Uma reflexão geral sobre os subespaços da habitação
Infohabitar, Ano XIV, n.º 634
Artigo da Série “Habitar e Viver Melhor” n.º CVII
por António Baptista Coelho (texto e imagens)
Importância da previsão de cantos e recantos domésticos
Os cantos e recantos domésticos na sua muito rica
variedade formal e funcional, constituem elementos identificadores e apropriáveis/apropriadores
do uso/satisfação dos moradores:
- para além de serem elementos básicos de
adaptabilidade global e pormenorizada de uma dada habitação a uma dada família
e, mesmo, e bem importante, de adaptabilidade individual a cada um dos diversos
habitantes que integram essa família;
- constituem, eles próprios, factores dinamizadores
de associações, mais ou menos inovadoras, entre diversas funções e entre
diversas actividades da habitação; condição esta que vai marcar a
caracterização dessa habitação, fazendo-a, desejavelmente, participar num
grande leque de oferta habitacional que se deseja possa vir a ser, agradavelmente,
diversificado e tornado expressivamente estimulante.
Importa, ainda, referir que as novidades nesta área
associada a um adequado desenvolvimento de pequenos subespaços domésticos (cantos
e recantos ou partes de compartimentos), apenas deveriam ter, como limite, a
imaginação e a capacidade de apropriação das famílias e das pessoas
individualmente, mas dependem, evidentemente, de espaços de habitar que tenham,
embebidas, as potencialidades para o apoio a essa quase infinidade de
possibilidades de uso, o que talvez até nem seja especialmente difícil, mas
apenas quando consideramos soluções domésticas arquitectonicamente bem
qualificadas.
Esta expressiva dependência arquitectónica deve
reflectir-se, tanto na disponibilização de soluções habitacionais “de base” que
sejam extremamente versáteis e ricas na sua posterior e diversificada
pormenorização e ocupação, como na, também importante e conjugada,
disponibilização de muito diversificadas situações de pormenorização e ocupação
“de referência”, que possam ser muito adequadamente “sobrepostas” às referidas
soluções habitacionais “de base”.
Um tal processo ou “jogo” de pormenorização e
ocupação habitacional depende, essencialmente, seja de um dimensionamento
adaptável a diversas ocupações, seja de uma pormenorização cuidada, em termos
de uma presença/imagem adequada a diversos tipos de ocupação e apropriação dos
compartimentos, o que se obtém com soluções que “jogam” bem com diversas
ocupações e que proporcionam uma grande e diversificada capacidade de recepção
“pequenos usos” complementares e até muito “pessoais”; como é, por exemplo, o
caso de vãos de janelas fundos, muito adequados a receberem os mais diversos
tipos muito pormenorizados e apropriados de utilização.
E nunca será excessivo registar que numa situação
oposta, marcada por espaços muito pouco apropriáveis em termos de subespaços
(partes de compartimentos), há soluções de arquitectura doméstica cujos
compartimentos apenas aceitam uma apropriação extremamente reduzida (ou quase
nula) e funcionalmente muito limitada.
Habitação como sítio de expressão de identidade e de apropriação
Estrategicamente, e como ponte de ligação à reflexão
que há que fazer, subsequentemente, sobre os aspectos associados ao detalhe
doméstico, vale a pena referir que se julga que o mundo doméstico deve ser,
cada vez mais, um sítio de expressão de modos de vida específicos e de
identidades.
De certa forma é usar a habitação como sítio de uma
máxima liberdade, mas para tal há que investir numa possibilidade de repartição
estratégica do espaço doméstico, afeiçoando-o a uma partilha de diversos
hábitos de vida em espaços contíguos, num desenvolvimento que também se
harmoniza com as situações frequentes de convivência familiar entre adultos e
jovens adultos durante longos períodos de tempo.
Esta perspectiva tem ou deve ter reflexos directos,
seja na organização doméstica, suscitando soluções com um máximo de autonomias
de vivência e, sempre que possível, de acessibilidade, seja numa espaciosidade
que se deve afastar claramente dos limiares mínimos e que tem de favorecer
dimensionamentos muito versáteis em termos de ocupação por mobiliário e que
propiciem bons panos de paredes bem apropriáveis – por exemplo, através da
ocupação desses panos de parede com estantes e com variados elementos
artísticos e gráficos (quadros, gravuras, etc.).
