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domingo, abril 21, 2013

436 - Associar política habitacional e política urbana - I - Infohabitar 436


Infohabitar, Ano IX, n.º 436
Associar política habitacional e política urbana - I
António Baptista Coelho

A base deste pequeno artigo é a existência de dois problemas graves na nossa sociedade, um deles habitacional e ligado às ainda significativas carências de uma habitação condigna e/ou adequada, sentidas por muitas famílias, e o outro um problema urbano, associado à existência de grandes zonas desocupadas e/ou degradadas marcando os nossos centros urbanos e algumas das periferias das nossas cidades.


Não será neste texto que entraremos, a fundo, na forma como nos poderemos aproximar da solução destas duas graves questões, até porque tal aprofundamento exige a cooperação activa de especialistas em diversas áreas temáticas, mas tentaremos, aqui, deixar, uma reflexão e uma ideia global.


Uma reflexão que se liga, em primeira linha, à necessidade urgente de reativar uma verdadeira política habitacional, que ajude muitos no seu dia-a-dia, e que não pode esquecer a importância do sector habitacional como meio de dinamização da economia.


Globalmente, há aspectos básicos a considerar numa urgente política habitacional e urbana, que serão, em seguida, sinteticamente registados:


(i) Considerar que, hoje em dia, a promoção de habitação já nada tem a ver com a velha dominância dos aspetos quantitativos, ou até "massivos" e repetitivos; pois, por diversas razões, a quantidade foi já claramente substituída pela qualidade e pela adequação e adaptabilidade das soluções – desde o reduzido número de habitações em cada local, à boa integração urbana e à adaptabilidade do espaço doméstico.


(ii) Ter, no entanto, bem presente que esta mudança do quantitativo para o qualitativo não significa que estejam resolvidas carências habitacionais críticas, uma situação que, lembremos, está bem presente neste século das cidades, em que continuamos a assistir à chegada de novos habitantes às zonas urbanas, e em que convivemos com novas carências, que decorrem de várias "novas" situações (desde os jovens com dificuldade de poderem autonomizar-se aos idosos isolados e à "multiplicação" de habitações gerada pela fragmentação familiar) e, atualmente, de um forte aumento das situações de carência habitacional crítica e associada a situações de pobreza.


(iii) Ter em conta que uma "solução" de habitar é sempre global e tem as suas diversas e adequadas características, designadamente, em termos de: localização, acessibilidades, vizinhanças e contexto físico e social, equipamentos locais, agregação de fogos, espaços livres, espaços comuns e compartimentos domésticos. Só assim estamos a considerar uma "solução" de habitar.


(iv) Não esquecer que uma "solução" de habitar tem de ser, hoje em dia, muito diversificada, específica, adequada e adaptável a um amplo leque de necessidades, especificidades e desejos habitacionais, assim como a uma expressiva diversidade de modos de vida, associados seja a caraterísticas socioculturais específicas, seja a opções de vivência doméstica cada vez mais diversificadas.


Fig.01: Alvalade, em Lisboa - urbanismo realizado pelo Arq.º e urbanista Faria da Costa - é um exemplo de uma excelente associação entre habitação e arquitectura urbana, no sentido de urbanismo de pormenor, adequado e sensível. 

(v) Tendo em conta o que foi referido nos quatro itens anteriores, fica assim bem expresso que uma dada intervenção habitacional corresponde sempre a uma solução urbana específica, num dado contexto "citadino" e de paisagem, e sendo assim, não fará sentido que uma dada intervenção habitacional não corresponda a uma dada intervenção urbana, uma intervenção em que se associa a resolução do problema habitacional de alguns à melhoria do contexto urbano preexistente dos respetivos vizinhos e, ainda, à melhria do contexto paisagístico também preexistente; conjugando-se, assim, a nova promoção habitacional, eventualmente, com a introdução/melhoria de equipamentos colectivos em falta ou deficientes no local - equipamentos estes onde marcam forte presença espaços públicos adequados e estimulantes e com uma "correcção" do respectivo quadro paisagístico construído e natural.

(vi) Lembrar que, hoje em dia, as nossas zonas urbanas sofrem com a desvitalização quer dos seus espaços mais antigos, quer já de alguns espaços periféricos, marcados pela frequente ausência de habitantes e de atividades comerciais diariamente conviviais e muito associadas a esses habitantes; situações que configuram possibilidade de reconversão e/ou preenchimento e/ou redensificação habitacional (habitação e outras atividades habitacionais e urbanas).


