A propósito dos fogos de Habitação de Interesse Social – infohabitar # 775
Infohabitar, Ano XVII, n.º 775
Edição: terça-feira,
4 de maio de 2021
Caros leitores da Infohabitar,
Na
sequência natural dos oito artigos que aqui foram publicados e dedicados ao
desejável desenvolvimento da qualidade arquitectónica e da satisfação
residencial no que ainda falta fazer em termos de nova Habitação de Interesse
Social Portuguesa (HISP),
Nas duas
últimas semanas e esta semana voltamos a uma “discussão” sobre o referido tema em
três edições muito ilustradas e comentadas no âmbito de casos de referência de
HISP realizados, preferencialmente, nas últimas dezenas de anos.
Os três artigos editados são
dedicados sequencialmente: à vizinhança próxima residencial; ao edifício
habitacional; e à habitação (o presente artigo).
Lembra-se, ainda e novamente, que serão sempre muito
bem-vindas eventuais ideias comentadas sobre os artigos aqui editados e
propostas de novos artigos (a enviar para abc.infohabitar@gmail.com, ao meu cuidado).
Considerando-se que o combate à pandemia está,
agora, a desenvolver-se numa fase tão sensível como importante, continua a
sublinhar-se a vital importância do máximo confinamento, do distanciamento
social, do teletrabalho e do respeito por todas as medidas de higiene e
proteção amplamente divulgadas.
Despeço-me, até à próxima semana, enviando saudações
calorosas e desejos de força e de boa saúde para todos os caros leitores e seus
familiares,
Lisboa, Encarnação, em 3 de maio de 2021
António Baptista Coelho
Editor da Infohabitar
A propósito dos fogos de Habitação de
Interesse Social – infohabitar # 775
António
Baptista Coelho
(texto e fotografias)
Resumo
Depois de uma introdução sintética sobre opções de reflexão
e intervenção em termos de espaços habitacionais e domésticos passa-se a uma
abordagem de vários aspetos a sublinhar em termos de intervenção habitacional
em textos que são, quase exclusivamente, desenvolvidos “a propósito” de
intervenções e imagens de intervenções de Habitação de Interesse Social
realizadas nas últimas dezenas de aos em Portugal.
Neste sentido abordam-se os seguintes aspetos: protagonismo
da habitação na respetiva vizinhança; forte diversificação de soluções de
edifício/fogo; destaques na pormenorização; importância da janela, tipificada
mas cuidadosa; utilização de galerias exteriores marcando/integrando
sobriamente a rua; extremo cuidado na entrada privada; o sentido doméstico e
afetivo que a entrada de cada habitação deve marcar; grandes átrios
comuns/pátios interiores cheios de luz natural zenital; alargamento do conceito
de HCC/HIS a “novas” formas de habitar; importância do exterior privado térreo;
condições dimensionais e espaciais (pé direito) muito reduzidas; soluções
dimensionais e funcionais em que áreas interiores mínimas proporcionam um
máximo de utilização; adequada capacidade de integração de mobiliário e de
elementos de decoração; boas relações de comunicabilidade entre espaços
domésticos; luz natural qualificando os espaços mais interiores da habitação;
habilitar espaços, mesmo reduzidos, para diversas funções; cuidadosa gestão e
pormenorização de múltiplos e pequenos subespaços; melhores áreas domésticas,
porque mais funcionais, mais humanizadas, mais integradas e mais versáteis; e o
interesse de uma estimulante sequência de espaços e microespaços domésticos.
1. Sobre os fogos de Habitação de Interesse Social
Talvez que, em primeiro lugar, nesta pequena reflexão
introdutória sobre o espaço habitacional, em geral, e especificamente sobre os
caminhos projetuais mais desejáveis quando nos confrontamos com limites de
áreas globais, como é o caso na Habitação de Interesse Social, valha a pena
ponderar se, realmente, temos levado em conta os muitos estudos e exemplos de
referência que marcaram, positivamente, a história da HIS e especificamente os
cerca de 100 anos de história da HIS Portuguesa. E uma história que tem,
evidentemente, muito a ver com os estudos sobre HIS que marcaram o século XX e
com os estudos sobre a “habitação mínima” ou sobre os “mínimos existenciais”
pelo menos igualmente apreciados e ciclicamente investidos pelos arquitectos e
pelos (poucos) teóricos arquitectos.
