Infohabitar, Ano IX,
n.º 457
Artigo XXXVIII da
Série habitar e viver melhor
Sobre as entradas comuns habitacionais - parte I
António Baptista Coelho
Devido à sua extensão o presente
artigo foi dividido em duas partes, que respeitam o seguinte índice (a negrito
os itens editados na presente semana); salienta-se que a respetiva segunda parte será editada na próxima segunda-feira dia 28 de outubro de 2013.
Índice
- I. Notas introdutórias
- II. Sobre as entradas comuns habitacionais: aspetos gerais
- III. Sobre as entradas comuns habitacionais: sobre a interioridade e domesticidade
- IV. Sobre as entradas comuns habitacionais: relação interior/exterior e pormenorização
- V. Sobre as entradas comuns habitacionais: a positiva marcação da agregação de habitações
- VI. Sobre as entradas comuns habitacionais: ao serviço dos, e salientando os, serviços comuns
- VII. Sobre as entradas comuns habitacionais: para além dos asptos funcionais está quase tudo o que há que considerar na conceção
- VIII. Sobre as entradas comuns habitacionais: ao serviço de um escala urbana e habitacional mais humana
I. Notas introdutórias
Tal como se referiu em um
anterior artigo da presente série editorial - "Série habitar e viver
melhor" - serão considerados e
abordados em próximos textos a editar na Infohabitar, desejavelmente intercalados
com outros artigos tematicamente diversos, os seguintes os espaços comuns ou
semi-privados mais correntes:
- Entradas comuns e sua pormenorização.
- Átrios e outros espaços comuns conviviais ou
específicos.
- Elevadores.
- Escadas comuns.
- Patins de distribuição para habitações.
- Galerias interiores (corredores).
- Galerias exteriores.
- Garagens.
- Aspectos qualitativos gerais nos espaços comuns
e respectiva pormenorização.
- Elementos “verdes”.
Não se deu uma importãncia
específica à ordem de apresentação, embora se tenha considerado , sempre que
adequado, a habitual sequência de uso , quando entramos num edifício
habitacional.
E antes de passarmos ao artigo,
propriamente dito, importa sublinhar que a inovação fundamentada com que
pretendemos abordar, em futurod artigos, os espaços domésticos deveria marcar,
também aqui, a reflexão sobre os espaços comuns habitacionais, ficando
registada esta intenção, que iremos procurar respeitar em cada tipo de espaço
abordado e, se possível, em um artigo final sobre os espaços comuns habitacionais
com que se pretende concluir esta matéria
geral, havendo tempo e capacidade para
este desafio.
II. Sobre
as entradas comuns habitacionais: aspetos gerais
Uma entrada comum habitacional que
nos dê as boas vindas, através de um arranjo agradável e envolvente, que nos
abrigue da chuva e do sol excessivo, que se caracterize por aspectos que não se
encontram em outras entradas comuns, é a entrada que todos desejamos.
E tal entrada não implica um
gasto especial de espaço e uma despesa fora do vulgar, implica, sim, um
projecto muito cuidado, e tanto mais cuidado quanto maior for a exigência de
economia.
Uma entrada comum muito cuidada
deve reflectir, para além da dimensão do respetivo agregado habitacional, o seu
carácter em termos de escala geral, de principais formas de associação entre
espaços interiores e exteriores e mesmo de tipos de acabamentos.
Uma entrada comum pode ter ainda
outras “utilidades”, especialmente, quer na atribuição de um sentido de
identidade específico a um dado edifício, quer até em alguma compensação (essencialmente
imaterial) por eventuais áreas reduzidas no interior dos fogos, ou por
acompanhamento de eventuais caraterísticas específicas das respetivas
habitações.
