Ligação direta (clicar no link seguinte ou copiar para site de busca) para aceder à listagem interativa de 840 Artigos editados na Infohabitar – edição de janeiro de 2022 com links revistos em junho de 2022 (38 temas e mais de 100 autores):
As transformações
urbanas recentes e a manifestação dos processos de segregação sócio-espacial – Infohabitar
# 867
Artigo VI da série
editorial da Infohabitar – “Segregação sócio-espacial em contexto urbano. Um estudo comparativo
entre Braga - Portugal e Aracaju-Brasil”. A presente série
editorial integra uma sequência de capítulos da tese de doutorado de Anselmo
Belém Machado intitulada “Segregação sócio-espacial em contexto urbano, através
de um estudo comparativo entre Braga - Portugal e Aracaju-Brasil”, adaptada,
pelo respetivo autor, especificamente, para esta iniciativa editorial na
Infohabitar.
Infohabitar, Ano XIX,
n.º 867
Edição:
quarta-feira, 12 de julho de 2023
Caros leitores da Infohabitar,
Com o presente artigo continuamos
com a edição da nova série editorial dedicada à temática geral da “Segregação sócio-espacial em contexto urbano”,
através de um estudo comparativo entre Braga - Portugal
e Aracaju-Brasil.
Este conjunto de artigos foi
desenvolvido pelo Professor Anselmo Belém Machado um dos mais assíduos
articulistas da nossa Infohabitar, que aqui saudamos calorosamente, e que, assim, e com base na adaptação da sua tese de
doutoramento a uma sequência de artigos, nos está a acompanhar ao longo de algumas
semanas com a edição de um conjunto de artigos sequenciais relativos à
fundamental e sempre presente problemática da “Segregação
sócio-espacial em contexto urbano”; edição esta que poderá ser sendo
intercalada com outros artigos e designadamente com os da série editorial
dedicada ao PHAI3C.
Agradecemos, portanto, ao colega Anselmo
Belém Machado, por mais esta excelente contribuição para o acervo editorial da
nossa revista e aproveitamos para referir que se prevê que a respetiva base bibliográfica
deste conjunto de artigos, por ser muito extensa, seja repartida em quatro
partes, sequencialmente editadas, ao longo dos diversos artigos que integram a
série editorial; podendo ainda ser posteriormente republicada, na íntegra, numa
edição específica e sequencial ao remate editorial da série; proporcionando-se,
assim, aos interessados uma melhor consulta à globalidade da mesma bibliografia.
Recorda-se, como sempre, que
serão sempre muito bem-vindas eventuais ideias comentadas sobre os artigos aqui
editados e propostas de novos artigos (a enviar, ao meu cuidado, para abc.infohabitar@gmail.com).
Com as melhores saudações a todos
os caros leitores,
Lisboa, em 12 de julho de 2023
António Baptista Coelho
Editor da Infohabitar
As transformações
urbanas recentes e a manifestação dos processos de segregação sócio-espacial –
Infohabitar # 867
Anselmo Belém Machado
Resumo curricular de Anselmo
Belém Machado
Doutor em geografia
Humana pela Universidade do Minho (Portugal). Com mestrado em Organização do
Espaço Rural no Mundo Subdesenvolvido, licenciado e bacharel em geografia na
Universidade Federal de Sergipe (Brasil).
O autor tem
experiência profissional em ensino, pesquisa e extensão nas seguintes
Universidades: Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. Atualmente é professor associado no
Departamento de Geografia da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
O autor tem as
seguintes áreas de interesse: Geografia Humana, Geografia Urbana e em Estudos
de Segregação Sócio Espacial (Portugal e Brasil).