Julgo que resposta a
esta questão é negativa, claramente negativa, pois existe um grande vício de
voltar sempre a pensar o que foi tantas vezes já pensado, designadamente,
quando, como em Arquitectura, a Técnica se casa com a Arte e a teoria da
concepção com a prática da satisfação dos habitantes; um vício que também se
liga à sempre presente vontade de recomeçar de novo, de escrever sobre uma
“tábua rasa”, encontrando resultados “novos” a partir de velhas questões
formais e funcionais e não aproveitando consensos essenciais sobre aspetos
básicos do habitar, desenvolvidos por autores incontornáveis e aproveitando
para aplicar essa criatividade às novas e numerosas questões habitacionais,
colocadas pelos “novos” ou pelo menos mais evidenciados desejos, gostos e
necessidades habitacionais.
E evidentemente estamos a considerar que existe, pelo
menos, uma “tábua rasa” consistente, que se preocupa com aspetos específicos de
como apoiar e incentivar um melhor habitar; pois, infelizmente, casos há em que
nem essa consistência existe, remetendo-se o desenvolvimento de uma dada
solução de habitação para arbítrios “livres” do projetista, decisões
discricionárias (marcadas pela liberdade de decisão, mas que até nem serão, por
regra, marcadas pelo interesse publico, tal como aponta a definição de
discricionário, ficando-se pela referida “liberdade de decisão”) apenas
condicionados pelos regulamentos existentes; situação esta que naturalmente nos
levaria, no limite, para o projecto “automatizado”, enfim!
Esta linha de reflexão levar-nos-ia muito longe, mas
importa aqui delimitá-la e voltar um pouco atrás e sublinhar que estes caminhos
de projecto de Arquitectura habitacional não se confinam à HIS, mas marcam,
sim, todo o projecto habitacional, até ao mais “luxuoso”, que ou pode ser muito
conseguido em termos de uma excelente e múltipla adequação espacial e
funcional, aplicando os muitos suplementos de área e de “alma” em excelentes
ambientes residenciais, muito apelativos e habilitados para um amplo leque de
interações e de estados de espírito, ou, pelo contrário, pode consistir num
conjunto desarticulado de espaços globalmente falhados e essencialmente
dedicado a uma ostentação e mesmo esta servida, muitas vezes, de modo pouco
eficaz.
Também importa referir e sublinhar que esta “tipologia” de
reflexão se aplica também, evidentemente, à vizinhança e ao edifício residenciais,
mas talvez aqui de forma menos direta e muito mais filtrada, quer por
exigências públicas, quer por espartilhos de modas tipológicas pouco sentidos
de forma próxima, que é a forma como sentimos os espaços das nossas habitações.
Referiu-se o que se julga ser a importância dos
incontornáveis estudos teórico-práticos espaciais e funcionais, desde Alexander
Klein a Nuno Teotónio, e lembraram-se, apenas, os poucos Arquitectos teóricos
ou práticos e com alguns escritos que abordaram o tema do habitar e, portanto,
muito diretamente, os espaços habitacionais: muito está escrito e desenhado,
há, “apenas” que ter em conta todo esse lastro, que nos evita erros de
palmatória e que nos liberta para pensar na novidade habitacional dos nossos
tempos, sendo que há que sublinhar que o espaço habitacional tem de ser pensado
e desenhado em total integração com o espaço do habitar, que se inicia na
cidade e na vizinhança e atravessa o edifício até chegar a um interior
doméstico.
Importa, finalmente, lembrar que tudo isto se aplica à
habitação urbana em geral, mas no entanto deverá merecer atenções especiais,
gerais e de pormenor, de integração, de configuração e de funcionalidade,
quando se trate de habitação de interesse social e, designadamente, quando em
presença de grupos socioculturais sensíveis.
Salienta-se, ainda, que embora as seguintes anotações,
desenvolvidas a propósito dos conjuntos ilustrados nas imagens e, por vezes, de
aspetos particulares das imagens, se apliquem, evidentemente, a qualquer
tipologia de promoção habitacional, praticamente todos os casos ilustrados nas
figuras são de intervenções de Habitação de Interesse Social/Habitação a Custos
Controlados realizadas nos últimos decénios.