(vii) Lembrar, ainda, que no que se refere à promoção de habitação apoiada pelo Estado, não há já quaisquer dúvidas de que ela tem de se integrar social e fisicamente de forma o mais perfeita possível no espaço urbano, cooperando, ativamente, na sua melhoria, acima referida; e ter em conta que, provavelmente, boa parte deste tipo de promoção habitacional se terá de dirigir para a integração "pontual" e cuidadosa de grupos socioculturais e/ou etários específicos e em soluções de habitar também com a sua especificidade (ex., residências para pessoas idosas, para pessoas sós, etc.).E esta integração deve corresponder à reinvenção do próprio sector de promoção de habitação apoiada pelo Estado; uma condição bem urgente no quadro atual marcado por grandes carências financeiras e por carências sociais específicas e graves.


(viii) Ter bem presente que num possível e desejável processo duplo de promoção habitacional e intervenção urbana há que identificar e aproveitar todas as vocações, capacidades instaladas e sinergias que caracterizam, especificamente, municípios, cooperativas, empresas e instituições de solidariedade social, no que se refere à contribuição para a resolução dos problemas habitacionais e urbanos e para a melhoria da qualidade de vida local, seja em termos de programação, projecto e execução de conjuntos habitacionais, seja na sua gestão continuada e sensível.


(ix) Não considerar barreiras estanques entre construção nova e reabilitação, privilegiando fortemente esta última, mas numa perspetiva aberta e flexível, que conjugue a reutilização do edificado, a sua conversão em termos de usos e a sua associação a novos edifícios, ao serviço de uma lógica de respeito pela cultura e de escolhas adequadas em termos de custo-benefício; uma matéria que exige urgente aprofundamento.


(x) E, finalmente, privilegiar o preenchimento urbano, o reforço das continuidades citadinas, a densificação adequada e estratégica, o micro-urbanismo e o fazer de uma arquitectura urbana com adequada valia, que melhore as condições locais de funcionalidade, vitalidade e imagem urbana; associando-se, assim, o caminho da resolução das carências habitacionais a uma verdadeira acupunctura urbana, que vá mellhorando as respetivas condições locais de urbanidade.


Fig.02: Alvalade, em Lisboa

Parece ser, assim, oportuno e urgente apoiar um novo processo de intervenção urbana e habitacional, que se poderá caracterizar, globalmente, por uma acção muito pormenorizada, circunscrita e desenvolvida num grande número de casos, dedicada a uma disseminação estratégica de: (i) pequenos conjuntos de habitação com características tipológicas e sociais muito diversificadas (por exemplo, do realojamento, à habitação apoiada para idosos), (ii) de equipamentos locais e conviviais, úteis no contexto urbano preexistente, (iii) e de pequenas extensões de espaços públicos dinamizadores de um uso frequente e intenso do exterior.

As intervenções apontadas têm de ser desenvolvidas, por regra, de modo a dar maior coesão e vitalidade a zonas urbanas preexistentes, centrais e periféricas, e deverão, também por regra e sempre que possível, incluir e conjugar acções de reabilitação e de nova construção.


E assim considera-se que uma política consistente e activa ligada à habitação deve considerá-la em plena ligação com uma política de revalorização e de melhoria vivencial das cidades, e especificamente das suas zonas centrais e periféricas mais degradadas e desvitalizadas.


Notas editoriais:


(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.



Editor: António Baptista Coelho
INFOHABITAR Ano IX, nº436
Associar política habitacional e política urbana - I

Edição de José Baptista Coelho

Lisboa, Encarnação - Olivais Norte

sábado, novembro 24, 2012

417 - RUAS VIVAS: ELEMENTOS QUE FAZEM A CIDADE - Infohabitar 417

Infohabitar, Ano VIII, n.º 417



Muito provavelmente a edição da semana que vem do Infohabitar será reservada a novidades relativas à evolução da preparação do 2.º CIHEL, cujas comunicações têm chegado a bom ritmo, e a novos e importantes apoios a este Congresso. Já há dias que ultrapassámos as 100 comunicações completas entregues e está na altura de se pensar nos convites para as palestras, que irão marcar o final da tarde do Congresso.