Série Editorial sobre Segregação
Sócio-espacial em Contexto Urbano: Texto de apresentação
Face ao contexto actual de urbanização acelerada, são vários os desafios
que se colocam ao desenvolvimento das cidades contemporâneas, de entre os quais
aqueles que se relacionam com a urgência de novas políticas de gestão urbana,
capazes de promover um urbanismo inclusivo que contribua para o surgimento de
cidades socialmente mais coesas, integradas e justas. Assim, importa reforçar o
conhecimento existente em torno das dinâmicas urbanas de segregação sócio-
espacial. Este trabalho contribui para esta reflexão a partir de uma
investigação que se singulariza por uma abordagem comparativa desenvolvida a
dois níveis. Por um lado, trata-se de um estudo de geografia urbana que
privilegia a comparação entre duas cidades (Braga em Portugal e Aracaju no
Brasil), que embora se enquadrem em países diferentes e com culturas e
realidades sócio- econômicas específicas, enfrentam ambas processos de
segregação sócio-espacial no interior das suas malhas urbanas. Por outro lado,
trata-se de um estudo que confronta simultaneamente a análise de dinâmicas
espaciais distintas, quer a concentração de cidadãos de baixo nível sócio-
económico (segregação imposta), quer a realidade oposta onde a homogeneidade
sócio- económica de algumas bolsas territoriais se faz sentir pela presença
exclusiva de cidadãos de altos rendimentos (auto-segregação).
As transformações
urbanas recentes e a manifestação dos processos de segregação sócio-espacial –
Infohabitar # 867
Tomando como ponto de partida a 1ª Revolução
Industrial (século XVIII), várias transformações que ocorreram a partir desse
período histórico reforçaram o aprofundamento das questões de segregação
sócio-espacial. Além das inovações em vários campos do conhecimento tecnológico
e científico, as relações sociais de produção receberam também várias
influências decorrentes das inúmeras descobertas. Essas inovações interferiram
significativamente na ampliação e reorganização do espaço urbano construído a
nível mundial, como já foi referido no capítulo introdutório desta tese.
Sinteticamente e procurando evitar a repetição, pode referir-se que após o ano
de 1870, novas e mais vantajosas transformações trouxeram implicações para as
cidades e suas populações. Essas inovações ocorreram inicialmente em alguns
países da Europa, logo depois alcançaram os Estados Unidos da América,
posteriormente, espalharam-se pelos vários continentes. Também Castells (2000)
refere que ocorreram várias descobertas e inovações a partir do final do século
XVIII com repercussão nas dinâmicas urbanas, que foram ampliadas com as grandes
transformações surgidas no final do século XIX, com a segunda revolução
industrial.
“. houve pelo menos duas
revoluções industriais: a primeira começou pouco antes dos
últimos trinta anos do
século XVIII, caracterizada por novas tecnologias como a máquina a vapor, a
fiadeira, o processo Cort em metalurgia e, de forma mais geral, a substituição
das ferramentas manuais pelas máquinas; a segunda, aproximadamente cem anos
depois, destacou-se pelo desenvolvimento da eletricidade, do motor de combustão
interna, de produtos químicos com base científica, da fundição eficiente de aço
e pelo início das tecnologias de comunicação, com a difusão do telégrafo e a
invenção do telefone.” (Castells, 2000. p.71).
De fato, as inovações foram muitas e foram
transformando as cidades. Mas chama-se a atenção para o facto de, numa primeira
fase, apenas a minoria da elite desses países terem usufruído dos benéficos
dessas inovações. Na grande maioria, a população das grandes cidades, operários
das novas indústrias, vivia em condições miseráveis. Não foi assim uma
revolução cujos resultados tenham proporcionado uma maior justiça social, mas
sobretudo pretensões de afirmação de poder, pois conforme refere Castells
(2000, p.71): “O lado escuro dessa aventura tecnológica é que ela estava
irremediavelmente ligada as ambições imperialistas e conflitos inter
imperialistas”.
