segunda-feira, outubro 28, 2013

458 - Sobre as entradas comuns habitacionais - parte II - Infohabitar 458


Infohabitar, Ano IX, n.º 458

Artigo XXXVIII da Série habitar e viver melhor

Sobre as entradas comuns habitacionais - parte II
António Baptista Coelho

Devido à sua extensão o presente artigo foi dividido em duas partes, que respeitam o seguinte índice (a negrito os itens editados na presente semana)

Índice 
I.Notas introdutórias 
II. Sobre as entradas comuns habitacionais: aspetos gerais 
III. Sobre as entradas comuns habitacionais: sobre a interioridade e domesticidade
IV. Sobre as entradas comuns habitacionais: relação interior/exterior e pormenorização             V. Sobre as entradas comuns habitacionais: a positiva marcação da agregação de habitações 
VI. Sobre as entradas comuns habitacionais: ao serviço dos, e salientado os, serviços comuns 
VII. Sobre as entradas comuns habitacionais: para além dos asptos funcionais está quase tudo o que há que considerar na conceção 
VIII. Sobre as entradas comuns habitacionais: ao serviço de um escala urbana e habitacional mais humana

V. Sobre as entradas comuns habitacionais: a positiva marcação da agregação de habitações
Naturalmente que a entrada de um edifício multifamiliar deverá, em primeira linha, reflectir e expressar, a dimensão social do respectivo agrupamento de habitações e a, eventual, existência de serviços de apoio domiciliários, devendo referir-se que ela pode variar entre um espaço mínimo, quase reduzido ao estritamente necessário para abrir a porta de entrada – numa opção em que a entrada comum se aproxima, claramente, do sentido de entrada privada das poucas habitações existentes naquele edifício – até soluções próximas das usadas em grandes átrios de hotéis, até porque, neste caso, as funções de entrada e recepção têm grandes semelhanças, quando se trate de  um edifício multifamiliar com grande dimensão e quando se desenvolvam condomínios com funções alargadas, tanto em espaços comuns, como nos serviços prestados ao funcionamento das habitações.
Há, no entanto, nestas matérias uma reflexão necessária que tem a ver com a opção, que pode ser feita, de se optar pela expressão pública de uma presença com grande sobriedade, mesmo tratando-se, por exemplo, de um grande edifício com muitos serviços comuns, numa sequência de espaços e de vistas que se vá revelando, estrategicamente, à medida que o habitante ou o visitante penetre nos espaços comuns de recepção e em outros espaços, com outras valências, que, eventualmente, assegurem uma continuidade mitigada ou filtrada a essas zonas de recepção.

Fig. 03: vizinhança de interesse social em Alvalade, Lisboa, projeto urbano do arquiteto Faria da Costa.

VI. Sobre as entradas comuns habitacionais: ao serviço dos, e salientado os, serviços comuns
Nesta matérias do habitar ao serviço do entrar/sair no habitar, e em outras matérias que lhe estão associadas. o limite estará na imaginação fundamentada dos projectistas, mas não se quer deixar de referir que, por um lado, há aqui, naturalmente, muito a aprender com a concepção dos bons espaços de hotelaria, e que, por outro lado, há que assumir e expressar um forte sentido residencial, pois entre estadias curtas e longas haverá diferenças de carácter a evidenciar; mas note-se a forma como se referiu este último aspecto, é que, repete-se, há muito a aprender com a residencialidade oferecida por alguns hotéis, afinal, num cruzamento de ideias de concepção em que a hotelaria vem também encontrar e utilizar muita matéria da residencialidade mais estrita em várias famílias de tipos de hotelaria, que vão dos hotéis de charme, aos hotéis de arte, aos hotéis especialmente dedicados a pessoas idosas, e a outras categorias hoteleiras.
Tal como se sintetizou num estudo anterior  (6) “entrar tem a ver com diversos aspectos fundamentais no habitar entre os quais se destacam:
  •  a transição entre espaços ambientalmente diferentes – abertos ou fechados, maiores e menores, etc;
  • a segurança nessa passagem, que se joga em grande parte nos respectivos aspectos de visibilidade em ambos os sentidos de uso das entradas (entrando ou saindo);
  • a identidade e a atractividade ou dignidade que deve marcar um espaço de transição do público para o privado (de um agregado familiar ou de um grupo);
  • e a espaciosidade equilibrada que deve marcar essa transição, e diz-se equilibrada pois tem de se ligar à espaciosidade que marca o resto do edifício”;
  • e termina-se esta síntese sublinhando-se ainda dois outros aspectos a considerar:  (i) “a apropriação, que se liga à identidade e à atractividade; (ii) e a, cada vez mais vital [porque importante e rara] convivialidade”.
A ideia que se desenvolveu nesta reflexão sobre a entrada como elemento positivo da construção de um habitar que possa influenciar um viver diário mais satisfatório foi não avançar muito em matérias mais específicas e ligadas, por exemplo, a soluções desenvolvidas com objectivos concretos e, eventualmente, pouco replicáveis, como será o caso de soluções expressivamente marcadas pela vida em comum e por um afirmado apoio ao convívio.
A principal ideia foi pensar em soluções que possam servir um amplo leque de gostos habitacionais, através de entradas adequadamente desenvolvidas; e considerando que, depois, e em espaços comuns específicos, poderá haver lugar a uma convivialidade espontânea e livremente assumida.

