terça-feira, junho 09, 2020

Adaptabilidade/flexibilidade e tipologia habitacional – Infohabitar # 733

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Infohabitar, Ano XVI, n.º 733

 

Adaptabilidade/flexibilidade e tipologia habitacional – Infohabitar # 733

Por António Baptista Coelho (texto e imagens)

09Notas prévias:
Caros leitores da Infohabitar, estimados amigos,
Esperando que estejam todos de saúde e, novamente, com um muito especial abraço de força e de confiança no futuro aos muitos amigos e leitores desse grande País Irmão, que estão ainda a viver uma fase complicada da epidemia.
Continuamos um “retorno” a uma abordagem relativamente sistematizada dos espaços domésticos, feito tendo por base alguns artigos já aqui editados e que foram e serão, naturalmente, extensamente revistos, desenvolvidos e “recomentados”, para esta ocasião editorial.
Este relativo “retorno” – relativo, porque o tema dos mundos domésticos esteve, está e estará sempre presente na Infohabitar – justifica-se, entre outras razões, pelo evidente e novo protagonismo que esses nossos espaços de vida assumiram nas longas semanas do nosso confinamento; um relevo que importa sentir em profundidade e aproveitar em tudo aquilo que possa contribuir para uma adequada e bem ponderada revisão programática, quantitativa, qualitativa e objetivada dos nossos mundos domésticos mais privados, “pessoais” e familiares.
Esperando que estes artigos agradem aos nossos estimados leitores e lembrando-se, sempre, que serão muito bem-vindas eventuais ideias comentadas a propósito destes artigos e mesmo propostas de novos artigos (a enviar para abc.infohabitar@gmail.com ao meu cuidado),
despeço-me, até à próxima semana, com saudações calorosas e desejos de muita força e de boa saúde,
Lisboa, Encarnação, em 8 de junho de 2020
António Baptista Coelho
Editor da Infohabitar


Adaptabilidade/flexibilidade e tipologia habitacional – Infohabitar # 733

António Baptista Coelho


Tipos de adaptabilidade e flexibilidade habitacional

A adaptabilidade da habitação a diversos modos de vida e usos domésticos ou específicos, colocada ao serviço de diversos tipos de agregados familiares e de diversas apropriações funcionais e pormenorizadas, é, cada vez mais, um aspecto fundamental a considerar na concepção dos espaços domésticos, tal como foi apontado em artigo anterior desta revista, mediante a referência à opinião de diversos autores, que salientaram a importância de deixarmos de privilegiar organizações domésticas rígidas e excessivamente hierarquizadas, favorecendo-se, sim, os caminhos marcados por espaços habitacionais mais apropriáveis e potencialmente mutantes:
  • seja pela capacidade “passiva” de adaptabilidade e conversão de espaços a diversos usos, proporcionada pela própria organização e dimensionamento gerais de uma habitação;
  • seja na flexibilização oferecida aos seus respetivos conteúdos funcionais e de mobiliário/decoração (nos mesmos espaços-base);
  • seja pelas condições de adaptabilidade relacional disponibilizadas, em termos de localizações e relações que proporcionem e incentivem diversos usos;
  • seja pelo potencial de adaptabilidade física (“hardware”) específica que igualmente ofereçam, designadamente, através da junção e subdividão de espaços e compartimentos, já existentes – numa opção que terá sempre de ser extremamente bem prevista no sentido de se respeitar, na íntegra,a segurança estrutural do respetivo edifício;
  • seja pela dinamização do equipamento evolutivo de alguns espaços e compartimentos;

  • seja mesmo pela capacidade de expansão real que seja proporcionada para novos compartimentos – uma solução naturalmente mais adequada a soluções habitacionais unifamiliares.



