A propósito das vizinhanças de Habitação de Interesse Social – infohabitar # 773
Infohabitar, Ano XVII, n.º 773
Edição: terça-feira,
20 de abril de 2021
Caros
leitores da Infohabitar,
Na
sequência natural dos oito artigos que acabaram de ser publicados e dedicados
ao desejável desenvolvimento da qualidade arquitectónica e da satisfação
residencial no que ainda falta fazer em termos de nova Habitação de Interesse
Social Portuguesa (HISP),
esta
semana e nas duas semanas que se seguemm próximas semanas voltamos a uma “discussão”
sobre o referido tema em três edições muito ilustradas e comentadas no âmbito
de casos de referência de HISP realizados, preferencialmente, nas últimas
dezenas de anos.
Os três artigos a editar
serão dedicados sequencialmente: à vizinhança próxima residencial (o presente artigo); ao edifício
habitacional; e à habitação.
Lembra-se, ainda e novamente, que serão sempre muito
bem-vindas eventuais ideias comentadas sobre os artigos aqui editados e
propostas de novos artigos (a enviar para abc.infohabitar@gmail.com, ao meu cuidado).
Considerando-se que o combate à pandemia está,
agora, a desenvolver-se numa fase tão sensível como importante, continua a
sublinhar-se a vital importância do máximo confinamento, do distanciamento
social, do teletrabalho e do respeito por todas as medidas de higiene e
proteção amplamente divulgadas.
Despeço-me, até à próxima semana, enviando saudações
calorosas e desejos de força e de boa saúde para todos os caros leitores e seus
familiares,
Lisboa, Encarnação, em 19 de abril de 2021
António Baptista Coelho
Editor da Infohabitar
A propósito das vizinhanças de Habitação de Interesse Social – infohabitar # 773
António
Baptista Coelho
(texto e fotografias)
Resumo
Depois de uma introdução sintética sobre o que se considera
serem as mais desejáveis opções de intervenção em termos de vizinhanças
residenciais, passa-se a uma abordagem de vários aspetos a sublinhar em termos
de intervenção na vizinhança de proximidade em textos que são desenvolvidos “a
propósito” de intervenções e imagens de intervenções de Habitação de Interesse
Social realizadas nas últimas dezenas de aos em Portugal.
Neste sentido abordam-se aspetos de: integração do novo no
antigo e preexistente; vizinhanças polarizadoras; vizinhanças expressivamente
urbanas; equipamentos vitalizadores; requalificação urbana e arquitectónica da
vizinhança; unidade do projecto de edifícios e de exterior residencial; o
sentido e a importância da vizinhança de proximidade; o interesse da
assinalável continuidade da arquitectura urbana e da escala humana; a
concentração da vizinhança nas ruas; o sentido lúdico da vizinhança; a
singularidade da vizinhança; e o seu enriquecimento pela arte urbana.
1. Sobre as vizinhanças de Habitação de Interesse Social
Ao intervir com nova habitação a respetiva vizinhança
urbana e paisagística, existindo como é sempre desejável, deve ser respeitada e
vitalizada, melhorando-se a paisagem local e acrescentando-se novas valências e
novos habitantes aos preexistentes e, designadamente, procurando-se colmatar
aspetos em falta ou carentes de determinadas intervenções; se a vizinhança de
proximidade não existe ou está sensivelmente “enfraquecida” ou incompleta,
merece uma cuidadosa atenção em termos de (re)configuração e (re)qualificação
gerais e pormenorizadas e no que se refere ao respetivo conteúdo funcional e
imagético com destaque para os essenciais aspetos de apoio ao convívio natural,
construído pela construção de ocasiões de vistas mútuas e de vistas de
atividades e de ocasiões de estadia agradável e de observação natural.
Em tudo isto merece uma atenção especial a matéria das
acessibilidades, que devem ser claramente vitalizadoras e visualmente
estratégicas e naturalmente securizadoras da vizinhança, mas não sendo
intrusivas e geradoras de variados desconfortos (desde a falta de privacidade
ao ruído ou excesso de atividade numa zona essencialmente residencial).
A vizinhança residencial afinal deve habilitar um dado
espaço, simultaneamente, para ser agradavelmente habitado e estimulantemente
urbano.
