelier, Lourenço
Marques, www.gettyimages.com
Embora não fosse religioso, Pancho teve também uma relação inusitada, de tão próxima que era, com a Igreja Presbiteriana de Moçambique, e nesse âmbito desempenhou um papel importante, em 1961, num episódio emblemático por ocasição da visita do Dr. Eduardo Mondlane a Lourenço Marques, tolerada pelo regime colonial, apenas porque o visitante ostentava credenciais de alto funcionário da ONU e gozava de imunidade diplomática.
Mondlane, que veio a ser fundador e presidente da Frente de Libertação de Moçambique visitou Lourenço Marques para dialogar com a sociedade civil e com a comunidade religiosa, sobretudo da cidade de caniço, para avaliar a sua predesposição para a organização de uma advocacia anticolonial pacifista. Miranda Guedes não só fez parte da organização e facilitação desta visita, juntamente com a liderança da Igreja Presbiteriana de Moçambique, mas também se tornou próximo de Eduardo Mondlane. Contou o póprio Pancho que teria organizado a inauguração da primeira exposição individual do seu seu parceiro das artes plásticas Malangatana Ngewnya, no então Edifício-Sede das Actividades Económicas de Lourenço Marques, para coincidir com o último dia de estadia de Eduardo Mondlane. Devido a informações credíveis de eminente incidente causado pela policia politica do regime colonial, a PIDE, o Dr. Mondlane abreviou a sua visita, falhando portanto esta inauguração. A Igreja Presbiteriana permaneceu como ponto de convergência entre Pancho Guedes e Eduardo Mondlane, através de uma parceria filantrópica a favor dos jovens desfavorecidos prosseguirem os seus estudos além-fronteiras: Pancho em proximidade com a liderança da Igreja identificava e selecionava os candidatos, e Mondlane recorrendo à sua rede de contactos identificava as instituições de ensino e as fontes de financiamento de bolsas de estudo no estrangeiro.
A ponte que Pancho estabeleceu com as comunidades da cidade de caniço, para além desta dimensão cívica e humanista, materializava-se através da culinária, das artes e do artesanato de raiz indígena, em simbiose com influências metropolitanas. Como consequência, a arquitectura, a escultura e pintura produzidas por Pancho Guedes reflectiam uma assimilação inversa de referências culturais da cidade de caniço e transferiam o psykelekedana e xipocos sorrateiramente para xilunguine suscitando confabulações sobre as referências desta inédida expressão arquitectónica. Em alguma literatura sobre os movimentos de arquitectura modernista mundial, Guedes (referido ao Pancho) surge refereciado na letra “G”, (de Guedes) a par com Gaudi e Gropius. Charles Jencks manifestando repúdio pela tirania das linhas rectas na arquitectura, celebrava o surgimento de “mofo, micróbios e fungos” na linguagem da chamada “arquitectura fantástica”, que outros chamaram de “formas flúidas”, protagonizada por Bruce Goff, Juan O'Gorman, Simone Rodilla e Amancio (Pancho) Guedes.
Muito provávelmente sem a sua faceta humanista com os contornos
acima descritos, não estariamos a celebrar esta arquitectura, essencialmente
orgânica e utópica, protagonizada pelo arquitecto Pancho Guedes.
Fig. 03: "O Leão que rí”, Maputo, https://hiddenarchitecture.net
A expressão arquitectónica e as edificações emblemáticas que
tornaram Pancho Guedes reconhecido internacionalmente, e fizeram-no integrante
do Team Ten, são alguns dos pelo menos “112 Edifícios de Pancho Guedes
em Maputo” construidos em mais de cinquenta artérias da ex-Lourenço Marques. Foi
a partir destas suas obras edificadas em Moçambique, que se tornou reconhecido
como um dos arquitectos mais influentes da arquitectura moderna mundial entre
os anos 60 e 70 do século XX. A tão celebrada produção arquitectónica e
artística do Pancho terá sido um statement de assimilação inversa, de
inclusão social e de exaltação da moçambicanidade, que até agora poucos
entenderam. Porque a arquitectura de Pancho que não olhava a função ou classe
social, ter-se-á tornado tão familiar e tão omnipresente em Maputo que muitos
de nós perdemos de vista o quanto privilegiados somos.
