Infohabitar, Ano IX, n.º 455
Artigo XXXVI da Série habitar e viver melhor
A importância dos espaços comuns ou semi-privados nos edifícios multifamiliares (I)
António Baptista Coelho
Falamos, agora, um pouco,
daqueles sítios e daqueles elementos do edifício ou do agregado de habitações,
que podem ser verdadeiros protagonistas em termos de marcação de identidades
estimulantes e de relações entre zonas mais públicas e mais privadas, em termos
de se evidenciarem aspectos de apropriação natural e equilibrada, e mesmo em
termos de caraterização de soluções de habitação que aproveitem e explorem, ao
máximo, uma aliança activa entre o enorme potencial de riqueza e diversidade de
pormenorização urbana e os elementos responsáveis por uma caracterização
residencial marcada, quer por um sentido doméstico amplo, quer pela identidade
de cada habitação.
Há, realmente, alguns
elementos urbanos, como as entradas, as escadas, as passagens, as janelas
próximas do nível da rua, os muros, as floreiras e outros elementos de pormenor,
que podem caracterizar, muito positivamente, as vizinhanças urbanas, tanto com
um interessante cunho individual, como com um estimulante caráter orgânico e
diversificado (nada monótono), quer, ainda, criando imagens locais de ruas,
pracetas e outros espaços de vizinhança local, agradavelmente marcados por uma
mistura de um sentido urbano e residencial “único”.
Fig 1: exemplo de espaços
comuns habitacionais em Olivais Norte - Lisboa
E há, depois, todo um
amplo leque de espaços comuns, dominantemente interiores, que podem ser
"manejados" de forma a caraterizar positivamente a solução
residencial e atenção que estamos aqui a referir-nos:
(i) quer a grandes
soluções de habitação apoiada estruturadas em torno de amplos e multifuncionais
espaços comuns com muitas valências funcionais e "ambientais"
(exemplo: uma residência com células habitacionais relativamente pouco
desenvolvidas e amplos espaços e múltiplos serviços comuns e/ou on demand);
(ii) quer a pequenos
multifamiliares cujos espaços comuns são estrategicamente reduzidos em termos
de espaciosidade, mas estrategicamente muito bem pormenorizados em termos de
atratividade e capacidade de apropriação;
(iii) quer a agrupamentos
residenciais constituídos por agregados de edifícios unifamiliares e de muito
pequenos multifamiliares, mas onde continua a haver um estartégico e natural
sentido de comunidade optativa, mas sempre funcional em termos de aspetos como
a identidade local, a segurança e a opção pelo convívio; e sublinha-se ser esta
matéria que se julga ter hoje em dia grande importância;
(iv) quer, até, a uma
forma de tratar o unifamiliar, na sua "pele" mais pública, que
consiga atribuir-lhe um interessante sentido de cidade e de articulação numa
relativa ou afirmada continuidade urbanística.
De certa forma podemos
considerar que esta aproximação a determinadas soluções habitacionais tendo por
base as caraterísticas dos respetivos espaços comuns, desde a sua expressiva
presença até à sua relativa ou total ausência, corresponde a uma nova forma de
desenvolvimento tipológico, que tem sempre de se relacionar com as caraterísticas
das respetivas vizinhanças urbanas e paisagísticas; uma matéria que foi
desenvolvida já em outros artigos desta série.
Importa ainda referir que
a diversidade de aspetos caraterizadores dos espaços comuns, ou semiprivados,
habitacionais não se esgotam nas grandes famílias tipológicas que são apontadas
em seguida (das entradas comuns, aos patins, garagens, etc.), havendo variadas
matérias a ter em conta e que, muitas vezes, resultam no desenvolvimento das
soluções mais adequadas e estimulantes; e neste sentido importa, desde já,
registar, que os espaços comuns, ou semiprivados, habitacionais podem e devem
ser cuidadosamente manejados e (re)configurados em termos dimensionais,
funcionais, de integração, qualitativos, identitários, “apropriativos”,
conviviais, privatizadores, securizadores, etc. – e nos próximos artigos desta
série apenas iremos aflorar um pouco esta estimulante matéria, que é
responsável pela urgente e bem desejável reinvenção tipológica habitacional e
urbana.
Fig 2: exemplo de espaços
comuns habitacionais em Olivais Norte - Lisboa
Importa sublinhar que são
estes espaços, elementos e aspetos qualitativos e quantitativos os verdadeiros
potenciais autores de uma renovada tipologia do habitar, muito mais coerente
seja em termos de adequação individual e familiar, seja em termos de vizinhança
urbana e mesmo paisagística.
E não tenhamos dúvidas de
que há um extenso manancial de criatividade tipológica do habitar (habitação e
vizinhança), e um, ainda mais, extenso registo de soluções e dos seus principais resultados (humanos e urbanos), que estão disponíveis para ser ponderados e (re)aplicados e devidamente "reformatados" pelos
projetistas, numa perspetiva que se carateriza por estar bem sustentada em termos muito
diversificados, desde aspetos de integração urbana e vicinal a uma estimulante
adequação aos modos de vida e aos desejos domésticos específicos de famílias e
de gostos individuais; e uma tal perspetiva não afeta nem aspetos funcionais e
de segurança, que têm as suas “normas” de aplicação específicas, nem aspetos de
economia da construção, que têm também as suas recomendações específicas.