A Comissão Organizadora do 2.º CIHEL



RUAS VIVAS: ELEMENTOS QUE FAZEM A CIDADE
Artigo XXVI da Série habitar e viver melhor
António Baptista Coelho

Disse Jaime Lerner, arquitecto que foi prefeito de Curitiba, uma grande cidade do sul do Brasil onde dinamizou um leque amplo de medidas de re-humanização e de sustentabilidade urbana e ambiental (1), que “até agora não se inventou nada melhor do que uma rua tradicional, que é a síntese de uma cidade onde todas as funções estão juntas: moradia, trabalho, lazer...”


Jaime Lerner fala-nos da cidade habitada, da cidade física que acumula, numa simples rua tradicional, aspectos tão valiosos como a síntese de funções e actividades que se aponta em seguida: a habitação diversificada; um leque de postos de trabalho; uma grande variedade de possibilidades de lazer, desde por exemplo o passear nos passeios (flanar), ao estar numa esplanada a cavaquear, ao jantar num restaurante, ali, mesmo sobre o passeio, ao ir ver um filme num cinema/estúdio; o ensino e a formação numa escola ou colégio integrados na continuidade da rua, como costumava ser; o comércio diário e ocasional, desenvolvido, também, numa verdadeira perspectiva convivial; a cultura ali, logo, seja numa pequena galeria de arte, seja na banca de uma livraria “de bairro”; a facilidade de uma consulta médica também num andar da mesma rua; e poderemos continuar a desfiar estas contas de uma rua citadina bem habitada e verdadeiramente convivial, pois é nestas ruas que passa o principal fluxo de sangue arterial de uma cidade viva e que vale a pena.


Nada desta mistura rica de actividades, ambientes e pessoas, perdeu alguma viabilidade ou algum sentido nesta nossa nova época de megacidades e de economia globalizada e pontuada por grandes áreas de serviços automobilizadas. E quem tenha alguma dúvida sobre esta realidade bastará viver um pouco uma daquelas ruas bem vivas de um daqueles bairros bem vivos, que, felizmente, ainda marcam as nossas cidades, para interiorizar a importância que tem e que terá este fazer cidade com ruas vivas.


E só desta forma, com ruas assim, vivas e estimulantes, a cidade se poderá cumprir como “refúgio da solidariedade, nossa garantia e salvaguarda”, novamente palavras de Jaime Lerner na mesma entrevista, afinal um papel que assume uma importância renovada e muito especial em tempos de crise.



Fig. 1

Mas fazer cidade humanizada, porque marcada por ruas vivas e solidárias, não é, hoje em dia, um objectivo simples. Todos sabemos disso, porque todos conhecemos muitas ruas, que de ruas quase só têm o nome na placa toponímica, quando a têm. São ruas sem continuidade urbana, sem habitação vitalizadora, sem actividades diversificadas, sem ligações activa à cidade viva e sem uma escala formal e funcional que esteja, verdadeiramente, ao serviço do homem a pé, e de uma comunidade humana local, pelo menos, minimamente solidária e naturalmente convivial.

E é tão grave e, realmente, tão estranho este facto, desta ausência de ruas que sejam amigas do homem e sítios de cidadania, que, começa a haver um número crescente de estudiosos, técnicos e organizações técnicas e científicas (2) que se dedicam à redescoberta da cidade e da rua citadina como sítio que, antes de circuito para automóveis, foi e tem de voltar a ser sítio de homens a pé, sítio de convívio e local de vida urbana positiva. E, desde já se esclarece, que aqui não se está a voltar a seguir a perspectiva, que teve alguns amargos frutos, de uma pedonalização solta da vida urbana, mas sim um privilegiar consistente e vitalizado do uso da cidade pelo homem, servindo-se, funcionalmente, do automóvel e de todos os outros meios, com destaque para os transportes públicos amigos do ambiente, que sejam factores aliados para uma fundamental (re)vitalização urbana.


E nesta matéria parece oportuno citar Nuno Portas (3), quando referiu que: “nem uma cidade de comunidades, hoje, substitui a metrópole, nem a metrópole,... pode passar sem os outros níveis de relação que não são os bairros transformados em equivalentes a aldeias tradicionais... a cidade não é mais igual, não pode ser igual. ... A procura é diversa. A procura cultural é diversificada, não há consenso no modelo para fazer isso. Por isso é que me parece estratégico falar no espaço comum. Tentar encontrar mais depressa o consenso sobre o espaço comum, em vez de ter uma grande preocupação sobre o consenso quanto ao edificado".