Na sequência das fases seguintes da
industrialização, a intensificação do processo de urbanização veio promover
igualmente, a nível da administração local, o reforço da necessidade premente
da existência de planos diretores urbanos. Novas ruas e avenidas precisavam ser
construídas, e também passou surgir a necessidade de construção de novos
bairros e conjuntos habitacionais, na franja rural-urbana das grandes e médias
cidades. Com o enobrecimento de algumas parcelas urbanas as populações de baixo
poder aquisitivo foram sendo transferidas para as áreas menos valorizadas das
cidades (Hall, 2016). Assim novos planos urbanísticos são realizados para
alocar grande contingente populacional nas periferias das médias e grandes
cidades, o que desencadeou vários outros problemas urbanos, entre esses,
processos de segregação sócio-espacial imposta.
Esse planeamento urbano interferiu com o valor
de uso do solo urbano, e assim ele próprio reforçou a separação das populações
de baixo poder aquisitivo das de alto poder aquisitivo. Sendo que as populações
de baixo poder aquisitivo foram residir nos bairros mais baratos e com uma
fraca ou quase nenhuma infraestrutura urbana. Segundo autores como Santos
(2015), Carlos (2015) Alvarez (2015), Volochko (2015) entre outros, essas
transformações ocorridas nas cidades, aprofundam a reprodução da cidade como
mercadoria, além de aprofundarem as desigualdades entre as suas populações de
diferentes níveis sociais e económicos.
Já na segunda metade do século XX, com o
processo mais acelerado de urbanização e com as inovações tecnológicas que
surgiram nesse período, além da globalização, as cidades passaram por inúmeras
novas transformações. Algumas áreas das cidades foram se tornando mais
valorizadas à medida que os grupos dominantes locais buscaram prover a cidade
de novos bairros com melhor infraestrutura. Em vários países estes bairros
coexistem em áreas próximas e até mesmo vizinhas às favelas e a outras áreas
similares de génese ilegal, o que favorece o aparecimento, como descreve Hampf
(2004), da cidade dual, em que o decurso do tempo deu origem à megacidade
heterogénea, dispersa e progressivamente mais segregada.
“A Cidade Dual é um
conceito desenvolvido por Manuel Castells e tratado também por Saskia Sassen,
que se refere à manifestação contemporânea de uma estrutura urbana, social e
economicamente polarizada. No Sul pós-colonial, este fenômeno acentua-se como
consequência da reprodução de modelos de desenvolvimento alheios à realidade
económica, tecnológica e social da maioria dos países. Trata-se de sociedades
duais, já que nelas convive a cultura do consumo e do hedonismo com a cultura
da sobrevivência ou das necessidades básicas; o primeiro e o terceiro mundo de
um mesmo Estado. O resultado deste fenômeno, em termos urbanísticos, é a
megacidade de crescimento disperso e fragmentado que criou arquipélagos
monofuncionais e guetos residenciais. Em outras palavras, é uma cidade que gera
divisões espaciais, temporais e sociais entre seus habitantes.” (Hampf, 2004,
p.01).
Nesse processo, as metrópoles passam a ser elas
próprias segregadoras do ponto de vista social e económico sobre as demais
cidades dependentes destas. Isso é percebido com a segregação sócio espacial se
irradiando em todas escalas, mundial, nacional, regional e local. Pois esta
nova sociedade, mais avançada tecnologicamente, ou seja, uma sociedade centrada
na rede de comunicações, é favorecedora de uma economia em rede que funciona a
nível verdadeiramente global, promovendo redes de produção transnacionais que
são elas próprias promotoras de dependências e favorecedoras de desigualdades
socio-económicas. “Uma nova economia surgiu em escala global no último quartel
do século XX., Chamo-a de informacional, global e em rede para identificar suas
características fundamentais e diferenciadas e enfatizar sua interligação”.
(Castells, 2000, p.119).
Essa nova sociedade é especialmente marcada pelo
avanço tecnológico dos meios de comunicação (computador, internet, sistema
Wi-Fi). Uma nova sociedade cuja economia é cada vez mais processada e gerida
por intermédio da rede de comunicação digital. Um novo desenvolvimento
tecnológico que passa a comandar as relações de produção e as relações sociais
em grande parte das regiões mundiais. Podendo ser observado como esse processo
de interligação económica se manifesta no surgimento da “sociedade em rede”
(Castells, 2000).
