terça-feira, maio 25, 2021

Equilíbrios dimensionais e de privacidade e convívio na habitação – infohabitar # 777

Ligação direta (clicar) para:  760 Artigos Interactivos, edição revista, ilustrada e comentada em janeiro de 2021- 38 temas e mais de 100 autores

Infohabitar, Ano XVII, n.º 777

Edição: terça-feira, 25 de maio de 2021

 

Caros leitores da Infohabitar, 

Depois de mais de dois meses de edição de um conjunto de artigos dedicados ao melhor desenvolvimento de habitação de interesse social e especificamente daquela que ainda falta promover em Portugal, voltamos à série editorial da Infohabitar especificamente dedicada a uma viagem sistemática pelos diversos espaços do habitar, que iniciámos na vizinhança, avançando, depois para os edifícios e seus espaços comuns (disponível no catálogo interativo da Infohabitar, no seu tema 6 intitulado Série habitar e viver melhor”) e “terminando” numa reflexão sobre os diversos tipos de organizações, opções e espaços domésticos; reflexão esta que aqui será desenvolvida ainda durante bastantes semanas editoriais.

Lembra-se, novamente, que serão sempre muito bem-vindas eventuais ideias comentadas sobre os artigos aqui editados e propostas de novos artigos (a enviar para abc.infohabitar@gmail.com , ao meu cuidado).

Considerando a atual e ainda crítica evolução da pandemia, sublinha-se a vital importância de não perdermos, agora, o que ganhámos, dando-se agora tempo e cuidado até estarmos todos, em boa parte, imunizados.

Despeço-me, até à próxima semana, enviando saudações calorosas e desejos de força e de muito boa saúde para todos os caros leitores e seus familiares,    

 

Lisboa, Encarnação, em 24 de maio de 2021

António Baptista Coelho

Editor da Infohabitar


Equilíbrios dimensionais e de privacidade e convívio na habitação – infohabitar # 777

António Baptista Coelho

(texto e imagem)


Resumo

No artigo desenvolve-se uma reflexão ainda, de certa forma, introdutória e estruturadora sobre o interesse da exploração e do subsequente aprofundamento de uma razoável variedade de propostas organizativas para as zonas e subzonas  da habitação, numa perspetiva diretamente ligada ao que se considerar serem os desejáveis equilíbrios dimensionais/funcionais e de privacidade/convívio na habitação.

Desenvolvem-se, sequencialmente, algumas considerações sobre o equilíbrio com que se distribui o espaço na habitação e as respectivas consequências na adequação aos tipos de família e de modo de vida.

No artigo consideram-se e comentam-se diversas situações-tipo, designadamente, em termos do papel dos quartos no que se refere ao referido equilíbrio entre espacialidade/funcionalidade e privacidade/convívio domésticos, mas também no que se refere à relação entre cozinha e sala comum e à presença espacial e funcional das zonas de entrada e circulação domésticas.

 

Equilíbrios dimensionais e de privacidade e convívio na habitação – infohabitar # 777


1. Sobre os equilíbrios dimensionais/funcionais e de privacidade e convívio na habitação

Desenvolvem-se, em seguida, algumas considerações sobre o equilíbrio com que se distribui o espaço na habitação e as respectivas consequências na adequação aos tipos de família e de modo de vida.

Há diversas situações-tipo a considerar, designadamente, em termos do papel dos quartos no que se refere ao referido equilíbrio entre espacialidade/funcionalidade e privacidade/convívio domésticos, mas também no que se refere à relação entre cozinha e sala comum e à presença espacial e funcional das zonas de entrada e circulação domésticas.

O que se salienta, desde já, é, por um lado, o caráter teórico-prático das considerações que se seguem, baseadas tanta em textos de variados autores como em muitas centenas de habitações visitadas e estudadas e, numa outra perspectiva, mais “temática”, o evidenciar do amplo leque de preocupações e de objetivos de qualidade que podem e devem apoiar na “simples” organização de uma habitação e tendo-se em conta uma situação de potencial e significativa repetição da referida solução doméstica, respeitando-se critérios de economia inicial e de manutenção corrente.