2. A propósito de alguns exemplos de habitações de referência
Regista-se que os exemplos/casos de referência apresentados
em seguida são, isso mesmo, exemplos, referidos a intervenções
relativamente recentes, para além de ilustrarem, quase sempre, situações e
aspetos particularizados; neste sentido salienta-se que existem, felizmente,
muitos outros bons exemplos/casos de referência de fogos de Habitação de
Interesse Social Portuguesa a considerar, assim como há, natural e
infelizmente, alguns maus exemplos que nunca mais deveriam ser replicados.
(Fig. 1)
A propósito do conjunto: e pequeno
quarteirão com 53 fogos, na Urbanização do Pinheiro, promovido pela Câmara
Municipal da Guarda, projecto do arquitecto Aires Gomes de Almeida (1995).
Temos aqui a habitação como verdadeira protagonista da
respetiva vizinhança.
Estamos em presença de um quarteirão, que é também um
edifício com uma tipologia diversificada de acessos comuns e directos, condição
de adaptabilidade a diversos modos de vida, para além de garantir a referida
vitalização do seu miolo pedonal e a criação de excelentes condições de
segurança para o recreio infantil, praticamente do lado de lá das portas e
janelas dos fogos.
A habitação surge, assim, com uma importância muito clara
no “palco” da própria e respetiva vizinhança, partilhando com a escala do
edifício o enquadramento e a definição de um miolo de quarteirão aberto e
polarizado por um equipamento de recreio infantil.
(Fig. 2)
A propósito do conjunto: de 20 fogos em S.
Pedro de Rates, promoção da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, projecto do
arquitecto J. J. Silva Garcia (2000).
Um conjunto de apenas 20 fogos, mas marcado por uma forte
diversificação de soluções de edifício/fogo, que é fulcral no interesse
arquitectónico da intervenção e que é sabiamente conseguida a partir de uma
única solução-base de habitação, com a “simples” adição ou subtracção de
elementos de arquitectura urbana.
O desenvolvimento de espaços domésticos que funcionalmente
se chegam o mais possível ao modo como as pessoas desejam habitar (ex. em
termos de diversidade de espaços exteriores privados e de relação informal mas
dignificada com o espaço público), que ambientalmente privilegiam todos os
aspectos do conforto ambiental e designadamente a luz natural e vistas e a
ventilação natural e que foram desenvolvidos com total atenção formal e funcional
aos pormenores.
(Fig. 3)
A propósito do conjunto: da Cooperativa de
Habitação Massarelos, no Porto, 95 fogos com projeto dos arquitectos Francisco
Barata e Manuel Fernandes Sá (1995).
Uma belíssima integração topográfica excelentemente casada
com a integração paisagística.
O jogo das acessibilidades aos fogos, proporcionando a
opção entre o corrente “esquerdo/direito” e o acesso directo a fogos duplex
térreos e rebaixados, cujo enfiamento de acessos proporciona uma pequena ruela
alternativa e bem apropriada; solução que correspondeu à vontade dos moradores.
Uma pormenorização extremamente cuidada do exterior
“citadino” ao interior comum e, depois, ao interior “doméstico”, uma
pormenorização que alia a excelente e apurada qualidade de desenho a preocupações
de conforto ambiental (ex., lanternim da escada comum) e à racionalização e
economia da construção – e neste caso destaca-se o cuidado investido na
pormenorização dos vãos exteriores, que foram objecto de um estudo aprofundado
e que depois, mesmo muito repetidos, proporcionam uma imagem geral apelativa e
uma imagem de proximidade muito agradável. E sublinhe-se, finalmente, que uma
tal intensa repetição de elementos de fenestração se apõe a uma volumetria
global muito regular, isto sem quaisquer más consequências em termos de
eventual monotonia, antes pelo contrário; e esta é uma lição de desenho e
também uma lição de economia de construção, com grande interesse para a
promoção habitacional de interesse social.
E ainda a opção que houve em inovar, no interior doméstico,
de forma bem fundamentada, proporcionando-se um núcleo de serviços e de
instalações, à volta do qual, cada “caso” habitacional poderá ir alterando a
sua habitação com alguma liberdade.