“Surge uma economia em rede
profundamente interdependente que se torna cada vez mais capaz de aplicar o seu
progresso em tecnologia, conhecimentos e administração na própria tecnologia,
conhecimentos e administração. Um círculo tão virtuoso deve conduzir à maior
produtividade e eficiência, considerando as condições corretas de
transformações organizacionais e institucionais igualmente drásticas.” (Castells,
2000, p.120).
Essas transformações no campo da informática e
telecomunicação marcaram realmente o avanço de uma nova sociedade centrada no
desenvolvimento tecnológico e no potencial da Internet, conforme Castells
(2000). Nesse contexto as cidades estão elas próprias atreladas à sociedade em
rede, caso não pretendam ficar de fora do novo contexto de desenvolvimento
social, económico e tecnológico. Esse autor revela que a sociedade em rede é
uma realidade irreversível para a cidade contemporânea, uma vez que a sociedade
atual não consegue existir sem o computador e a internet, bem como sem o
smartphone on-line. Novas tecnologias que ajustam a sociedade (e também os
modos de produção) a interesses cada vez mais instantâneos.
“A capacidade interativa da
internet é feita sob medida para essa nova necessidade. É a quantidade das
conexões, mais que sua qualidade, que faz a diferença entre as possibilidades
de sucesso ou fracasso. Ela permite manter-se informado sobre a “última moda” –
os sucessos mais ouvidos, as camisetas da moda, os mais recentes e comentados
festivais, festas e eventos com pessoas famosas.” (Bauman, 2010, pp.69,70).
Nesta nova sociedade em que quase todos vivem e
trabalham utilizando a internet, as pessoas que ainda não usufruem dessa
tecnologia estão fora do contexto de desenvolvimento e enfrentam dificuldades
acrescidas para conseguirem ascender económica e socialmente, visto que hoje a
tecnologia da informação é uma condição sine qua non para se viver integrado na
sociedade. Assim, os cidadãos que vivem nos territórios que não usufruem desses
avanços da era da computação e das telecomunicações, estão fadados à
dependência e exclusão do processo de desenvolvimento, e portanto socialmente
segregados.
“Na verdade, há grandes
áreas do mundo e consideráveis segmentos da população que estão desconectados
do novo sistema tecnológico: essa é principalmente uma das discussões centrais
deste livro. Além disso a velocidade da difusão tecnológica é seletiva tanto
social quanto funcionalmente. ” (Castells, 2000, p.70).
Sendo que, por vezes, existem interesses para
que essas relações de dependência se perpetuem e, portanto, que determinados
países continuem sendo países apenas fornecedores de matérias- primas e
mão-de-obra barata. Como exemplo, podemos citar o Consenso de Washington (1),
onde o processo de articulação existente entre países centrais, foi um plano
articulado entre as potências mundiais para perpetuar a dependência dos países
subdesenvolvidos. Nesse processo de desenvolvimento urbano dependente das
deliberações das grandes nações, os países considerados mais pobres têm muitas
vezes os seus governos manipulados e financiados, num jogo de forças entre
múltiplos agentes (Corrêa, 2003). Esses agentes produtores de espaço urbano são
representados pelos banqueiros, pelos incorporadores imobiliários, pelo Estado
(através dos juízes e políticos que legitimam as ações dos anteriores), pelos latifundiários e pelos grupos sociais
mais excluídos . (2)
“Quem são estes agentes
sociais que fazem e refazem a cidade? a) Os proprietários dos meios de
produção, sobretudo os grandes industriais; b) Os proprietários fundiários; c)
Os promotores imobiliários; d) O Estado; e) Os grupos sociais excluídos.”
(Corrêa, 1995, p.01)
Mas que estratégias e ações concretas
desempenham estes diferentes agentes no processo de fazer e refazer a cidade?
