segunda-feira, outubro 21, 2013

457 - Sobre as entradas comuns habitacionais - parte I - Infohabitar 457

Infohabitar, Ano IX, n.º 457

Artigo XXXVIII da Série habitar e viver melhor

Sobre as entradas comuns habitacionais - parte I

António Baptista Coelho

Devido à sua extensão o presente artigo foi dividido em duas partes, que respeitam o seguinte índice (a negrito os itens editados na presente semana); salienta-se que a respetiva segunda parte será editada na próxima segunda-feira dia 28 de outubro de 2013.

Índice

  •       I.        Notas introdutórias
  •     II.        Sobre as entradas comuns habitacionais: aspetos gerais
  •    III.        Sobre as entradas comuns habitacionais: sobre a interioridade e domesticidade
  •   IV.        Sobre as entradas comuns habitacionais: relação interior/exterior e pormenorização
  •    V.        Sobre as entradas comuns habitacionais: a positiva marcação da agregação de habitações
  •   VI.        Sobre as entradas comuns habitacionais: ao serviço dos, e salientando os, serviços comuns
  •  VII.        Sobre as entradas comuns habitacionais: para além dos asptos funcionais está quase tudo o que há que considerar na conceção
  • VIII.        Sobre as entradas comuns habitacionais: ao serviço de um escala urbana e habitacional mais humana

I. Notas introdutórias
Tal como se referiu em um anterior artigo da presente série editorial - "Série habitar e viver melhor" -  serão considerados e abordados em próximos textos a editar na Infohabitar, desejavelmente intercalados com outros artigos tematicamente diversos, os seguintes os espaços comuns ou semi-privados mais correntes:
  • Entradas comuns e sua pormenorização.
  • Átrios e outros espaços comuns conviviais ou específicos.
  • Elevadores.
  • Escadas comuns.
  • Patins de distribuição para habitações.
  • Galerias interiores (corredores).
  • Galerias exteriores.
  • Garagens.
  • Aspectos qualitativos gerais nos espaços comuns e respectiva pormenorização.
  • Elementos “verdes”.
Não se deu uma importãncia específica à ordem de apresentação, embora se tenha considerado , sempre que adequado, a habitual sequência de uso , quando entramos num edifício habitacional.
E antes de passarmos ao artigo, propriamente dito, importa sublinhar que a inovação fundamentada com que pretendemos abordar, em futurod artigos, os espaços domésticos deveria marcar, também aqui, a reflexão sobre os espaços comuns habitacionais, ficando registada esta intenção, que iremos procurar respeitar em cada tipo de espaço abordado e, se possível, em um artigo final sobre os espaços comuns habitacionais com que se pretende concluir esta matéria geral, havendo tempo e capacidade para  este desafio.


II. Sobre as entradas comuns habitacionais: aspetos gerais
Uma entrada comum habitacional que nos dê as boas vindas, através de um arranjo agradável e envolvente, que nos abrigue da chuva e do sol excessivo, que se caracterize por aspectos que não se encontram em outras entradas comuns, é a entrada que todos desejamos.
E tal entrada não implica um gasto especial de espaço e uma despesa fora do vulgar, implica, sim, um projecto muito cuidado, e tanto mais cuidado quanto maior for a exigência de economia.
Uma entrada comum muito cuidada deve reflectir, para além da dimensão do respetivo agregado habitacional, o seu carácter em termos de escala geral, de principais formas de associação entre espaços interiores e exteriores e mesmo de tipos de acabamentos.
Uma entrada comum pode ter ainda outras “utilidades”, especialmente, quer na atribuição de um sentido de identidade específico a um dado edifício, quer até em alguma compensação (essencialmente imaterial) por eventuais áreas reduzidas no interior dos fogos, ou por acompanhamento de eventuais caraterísticas específicas das respetivas habitações.
Há, ainda, alguns aspectos formais particularizados, que são de grande importância na concepção de uma entrada comum e que têm a ver, de forma geral, com a relação entre o espaço edificado, essencialmente interior, com o espaço exterior e a natureza que envolve esse espaço edificado. Referimo-nos a todo o estimulante jogo de relações entre interior e exterior, seja através de uma  vivência específica, seja através de transparências e de afirmadas marcações de separação, e também nos referimos à presença dos elementos naturais – plantas, água, rocha, texturas naturais – quer numa situação de relação e aproximação à entrada do edifício, seja, já no seu interior, como prolongamentos naturais, desenvolvidas já em espaço basicamente interior e feito pelo homem.