Um consenso sobre o espaço comum, que pode ser um consenso sobre os aspectos fundamentais de uma rua viva e solidária, e, já agora, uma rua bem desenhada e estruturada, pois, tal como disse, há muitos anos, Etienne de Gröer: "Avenidas que não conduzem a nada e cuja grande largura não corresponde a nenhuma função são sempre desertos cheios de poeira" (4).


E o mesmo Gröer considerava uma rua enfadonha se durante uma extensão maior do que 500m não houver nenhuma mutação (largura, direcção, altura dos edifícios); e sobretudo se a rua não estiver guarnecida por árvores ou jardins frontais (5); e repare-se na riqueza da paisagem urbana que assim se pode atingir.



Fig. 2

Numa fundamental redescoberta do fazer um espaço público e uma rua com vida, atractividade e qualidade cultural, que é o mínimo que há que fazer, importa ter o máximo cuidado para não laborar em erros, que podem ser críticos, sendo fundamental que, num primeiro nível de exigência, se assegurem as melhores condições de continuidade e vitalidade nos percursos pedonais estruturadores; condições estas que se ligam à dinamização de rirmos de percurso, sugeridos nos pavimentos e nas próprias fachadas urbanas que acompanham esses percursos (6).

Os percursos pedonais têm exigências funcionais bastante rigorosas, quando se deseja obter a sua máxima vitalização (7), e importa favorecer a sua estratégica articulação com os fluxos de veículos, considerando-se fundamental que nas vizinhanças residenciais seja instituída uma predominância do peão, embora tirando-se o máximo partido das funcionalidades ligadas aos veículos, por exemplo através de ruas e pracetas com tráfego "banalizado", portanto, misto (peões e veículos), caracterizadas por uma forte variação das características funcionais dos perfis transversais, nomeadamente, no caso das faixas de circulação de veículos, obrigando-os a frequentes manobras a baixa velocidade, para além de serem desenvolvidas apenas pequenas bolsas de estacionamento, e tudo isto num quadro de prioridade pedonal.


Todas estas condições são verdadeiramente estruturantes na criação de espaços de vizinhança residencial marcados pela agradabilidade nos seus mais diversos aspectos – desde a reduzida presença visual dos veículos ao sossego e naturalmente à segurança pedonal e rodoviária; considerando-se que estas condições serão, consequentemente, geradoras de mais satisfação com o sítio que se habita.


Há, no entanto, que referir que ao subirmos no jogo da cidade para espaços e sítios específicos onde a habitação se caldeia e se agrega, com benefícios mútuos, com outras actividades do habitar a cidade, como lojas e serviços, há que ter muito cuidado com a prioridade ao peão, julgando-se ser preferível que aqui ela se “refugie”, quer em passeios largos, quer numa estrutura “clássica” ortogonal de vias frequentemente marcadas por passadeiras, quer numa relação intensa com um leque o mais possível amplo de transportes públicos. Desta forma se garantirá, simultaneamente, segurança e vitalização pedonal e, consequentemente, teremos os principais ingredientes para as desejadas ruas vivas.


Jane Jacobs abordou várias matérias essenciais para esta desejada harmonização de tráfegos, numa perspectiva de cidade vitalizada (8), destacando-se aqui, apenas, algumas suas afirmações, que não precisam de comentários:. “a separação entre peões e veículos só é possível contando-se com a redução estrondosa do número de veículos nas cidades, de contrário os estacionamentos, as garagens e as vias de acesso à volta das zonas pedonais … seriam medidas de desintegração e não de recuperação urbana” (p.383);

. “a vida atrai a vida, a separação dos pedestres não pode ser capricho (p.388);
. “ocorre pressão (positiva) sobre os automóveis quando se criam condições (de acalmia de tráfego) menos favoráveis para eles... a redução de automóveis tem de ser medida de base, mas ligada ao estímulo do uso do transporte público, e a pressão da cidade sobre o automóvel não pode ser arbitrária nem negativa e tem de ser uma medida gradual e com um amplo tempo de aplicação” (p.404);
. e, finalmente, “(mais do que zonas pedonais) calçadas largas são imprescindíveis… filas duplas de árvores… (p.405).



Notas:


(1) Rui Barreiros Duarte (entrevistador), “Acupunctura urbana – entrevista com Jaime Lerner”, Arquitectura e Vida, n.º 39, 2003, pp. 38 e 43.