Tudo isto se aplica à habitação urbana em geral, mas no
entanto deverá merecer atenções especiais, gerais e de pormenor, de integração,
de configuração e de funcionalidade, quando se trate de habitação de interesse
social e, designadamente, quando em presença de grupos socioculturais
sensíveis.
Salienta-se, ainda, que embora as seguintes anotações,
desenvolvidas a propósito dos conjuntos ilustrados nas imagens e, por vezes, de
aspetos particulares das imagens, se apliquem, evidentemente, a qualquer
tipologia de promoção habitacional, praticamente todos os casos ilustrados nas
figuras são de intervenções de Habitação de Interesse Social/Habitação a Custos
Controlados realizadas nos últimos decénios.
2. A propósito de alguns exemplos de vizinhanças de referência
Regista-se que os bons exemplos/casos de referência
apresentados em seguida são, isso mesmo, exemplos,
referidos a intervenções relativamente recentes, para além de ilustrarem, quase
sempre, situações e aspetos particularizados; neste sentido salienta-se que
existem, felizmente, muitos outros bons exemplos/casos de referência de
vizinhanças de Habitação de Interesse Social Portuguesa a considerar, assim
como há, natural e infelizmente, alguns maus exemplos que nunca mais deveriam
ser replicados.
A propósito da intervenção: introdução de
pequeno edifício de habitação de interesse social no Conde Barão, Lisboa,
projeto de Eugénio Castro Caldas e Nuno Távora (2005).
Sobre as vitais questões da integração na vizinhança,
palavras para quê? Uma excelente e sóbria integração do novo no antigo e
preexistente, o reafirmar de uma continuidade de edificado e de vizinhança,
numa marcação de “tempos” passados e novos, sem imitações com muito pouco
sentido e o trazer de novos habitantes exatamente para o miolo da cidade velha.
O bem oportuno conceito do “construir no construído”,
desenvolvido num importante livro do arquitecto Francisco de Gracia, intitulado
"Construir en
lo Construido, La arquitectura como modificacion" (1992); que
aqui poderíamos explorar um pocupo no sentido do reavizinhar na vizinhança
física e social preexistente, e um “reavizinhar” que pode até ter um sentido de
reconstrução de vizinhanças já rarefeitas e pouco efetivas e uma arquitectura
tomada como modificação suave e habilitadora de renovadas possibilidades
urbanas e habitacionais.
E ficará sempre para discutir, agora mesmo no âmago do
“desenho de Arquitectura” o partido aqui claramente tomado de um novo, mas
expressivamente sóbrio e depurado edifício; mas estamos já a passar para
aspetos por um lado mais pormenorizados, porque do edificado e, por outro, mais
de enquadramento global das novas intervenções em zonas históricas.
(Fig. 2)
A propósito do conjunto: promoção privada de
Habitação a Custos Controlados/HISP no Contrato de Desenvolvimento de Habitação
(CDH) da Betofer,
na Vidigueira, com apoio da
Câmara Municipal da Vidigueira, integrando 20 fogos, diversos equipamentos
comerciais e conjuntos de pequenos quintais privados (no tardoz dos edifícios),
projecto do arquitecto Jorge
Filipe da Cruz Pinto, 1996.
Passamos de uma integração, de certa forma, mimética numa
vizinhança histórica de um grande centro urbano para uma nova intervenção que
cria vizinhança de proximidade e também vizinhança urbana num renovado e
pequeno pólo urbano de uma vila do interior.
E destaca-se a ideia fundamental e ainda infelizmente pouco
aplicada como regra de uma intervenção de habitação de interesse social que é, simultaneamente, uma intervenção de
revitalização e reconfiguração urbana pormenorizada.
Recria-se verdadeiramente vizinhança, recompondo-se e
cerzindo-se o respetivo tecido urbano, nas
duas faces da moeda: seja na sua face mais representativa/formal, através de
uma agradável praceta equipada e arborizada, seja na sua face mais informal e
orgânica dos caminhos pedonais e alamedas que ligam quintais e pequenas ruas.