Os agentes bancários facilitam o crédito, principalmente para o funcionário que
recebe salário garantido todos os meses. O famoso crédito ‘prende’ o devedor
por muitos anos objetivando tornar o cidadão mais satisfeito e realizado. Mas
passado pouco tempo, logo percebem que estão “presos em mais uma ciranda
financeira”, Soares (1990). Ainda reforçando o raciocínio da “ciranda
financeira” os bancos e seus sócios facilitam a perpetuação da dívida da
seguinte forma:
“Para garantir seu lucro,
assim como de seus acionistas, bancos e empresas de cartões de crédito contam
mais com o “serviço” continuado das dívidas do que com o seu pagamento. Para
eles, o “devedor ideal” é aquele que jamais paga integralmente suas dívidas.”
(Corrêa, 1995, p.15).
Diante dessa ideia, de Corrêa (1995), o processo
de urbanização se intensifica mais ainda, visto que com esses novos créditos e
financiamentos liberados, muitos desses relativos à construção de milhares e
até milhões de imóveis, a sociedade que já está muito estratificada, se torna
mais ainda segregada. No caso do Brasil, esse processo de urbanização
descontrolada é também um problema que merece destaque, como exemplificado
pelos dados do IBGE (2011), utilizados por Riberio e Vargas (2015), quando
afirma que:
“No Brasil, a rápida
urbanização trouxe enorme crescimento no número de domicílios particulares, que
passou de 13,5 milhões, em 1960, para 44,8 milhões, em 2000 (IBGE, 2004). Essas
moradias demandam infraestrutura e serviços de saneamento que quase nunca são
suficientes. 2010, havia, no país, 6.326 aglomerados subnormais , com 3,2
milhões de domicílios (IBGE, 2011).” (Ribeiro e Vargas, 2015, pp.19/20).
Por outro lado os proprietários fundiários
especulam as terras de maneira a arrendarem e a venderem essas terras pelo
maior valor, que serão pagas por privados ou com o dinheiro público. Os
promotores imobiliários aceleram esse processo de financiamento e venda, além
de agirem conjuntamente com o Estado para legitimar as vendas, financiamentos e
implantarem a infraestrutura básica necessária para a construção dos conjuntos
habitacionais, pavimentação, rede de esgoto e drenagem além das instalações
elétricas. Finalmente os grupos sociais excluídos também interferem nesse
processo de produção e valorização ou desvalorização do espaço urbano, à medida
que cresce o número dos excluídos e se multiplicam os bairros periféricos de
génese ilegal. Com isso a ocupação irregular do espaço urbano é continuamente
refeita.
Com a ação efetiva e contínua destes agentes
produtores do espaço urbano, a cidade que já era dual e segregada, passou a
receber, mais ainda, direcionamentos e decisões que fizeram aprofundar as
diferenças sociais em seus micros espaços, tornando o espaço urbano da cidade
ainda mais heterogéneo e mercadológico, não só em sua paisagem, mas também em
sua estrutura urbana e económica.
De referir ainda que com a efetivação das
metrópoles mundiais e do aumento na quantidade de megacidades, que passaram a
existir no final dos anos setenta e mais fortemente na década de noventa, do
século XX, a segregação sócio-espacial se intensificou mais ainda com a
afirmação das cidades
globais e o modo como estas grandes cidades mundiais
passaram a interferir de maneira mais ampla no processo mundial de decisão
económica e política. Vejamos o seu conceito segundo Carvalho (2000):
“A origem do conceito de
cidade global está diretamente relacionada aos impactos causados sobre as
metrópoles do Primeiro Mundo pelo processo de globalização da economia,
desencadeado a partir do final dos anos 70. As transformações na economia
mundial teriam conduzido a uma crise da centralidade económica daquelas
metrópoles que perderam o controle sobre as atividades industriais, porque as
empresas por elas responsáveis, favorecidas pelo desenvolvimento das novas
tecnologias de comunicação e informação, passaram a dispor de maior
flexibilidade para escolher os lugares de menor custo para suas sedes. A crise
fiscal consequente, o aumento do desemprego, a ausência de solução para os
problemas urbanos agora acrescidos, somaram-se aos demais como ingredientes preocupantes
que colocavam em xeque o futuro das metrópoles. Paralelamente ao diagnóstico da
crise, identificava-se uma mudança no perfil das metrópoles que, em
substituição as atividades industriais, passavam a sediar empresas de prestação
de serviços altamente especializados, ligados em sua maioria ao setor
financeiro e da informação e de origem quase sempre transnacional.” (Carvalho,
2000, p.71).