Fig. 01: adaptabilidade/flexibilidade dos espaços habitacionais - espaço "x" ocupação "a"
Nesta perspetiva e evidentemente nunca será possível, nem tal seria desejável, prever, na fase de projecto de Arquitectura, a (quase) totalidade de opções de ocupação e apropriação dos espaços domésticos; mas, no entanto, não tenhamos qualquer dúvida que é essencial que, na fase de projecto os espaços e subespaços da habitação sejam tornados versáteis para um máximo de apropriações e ocupações e nunca para usos quase-únicos, como por vezes, ou mesmo muitas vezes, acontece, designadamente, nos espaços limitados da habitação de interesse social.
E não tenhamos dúvida de que o espaço disponível influencia a versatilidade dos respetivos usos e ocupações, mas não é condição única, nem talvez a mais importante, para a referida e desejada adaptabilidade doméstica; e quase sempre tal versatilidade é ganha pela sábia agregação de múltiplos microespaços versatilmente habilitados para múltiplas “microatividades”, até quase simultâneas.

 

Relação entre família e habitação

No entanto, para além desta múltipla perspectiva da adaptabilidade e flexibilidade habitacional, que está globalmente ligada às amplas matérias da apropriação dos espaços domésticos, outra linha de reflexão é importante na opção por diversas formas de organização dos mesmos espaços; trata-se da caracterização do perfil da habitação na sua relação com as características etárias e gregárias dos seus habitantes.
E nesta perspectiva vários autores apontam um leque global de soluções integradas do que se pode referir como “tipologias família-habitação”, tal como em seguida se regista de forma sintética.


Fig. 02: adaptabilidade/flexibilidade dos espaços habitacionais - espaço "x" possibilidade de ocupação "b".


Estúdios individuais e para casais

Estúdios mínimos para jovens longe de casa e pessoas sós, idosas ou não; estúdios estes com equipamentos domésticos muito funcionais e completos, ou reduzidos a um mínimo razoável, que pode ser pré-instalado, e dispondo de um quarto de dormir em zona que possa ser adequadamente separada do resto da casa, ou, em alternativa, nela integrada de forma a criar um espaço amplo.
Segundo Alexander, a habitação para uma pessoa só deve ser um espaço com grande capacidade de individualização/apropriação, podendo caracterizar-se por um amplo espaço central e multifuncional, rodeado por recantos ou subespaços com diversas atribuições funcionais (1); e um espaço doméstico entre cerca de 30 e 40m² pode servir, razoavelmente bem, uma solução deste tipo.
Naturalmente que este tipo de solução pode ser adaptada, com alguma facilidade, ao uso por casais (jovens ou idosos), que aceitem este tipo de condições domésticas marcadas por algum “minimalismo” ou alguma informalidade e/ou versatilidade da organização e do recheio doméstico. 
E salienta-se que esta opção minimalista é basicamente distinta de uma opção informal em termos da capacidade de apropriação e ocupação dos respetivos espaços domésticos, sendo a primeira potencialmente mais uniforme e despojada espacialmente e a segunda eventualmente mais orgânica e multiforme - outras submatérias que nos levariam longe nestas reflexões.




Fig. 03: adaptabilidade/flexibilidade dos espaços habitacionais - espaço "x" ocupação "c".


Soluções habitacionais para pessoas sós

Citando, julga-se, a propósito, um estudo realizado pela Taylor University of York (2), apontam-se, agora, diversos subtipos de soluções habitacionais para pessoas sós e para casais:
·          "unidade auto-suficiente", provida de porta de acesso, cozinha, casa de banho completa – uma habitação pode ser uma unidade de alojamento ou conter várias unidades desse tipo; (3)
·         "unidade compartilhada", onde vivem várias pessoas, cada uma com um "espaço particular", mas compartilhando uma zona de estar, cozinha e casa de banho completa;
·         "espaço particular", quarto individual dentro de um alojamento compartilhado, usado essencialmente como espaço para dormir, mas também como zona de estar e para guardar bens pessoais;
·         "quarto completo", como o "espaço particular", mas com pequena zona de estar mais desenvolvida e incluindo lavabo e pequena cozinha; há que compartilhar a retrete e o banho;
·         "espaço comum ou colectivo, compartilhado", que pode incluir casa de banho, cozinha, estar, arrumações;
·         e, finalmente, uma evolução do "espaço particular", anexando-lhe instalações sanitárias que podem ser mínima e/ou pequena zona de estar, que pode resumir-se a um espaço para um pequeno sofá e uma mesa de trabalho (esta opção foi desenvolvida pelo autor deste trabalho).