Houve, sim, durante boa
parte do Século XX, uma ideia, que se revelou errada, de que todos “teriam” de
habitar de forma idêntica e que, em síntese, quase que só havia duas tipologias
distintas, que eram o uni ou o multifamiliar, sendo que este último era, até,
por vezes, ridiculamente, idêntico na sua estruturação de espaços comuns, mesmo
em edifícios com dimensões e altura bem distintas. Fomos aceitando tal ideia,
que hoje se entende que não faz sentido, assim como fomos sendo habituados a
soluções domésticas organizadas segundo uma mesma “regra” funcional, o que
também não parece estar correto; mas hoje em dia podemos começar a pensar
diferente e a diversificar, atenta e coerentemente, tipologias de edifícios de
habitação e mistos (habitação e serviços) e tipologias domésticas que sejam
amigas de diversas formas de habitar.
Podemos ainda referir que
o atual conhecimento relativamente aos mais diversos aspetos da qualidade
habitacional – conforto ambiental, funcionalidade, segurança, acessibilidade,
etc. – permite autonimizar, pelo menos parcialmente, o necessário cumprimento
destes aspetos do desenvolvimento de soluções habitacionais diversificadamente
organizadas.
Mas há, no entanto, um
aspeto que é essencial em tudo isto e que se liga a uma significativa qualidade
arquitetónica do projeto, pis, afinal, (re)inventar boas tipologia exige
excelente arquitetura, uma arquitetura com qualidade, que não estará,
naturalmente, ao alcance de todos os projetistas e que exige que, do lado dos
habitantes utentes, haja processos seguros para a sua respetiva apreciação e
desejada validação, caso contrário podemos estar a aceitar soluções
funcionalmente incoerentes e até perdulárias em termos de espaços e de custos.
E se há um setor habitacional onde todos estes cuidados qualitativos são
essenciais, pois estamos a tratar de bens públicos, ele é o da habitação de
interesse social; até porque no setor da habitação privada o mecanismo do
mercado e até da arquitetura de autor poderá ir equilibrando uma variada e,
talvez, adequada oferta de soluções residenciais – embora eta adequação tenda a
acontecer, essencialmente, nos setores menos económicos da habitação privada
(uma matéria que fica para posterior desenvolvimento).
São os seguintes os
espaços comuns ou semi-privados mais correntes, que se consideram e que serão
abordados em diversos e futuros artigos desta série:
·
Entradas comuns e sua
pormenorização.
- Átrios e outros espaços comuns conviviais ou específicos.
- Elevadores.
- Escadas comuns.
- Patins de distribuição para habitações.
- Galerias interiores (corredores).
- Galerias exteriores.
- Garagens.
- Aspectos qualitativos gerais nos espaços comuns e respectiva pormenorização.
- Elementos “verdes”.
Desde já se salienta
haver aspetos fundamentais numa qualificação humana e arquitectónica dos
espaços comuns residenciais e nestes aspetos e a título de significativo
exemplo, assume uma importância fundamental a possibilidade de se ter luz
natural pois, afinal, tal como refere o Arq. Ch. Labbé “quando se sai do
elevador e há luz natural, pode-se conversar, favorece-se a convivialidade pela
qualidade do espaço que se desenvolve”. (1)
E, naturalmente, que a
luz natural e as respetivas zonas mais iluminadas e mais em sombra, não estará
sozinha num leque fundamental de qualidades do habitar a ter em conta nos
espaços comuns e semi-privados.
Não se irá, em próximos
artigos desta série, fazer uma viagem exaustiva por todos esses tipos de
espaços e elementos, mas apenas proporcionar algumas indicações e alguns
exemplos de tais soluções, que se julga serem diretamente responsáveis por uma
boa parte da satisfação que se pode viver no habitar.
E guardaremos, sempre,
espaço de reserva para podermos ir debatendo o (re)aplicar e a (re)conceção de
tipologias do habitar estimulantemente inovadoras, relativamente ao “árido”
menu tipológico que nos foi legado por um modernismo corrente e “de mercado”,
que não soube ou não quis inspirar-se no grande modernismo que tanto inovou de
forma adequada e ao serviço de novas formas de viver a casa e a cidade.
(1) Monique Eleb; Anne
Marie Chatelet – Urbanité, sociabilité et intimité des logements
d’aujourd’hui. Paris : Éditions de
l’Épure, 1997 (Col. Recherche d’Architecture), p. 85.
Notas
editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.
Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano IX, nº455
A importância dos espaços comuns ou semi-privados nos edifícios multifamiliares (I)
INFOHABITAR Ano IX, nº455
A importância dos espaços comuns ou semi-privados nos edifícios multifamiliares (I)
Grupo Habitar (GH) e Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do
LNEC
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais
Norte.
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