Com o aumento do processo de urbanização
mundial, as grandes metrópoles passaram a multiplicar-se, divulgando-se o
conceito de cidade global associado a algumas dessas metrópoles mundiais. Mas
essa propaganda de “cidade global” é mais ideológica que verdadeira. Muitas
metrópoles mundiais passaram a receber esse título devido à abrangência mundial
de algumas das suas funções tais como económicas, sociais, tecnológicas. Mas
para que sejam consideradas realmente “cidades globais”, segundo Carvalho
(2000, p.72) essas devem ter os seguintes atributos: 1- Um planeamento
estratégico contínuo de desenvolvimento social e económico, 2- Grande parte de
sua população deve viver em condições adequadas tanto no campo social, da saúde
e na qualidade de vida, 3-Não deve existir uma enorme segregação sócio-espacial
na cidade. 4-A cidade deve estar situada nos grandes fluxos das cidades
globais, 5- Deve existir uma mudança no perfil da metrópole, passando a
substituir as atividades industriais pela prestação de serviços. 6- Mudança na
significação do sistema do setor produtivo internacional. 7- Deve ter ocorrido também
uma nova configuração da segregação urbana. 8- A metrópole para ser considerada
“cidade global” deve estar configurada como nó entre a economia nacional e o
mercado mundial. 9 - A “cidade global” deve concentrar em seu território um
grande número de empresas transnacionais. (Carvalho, 2000, p.72).
Mas na verdade essas cidades com novas e imensas
funções económicas, tecnológicas e serviços diferenciados e globais, passaram a
criar novas formas de segregação, uma vez que além da segregação sócio espacial
existente entre os bairros ricos e bairros pobres, passou a existir uma forte
polarização no mercado de trabalho uma vez que nem toda a população consegue
emprego nessas funções articuladas com a economia global, diferenciando-se a
restante população daqueles grupos sociais mais evoluídos, os que utilizam
novas tecnologias da informação e têm as melhores qualificações e detêm as
funções mais relevantes que estruturam as redes globais de produção.
“Seria, portanto, “global”
a “cidade” que se configurasse como “nó” ou “ponto nodal” entre a economia
nacional e o mercado mundial, congregando em seu território um grande número
das principais empresas transnacionais; cujas atividades económicas se
concentrassem no setor de serviços especializados e de alta tecnologia, em
detrimento das atividades industriais; quando, por consequência, o mercado de
trabalho fosse polarizado gerando novas desigualdades sociais e uma forma de
segregação urbana dualizada.” (Levy, 1997; Veras, 1997; Marques e Torres,
1997). (Carvalho, 2000, p.72).
Assim, esse processo de surgimento de novas
cidades globais ou de cidades maiores que passaram a fazer “um ponto nodal” com
os mercados mundiais provoca novas segregações atreladas aos serviços de alta
tecnologia. Mesmo grandes cidades localizadas em regiões menos desenvolvidas,
tais como Ásia, África e na América Latina, mesmo não sendo “globais” na sua
plenitude, passaram a intercambiar essas ações inerentes às cidades globais,
passando assim a ser palco de novas formas de segregação que se vêm juntar às anteriores
que ainda persistem. Mas essas não podem verdadeiramente ser consideradas
cidades globais pois, como referido anteriormente, para tal elas devem ter uma
grande concentração do setor de serviços especializados e uma redução contínua
das atividades industriais, como devem também ter um projeto contínuo de
melhoria da qualidade de vida de seus cidadãos, o que não ocorre na maioria das
megacidades da Ásia, América Latina e África. Todavia não sendo cidades globais
a verdade é que essas articulações, existentes entre as grandes cidades de regiões
menos ricas com as megacidades globais, levou a que novas formas de segregação
fossem sendo aprofundadas no seu interior. Pois um outro modo de segregar foi
sendo criado na medida em que só grupos altamente especializados são
beneficiados com esses novos produtos tecnológicos mais avançados e com a
economia de fluxos que caracteriza esta nova era digital, o que por sua vez
contribui para aprofundar as diferenças entre as classes sociais, o que tem uma
repercussão na organização do espaço urbano com um agravamento da segregação
sócio-espacial.