Trata-se de um caso de habitação de
interesse social que, verdadeiramente, ajuda a recriar “cidade”, através de
adequadas condições de configuração do espaço urbano de vizinhança, seja pelo
seu adequado equipamento convivial, seja, novamente, pelo “construir no
construído”, agora numa escala mais ampla, embora igualmente marcada pela
dimensão e pelos usos humanos.
Trata-se
de uma tipologia de edifícios de transição uni/multifamiliar com expressiva
escala humana – são em alguns casos tetrafamiliares – todos com pequenos
quintais privativos, ligando ao “miolo” urbano e em continuidade com serventias
a velhos quintais e pequenas azinhagas preexistentes.
E
é importante a reintrodução das árvores de arruamento no retomar d e um íntimo
diálogo entre edifícios baixos e contínuos e árvores com dimensões bem
integradas.
(Fig. 3)
A propósito do conjunto: grande vizinhança
formalmente bem afirmada de 271 fogos em cuja continuidade edificada se integra
um amplo leque de equipamentos, no Amparo, Funchal, um CDH Imopro com apoio dos
Investimentos Habitacionais da Madeira (IHM), arquitetos Carla Baptista e
Freddy Ferreira César (2006).
Estamos
aqui em presença de uma intervenção expressivamente citadina e urbanisticamente
polarizadora, configurada num expressiva grande quarteirão semi-aberto, que é
muito vitalizado por uma intensa relação entre: (i) um elevado número de
habitações, com presença bem visível e quase encenada através de acessos por
galerias exteriores com um tratamento de fachada
evidenciado; e (ii) os designáveis “outros espaços habitacionais” dos
equipamentos coletivos conviviais, estrategicamente sequenciados em
“tradicionais” galerias cobertas e abertas à vizinhança, também positivamente
“encenados” designadamente através de espressos pilares e atravessamentos que
proporcionam excelentes vistas estáticas e estimulantes sequências de vistas, e
sempre numa fortissimo relação com a escala humana.
E
para além destes dois elementos, da habitação e dos equipamentos – atente-se:
expressivamente conviviais, através de uma forte densidade de unidades de
restauração: o terceiro elemento protagonista é o verde urbano, numa expressiva
relação com a natureza que marca
exuberantemente o jardim/verde local, ele próprio em excelente contraste com os
cinzas dominantes no edificado.
E
a prova de que é possível fazer “grande” em termos de intervenções de
habitação de interesse social, mas, sem dúvida, com uma excelente arquitectura
e apurados cuidados de vitalização, visualidade mútua e grande dignidade e
atratividade de imagens.
A propósito do conjunto: 53 fogos da Câmara Municipal
da Guarda, no Bairro do Pinheiro na Guarda, projecto do arquitecto Aires Gomes
Almeida, GAT da Guarda,1995.
Estamos
em presença de um pequeno e agradavelmente “pacífico” quarteirão semi-aberto,
desenvolvido em torno de um equipamento
exterior infantil e alguns outros elementos de estadia no exterior.
Este
quarteirão, com miolo pedonal e com
fluxos rodoviários claramente marginais, pretende assumir alguma
polaridade urbana (também através de equipamento comercial) numa zona que
estava ainda pouco sedimentada na altura do seu acabamento.
Trata-se
de um espaço público bem fundamentado num humanizado e viável grupo de
convívio de cerca de 50 fogos, um pequeno quarteirão urbano protagonista e
alegre com um interior animado e estimulantemente marcado pelos acessos
directos, entre esse miolo de espaços exteriores de vizinhança e os fogos
térreos.
Salienta-se
o desenvolvimento de uma agradável dualidade de imagens nas faces exterior e
interior do quarteirão: uma exterior marcante unificada e sóbria e outra interior
ligada aos percursos de acessibilidade e que se polariza na referida praceta
pública pedonal equipada para o recreio infantil e o lazer pedonal, virada ao
Sol e bem envolvida/protegida, animada e tornada segura pela grande proximidade
dos equipamentos locais e das portas de acesso a fogos.
E
o verde urbano também lá está, crescendo e gradualmente marcando, cada vez mais
expressivamente, a escala humana e a presença da natureza neste pólo de
vizinhança.
(Fig. 5)
A propósito do conjunto: Vila Nova de Gaia,
Oliveira do Douro, Quinta do Guarda-Livros, 139 fogos promovidos pela Câmara
Municipal de Vila Nova de Gaia, 2001, com projeto do Arq.º Paulo Alzamora.