2. O papel dos quartos no equilíbrio espacial e funcional doméstico

Evidentemente que aqui nos referimos a “quartos” no sentido da sua função principal de “quartos de dormir”, opção esta que não pode fazer esquecer o amplo leque das outras suas funções e o rico potencial que pode assumir a sua desejável apropriação pelos seus habitantes.

E neste sentido importa sublinhar que, muitas vezes, o conceber dos quartos é negativamente “simplificado” num sentido de estreitamento das suas opções funcionais e de apropriação, reduzindo-se realmente estes espaços a simples contentores de camas e pouco mais, numa opção que, evidentemente, põe em risco o seu importante papel no referido equilíbrio espacial e funcional doméstico.

2.1. Os quartos, a sala e a cozinha têm dimensões razoáveis e habituais.

Uma situação frequente diz respeito a contarmos com quartos, sala e cozinha, todos dentro de parâmetros dimensionais que se possam considerar razoáveis e habituais; nenhum dos quartos é muito espaçoso nem muito “apertado”, a sala-comum é razoável, embora não bem desafogada e a cozinha não é mínima, mas também não se carateriza por uma espacialidade significativa .

Importa, no entanto, ter em conta o que consideramos como dimensões razoáveis e habituais nos principais compartimentos habitacionais, uma matéria que nos pode levar longe; sendo aqui, para já, apenas referido, que nesta consideração não deveremos ter em conta dimensões de áreas e de extensões lineares mínimas, ou mesmo pouco acima das mínimas – e assim teremos, por exemplo, cozinhas com cerca de 10 m2, quartos com cerca de 12m2, salas polivalentes com cerca de 20m2 e ausência de dimensionamentos lineares (ex., larguras de compartimentos) mínimas, que são aquelas associadas a situações em que o respetivo mobiliário corrente deixa muito pouco espaço de sobra para circulação e/ou mobiliário complementar.

Um dimensionamento deste tipo poderá servir muitas formas de viver, mas temos de considerar que, provavelmente, não será financeiramente possível desenvolver todos os tipos de promoções habitacionais com este razoável e global desafogo espacial.

Um outro aspeto que um dimensionamento deste tipo levanta é a sua dificuldade para ser aplicado em soluções domésticas com um caráter bem afirmado e que atraiam por algum(s) característica(s) específica(s); por exemplo: uma sala bastante ampla e multifuncional; uma cozinha eventualmente usável também como sala de família; um quarto que possa ter outras funções; uma casa de banho que possa ser também zona de lavagens.

2.2. Quartos relativamente pequenos, mas sala e cozinha espaçosas   

Quando os quartos são mais pequenos do que o habitual, mas a sala e a cozinha são claramente espaçosas e multifuncionais: a habitação poderá favorecer famílias com filhos pequenos ou com vida social mais activa (recebendo frequentemente amigos e familiares).

Numa situação como esta convirá que os quartos sejam funcionalmente muito bem estudados, proporcionando-se que. mesmo com áreas relativamente reduzidas possa existir alguma flexibilidade de ocupação funcional (ex., no que se refere ao estudo e ao trabalho em casa, e ainda que por recurso a mobiliário especial e funcionalmente versátil) e que o “espaço a mais” dirigido para as respetivas sala e cozinha seja eficazmente utilizável e nunca desperdiçado em simples zonas essencialmente de circulação; caso assim não se proceda a solução doméstica obtida falha nas duas frentes da privacidade e da convivialidade domésticas.

2.3. Quartos espaçosos, mas sala e cozinha mais pequenas do que o habitual

Quando os quartos são significativamente maiores do que o habitual e a sala e a cozinha sensivelmente mais pequenas do que as situações correntes: a habitação tenderá a favorecer famílias com filhos crescidos e/ou vivendo com familiares idosos; também acolhe bem actividades profissionais no domicílio, desde que um dos quartos seja relativamente independente (acessível da porta da rua).

Desde já se regista que esta situação de favorecimento expressivo dos “quartos de dormir” (aplicando-se esta designação de forma premeditada) é pouco frequente e acaba por levar a uma situação de grande uniformidade de todos os espaços domésticos habitáveis, que é mais à frente comentada.