Assim as novas tecnologias, ao invés de reduzir,
passam a aprofundar os problemas, relacionados com a segregação sócio-espacial,
uma vez que, a grande maioria da população, principalmente desses países ditos
periféricos, não possuem o nível educacional e de literacia digital que lhe
permita acompanhar e usufruir das benesses da economia informacional dos nossos
dias.
Vive-se atualmente numa sociedade digital em que
as novas gerações são “nativos digitais”, mas não em todos os territórios, pois
a grande maioria das populações que residem na periferia de muitas das
megacidades são analfabetos digitais. Uma nova forma de segregação que segundo
Roberto, Fidalgo e Buckinghamp (2015) apenas pode ser combatida diminuindo a
info-exclusão, contudo fatores sociais e económicos e o baixo nível de
instrução escolar dessas populações têm dificultado e até impedido a sua
aproximação a esses grupos que conseguem tirar partido das novas tecnologias da
informação e da economia informacional (Castells, 2001). É assim preciso que
existam acções governamentais e políticas públicas que invistam não só na
elevação das qualificações de quem sofre mais intensamente os efeitos da
exclusão social, mas também na sua inclusão digital. E o mais difícil, nesse
processo de inclusão digital, é que além de aprenderem a usar um computador,
devem também entender como utilizar a internet e de maneira produtiva, com o
objetivo de pesquisar sobre as diversas áreas do conhecimento e inclusive como
auxílio para se integrarem no mercado de trabalho. Enquanto tal não for uma
prioridade nesta era da informação e do conhecimento, as populações mais
carentes que residem nas grandes metrópoles passam a conviver com uma sociedade
mais desigual, o que se traduz também nos modos de organização do espaço
urbano.
Assim, diante da “sensação de crise [gerada]
pela conscientização da globalização da economia” (Borja e Castells, 1996:156)
seria preciso que as cidades inseridas nos espaços económicos globais
conseguissem garantir à “sua população (...) um mínimo de bem-estar para que a
convivência democrática possa se consolidar” (Borja e Castells,1996: 155). Mas
a questão é que a existência de uma efetiva sociedade democrática está longe de
ocorrer. Esse processo de globalização e aumento da quantidade das cidades
globais só tem favorecido e não diminuído o aumento das desigualdades sociais e
por conseguinte do fenómeno da segregação sócio-espacial.
As cidades globais, ou megacidades, estão
atreladas ao capitalismo contemporâneo (flexível), aos grandes industriais, às
grandes corporações empresariais e aos grandes bancos mundiais. Nesse sentido
só se tem favorecido a reprodução dos problemas urbanos e neste contexto
particular, tem-se impulsionado o problema da segregação sócio-espacial urbana,
embora este seja um problema que não está certamente apenas associado às
contradições do capitalismo e do processo de globalização da economia e da
influência das cidades globais, existindo também razões locais associadas ao
planeamento urbano ou à falta deste que são igualmente relevantes, nomeadamente
quando estas práticas de gestão urbanística desconsideram as populações mais
carentes.
“Por isso, retomar a
discurso sobre a segregação urbana foi importante, pois não só a contradição
pode ser reintroduzida, como se revelou que, apesar da substituição do termo
metrópole pelo de cidade global, a lógica de apropriação do espaço urbano continua
sendo a presidida pelos interesses do capital. O confronto do conceito com sua
prática demonstrou os equívocos da explicação teórica que a forma paradigma
pretende estabelecer, quando submete a compreensão da segregação urbana à
relação exclusiva com o processo de globalização da economia, ou seja, somente
por influência de processos que se dão para além de seu território,
obscurecendo, com isso, a dinâmica e os conflitos intra-urbanos, quando não os
ignora, como no caso do planeamento estratégico.” (Borja e Castells,1996,
p.81).