Esta solução corresponde,
provavelmente, a um dos primeiros casos de integração entre promoção de HCC/HIS
e intervenções de requalificação urbana, arquitectónica e residencial.
Considera-se, portanto,
que é um exemplo excelente de avanço numa área de intervenção urbana e
residencial, que está, hoje em dia, numa primeira linha de ação, associando-se
intervenções de HCC e de requalificação urbana e optando-se por uma radical
mudança de uma imagem urbana, por vezes, pouco qualificada, para uma renovada e
atraente e marcante/apropriável nova imagem arquitectónica urbana e residencial.
Transforma-se
positivamente uma anterior imagem urbana, arquitectónica e residencial,
aproveitando-se para se dinamizar uma fundamental opção de usos pedonais.
Desenvolve-se
uma renovação da imagem dos edifícios, mantendo-se a opção original por
galerias exteriores – consideradas vitalizadoras do espaço público.
Assume-se
uma clara opção de pedonalização de um espaço público que constitui,
verdadeiramente, a espinha dorsal do conjunto.
A
reconfiguração da vizinhança é, assim, proposta em torno de um miolo pedonal
equipado, essencialmente, para o recreio infantil e a estadia informal dos
habitantes, sendo que a acessibilidade rodoviária se faz bilateralmente pelas
margens “exteriores” que de certa forma envolvem o conjunto; uma opção
interessante que exige, em termos de futuro, uma adequada gestão de proximidade
das referidas amplas zonas pedonais.
(Fig. 6)
A propósito do conjunto: Contrato de
Desenvolvimento de Habitação (CDH) da Empresa Sedengil, em Milheirós, Maia (48
fogos), projecto do arquitecto João Carlos Santos (2002).
Neste
conjunto sublinha-se a muito forte unidade do projecto de edifícios e de
exterior residencial, uma unidade que joga com a expressiva racionalidade e
mesmo alguma depuração do edificado, que é “equilibrada” pela respetiva e
apurada pormenorização, que ao nível da vizinhança de proximidade acaba por ter
grande visualidade; e uma pormenorização também muito cuidada ao nível de um
exterior quase minimalista, que se espera possa ter tido adequada continuidade
em termos de tratamento e manutenção; isto porque quando o arranjo se joga
neste tipo de grandes pormenores (ex., relvado muito regular entre bandas
edificadas) é essencial a sua adequada preservação e mesmo o interessante
desenvolvimento da sua imagem – neste caso conseguido através do crescimento das
árvores aí plantadas.
Esta
intervenção foi interessantemente marcada por aspetos pormenorizados de
qualidade de projeto de Arquitectura e de construção previamente definidos
entre o CDH e o respetivo município e que chegaram a aspetos muito específicos,
por exemplo, de Arquitectura paisagista com pormenorizado detalhe, por exemplo,
no que se refere ao tamanho das árvores a plantar, de modo a proporcionar logo
uma imagem minimamente desenvolvida quando da ocupação; e um cuidado com o
arranjo do exterior extremamente exigente de modo a proporcionar um arranjo
completo de vizinhança coesa e acabada de edifícios e exteriores quando da
ocupação.
Neste
conjunto é evidente o interesse básico de se desenvolver integradamente com
o espaço de habitação um espaço de vizinhança e uma tipologia edificada que
consiga fazer bem a ligação entre aqueles dois níveis físicos; e tudo
jogando-se em termos de uma qualidade arquitectónica integrada e completa que
vai da unidade de vizinhança aos mais pequenos pormenores do edificado e do
exterior.
(Fig. 7)
A propósito de um conjunto: em Vila do Conde
(conjuntos “tipo” com menos de 20 fogos cada, visualmente muito diversificados
e integrados em diversas freguesias e localizações específicas) com projecto do
arquitecto Miguel Leal (2003), promovido pela Câmara Municipal de Vila do
Conde.
O
sentido e a importância da vizinhança de proximidade na promoção habitacional é
mesmo a regra de base deste conjunto e de bastantes conjuntos irmãos que firam distribuídos por diversas
freguesias e localizações do município de Vila do Conde.
