segunda-feira, setembro 30, 2013

455 - Espaços comuns habitacionais (I) - Infohabitar 455


Infohabitar, Ano IX, n.º 455

Artigo XXXVI da Série habitar e viver melhor

A importância dos espaços comuns ou semi-privados nos edifícios multifamiliares (I)

António Baptista Coelho

Falamos, agora, um pouco, daqueles sítios e daqueles elementos do edifício ou do agregado de habitações, que podem ser verdadeiros protagonistas em termos de marcação de identidades estimulantes e de relações entre zonas mais públicas e mais privadas, em termos de se evidenciarem aspectos de apropriação natural e equilibrada, e mesmo em termos de caraterização de soluções de habitação que aproveitem e explorem, ao máximo, uma aliança activa entre o enorme potencial de riqueza e diversidade de pormenorização urbana e os elementos responsáveis por uma caracterização residencial marcada, quer por um sentido doméstico amplo, quer pela identidade de cada habitação.
Há, realmente, alguns elementos urbanos, como as entradas, as escadas, as passagens, as janelas próximas do nível da rua, os muros, as floreiras e outros elementos de pormenor, que podem caracterizar, muito positivamente, as vizinhanças urbanas, tanto com um interessante cunho individual, como com um estimulante caráter orgânico e diversificado (nada monótono), quer, ainda, criando imagens locais de ruas, pracetas e outros espaços de vizinhança local, agradavelmente marcados por uma mistura de um sentido urbano e residencial “único”.

Fig 1: exemplo de espaços comuns habitacionais em Olivais Norte - Lisboa

E há, depois, todo um amplo leque de espaços comuns, dominantemente interiores, que podem ser "manejados" de forma a caraterizar positivamente a solução residencial e atenção que estamos aqui a referir-nos:
(i) quer a grandes soluções de habitação apoiada estruturadas em torno de amplos e multifuncionais espaços comuns com muitas valências funcionais e "ambientais" (exemplo: uma residência com células habitacionais relativamente pouco desenvolvidas e amplos espaços e múltiplos serviços comuns e/ou on demand);
(ii) quer a pequenos multifamiliares cujos espaços comuns são estrategicamente reduzidos em termos de espaciosidade, mas estrategicamente muito bem pormenorizados em termos de atratividade e capacidade de apropriação;
(iii) quer a agrupamentos residenciais constituídos por agregados de edifícios unifamiliares e de muito pequenos multifamiliares, mas onde continua a haver um estartégico e natural sentido de comunidade optativa, mas sempre funcional em termos de aspetos como a identidade local, a segurança e a opção pelo convívio; e sublinha-se ser esta matéria que se julga ter hoje em dia grande importância;
(iv) quer, até, a uma forma de tratar o unifamiliar, na sua "pele" mais pública, que consiga atribuir-lhe um interessante sentido de cidade e de articulação numa relativa ou afirmada continuidade urbanística.
De certa forma podemos considerar que esta aproximação a determinadas soluções habitacionais tendo por base as caraterísticas dos respetivos espaços comuns, desde a sua expressiva presença até à sua relativa ou total ausência, corresponde a uma nova forma de desenvolvimento tipológico, que tem sempre de se relacionar com as caraterísticas das respetivas vizinhanças urbanas e paisagísticas; uma matéria que foi desenvolvida já em outros artigos desta série.
Importa ainda referir que a diversidade de aspetos caraterizadores dos espaços comuns, ou semiprivados, habitacionais não se esgotam nas grandes famílias tipológicas que são apontadas em seguida (das entradas comuns, aos patins, garagens, etc.), havendo variadas matérias a ter em conta e que, muitas vezes, resultam no desenvolvimento das soluções mais adequadas e estimulantes; e neste sentido importa, desde já, registar, que os espaços comuns, ou semiprivados, habitacionais podem e devem ser cuidadosamente manejados e (re)configurados em termos dimensionais, funcionais, de integração, qualitativos, identitários, “apropriativos”, conviviais, privatizadores, securizadores, etc. – e nos próximos artigos desta série apenas iremos aflorar um pouco esta estimulante matéria, que é responsável pela urgente e bem desejável reinvenção tipológica habitacional e urbana.