Há, ainda, alguns aspectos
formais particularizados, que são de grande importância na concepção de uma
entrada comum e que têm a ver, de forma geral, com a relação entre o espaço
edificado, essencialmente interior, com o espaço exterior e a natureza que
envolve esse espaço edificado. Referimo-nos a todo o estimulante jogo de
relações entre interior e exterior, seja através de uma vivência específica, seja através de transparências
e de afirmadas marcações de separação, e também nos referimos à presença dos
elementos naturais – plantas, água, rocha, texturas naturais – quer numa
situação de relação e aproximação à entrada do edifício, seja, já no seu
interior, como prolongamentos naturais, desenvolvidas já em espaço basicamente
interior e feito pelo homem.
Fig. 01
III. Sobre
as entradas comuns habitacionais: sobre a interioridade e domesticidade
Depois há matérias que parecem
ser, só aparentemente, pouco importantes e que têm a ver com uma Arquitectura
de interiores extremamente bem desenhada e pormenorizada, considerando que
aqui, nestes espaços em que se pára, se mexe em chaves, se passam os olhos pelo
correio, estamos fortemente sensibilizados para uma tal pormenorização e
equipamento cuidados. E há ainda que referir que um tal cuidado pode ter em
conta, especificamente, matérias de afectividade, de reforço de uma escala
marcada pela dimensão e pelo uso humanos e pelas artes.
Realmente, num sentido mais
amplo, mas bem verdadeiro, podemos considerar que a entrada comum do nosso
edifício é também uma extensão das entradas privadas das nossas casas, e,
portanto, não deverá ser um lugar de frieza, impessoalidade e “aridez”.
E há, ainda, aspectos
pormenorizados, mas com grande importância funcional e em termos de
apropriação, destacando-se a desejável personalização dos botões de ligação com
as diversas habitações e a sua adequada visualização nocturna e a
disponibilização de uma representação esquemática do conjunto das habitações e
dos respectivos acessos comuns, sempre que tal se justifique, quer devido ao
número de habitações agregadas, quer por se tratar, eventualmente, de uma
distribuição geral de habitações menos evidente.
Como se tem comentado
ciclicamente nesta série de artigos, nada disto tem a ver, directamente, com
soluções habitacionais mais caras. Por vezes, até más soluções, mal
arquitectadas, vão procurar a mais espaço e acabamentos caros as qualidades de
identidade, apropriação e atractividade que não quiseram ou souberam
desenvolver de outras maneiras; o que não quer dizer, naturalmente, que o
espaço não seja um elemento de grande importância a manejar para a obtenção de
tais resultados, mas o que aqui se defende é que não é o único elemento para
tais finalidades e, muito provavelmente, nem será o mais importante.
Devemos ainda reflectir sobre
uma outra matéria, de cariz mais pessoal, mas igualmente importante para o
objectivo de um habitar amplamente mais satisfatório e mesmo gerador de
sentimentos específicos de felicidade. Tal matéria refere-se a que a entrada do
edifício constitui, provavelmente, para muitos de nós, uma etapa fundamental na
sequência de espaços urbanos e domésticos que habitamos todos os dias; e, sobre
este aspecto, lembramos Rob Krier quando este escreve que: “No caminho da rua
para o interior do edifício passamos por gradações do que podemos designar como
«o público». Imediatamente, a posição da entrada e a importância arquitectónica
que lhe é atribuída exprimem o papel e a função do Edifício..." (1).
E na ausência de estudos que
fundamentem a afirmação da importância da entrada comum, cabe aqui chamar a
atenção para a necessidade de se dar muito mais atenção a este elemento de
composição do espaço do habitar, havendo muito a aprender com tantos excelentes
exemplos que aí estão para serem vistos, facilmente, ao longo das ruas da nossa
cidade.
Nestas matérias Alexander
defende (2) a criação de uma transição gradual entre a rua e a porta de
entrada, transição esta que deve ser servida por aspectos específicos de
iluminação natural e artificial, protecção acústica, sequências de níveis,
limiares bem marcados e vistas sequenciais de penetração e saída, vistas estas
que disponibilizem diversos tipos de visões fugazes, estratégicas, gerais, etc.