Quanto à excelente porta de entrada da zona comum do
edifício, o apurado e muito digno desenho fala por si; e realmente não faz
qualquer sentido que seja dedicada menos atenção aos elementos comuns do
edifício, com natural destaque para a sua porta de entrada e a
pormenorização da escada nos seus diversos e principais aspetos – um verdadeiro
projecto de Arquitectura TEM de abordar estes aspetos de forma verdadeiramente
adequada e “atenciosa”, não pode considerar estes espaços/ambientes como
secundários.
(Fig. 4)
A propósito do conjunto: de 52 fogos no Outeiro
da Forca, Portalegre, uma promoção da C.M. de Portalegre com projecto do Arq.º
Carlos Gonçalves (2007).
Este conjunto em Portalegre
é daqueles que integra múltiplos e variados aspetos de adequada
pormenorização, designadamente, ao nível do edifício, seus espaços comuns e
suas habitações.
E neste sentido a imagem refere-se à essencial
importância da janela, tipificada mas cuidadosa, em termos de dignidade,
enquadramento de vistas, proteção ambiental, etc.
(Fig. 5)
A propósito do conjunto: de 45 fogos da
HABECE, Cooperativa de Construção e Habitação de Cedofeita, com projecto da
arquitecta Ana Maria Oliveira (1995).
Um bloco alongado com galerias exteriores
marcando/integrando sobriamente a rua e servindo de ponte sobre outra rua.
Uma tipologia habitacional hoje frequentemente criticada ,
mas que importa analisar e , eventualmente, reaplicar tendo em conta a sua
vivência, confrontando-a com os atuais aspectos regulamentares (ex. segurança
contra incêndio) e reinventando-a, sempre que possível, nos seus aspetos até
simbólicos ligados a uma relação reforçada entre o espaço exterior e cada fogo,
reforçando sentimentos de pertença e de aproximação a um conjunto de fogos
muito individualizados, embora agregados num grande e global edifício.
Esta tipologia parece poder ter aspectos positivos, em termos de custos de instalações comuns
(menor número de ascensores) e numa perspectiva de grande ligação entre
galerias e rua e de individualização de cada fogo.
Parece ser uma solução que agrada a distintos agregados familiares,
quem sabe porque há uma ligação/transição comum e intermediária entre cada fogo
e a rua e entre fogos, ligação/transição essa que é oferecida pela galeria e
isto sem negativos reflexos domésticos em termos de privacidade e conforto
ambiental (ex. luz natural e vistas).
Afinal também se trata de recuperar, efetivamente, outras
válidas “figuras” de espaços comuns que não apenas a “estafada” escada, ainda
por cima agora, quase sempre, enclausurada e “reduzida” ao seu papel funcional
(o que é pouco, acha-se).
(Fig. 6)
A propósito do conjunto: de 30 fogos
unifamiliares em bandas contínuas, promovido pelos Empreiteiros Casais e
Construcasais com projecto do arquitecto Elói de Castro (2003).
Esta pequena, mas extremamente cuidada, entrada privada
pertence a um edifício unifamiliar que integra um conjunto com uma escala
urbana global fortemente humanizada, caracterizado por um desenho que alia
aspectos de sobriedade com um afirmado dinamismo, quer em cada unidade
habitacional, quer através de diversas ligações entre os fogos, criando uma
atraente variedade na imagem urbana, que é muito rítmica.
Os espaços domésticos caracterizam-se por uma positiva
sequência marcada por: pequeno pátio frontal de representação, compartimentos
habitacionais, e pátio/quintal de serviço – salientando-se que esse pequeno
pátio frontal é utilizado em ligação direta com compartimentos, assegurando uma
agradável transição com o espaço público.
Os espaços interiores conciliam uma máxima redução das
áreas de circulação com uma excelente caracterização doméstica, sendo
fortemente marcados pela escala humana, assinalando de forma especial a entrada
e a sala e encontrando-se bem apropriados pelos habitantes.
(Fig. 7)
A propósito do conjunto: na Av. Salgado Zenha,
Guifões, Matosinhos, Cooperativa As Sete Bicas, 2008, 40 fogos e uma
residência/lar de terceira idade com 30 quartos, projeto dos arquitectos
Fernando Rocha e Celestino Machado.