Pequenas habitações

Subindo, agora, um pouco na “escala” do dimensionamento doméstico, mas mantendo-nos no âmbito de soluções especialmente adequadas para pessoas sozinhas, casais e outros pequenos agregados familiares, apontam-se, em seguida, as sugestões de diversos autores nesta matéria.
Desenvolvimento de pequenas habitações para jovens longe de casa, pessoas sós, idosas ou não, ou casais sem filhos em coabitação; estúdios estes com equipamentos domésticos que podem ser mais ou menos elaborados e completos, nomeadamente, para se disponibilizarem espaços para a instalação de mobiliário patrimonial ou, contrariamente, oferecendo os espaços já mobilados.
Segundo Claude Lamure esta solução deverá dispor de um quarto de dormir relativamente isolado do resto da casa, que seja suficientemente espaçoso para integrar duas camas individuais e certas zonas específicas (ex., sofá perto de janela).
A habitação deve ser globalmente espaçosa e ter circulações facilitadas, tanto entre cozinha e sala, como entre a sala e o quarto (pensa-se na funcionalidade do uso por idosos). (4)
Referem John Noble e Barbara Adams que este tipo de solução será muito útil a idosos pouco activos, que assim poderão dispor de pequenos fogos "super-funcionais" e razoavelmente espaçosos que lhes poupem e facilitem o trabalho doméstico e as próprias deslocações interiores. (5)

Pequena habitação para um casal

Num estudo espanhol considera-se que a habitação para um casal (habitação com quarto comum) será muito semelhante à habitação para uma pessoa só, designadamente, no caso de um casal de jovens adultos; pois no caso de se tratar de um casal de jovens ou de idosos, serão recomendáveis zonas mais amplas e diferenciadas. (6)
Claude Lamure aponta que as pequenas habitações realizadas especificamente para favorecerem a vida doméstica de casais, num quadro privilegiadamente informal de uso da habitação, devem favorecer os espaços "super-funcionais" para os trabalhos domésticos, a abundância de diversos tipos de arrumações, feitas de raiz, a possibilidade de desenvolvimento de recantos individuais para estudo/trabalho profissional e caracterizarem-se por um franco relacionamento geral entre espaços, que assegure, designadamente, a vigilância natural e simplificada de crianças pequenas. (7)

Grandes habitações multigeracionais e multifuncionais

Tal como aponta Lamure interessa também referir aqui o interesse do desenvolvimento de grandes habitações, razoavelmente espaçosas, para famílias "maduras" com diversos filhos de diferentes idades, com um quarto relativamente autónomo que pode servir para um filho mais velho, para escritório ou para um parente idoso, e, ainda, com um quarto de casal acentuadamente isolado do resto da casa. (8)
Defendem John Noble e Barbara Adams que as habitações deste tipo poderão desejavelmente ligar-se espaços exteriores privados no caso de famílias com crianças. (9)
E os mesmos autores referem que este tipo de solução servirá também casais idosos e activos continuando nas habitações onde criaram os filhos e onde, posteriormente, terão espaços adequados às numerosas actividades a que se dedicam em casa. (10)
Mas salienta-se que a relação entre espaços interiores e exteriores de uma dada habitação é algo que deve merecer uma redobrada e contínua atenção, devendo existir, sempre, uma possibilidade, nem que seja mínima, de “estar lá fora”, mas “em casa”; possibilidade esta que deverá, em muitas situações ser “exponencialmente” dilatada a uma possibilidade de “viver lá fora” grande parte do tempo, realizando inúmeras atividades.  