Fig 2: exemplo de espaços comuns habitacionais em Olivais Norte - Lisboa

Importa sublinhar que são estes espaços, elementos e aspetos qualitativos e quantitativos os verdadeiros potenciais autores de uma renovada tipologia do habitar, muito mais coerente seja em termos de adequação individual e familiar, seja em termos de vizinhança urbana e mesmo paisagística.
E não tenhamos dúvidas de que há um extenso manancial de criatividade tipológica do habitar (habitação e vizinhança), e um, ainda mais, extenso registo de soluções e dos seus principais resultados (humanos e urbanos), que estão disponíveis para ser ponderados e (re)aplicados e devidamente "reformatados" pelos projetistas, numa perspetiva que se carateriza por estar bem sustentada em termos muito diversificados, desde aspetos de integração urbana e vicinal a uma estimulante adequação aos modos de vida e aos desejos domésticos específicos de famílias e de gostos individuais; e uma tal perspetiva não afeta nem aspetos funcionais e de segurança, que têm as suas “normas” de aplicação específicas, nem aspetos de economia da construção, que têm também as suas recomendações específicas.
Houve, sim, durante boa parte do Século XX, uma ideia, que se revelou errada, de que todos “teriam” de habitar de forma idêntica e que, em síntese, quase que só havia duas tipologias distintas, que eram o uni ou o multifamiliar, sendo que este último era, até, por vezes, ridiculamente, idêntico na sua estruturação de espaços comuns, mesmo em edifícios com dimensões e altura bem distintas. Fomos aceitando tal ideia, que hoje se entende que não faz sentido, assim como fomos sendo habituados a soluções domésticas organizadas segundo uma mesma “regra” funcional, o que também não parece estar correto; mas hoje em dia podemos começar a pensar diferente e a diversificar, atenta e coerentemente, tipologias de edifícios de habitação e mistos (habitação e serviços) e tipologias domésticas que sejam amigas de diversas formas de habitar.
Podemos ainda referir que o atual conhecimento relativamente aos mais diversos aspetos da qualidade habitacional – conforto ambiental, funcionalidade, segurança, acessibilidade, etc. – permite autonimizar, pelo menos parcialmente, o necessário cumprimento destes aspetos do desenvolvimento de soluções habitacionais diversificadamente organizadas.
Mas há, no entanto, um aspeto que é essencial em tudo isto e que se liga a uma significativa qualidade arquitetónica do projeto, pis, afinal, (re)inventar boas tipologia exige excelente arquitetura, uma arquitetura com qualidade, que não estará, naturalmente, ao alcance de todos os projetistas e que exige que, do lado dos habitantes utentes, haja processos seguros para a sua respetiva apreciação e desejada validação, caso contrário podemos estar a aceitar soluções funcionalmente incoerentes e até perdulárias em termos de espaços e de custos. E se há um setor habitacional onde todos estes cuidados qualitativos são essenciais, pois estamos a tratar de bens públicos, ele é o da habitação de interesse social; até porque no setor da habitação privada o mecanismo do mercado e até da arquitetura de autor poderá ir equilibrando uma variada e, talvez, adequada oferta de soluções residenciais – embora eta adequação tenda a acontecer, essencialmente, nos setores menos económicos da habitação privada (uma matéria que fica para posterior desenvolvimento).
São os seguintes os espaços comuns ou semi-privados mais correntes, que se consideram e que serão abordados em diversos e futuros artigos desta série:
·        Entradas comuns e sua pormenorização.
  • Átrios e outros espaços comuns conviviais ou específicos.
  • Elevadores.
  • Escadas comuns.
  • Patins de distribuição para habitações.
  • Galerias interiores (corredores).
  • Galerias exteriores.
  • Garagens.
  • Aspectos qualitativos gerais nos espaços comuns e respectiva pormenorização.
  • Elementos “verdes”.

Fig. 3: exemplo de espaços comuns habitacionais em Olivais Norte - Lisboa

Desde já se salienta haver aspetos fundamentais numa qualificação humana e arquitectónica dos espaços comuns residenciais e nestes aspetos e a título de significativo exemplo, assume uma importância fundamental a possibilidade de se ter luz natural pois, afinal, tal como refere o Arq. Ch. Labbé “quando se sai do elevador e há luz natural, pode-se conversar, favorece-se a convivialidade pela qualidade do espaço que se desenvolve”. (1)
E, naturalmente, que a luz natural e as respetivas zonas mais iluminadas e mais em sombra, não estará sozinha num leque fundamental de qualidades do habitar a ter em conta nos espaços comuns e semi-privados.
Não se irá, em próximos artigos desta série, fazer uma viagem exaustiva por todos esses tipos de espaços e elementos, mas apenas proporcionar algumas indicações e alguns exemplos de tais soluções, que se julga serem diretamente responsáveis por uma boa parte da satisfação que se pode viver no habitar.
E guardaremos, sempre, espaço de reserva para podermos ir debatendo o (re)aplicar e a (re)conceção de tipologias do habitar estimulantemente inovadoras, relativamente ao “árido” menu tipológico que nos foi legado por um modernismo corrente e “de mercado”, que não soube ou não quis inspirar-se no grande modernismo que tanto inovou de forma adequada e ao serviço de novas formas de viver a casa e a cidade.
(1) Monique Eleb; Anne Marie Chatelet – Urbanité, sociabilité et intimité des logements d’aujourd’hui.  Paris : Éditions de l’Épure, 1997 (Col. Recherche d’Architecture), p. 85.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.

Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano IX, nº455
A importância dos espaços comuns ou semi-privados nos edifícios multifamiliares (I)
Grupo Habitar (GH) e Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do LNEC
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.

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