A imagem procura ilustrar o sentido doméstico e afetivo,
ou mesmo caloroso, que a entrada de cada habitação deve marcar no respetivo
espaço comum contíguo.
Esta entrada, bem pormenorizada e caracterizada, pertence a
um conjunto urbano e residencial marcado por uma afirmada continuidade urbana e
de imagens de pormenor: (i) 40 fogos de variadas tipologias (T1, T2 e T3) – em
quatro pisos (rés do chão + 3), mais um piso subterrâneo com 60 lugares de
garagem e arrumos – (ii) e uma residência/lar dirigido para idosos com 30
quartos com casas de banho próprias – 15 individuais e os outros duplos ou de
casal.
Em termos arquitectónicos globais aplicados ao edificado
salienta-se o desenho integrado de arquitetura urbana fortemente caracterizado
por um agradável sentido residencial que integra, totalmente, as duas vertentes
habitacionais (blocos habitacionais mais correntes e unidade para a terceira
idade) e explora, designadamente, as situações singulares de embasamento e de
remate superior em pisos recuados.
O que interessa talvez salientar aqui é o cuidado que foi
colocado em TODO o projecto arquitectónico da respectiva rua residencial, desde
a referida e total integração de diferentes tipos habitacionais, ao
aproveitamento das singularidades de integração em favor de uma melhor imagem e
de melhores funcionalidade, até ao cuidadoso e caloroso detalhar dos limiares de
entrada nos fogos; é realmente deste modo que se avança numa séria integração
urbana, enquanto se proporcionam os melhores espaços domésticos, numa mistura
extremamente agradável e capaz de melhorar as vidas dos seus habitantes.
(Fig. 8)
A propósito do conjunto: de 120 fogos em
Penafiel, Novelas, Lugar do Monte, promovido pela empresa Habiseque Construções
com projecto do arquitecto João Vaz (2000).
Uma tipologia de edifício multifamiliar pouco corrente, com
relação exterior/interior forte e concentrada, seja em pequenos pátios
exteriores (de atravessamento urbano), seja em grandes átrios comuns/pátios
interiores cheios de luz natural zenital.
Cada edifício tem 40 fogos, repartidos em torno de duas
caixas de escada separadas pelo referido grande átrio (visível na imagem) e que
dão acesso, em cada piso, a pequenas galerias interiores comuns.
Há jogos de luz/sombra, convívio/ intimidade, entre o átrio
(com grande banco corrido e toda a altura do edifício) e as caixas de escada. O
átrio é apropriável pelos habitantes (ex. plantas em vasos) e é importante para
o conforto ambiental dos fogos que o rodeiam e que são, em boa parte,
monorientados.
Os fogos são bem pormenorizados, salientando-se as
bandeiras superiores das portas, que são de madeira ou de vidro conforme os
compartimentos. Destaca-se ainda a profundidade do edifício, que garante uma
boa garagem comum.
Será interessante explorar opções deste tipo, baseadas na
aplicação de edifícios espessos e pequenas tipologias habitacionais,
frequentemente monorientadas – o que obriga a cuidados muito exigentes em
termos de conforto ambiental; tais soluções têm o seu lugar e tendem a
habilitar interessantes espaços comuns.
(Fig. 9)
A propósito do conjunto: de 45 fogos T1 mais cerca
de 15 “suites” para acamados da Residência Madre Maria Clara, na Portela,
Carnaxide, uma intervenção da Câmara Municipal de Oeiras com projeto dos arquitetos Cristina Veríssimo, Diogo Burnay e
Patrícia Ribeiro, mais a arq.ª paisagista Inês Norton de Matos (2007).
Esta Residência integra um conjunto de 45 unidades
residenciais para acamados e fogos T1 para idosos, acessíveis por uma extensa e
atraente sequência de zonas de acesso centrais e iluminadas zenitalmente, mais
um amplo conjunto térreo de espaços e equipamentos de uso comum; constituindo
no piso térreo um Centro de Dia, logo no 1.º andar uma unidade para acamados, e
uma Residência para Pessoas Idosas nos pisos mais elevados.