E o mesmo autor sublinha, depois, a importância que tem a criação de uma
entrada acolhedora, preenchida por elementos que propiciem sentimentos de
"boas vindas", como assentos confortáveis, pontos de vista
interessantes e úteis, tons de cor domésticos e até outros elementos
habitualmente associados ao interior das nossas casas. (3)
Mas há ainda um outro aspecto a ter em conta nestas matérias, pois devemos ter bem presente que uma entrada de edifício bem concebida e atraente é também um elemento muito importante para a vizinhança urbana em que se integra.
Não sendo este, especificamente,
o tema que aqui nos move, importa reflectir que uma entrada que nos influencie
positivamente, pelos seus aspectos formais e funcionais, será, provavelmente,
uma entrada que assumirá, também, uma excelente presença e função urbanas. Mas,
no entanto, tais aspectos de presença e de função urbanas poderão eles próprios
ter reflexos específicos na concepção de entradas de edifícios e, tendo-os, e
se os tiverem através de soluções que resultem realmente bem, então, poderemos
considerar que haverá motivos complementares para que os habitantes desse
edifício fiquem mais agradados com o “seu” edifício e a “sua” entrada, que,
assim, naturalmente, é também uma entrada da cidade, pois pertença da cidade e
das suas continuidades e vizinhanças específicas.
No que se refere à relação entre a entrada de edifício e o espaço urbano de vizinhança salientam-se dois aspectos de concepção apontados por Alexander: (4)
· A entrada deve ser visível
quando nos aproximamos do edifício ou existir uma indicação clara e condigna da
sua localização.
· A entrada deve ser
formalmente realçada, e considerando-se que a aproximação mais frequente é
feita paralelamente ao edifício e, portanto, em ângulos de visão habitualmente
muito apertados ( e de difícil visualização).
A entrada ou átrio comum deve
ter, sempre, uma "contrapartida" exterior, pelo menos, parcialmente
protegida das intempéries, zona esta que poderá, naturalmente, variar, entre um
pequeno espaço coberto sob uma pala e um recinto específico e equipado.
Fig. 02
IV. Sobre
as entradas comuns habitacionais: relação interior/exterior e pormenorização
Ainda nesta matéria da
aproximação ao edifício e, naturalmente, das acções de partida do edifício,
considera-se que os respectivos espaços exteriores deverão ser, sempre que
possível, especificamente caracterizados e pormenorizados, apontando-se, em
seguida, algumas opiniões de Dubuisson e La Salle nesta matéria: (5)
· "As entradas
consideradas como pontos fortes e partes privilegiadas de junção entre zonas
habitacionais interiores e espaços exteriores, também cumprirão o princípio de
continuidade. Serão concebidas como «crescimentos» facilitando os encontros
entre os habitantes. Para esse efeito o espaço aberto exterior será definido
por taludes ou muretes, dispondo-se bancos e vegetação."
· "O tratamento do
pavimento é um dos principais elementos da composição das entradas dos
edifícios, afirmando a presença de um acontecimento ao mesmo tempo que define
um local de encontro, ele materializa uma potencial penetração dos
passeantes."
· "A sinalética
específica poderá exprimir-se de variados modos, através da denominação dos
edifícios nos pavimentos exteriores que prolongam exteriormente as entradas e
nas paredes verticais contíguas."
Notas:
(1) Rob Krier, "Elements of Architecture", p. 61.
(2) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray
Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp.
494 e 495.
(3) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray
Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp.
623 e 624.
(4) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray
Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp.
485 a 487.
(5) S. Dubuisson, X. De La Salle, in "Espaces
Exterieurs Urbains, Rencontres du Centre de Recherche d'Urbanisme", J. P. Muret (Coord.), p. 65.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.
Editor: António Baptista Coelho
- abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano IX, nº457
Sobre as entradas comuns habitacionais - parte I
INFOHABITAR Ano IX, nº457
Sobre as entradas comuns habitacionais - parte I
Grupo Habitar (GH) Associação Portuguesa para a
Promoção da Qualidade Habitacional
e Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do
LNEC
Edição: José Baptista
Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.
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