Importa, no entanto, ter em conta que uma solução deste tipo e associada ao desenvolvimento de quartos/suites com casas de banho privativas poderá ser muito útil na disponibilização de habitações partilhadas por diversas pessoas ou casais; provavelmente associadas a soluções habitacionais mais amplas e direcionadas para grupos habitacionais específicos.

Julga-se, no entanto, que este tipo de solução doméstica obriga sempre a uma excelente espaciosidade e capacidade multifuncional dos compartimentos e grupos de compartimentos privados.

2.4. Um dos quartos é significativamente maior do que os outros

Quando um dos quartos é significativamente maior do que os outros, a habitação tenderá a favorecer famílias com hábitos tradicionais relativamente a um tratamento preferencial do "quarto de casal", desde que este “quarto maior” esteja próximo de uma casa de banho ou a tenha como privativa.

Um dos problemas habituais neste tipo de solução refere-se a um relativo esquecimento de que estes quartos servem, frequentemente, duas pessoas e considerando este aspeto o espaço disponível é, teórica e na prática subdivisível por dois: o que nos leva a ter um quarto com 12 m2 ( e o mínimo e frequentemente usado são 10,5m2), que disponibiliza 6m2 a cada um dos seus habitantes (a área de um quarto mínimo).

Esta é uma condição tão óbvia como potencialmente crítica e que, muitas vezes, resulta na disponibilização de um “quarto de casal”, praticamente, ocupado por uma grande cama de casal e pouco mais; condição esta que será, apenas, ultrapassável quando os quartos tenham dimensão e configuração que não só proporcione, funcionalmente, outras ocupações (exemplos: grande cómoda, pequeno sofá, pequena mesa multifuncional e bem colocada, uso adequado de roupeiro), como o proporcione de forma a que a própria presença da cama não seja dominante.

Um outro aspeto a ter em conta é que a disponibilização de um quarto/saleta deste tipo não esteja associada a situações em que os restantes quartos sejam espacialmente mínimos.



Fig. 1: um esboço lustrando uma pequena zona de trabalho e estudo bem integrada num “recanto” doméstico

 

2.5. Os quartos são todos espacialmente idênticos

Quando os quartos são todos idênticos, a habitação favorece famílias em mutação ou desenvolvimento, facilitando mudanças na ocupação dos quartos e nas suas contiguidades, usando-se o mesmo mobiliário.

A condição, aqui apontada, de quartos dimesionalmente idênticos favorece, assim, significativas condições de adaptabilidade nas ocupações domésticas e poderá, até, “no limite”, ser associada a um determinado potencial em termos de fusões e separações entre quartos contíguos (ex., dois quartos que se convertem numa sala em dois espaços e uma sala em dois espaços que se conterte em dois quartos).

Esta condição de existência de quartos dimensionalmente idênticos não parece, no entanto, ser compatível com a disponibilização de quartos dimensionalmente exíguos, seja em termos de áreas, seja em termos das respetiva dimensões mínimas.

3. Sala grande e cozinha pequena

Quando a sala é grande e a cozinha é pequena, a habitação tenderá a favorecer favorece famílias com "hábitos citadinos", que passam pouco tempo em casa, que comem fora muitas vezes (casal trabalha e passa os dias de semana fora de casa), que consomem refeições fáceis de preparar e que por outro lado dão uso real à sala de estar, que não é só a sala de visitas (é onde estão, comem, trabalham e recebem).

Um aspeto a considerar, “à partida”, quando se apliquem soluções domésticas deste tipo, em que o equilíbrio de espaciosidade favorece claramente a sala-comum relativamente à cozinha, é que: (i) por um lado ,a cozinha tem de ser “apuradamente” funcional e tendo em conta a designável “vida moderna”, em que várias pessoas ajudam na preparação das refeições; e (ii) que, por outro lado, aconteça verdadeiramente um significativo favorecimento da espaciosidade e também da multifuncionalidade (sublinha-se) da respetiva sala-comum.

No limite poderemos ter uma grande sala-comum na qual se integre uma excelente, mas estrategicamente concentrada, zona, ou mesmo bancada, de cozinha; solução esta que obrigará à resolução da integração de máquinas ( e seus ruídos) e de uma ventilação verdadeiramente adequada da zona de preparação de refeições.