Espaços e serviços domésticos comuns

Vale a pena salientar que se considera muito adequada a associação entre os estúdios e as pequenas habitações e um potencial e diversificado leque de espaços e serviços comuns; condição esta que naturalmente será menos interessante no caso das grandes habitações, ou, especificamente, das habitações com um elevado número de quartos (ex., acima do T3).
No entanto a ideia que se julga mais adequada é que deverá haver, cada vez mais, uma maior possibilidade de escolha das soluções de habitar, quer em termos de carácter tipológico geral, quer em termos de espaços domésticos e comuns disponíveis, quer em termos de serviços domésticos, e outros, disponibilizados ou facilitados; e depois poderemos escolher o que preferimos.

Serviços comuns e domiciliários e equipamentos coletivos de proximidade

De certa forma até é possível considerar a possibilidade de haver um desenvolvimento de serviços domiciliários com um amplo leque funcional e sedeados fora dos edifícios servidos, disponibilizando o seu apoio/serviço a diversas unidades habitacionais.
E um aspeto que aqui deve ser bem considerado é a vantagem que tem uma gestão autonomizada e bem equilibrada destes possíveis pequenos complexos de espaços e serviços comuns e/ou de apoio domiciliário; sendo aqui muito interessante a reflexão que há a fazer sobre a relação deste tipo de “complexos” com algumas das velhas e com novas valências de equipamentos coletivos com faceta residencial.
Em tudo isto há que referir que a potencial diversidade de oferta de espaços e serviços comuns e domiciliários pode a ajudar a diversificar e apurar o leque de opções domésticas e residenciais disponíveis, considerando-se esta matéria de grande interesse, face à grande diversificação dos modos de vida, e  ao evidente e significativo crescimento dos pequenos agregados familiares e das pessoas idosas vivendo sós e necessitando de diversos serviços de apoio.
E não podemos deixar de sublinhar que a Infohabitar integra um tema editorial específico dedicado ao que se designou como habitações colaborativas intergeracionais, ou habitações adaptáveis e intergeracionais promovidas, naturalmente, através de iniciativas cooperativas ligadas à habitação de interesse social; e este foco numa intergeracionalidade participativa é também um foco na grande diversidade de usos da habitação que devem ser proporcionados, básica e diretamente, pelos espaços domésticos e indiretamente pelo próprio e respetivo edifício habitacional e mesmo pela respetiva vizinhança próxima residencial.

Notas:

(1) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", p. 356.
(2) Direccion General de Arquitectura y Vivienda; Ministerio de Obras Publicas y Urbanismo (MOPU), "Individuo y Vivienda", p. 86.
(3) Por exemplo dois quartos individuais, para duas pessoas que vivem juntas, mas cada uma com o seu espaço privado e independente ("LAT", "Living Apart Together") - Direccion General de Arquitectura y Vivienda; Ministerio de Obras Publicas y Urbanismo (MOPU), "Individuo y Vivienda", p. 79.
(4) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", p. 15.
(5) John Noble; Barbara Adams, "Housing. Home in its Setting", p. 514.
(6) Direccion General de Arquitectura y Vivienda; Ministerio de Obras Publicas y Urbanismo (MOPU), "Individuo y Vivienda", p. 46.
(7) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", p. 15.
(8) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", p. 15.
(9) John Noble; Barbara Adams, "Housing. Home in its Setting", p. 514.
(10) John Noble; Barbara Adams, "Housing. Home in its Setting", p. 514.



Uma primeira versão, menos desenvolvida, deste artigo foi publicada no número 473 da Infohabitar, em 23 de Fevereiro de 2014.

Notas editoriais:
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Infohabitar, Ano XVI, n.º 733

Adaptabilidade/flexibilidade e tipologia habitacional – Infohabitar # 733

Infohabitar
Editor: António Baptista Coelho
Arquitecto/ESBAL – Escola Superior de Belas Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), em Lisboa.


Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativa de Habitação Económica (FENACHE).

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