Salienta-se
o interesse e a força do conceito que baseia o conjunto destas intervenções,
bem como outras intervenções de realojamento realizadas por este promotor
municipal; procura-se desenvolver uma tipologia habitacional optimizada, e,
também, uma tipologia optimizada de pequeno multifamiliar com carácter de
unifamiliar e, paralelamente,
desenvolve-se uma adaptação de cada intervenção/pequena vizinhança (com menos de 20 fogos cada) a cada sítio,
não se limitando esta adequação a aspectos de pormenor, mas sim procurando-se
captar, em cada local o seu carácter/identidade e aí fazer evoluir um
determinado partido ou solução específica.
Provavelmente
tudo o que interessa, verdadeiramente, no âmbito da promoção de novos conjuntos
habitacionais se inscreve dentro dessas fronteiras de cuidadosas integração
local, humanização e desenvolvimento do seu carácter/identidade individual; e
assim por aqui se vão criando pequenas pracetas multifuncionais e bandas de
grandes quintais alongados e pequenos pátios privados mais urbanos.
O
interesse referencial desta intervenção está em ela jogar, quer com uma
excelente solução doméstica, muito bem desenvolvida e pormenorizada, quer um
extenso leque de variações dessa mesma solução aplicadas em vizinhanças muito
distintas umas das outras em termos formais gerais e em termos de elementos
de exteriores polarizadores (ex., pequeno jardim público, ptaceta, pequenos
quintais privados, etc.).
Há
uma relativa repetição de uma solução doméstica, que é devidamente optimizada,
e há oferta de variadas vizinhanças, todas elas com evidente identidade local,
forte escala humana e importante capacidade de integração local; “oferecem-se”,
assim, boas casas e boas vizinhanças.
Quanto
à solução edificada tipificada ela faz uma excelente ponte entre as vantagens
do unifamiliar e do pequeno multifamiliar, possuindo grande versatilidade local
e um elevado potencial de apropriação e mesclando, sempre, os usos do exterior
contíguo de uso público e de uso privado.
(Fig. 8)
A propósito do conjunto: Unidade Residencial João
Barbeiro, Beja, 48 fogos, projeto dos arquitectos Raúl Hestnes Ferreira e
Manuel Miranda (1984) Promotor, promovido pelo Fundo de Fomento da Habitação
(FFH) e IGAPHE / INH.
Este
conjunto residencial é sempre uma revelação muito positiva, quando visitado,
trata-se de uma vizinhança de proximidade exemplar, seja em número de fogos
vizinhos, seja na estupenda escala humana que define no seu miolo pedonal.
O
pequeno quarteirão tem grande sobriedade externa, dialogando com a envolvente
que serve com algumas lojas bem integradas no seu volume global e
essencialmente marcado na fronteira exterior do quarteirão.
Interiormente
revela alguma alegria residencial, utiliza de forma inovadora elementos com
raiz tradicional, como é o caso das grandes grelhagens, usa a cor também no
serviço à atractividade e apropriação da vizinhança e faz viver um pequeno
espaço urbano (praceta) tanto em íntima ligação com os fogos envolventes, como
na natural continuidade dos percursos “citadinos exteriores”. Quanto aos
aspectos tipológicos do edificado salienta-se o grande interesse que tem a
consideração das pequenas e largas galerias comuns de acesso a dois fogos (cada
uma) como se fossem varandas comuns com funções conviviais e de relação com a
praceta de vizinhança.
É
uma vizinhança de proximidade que equilibra uma imagem extremamente afirmada
e quase “reservada” numa das suas extremidades (visível na fotografia), com uma
outra imagem de grande abertura pública e mesmo de “boas-vindas” a quem
passa na outra extremidade; e são estas mais algumas variações formais e
funcionais entre tantas que são possíveis e desejáveis nas vizinhanças.
(Fig. 9)
A propósito do conjunto: 400 fogos e vários
equipamentos em Laveiras, Caxias, promovido pela Câmara Municipal de Oeiras,
com projecto dos arquitetos Nuno Teotónio Pereira e Pedro Botelho (1991).