Por outro lado, este caminho é também estratégico no
sentido de poder favorecer conversões domésticas significativas em resposta a
modos de vida de pessoas que desejem grande funcionalidade e facilidade na
execução das lides domésticas e condições especiais e muito versáteis de
mobilidade e funcionalidade doméstica – e aqui não se está a pensar,
especificamente, em condicionados na mobilidade críticos, mas sim numa ampla
franja de habitantes, idosos e jovens, que muito ganham com tais condições.
De certa forma estamos na altura de passar das
soluções domésticas estereotipadas, rigidamente hierarquizadas em termos
funcionais e ambientais e monotonamente caracterizadas em termos de pormenores
e de acabamentos, para uma família muito alargada de soluções domésticas
diversificadas e adaptáveis, estruturadas não em torno de uma família-tipo
teórica, que, “maquinalmente”, realizaria as mesmas actividades nas mesmas
horas e nos mesmos espaços, mas sim em torno de "indivíduos", que
irão desenvolvendo a sua personalidade e os seus desejos e gostos/hábitos
domésticos razoavelmente específicos, distintos e mutantes, mas mantendo,
naturalmente, sítios de convívio e estadia comum no espaço doméstico; uma opção
que é, naturalmente, incompatível com as referidas estruturas domésticas
rigidamente hierarquizadas.
Do “núcleo/célula” habitacional individual (ou do casal) ao edifício sem passar pela habitação
E esta diversificação profunda do núcleo de
concepção do espaço doméstico também pode e deve marcar a própria organização
do edifício multifamiliar e a estruturação e o desenvolvimento, equipamento e
pormenorização dos seus espaços comuns; será este o desafio de “escala maior”,
mas que deve decorrer, directamente, desta reflexão.
Realmente, o adequado desenvolvimento, num espaço
relativamente contido de um espaço doméstico “individualizado” – para uma
pessoa só ou para um casal – e devida e ricamente subespacializado, tal como se
tem vindo a apontar neste texto, é condição de base muito adequada para que se
possa fazer um “salto” dimensional desta célula para a sua integração num edifício
com espaços e equipamentos de uso comum, sem se passar, obrigatoriamente, pelo
nível da habitação.
Pensa-se, como é evidente, em verdadeiros edifícios
de “habitação colectiva” e talvez, aqui, sim, possa ser devidamente utilizado
este conceito, onde um determinado número de unidades para pessoas sós e para
casais, que podem ser diversificadas em termos dimensionais e funcionais,
partilham um leque, também muito diversificado de espaços e equipamentos de uso
comum, e mesmo interessantes equipamentos de uso público (ex., lavandaria,
restaurante, biblioteca e centro de documentação, espaços de trabalho
profissional, ginásio, etc., etc.).
Esta é uma matéria que justifica desenvolvimento
específico, e, portanto, nesta reflexão apenas se sublinha que talvez o
principal aspecto verdadeiramente viabilizador deste tipo de intervenções e
referido à própria caracterização dessas “células individuais”, seja
exactamente a riqueza subespacial e subfuncional das mesmas, uma riqueza que
terá de ser, necessariamente, servida por um excelente projecto arquitectónico e
muito bem pormenorizado.
Não seria necessário dizê-lo: mas as situações contrárias,
de produção de “células individuais” monofuncionais e arquitectonicamente
pobres, irão gerar pouco mais do que dormitórios.
É, ainda, oportuno referir, desde já, que outros dos
principais aspectos verdadeiramente viabilizadores deste tipo de intervenções de
“habitação colectiva” se referem à sua adequada e “central” integração urbana e
à sua natural abertura à comunidade local.
Notas editoriais:
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Infohabitar, Ano XIV, n.º 634
Uma reflexão geral sobre os subespaços da habitação
Infohabitar
Editor: António Baptista Coelho
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Infohabitar, Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativa de Habitação Económica (FENACHE).
Editado nas instalações do Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do Departamento de Edifícios (DED) do LNEC.
Apoio à Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.
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