Fig. 01


III. Sobre as entradas comuns habitacionais: sobre a interioridade e domesticidade
Depois há matérias que parecem ser, só aparentemente, pouco importantes e que têm a ver com uma Arquitectura de interiores extremamente bem desenhada e pormenorizada, considerando que aqui, nestes espaços em que se pára, se mexe em chaves, se passam os olhos pelo correio, estamos fortemente sensibilizados para uma tal pormenorização e equipamento cuidados. E há ainda que referir que um tal cuidado pode ter em conta, especificamente, matérias de afectividade, de reforço de uma escala marcada pela dimensão e pelo uso humanos e pelas artes.
Realmente, num sentido mais amplo, mas bem verdadeiro, podemos considerar que a entrada comum do nosso edifício é também uma extensão das entradas privadas das nossas casas, e, portanto, não deverá ser um lugar de frieza, impessoalidade e “aridez”.
E há, ainda, aspectos pormenorizados, mas com grande importância funcional e em termos de apropriação, destacando-se a desejável personalização dos botões de ligação com as diversas habitações e a sua adequada visualização nocturna e a disponibilização de uma representação esquemática do conjunto das habitações e dos respectivos acessos comuns, sempre que tal se justifique, quer devido ao número de habitações agregadas, quer por se tratar, eventualmente, de uma distribuição geral de habitações menos evidente.
Como se tem comentado ciclicamente nesta série de artigos, nada disto tem a ver, directamente, com soluções habitacionais mais caras. Por vezes, até más soluções, mal arquitectadas, vão procurar a mais espaço e acabamentos caros as qualidades de identidade, apropriação e atractividade que não quiseram ou souberam desenvolver de outras maneiras; o que não quer dizer, naturalmente, que o espaço não seja um elemento de grande importância a manejar para a obtenção de tais resultados, mas o que aqui se defende é que não é o único elemento para tais finalidades e, muito provavelmente, nem será o mais importante.
Devemos ainda reflectir sobre uma outra matéria, de cariz mais pessoal, mas igualmente importante para o objectivo de um habitar amplamente mais satisfatório e mesmo gerador de sentimentos específicos de felicidade. Tal matéria refere-se a que a entrada do edifício constitui, provavelmente, para muitos de nós, uma etapa fundamental na sequência de espaços urbanos e domésticos que habitamos todos os dias; e, sobre este aspecto, lembramos Rob Krier quando este escreve que: “No caminho da rua para o interior do edifício passamos por gradações do que podemos designar como «o público». Imediatamente, a posição da entrada e a importância arquitectónica que lhe é atribuída exprimem o papel e a função do Edifício..." (1).
E na ausência de estudos que fundamentem a afirmação da importância da entrada comum, cabe aqui chamar a atenção para a necessidade de se dar muito mais atenção a este elemento de composição do espaço do habitar, havendo muito a aprender com tantos excelentes exemplos que aí estão para serem vistos, facilmente, ao longo das ruas da nossa cidade.
Nestas matérias Alexander defende (2) a criação de uma transição gradual entre a rua e a porta de entrada, transição esta que deve ser servida por aspectos específicos de iluminação natural e artificial, protecção acústica, sequências de níveis, limiares bem marcados e vistas sequenciais de penetração e saída, vistas estas que disponibilizem diversos tipos de visões fugazes, estratégicas, gerais, etc. E o mesmo autor sublinha, depois, a importância que tem a criação de uma entrada acolhedora, preenchida por elementos que propiciem sentimentos de "boas vindas", como assentos confortáveis, pontos de vista interessantes e úteis, tons de cor domésticos e até outros elementos habitualmente associados ao interior das nossas casas. (3)

Mas há ainda um outro aspecto a ter em conta nestas matérias, pois devemos ter bem presente que uma entrada de edifício bem concebida e atraente é também um elemento muito importante para a vizinhança urbana em que se integra.
Não sendo este, especificamente, o tema que aqui nos move, importa reflectir que uma entrada que nos influencie positivamente, pelos seus aspectos formais e funcionais, será, provavelmente, uma entrada que assumirá, também, uma excelente presença e função urbanas. Mas, no entanto, tais aspectos de presença e de função urbanas poderão eles próprios ter reflexos específicos na concepção de entradas de edifícios e, tendo-os, e se os tiverem através de soluções que resultem realmente bem, então, poderemos considerar que haverá motivos complementares para que os habitantes desse edifício fiquem mais agradados com o “seu” edifício e a “sua” entrada, que, assim, naturalmente, é também uma entrada da cidade, pois pertença da cidade e das suas continuidades e vizinhanças específicas.

No que se refere à relação entre a entrada de edifício e o espaço urbano de vizinhança salientam-se dois aspectos de concepção apontados por Alexander: (4)
·      A entrada deve ser visível quando nos aproximamos do edifício ou existir uma indicação clara e condigna da sua localização.
·      A entrada deve ser formalmente realçada, e considerando-se que a aproximação mais frequente é feita paralelamente ao edifício e, portanto, em ângulos de visão habitualmente muito apertados ( e de difícil visualização).
A entrada ou átrio comum deve ter, sempre, uma "contrapartida" exterior, pelo menos, parcialmente protegida das intempéries, zona esta que poderá, naturalmente, variar, entre um pequeno espaço coberto sob uma pala e um recinto específico e equipado.

Fig. 02


IV. Sobre as entradas comuns habitacionais: relação interior/exterior e pormenorização
Ainda nesta matéria da aproximação ao edifício e, naturalmente, das acções de partida do edifício, considera-se que os respectivos espaços exteriores deverão ser, sempre que possível, especificamente caracterizados e pormenorizados, apontando-se, em seguida, algumas opiniões de Dubuisson e La Salle nesta matéria: (5)
·      "As entradas consideradas como pontos fortes e partes privilegiadas de junção entre zonas habitacionais interiores e espaços exteriores, também cumprirão o princípio de continuidade. Serão concebidas como «crescimentos» facilitando os encontros entre os habitantes. Para esse efeito o espaço aberto exterior será definido por taludes ou muretes, dispondo-se bancos e vegetação."
·      "O tratamento do pavimento é um dos principais elementos da composição das entradas dos edifícios, afirmando a presença de um acontecimento ao mesmo tempo que define um local de encontro, ele materializa uma potencial penetração dos passeantes."
·      "A sinalética específica poderá exprimir-se de variados modos, através da denominação dos edifícios nos pavimentos exteriores que prolongam exteriormente as entradas e nas paredes verticais contíguas."


Notas:
(1) Rob Krier, "Elements of Architecture", p. 61.
(2) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp. 494 e 495.
(3) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp. 623 e 624.
(4) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp. 485 a 487.
(5) S. Dubuisson, X. De La Salle, in "Espaces Exterieurs Urbains, Rencontres du Centre de Recherche d'Urbanisme",  J. P. Muret (Coord.), p. 65.

Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.


Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano IX, nº457
Sobre as entradas comuns habitacionais - parte I
Grupo Habitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional
e  Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do LNEC

Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.

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