A
assinalável continuidade da arquitectura urbana e a escala geral deste pequeno
bairro, de baixa altura e forte ocupação por quintais privados (cerca de metade
dos fogos), proporcionou grande adequação a modos de vida muito relacionados
com o exterior (1/3 dos fogos realojaram famílias que viviam em zonas
degradadas) e a minimização da extensão do exterior público (acompanhada pela
maximização do seu controlo a partir das habitações e equipamentos marginais).
O
conjunto define-se, praticamente, por grandes espaços entre bandas edificadas
que são repartidos em quintais privados que servem todos os fogos e que são
separados dos caminhos pedonais contíguos por muros à altura humana,
reservando-se, assim, as respetivas imagens e usos domésticos. Estrategicamente
não há assim grandes zonas públicas a tratar e a manter, sendo boa parte do
espaço exterior de uso e manutenção privadas, mas acabando por ser de usufruto
público.
Deste
modo e de forma muito urbana a vizinhança é assim “concentrada” ao longo das
agradáveis pequenas ruas, muito caracterizadas pela forte escala humana dos
edifícios e na rua/pólo comercial que constitui o centro mais animado do
conjunto.
Os
exteriores públicos são estrategicamente concentrados e vitalizados, claramente
legíveis e apropriáveis, cheios de relações urbanas enraizadas na nossa
tradição urbanística (tais como ruas arborizadas, escadinhas, passeios largos e
mirantes), nunca pondo em risco a segurança dos peões ou a funcionalidade do
próprio automóvel, que acaba por ser sempre marginal.
Nesta zona convivem variados grupos socioculturais (296 fogos de realojamento e 104 de venda a custo controlado).
(Fig. 10)
A propósito do conjunto: 111 fogos da Cooperativa
de Habitação Trinta de Junho, no Chinicato, Lagos, projeto do arquitecto José Veloso (BLOCO),
1994 e anos anteriores.
Este
conjunto residencial estimula localmente uma dimensão social e de convívio e
privilegia o uso pedonal em agradáveis pequenas ruas, caracterizadas pela
integração de “verde” urbano e rústico e por uma fortíssima escala humana;
trata-se de um espaço de vizinhança predominantemente térreo, um agradável
mundo à altura do passeante, quase convidado a entrar nas casas, e de um forte
sentido de condomínio exterior sem barreiras, marcando, logo, a nossa entrada
neste pequeno “bairro”.
Este
sentido comunitário e de boas-vindas a quem chega é reforçado pela
posição estratégica do café/centro de convívio e galeria de arte no principal
“ponto” urbano de chegada e partida e pelas estimulantes continuidades das
ruelas em escadinha ligadas à alameda arborizada, paisagisticamente
perspectivadas, animadas pelo
“ondulado” das habitações e por um alegre cromatismo.
“De
vez em quando, apetece a gente tomar por uma dessas ruazinhas que não se sabe
onde irão acabar, deixando correr o tempo ao sabor dos passos erradios.” – em “uma rua qualquer”, de Daniel Filipe,
“discurso sobre a cidade”.
A vizinhança tem de ser também sempre isto: “ao sabor
dos passos erradios”; e para tal tem até de ser lúdica, estimulante, atraente
...
(Fig. 11)
A propósito do conjunto: 101 fogos de HCC/HISP na
Ponte da Pedra, Matosinhos, cooperativa NORBICETA (cooperativas Nortecoop, As
Sete Bicas e Ceta), projecto coordenado
pelo Arq. Carlos Coelho; empreendimento que integrou o consórcio SHE
(Sustainable Housing in Europe), que foi premiado com o Sustainable Energy
Europe Awards 2007 (Prémio Europeu de Energia Sustentável 2007).
A
imagem escolhida para abordar a vizinhança a propósito deste premiado conjunto
na Ponte da Pedra, num sítio onde antes existia uma indústria poluidora, é
premeditadamente “curiosa”, mostrando parte de um alongado espelho de água
entre edifícios, numa perspetiva totalmente distinta dos bem conhecidos
“caixotes” habitacionais dispostos como soldados numa parada árida.