VII. Sobre as entradas comuns habitacionais: para além dos asptos funcionais está quase tudo o que há que considerar na conceção
Globalmente e para rematar este tema, há que destacar que as entradas dos edifícios têm de se caracterizar por aspectos muito mais amplos e diversificados do que, apenas, por simples questões funcionais, que se ligam, designadamente e por exemplo, a aspectos de acessibilidade e à eficácia no uso dos receptáculos postais e de baterias de contadores.
Dá vontade de dizer que há aqueles edifícios onde nem tais aspectos funcionais são considerados, há, depois, um outro grupo que respeita tais funcionalidades, e que podemos considerar habitacionalmente "adequados" e há, finalmente, aqueles edifícios cujas entradas são verdadeiros espaços de habitar com satisfação, e para tal, como se referiu, nem é preciso muito espaço nem muito dinheiro em equipamentos e acabamentos; precisamos, sim, de capacidade e qualidade de projecto.

Fig. 04: pormenor de edifício de interesse social em Alvalade, Lisboa, projeto de Miguel Jacobetty.

Faltará, desde já e basicamente, fazer aqui uma fundamental reflexão sobre a importância da entrada comum como pólo de estruturação do conjunto de acessos comuns do edifício multifamiliar, uma reflexão que é feita através de algumas palavras do Arq.º Bartolomeu Costa Cabral, que sublinham que "a localização das entradas e a sua articulação com os percursos exteriores é muito importante na definição da relação edifício-circulação, considerando-se necessária uma grande clareza no conjunto do sistema de acessos... garantindo aos fogos, simultaneamente, um grande isolamento e uma grande comunicabilidade com o sistema de acessos e o exterior, sendo os contactos com as funções da «rua» considerados como fundamentais..." (7)
E esta última reflexão tem também muito a ver com o desenvolvimento de pequenas agregações de habitações, nas quais ou se opta por uma simples entrada comum, espacialmente contida, embora estrategicamente bem marcada e agradavelmente visível, ou, alternativamente, se opta pela afirmação de uma expressiva desagregação do edifício, assumindo-se cada habitação e cada acesso habitacional como uma entidade com relativa autonomia formal e funcional, no caminho para uma solução em que, mais do que o conjunto edificado, se evidencia a presença de cada habitação e de cada acesso habitacional. E esta é uma matéria, que por si própria, justificaria um pequeno capítulo de desenvolvimento e que, portanto, importa explorar.

VIII. Sobre as entradas comuns habitacionais: ao serviço de um escala urbana e habitacional mais humana
Esta tipologia de diversidade de opções tem muito a ver com favorecer-se, nesta reflexão, a solução de ligação, mais afirmada, entre rua e habitação, que tem sido abordada ao longo deste processo de estudo como uma forma de nos podermos reaproximar de ruas mais vivas e de habitações mais apropriadas; uma perspectiva que tem, sempre, muito a ver com a opção mais geral por núcleos urbanos estruturados para os peões e bem servidos por transportes públicos de proximidade - assunto que merece cuidadoso e urgente desenvolvimento
E sobre esta matéria da constituição de entradas comuns para pequenos conjuntos de habitações criando agregados de pequenas vizinhanças bem estruturadas, importa referir, ainda, que pode haver uma opção específica neste sentido, por exemplo, para apoio a um grupo de habitantes que optam por um expressivo desenvolvimento de espaços e serviços comuns (ex., um pequeno pólo residencial para pessoas sós e pequenos agregados familiares).
E podemos comentar que este privilegiar da entrada comum, provavelmente, associado a um significativo desenvolvimento de outros espaços comuns, poderá configurar verdadeiras soluções de “habitação colectiva”, pois há um transportar ou uma extensão para espaços colectivos de várias funções habitualmente realizadas nos espaços domésticos.
E de certa forma e no limite podemos pensar aqui em soluções de habitar em que a agregação de habitações em vizinhanças seja um assunto e a disponibilização de espaços e equipamentos comuns seja outro assunto, embora, naturalmente, bem articulados entre eles.

Fig. 05: zona de entrada de edifício de interesse social em Olivais Norte, Lisboa, projeto dos arquitetos Nuno Teotónio Pereira e António Pinto de Freitas.

Falta fazer um brevíssimo apontamento sobre as entradas comuns em edifícios para uma família (unifamiliares) ou até para duas (bifamiliares) a quatro famílias (tri e tetrafamiliares), mas sempre fortemente agregados em conjuntos com afirmada unidade e continuidade, considerando-se que, na prática, tais soluções seguirão tudo aquilo atrás referido para os multifamiliares, pois, na realidade, o que aqui sucederá é uma agregação de habitações com significativa e afirmada individualidade.
E aproveita-se para sublinhar considerar-se que esta linha de opção por unifamiliares ou pequenos multifamiliares mutuamente densificados e bem agregados é, basicamente, muito compatível, quer com a sempre presente força do individualismo familiar doméstico, quer com todo um flexível conjunto de vantagens comuns do multifamiliar, quer, ainda, com a solução de ligação privilegiada, entre casa e rua, que tem sido proposta neste processo de estudo.

Notas:
(6) “Do bairro e da vizinhança à habitação”, LNEC, ITA n.º 2.
(7) Bartolomeu Costa Cabral, "Formas de Agrupamento de Habitação", p. 30.

Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.


Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano IX, nº458
Sobre as entradas comuns habitacionais - parte II
Grupo Habitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional
e  Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do LNEC
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.

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