4. Cozinha grande e sala pequena

Quando a solução domestica é marcada por uma cozinha grande e uma sala relativamente pequena, a habitação favorece famílias com hábitos marcados por uma grande familiaridade e vontade de convívio informal à mesa e na proximidade da preparação de refeições, que poderão ser considerados hábitos talvez "pouco citadinos", pessoas que passam muito tempo em casa, que aí preparam e tomam refeições frequentemente (ex., casal não trabalha fora ou trabalha perto e usa muito a habitação durante a semana), que consomem refeições com elaborada preparação , que não dão uso real e frequente à sala de estar, que é, essencialmente, uma "sala de visitas", ou, até, que dão uso(s) tão intenso(s) e especializado(s) à sala-comum (ex., estudar, conviver, trabalhar em casa, ver televisão, ler, etc.) que o torna pouco compatível com a prática corrente de refeições.

Uma cozinha grande para ser uma boa cozinha tem de ser um espaço tão adequado e funcional para as suas funções habituais de preparação de refeições como um espaço que acolha bem as refeições informais, o convívio e outras atividades eventuais (ex., costura, apoio a trabalho de casa de crianças, etc.); e para que assim aconteça há que cuidar das suas condições de conforto ambiental (ex., eventuais ruídos devido a máquinas, eventuais cheiros , etc.).

5. Equilíbrio entre privacidade, convívio e desenvolvimento de zonas de entrada e circulação

O equilíbrio entre privacidade e poupança espacial de zonas de entrada e circulação joga-se, essencialmente, na cuidadosa ponderação dos dois seguintes conjuntos de aspectos:

(i) Opção entre o desenvolvimento de uma sala relativamente aberta para a entrada da casa e para a zona de circulação que dá acesso aos quartos, ou pela criação de uma zona de estar recatada e tornada independente da entrada e da zona de acesso aos espaços mais íntimos da habitação.

(ii) Opção entre o desenvolvimento de uma zona de entrada relativa, ou totalmente, aberta para a sala comum e/ou para a zona de circulação que dá acesso aos quartos, ou pela criação de um hall/vestíbulo, relativamente espaçoso, recatado, agradável (exº, recebendo luz natural), encerrado e proporcionando acessos alternativos às diversas zonas da habitação (zonas íntima, social e de serviço).

Tal como acontece com muitas outras matérias esta leva-nos muito longe, pois se em dada altura da evolução e da história do espaço doméstico foi “descoberto” o espaço de circulação mais especializado, este foi sendo depois relegado para simples usos funcionais, merecendo ser hoje em dia redescoberto no seu potencial de funcionalidade e de domesticidade.

Breves notas conclusivas

A este título e para já apenas se sublinha a importância que tem, para uma verdadeira adequação a diversos modos e gostos de vida doméstica a oferta de uma ampla diversidade de condições de espaciosidade, funcionalidade, privacidade e convívio na habitação e, designadamente, em conjuntos habitacionais específicos, proporcionando-se, por um lado, a escolha do sítio e da solução edificada e, sequencialmente, uma razoável escolha entre diversas soluções de “equilíbrio” entre espaciosidade, privacidade e convivialidade domésticas.


Notas finais sobre o artigo:

Os temas abordados neste artigo foram, inicialmente desenvolvidos, pelo autor, para o estudo “Guia do comprador de habitação”, editado pelo Instituto Nacional de Defesa do Consumidor de Portugal em 1991.

O presente artigo corresponde a uma edição muito ampliada, modificada e revista do artigo que foi editado na Infohabitar, em 05/08/2014, com o n.º 494.


Notas editoriais:

(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.

(ii) No mesmo sentido, de natural responsabilização dos autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos de ilustração dos mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos, gráficos, etc., é, igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores – que deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias autorizações.

(iii) Para se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

 

Infohabitar, Ano XVI, n.º 777

Equilíbrios dimensionais e de privacidade e convívio na habitação – infohabitar # 777

Infohabitar

Editor: António Baptista Coelho

Arquitecto/ESBAL – Escola Superior de Belas Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), em Lisboa.

abc.infohabitar@gmail.com

abc@lnec.pt

Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE).

 


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