O
tema aqui brevemente apontado liga-se ao anterior, o “dos passos erradios”, o
da habilitação de uma vizinhança urbana e residencial verdadeiramente estimulante
do seu uso, e até lúdica quando percorrida, o mais possível única no seu
carácter e nas suas sequências e enfiamentos visuais, marcada por uma
identidade muito própria no seu conjunto e nos seus subconjuntos e
estrategicamente bem marcada por situações e elementos verdadeiramente
“singulares”, seja na relação entre espaços cheios e vazios, seja no seu
povoamento por determinados elementos que sejam verdadeiros pequenos e sóbrios
“acontecimentos”, seja nas sequências de percurso e/ou de visualização
oferecidas e previsualizadas.
E
em tudo isto a arte urbana não pode ser esquecida e desprezada como tem sido
habitualmente; mas aqui na Ponte da
Pedra não o foi, existindo para além de elementos urbanos singulares,
interessantes elementos de arte urbana sublinhando e enriquecendo locais
singulares.
(Fig. 12)
E
para concluir o artigo e a propósito do que acabou de ser referido para o
conjunto de Habitação de Interesse Social (HIS) na Ponte da Pedra, uma imagem
de integração de arte urbana – 69 figuras humanas, por Fabrice Hybert, em
resina e aço inoxidável, integram uma instalação/fontanário – numa zona
residencial do Parque das Nações, em Lisboa, num dos poucos casos de imagens
não referidas a intervenções de HIS.
Realmente não faz sentido uma cidade de vizinhanças
sem uma sua qualificação pontual por elementos de arte urbana.
3. Breves notas finais ao artigo e ao tema da vizinhança residencial
A
questão da vizinhança e da sua importância residencial sempre foi naturalmente
conjugada com a mais “simples” questão da existência de uma (ainda que pequena)
dimensão de (um mínimo de) espaços exteriores agradáveis (confortáveis,
equipados e atraentes) em cada intervençãoo habitacional.
É
uma temática: (i) que se liga, muito aritmeticamente, ao número de fogos integrado
em cada vizinhança e em cada intervenção, número este que pode ter variadas
formalizações em termos de conjunto edificado e de vizinhança; (ii) que está
associada à habilitação da respetiva vizinhança urbana e paisagística
preexistentes para a integração da nova intervenção (tendo em conta de certa
forma “o grão” da integração); (iii) que depende da tipologia e da eficácia da respetiva
gestão local e de proximidade (que é vital/crucial); (iv) que depende da
tipologia específica de espaços exteriores usada; e (v) que se liga, de forma
determinante, ao potencial de convívio que deve ser naturalmente proporcionadop
em cada vizinhança.
É
uma temática intimamente associada a questões de (boa) vizinhança e de simples
existência/ausência de espaços exteriores viáveis e habilitadores do seu uso e de
uma procura da melhor vivência do respetivo conjunto habitacional e que têm uma
aplicação geral à promoção habitacional, mas têm também uma aplicação muito
específica e exigente quando se trata de operações de Habitação de Interesse
Social ligadas a processos sensíveis e complexos de realojamento.
E
liga-se, infelizmente, a uma falta de hábito que temos de considerar,
verdadeiramente, o exterior residencial como espaço “habitável”, e termos da
expansão de certos usos domésticos e tendo em conta o desenvolvimento de usos
exteriores específicos; e neste sentido um “seminário” que apresente casos
concretos com uma tal qualidade será sempre muito útil.
Naturalmente que a consideração específica da habitação de
interesse social tendo-se em conta, designadamente, os seus naturais
constrangimentos em termos de espaciosidade, custos e exigências qualitativas
terá, sempre, um lugar particular nesse rumo de investigação aplicada.
Em futuros artigos a infohabitar irá
procurar avançar cuidadosa, mas afirmadamente, nestes “novos” caminhos de
reflexão teórico-prática e, mais uma vez, se desafiam, amigavelmente, os
leitores a e enviarem comentários, textos e imagens com este objetivo.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar
seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar
assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e
científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o
pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e
comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) No mesmo sentido, de natural responsabilização dos
autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos de ilustração dos
mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos, gráficos, etc., é,
igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores – que
deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias autorizações.
(iii) Para se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.
Infohabitar, Ano XVII, n.º 773
A propósito das vizinhanças de Habitação de Interesse Social – infohabitar # 773
Infohabitar
Editor: António Baptista
Coelho
Arquitecto/ESBAL – Escola Superior de Belas Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), em Lisboa.
Sem comentários :
Enviar um comentário