Fig. 04: Pancho Guedes com máscara Mapiko, foto de Annett Bourquin
A degradação urbana, a especulação imobiliária voraz
e a inércia de quem de direito, têm concorrido para a obliteração e canibalização
dos psykelekedana e xipocos edificados, aos quais Tristan Tzara atribuia afinidades
com as escolas de pensamento Dadaista e Surrealista, e que supostamente colocaram
Guedes a par com Gaudi e Gropius. Ao negligenciar a preservação dos psykelekedana
e xipocos edificados, desperdiçam-se oportunidades de alavancar a
economia urbana com um turismo de índole arquitectónica e artística, tirando
proveito do deleite provocado pela arquitectura e pelas artes criativas
resultantes da acção e influência do Pancho Guedes – vide o exemplo do efeito da arquitectura de Gaudi como magneto
de turismo para Barcelona.
Nota final: O texto corresponde a uma adaptação de intervenções feitas pelo autor por ocasião de homenagens feitas a Pancho Guedes, em Maputo (Novembro de 2015) por ocasião do seu falecimento, e em Almada (Abril de 2025) por ocasião das celebrações do seu centenário; concluído em Maputo, em 25-8-25. O texto/tema também integra o ultimo Boletim do Conselho Internacional dos Arquitectos de Língua Portuguesa CIALP # 33 de outubro de 2025.
Breve nota curricular: Jaime Comiche, foi membro-fundador
do Conselho Internacional dos Arquitectos de Lingua Portuguesa (CIALP) e
praticou arquitectura durante 15 anos antes de ingressar no UN-HABITAT em 2004;
actualmente representa a UNIDO, é decano dos representantes da ONU em
Moçambique, e professor convidado da Faculdade de Arquitectura e Planeamento
Físico da UEM.
Notas editoriais gerais:
(i) Embora a edição dos artigos
editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no
sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo
nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários
apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores
desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos
mesmos autores.
(ii) No mesmo sentido, de natural
responsabilização dos autores dos artigos, a utilização de quaisquer
elementos de ilustração dos mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias,
desenhos, gráficos, etc., é, igualmente, da exclusiva responsabilidade dos
respetivos autores – que deverão referir as respetivas fontes e obter as
necessárias autorizações.
(iii) Para se tentar assegurar o
referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta
a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários
"automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos
conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição
da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos
editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à
verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da
revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de
eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.
(iv) Oportunamente haverá novidades
no sentido do gradual, mas expressivo, incremento das exigências editoriais da
Infohabitar, da diversificação do seu corpo editorial e do aprofundamento da
sua utilidade no apoio à qualidade arquitectónica residencial, com especial
enfoque na habitação de baixo custo.
Pancho,
psykelekedana e xipocos – infohabitar # 954
Informa-se
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Infohabitar, que está tematicamente organizado em mais de 20 temas e tem links
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2025 (documento pdf ilustrado e com mais de 80 pg), usar o link seguinte:
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Infohabitar, ano XXI,
n.º 954
Edição: quarta-feira 12 de novembro de 2025
Editor: António Baptista Coelho
Arquitecto/ESBAL – Escola Superior de Belas
Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da
Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura
e Urbanismo pelo LNEC.
Os aspetos técnicos do lançamento da
Infohabitar e o apoio continuado à sua edição foram proporcionados por diversas
pessoas, salientando-se, naturalmente, a constante disponibilidade e os
conhecimentos técnicos do doutor José Romana Baptista Coelho.
Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa
para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na
Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE).





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