Salienta-se que esta intervenção corresponde a uma positiva
inovação em termos do urgente alargamento do conceito de HCC/HIS a “novas”
formas de habitar, neste caso marcadas por uma bem inovadora
intergeracionalidade e sentido de um habitar entendido como um serviço amplo e
bem humanizado; e é oportuno registar que foi a C. M. de Oeiras, um dos
municípios que desde sempre marcaram em termos de uma esclarecida intervenção
em termos de HIS/HCC, a responsável por esta Residência.
O edifício e a intervenção organiza-se em três grande
zonas: (i) uma térrea e interior/exterior, que integra os espaços de
equipamento coletivo e de convívio; (ii) outra grande zona central e iluminada
zenitalmente e nas extremidades do bloco, que integra as circulações
horizontais nos diversos níveis do edifício, que possui praticamente um aspeto
de ambiente exterior mas bem protegido; (iii) e finalmente os espaços privados
das suites para acamados (no 1.º andar) e dos pequenos T1 (nos pisos
superiores), sendo este marcados por entradas bem desenhadas e identificadas
onde se integra uma transparência estratégica – que traz alguma luz natural
através do fogo para o espaço central e vice versa; proporcionando uma
aproximação a um conjunto de fogos agregados em torno de um espaço público verticalizado.
(Fig. 10)
A propósito do conjunto: de 45 fogos T1 mais
cerca de 15 “suites” para acamados da Residência Madre Maria Clara, na Portela,
Carnaxide, uma intervenção da Câmara Municipal de Oeiras com projeto dos arquitetos Cristina Veríssimo, Diogo Burnay e
Patrícia Ribeiro, mais a arq.ª paisagista Inês Norton de Matos (2007).
Os pequenos fogos do tipo T1, possuem uma cuidadosa espaciosidade e funcionalidade, que qualifica
espaços mínimos como ambientes caracterizadamente domésticos, existindo uma pequena
kitchenette num recanto da zona de entrada, que se prolonga pela zona de estar.
(Fig. 11)
A propósito do pequeno conjunto: de 14 fogos
unifamiliares do CDH da empresa António Caetano & Moreira, em Figueiró da
Granja, Fornos de Algodres, com projeto do arquitecto António Mata (2004).
Um conjunto de excelentes edifícios unifamiliares em “L”,
organicamente associados e dispondo de estimulantes pátios frontais e de
espaçosos quintais posteriores privados e murados.
Este conjunto dá que pensar ao nível de uma integração ou
desintegração de imagens urbanas entre um seu desenho racional e contemporâneo
e uma envolvente de baixa densidade e estruturalmente descaracterizada. Uma tal
reflexão é balizada tanto por uma posição que refere a menor integração deste
desenho no seu contexto, como por uma distinta reflexão sobre o razoável acerto
de uma intervenção racional e contemporânea num contexto em que a possível
“tradição” arquitectónica está, no mínimo, ausente, ou está até adulterada numa
malha descaracterizada e um pouco caótica.
Mas o que se considera de interesse especial nesta
intervenção é a sua dupla qualidade de oferecer ao espaço urbano envolvente uma
escala humanizada, nas fortes e insistentes referências directas à dimensão e
aos usos humanos, feitas pelos muros e pelos pátios frontais, e ao oferecer
esta escala urbana, oferecer também uma escala doméstica rara.
Uma caracterização doméstica rara: que associa aspectos de
intimismo e de convivialidade no pátio frontal que está estrategicamente protegido
de uma legibilidade pública mais direta; que associa e resolve aspectos de
grande funcionalidade nas múltiplas atividades ligadas à cozinha e ao
tratamento de roupas; e que proporciona um estimulante encadeamento de espaços
privados interiores e exteriores – “talhão” ajardinado contíguo ao lote, pátio
privado e murado, zona social da casa, zona íntima da casa, pátio privado e
murado posterior, e, por vezes, pequena horta.
(Fig. 12)
A propósito da solução: com condições
extremamente mínimas de habitabilidade ligada a uma antiga instituição de
assistência a pessoas sós, em Hamburgo.
As imagens ilustram uma situação doméstica multifuncional
do Tipo T0, com condições dimensionais e espaciais (pé direito) muito
reduzidas, mas que, mesmo assim, se caracteriza por um interessante sentido
doméstico e apropriável.