Considerando o surgimento e evolução da
segregação sócio-espacial, percebe-se que no contexto do processo de
crescimento urbano e de urbanização que ocorre a nível mundial, os problemas da
segregação sócio espacial vêm-se acumulando, embora com níveis de intensidade
especificamente diferenciados consoante a região considerada. Estes níveis
diferenciados de intensidade da segregação sócio-espacial urbana reflectem o
modo como com o tempo cada país ou região interpreta e enfrenta estes
problemas. Assim será importante analisar também de que modo o surgimento e a
utilização dos planeamentos urbanos e dos planos diretores, têm-se afirmado
como instrumentos com potencial para tentar amenizar este processo, de maneira
particular, no mundo contemporâneo.
Notas
([1]) "Em 1989, no bojo do reaganismo e do
tatcherismo máximas expressões do neoliberalismo em ação, reuniram-se em
Washington, convocados pelo Institute for International Economics,
entidade de caráter privado, diversos economistas latino-americanos de perfil
liberal, funcionários do Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do governo norte-americano. O
tema do encontro Latin Americ Adjustment: Howe Much has Happened?,
visava a avaliar as reformas econômicas em curso no âmbito da América Latina.
John Willianson, economista inglês e diretor do instituto promotor do encontro,
foi quem alinhavou os dez pontos tidos como consensuais entre os participantes.
E quem cunhou a expressão "Consenso de Washington", através da
qual ficaram conhecidas as conclusões daquele encontro...” (Negrão,1998. p.41).
(2) Os residentes de baixa ou nenhuma renda são
muitos e eles interferem no processo de ocupação urbana à medida que necessitam
de moradia, mas não a têm, então eles passam a ocupar terrenos baldios ou
prédios e residências abandonadas.
Bibliografia geral (D a L)
(A a C)
§ (D a L)
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Dalen, D. B. Van & Meyer, W.
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Nota: a base bibliográfica deste
conjunto de artigos, por ser muito extensa, é repartida em quatro partes,
sequencialmente editadas, ao longo dos diversos artigos que integram a série
editorial .
Notas editoriais gerais:
(i) Embora a edição dos artigos
editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no
sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo
nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários
apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores
desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos
mesmos autores.
(ii) No mesmo sentido, de natural
responsabilização dos autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos
de ilustração dos mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos,
gráficos, etc., é, igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos
autores – que deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias
autorizações.
(iii) Para se tentar assegurar o
referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta
a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários
"automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos
conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição
da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos
editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à
verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da
revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de
eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.
Principais
modalidades da segregação sócio-espacial: auto-segregação e segregação imposta
– Infohabitar # 866
Artigo V da série
editorial da Infohabitar – “Segregação sócio-espacial em contexto urbano. Um estudo comparativo
entre Braga - Portugal e Aracaju-Brasil”. A presente série
editorial integra uma sequência de capítulos da tese de doutorado de Anselmo
Belém Machado intitulada “Segregação sócio-espacial em contexto urbano, através
de um estudo comparativo entre Braga - Portugal e Aracaju-Brasil”, adaptada,
pelo respetivo autor, especificamente, para esta iniciativa editorial na
Infohabitar.
Infohabitar, Ano XIX,
n.º 866
Edição:
quarta-feira, 5 de julho de 2023
Infohabitar
Editor: António Baptista Coelho, Investigador
Principal do LNEC
abc.infohabitar@gmail.com, abc@lnec.pt
A
Infohabitar é uma Revista do GHabitar Associação Portuguesa para a Promoção da
Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação atualmente com sede na
Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE) e
anteriormente com sede no Núcleo de Arquitectura e Urbanismo do LNEC.
Apoio à
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.
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