A reflexão, a propósito, fica por fazer, salientando-se
que, de forma alguma, se está aqui a fazer a apologia de condições domésticas
espacialmente mínimas; apenas se procura salientar que há muito mais qualidade
habitacional que é possível para além dos estritos aspetos espaciais e
funcionais.
(Fig. 13)
A propósito de um determinado conjunto
realizado em 1998: não identificado por se tratar de um espaço doméstico
ocupado.
Importa considerar o desenvolvimento de excelentes soluções
dimensionais e funcionais em que áreas interiores mínimas proporcionam de certa
forma um máximo de utilização e de sentido de espaço, apreciação esta que
nos pode e deve levar longe.
Não é, realmente, porque os espaços são pequenos que eles
não podem ser estimulantes; há espaços reduzidos mas agradáveis e estimulantes
em termos dimensionais, de conforto ambiental e de relacionamento com outros
espaços domésticos; e não é porque os espaços domésticos são amplos que eles
são estimulantes e apropriáveis. Afinal, há muito mais qualidade habitacional
possível para além dos respetivos aspetos espaciais e funcionais.
(Fig. 14)
A propósito de um conjunto realizado em
2007: não identificado por se tratar de um espaço doméstico ocupado e
eventualmente identificável.
A existência de uma adequada capacidade de integração de
mobiliário e de elementos de decoração é matéria de extrema importância no
que se refere à satisfação habitacional, designadamente, em termos funcionais,
de adaptabilidade a diversos modos de habitar e de apropriação e identificação
do respetivo espaço doméstico.
(Fig. 15)
A propósito de um conjunto realizado em
1998: não identificado por se tratar de um espaço doméstico ocupado e
eventualmente identificável.
Uma imagem que procura chamar a atenção para o interesse
que têm as boas relações de comunicabilidade entre espaços domésticos
globalmente compatíveis, abrindo-os e qualificando-os “suplementarmente”; e uma
condição cuja importância cresce quando aplicada em habitações dimensionalmente
reduzidas, mas que neste caso exige cuidados especiais de dimensionamento e
pormenorização, para ficar bem integrada e caracterizar positivamente a
respetiva habitação.
(Fig. 16)
A propósito do conjunto: de 53 fogos
promovido pela Câmara Municipal do Porto, no Monte de São João, Paranhos,
promovido pela Câmara Municipal do Porto, com projecto dos arquitectos Rui
Almeida e Filipe Oliveira Dias (2003).
Um pormenor do interior de um fogo focado em portas
interiores envidraçadas, que proporcionam que a luz natural invada e defina
boa parte dos espaços mais interiores da habitação, ajudando também a
interessantes transparência visuais entre os diversos espaços; com o resultado
de se tornar a habitação mais “ligada”, mais definida e mais contínua e,
portanto, mais alegre/viva e aparentemente mais ampla.
(Fig. 17)
A propósito de um determinado conjunto
realizado em 1998: não identificado por se tratar de um espaço doméstico
ocupado e eventualmente identificável.
O habilitar espaços, mesmo reduzidos, para outras funções
que não as estrita e tradicionalmente ligadas ao respetivo tipo de
compartimento é uma qualidade de grande interesse no espaço
doméstico e uma qualidade que ganha valia especial quando estamos a lidar com
habitações espacialmente limitadas; e nestes casos não tenhamos dúvida de que a
abundância de luz natural ajuda no efeito final.
Esta é mais uma daquelas matérias que muito longe nos podem
e devem levar em termos de uma consolidada reflexão sobre uma adequadamente
inovadora qualidade habitacional doméstica, designadamente, na perspetiva de
podermos e devermos até pôr em causa, sistematicamente, os próprios conteúdos
funcionais e imagéticos dos diversos tipos de espaços domésticos correntemente
conhecidos e designados; uma experiência que fica para ser lançada em
próximas discussões deste tipo – imaginando-se que outros conteúdos
funcionais e imagéticos poderão ser acolhidos nos diversos espaços
“funcionalmente tipificados” de uma habitação.
(Fig. 18)
A propósito do conjunto: de 91 fogos na
Travessa do Sargento Abílio, Calhariz de Benfica, promoção da Câmara Municipal
de Lisboa, com projecto do arquitecto Paulo Tormenta Pinto (2001).
Vale bem a pena desenvolver uma cuidadosa gestão e
pormenorização de múltiplos e pequenos subespaços funcionais domésticos.
Neste caso tal cuidado é aplicado em espaços domésticos
onde se associam espaços de sala e de cozinha e onde a marcação da cozinha na
fachada é estrategicamente diluída, por uma parede de tijolo de vidro recolhida
numa zona de estendal de roupa, e isto sem perdas graves em termos de luz
natural e mesmo com a conquista de um agradável ambiente doméstico.
(Fig. 19)
A propósito do conjunto: de 91 fogos na
Travessa do Sargento Abílio, Calhariz de Benfica, promoção da Câmara Municipal
de Lisboa, com projecto do arquitecto Paulo Tormenta Pinto (2001).
... a marcação da cozinha na fachada estrategicamente
diluída ...
(Fig. 20)
A propósito de um determinado conjunto
realizado em 2002: não identificado por se tratar de um espaço doméstico ocupado
e eventualmente identificável.
Sobre a questão das áreas há sempre que voltar a ela,
ciclicamente, nestas matérias do habitar e designadamente da habitação de
interesse social, pois há caminhos a fazer no sentido de se favorecerem melhores
áreas domésticas, porque mais funcionais, mais humanizadas, mais integradas e
mais versáteis; e, tal como já se referiu, melhores áreas nem são,
necessariamente, áreas maiores; mas serão, sem dúvida, áreas mais versáteis e
melhor mobiláveis até com mobiliário tradicional ou de família.
(Fig. 21)
A propósito da solução: multifuncional e
dimensional e espacialmente muito estrita de uma habitação T0/T1.
As únicas imagens do artigo que não se referem a HIS, mas
sim a um pequeno apartamento de uma cadeia hoteleira, mas que ilustra,
julga-se, bastante bem a velha e sempre presente questão da áreas e
essencialmente das dimensões mínimas, proporcionando uma estimulante
sequência de espaços e microespaços muito adequados: entrada; recanto de
kitchenette; zona de estar; zona de quarto; zona de vestir; casa de banho; e
estamos de volta à entrada (e cá está o interesse da acessibilidade
alternativa, sempre que possível).
3. Breves notas finais ao artigo e ao tema da habitação
Julga-se que seria bem interessante e adequado pensar e
experimentar a habitação de formas, eventualmente, bem distintas das habituais
e “normalizadas” ao longo do Século XX, considerando: quer as novas
necessidades e os novos gostos e desejos de habitar – e este sentido de
“novidade” é, naturalmente, sempre relativo; quer toda a história do habitar e
não, quase, apenas a já “tradição” modernista; quer um verdadeiro e bem
sustentado sentido inovador doméstico, estruturalmente bem distinto dos
caminhos habituais, designadamente, nos últimos decénios e aproveitando-se ao
máximo as novas tecnologias.
E naturalmente que a consideração específica da habitação
de interesse social tendo-se em conta, designadamente, os seus naturais
constrangimentos em termos de espaciosidade, custos e exigências qualitativas
terá, sempre, um lugar particular nesse rumo de investigação aplicada.
Em futuros artigos a infohabitar irá
procurar avançar cuidadosa mas afirmadamente nesses “novos” caminhos de
reflexão teórico-prática e, mais uma vez, se desafiam, amigavelmente, os
leitores a e enviarem comentários, textos e imagens com esse objetivo.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar
seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar
assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e
científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o
pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e
comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) No mesmo sentido, de natural responsabilização dos
autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos de ilustração dos
mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos, gráficos, etc., é,
igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores – que
deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias autorizações.
(iii) Para se tentar assegurar o referido e adequado nível
técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma
quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou
que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na
Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição
dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se
circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é
pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser
de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado
tal e qual foi recebido na edição.
Infohabitar, Ano XVII, n.º 775
A propósito dos fogos de Habitação de
Interesse Social – infohabitar # 775
Infohabitar
Editor: António Baptista
Coelho
Arquitecto/ESBAL – Escola
Superior de Belas Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de
Arquitectura da Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação
em Arquitectura e Urbanismo no Laboratório Nacional de Engenharia Civil
(LNEC), em Lisboa.
Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE).
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