(2) Por O Project for Public Spaces é uma organização não lucrativa de apoio técnico que já ultrapassou 30 anos de actividade, que apoia espaços públicos indutores de convívio sustentado e de espírito comunitário. A forma de actuação do PPS implica os moradores e utentes na (re)criação de uma dada visão dos sítios de vida comunitária, numa perspectiva de melhorias faseadas. A actuação do PPS baseia-se nas metodologias desenvolvidas por William White e designadamente numa cuidada e sistemática documentação da vida local, procurando envolver o mais possível os protagonistas locais.


(3) Nuno Portas, in "Colóquio Viver (n)a Cidade", LNEC, ISCTE, Comunicações, p. 9.


(4) Etienne de Groer, "Introdução ao Urbanismo", p. 61.


(5) Etienne de Groer, "Introdução ao Urbanismo", p. 65.


(6) Christian Norberg-Schulz, "Habiter", p. 25.


(7) As exigências fundamentais de caminhos pedonais são as seguintes (M. A. Boyer, in "Espaces Extérieurs Urbains, Rencontres du Centre de Recherche d'Urbanisme", J. P. Muret (Coord.), pp. 171 e 172): distância mais curta entre dois pontos, do que usando veículo particular; tempo de percurso inferior a 10 minutos em zona de actividades densa; continuidade urbana máxima; piso confortável e bem iluminado à noite; marcação de "unidades de percurso", dividindo o caminho em unidades mais curtas, que podem variar entre 50 e 150m, conforme a inclinação seja, respectivamente, forte ou praticamente nula.


(8) Jane Jacobs, “Morte e vida das grandes cidades” , trad. Carlos Mendes Rosa, 2001 (1961).






Notas editoriais:


(i) A edição dos artigos no âmbito do blogger exige um conjunto de procedimentos que tornam difícil a revisão final editorial designadamente em termos de marcações a bold/negrito e em itálico; pelo que eventuais imperfeições editoriais deste tipo são, por regra, da responsabilidade da edição do Infohabitar, pois, designadamente, no caso de artigos longos uma edição mais perfeita exigiria um esforço editorial difícil de garantir considerando o ritmo semanal de edição do Infohabitar.


(ii) Por razões idênticas às que acabaram de ser referidas certas simbologias e certos pormenores editoriais têm de ser simplificados e/ou passados a texto corrido para edição no blogger.


(iii) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.






Infohabitar a Revista do Grupo Habitar


Infohabitar, Ano VIII, n.º 417


Artigo XXVI da Série habitar e viver melhor


Editor: António Baptista Coelho


Edição de José Baptista Coelho


Lisboa, Encarnação - Olivais Norte


sexta-feira, novembro 09, 2012

415 - Da rua à casa e da casa à rua: caminhos da surpresa e do pormenor - Infohabitar 415

Infohabitar, Ano VIII, n.º 415

Da rua à casa e da casa à rua: caminhos da surpresa e do pormenor

Artigo XXV da Série habitar e viver melhor
António Baptista Coelho

Habitar é viver a cidade, seja como sítio de habitar, seja como espaço próprio de actividades urbanas específicas e desejavelmente estimulantes, e o lugar comum, mais fulcral e estratégico, deste quadro do habitar é o percurso da rua à casa e da casa à rua, um percurso que deve proporcionar agradabilidade, um certo sentido de surpresa estimulante e interessantes e adequadas condições de pormenorização; características estas que devem definir a identidade e a positiva singularidade de cada sítio urbano e habitacional.

Será em boa parte deste jogo de positivas e mutuamente conjugadas singularidades urbanas e vicinais, associado a um outro jogo de acessos, de visibilidades e de delimitações de espaços mais privados ou mais públicos, que poderá resultar um estimulante e diversificado leque de tipologias habitacionais e urbanas; portanto de um jogo de jogos de uma série de elementos urbanos onde, incrivelmente, quase ainda não se falou aqui de edifícios.


Lembremos, segundo esta perspectiva, que Louis Kahn definiu a rua como “ a mais vital instituição humana numa cidade” e escreveu que as fachadas dos edifícios ao longo da rua pertencem à rua, “são as paredes da rua, espaço sem tecto" (1).


Há assim aqui como que um natural apagamento da presença do edifício como elemento mais isolado, e um simultâneo protagonismo urbano e vivencial dos conjuntos coesos de edifícios, mas numa perspectiva que os assume muito como as tais sequências de fachadas que pertencem à rua, as tais “paredes da rua”.


E assim se constroem as sequências nas vizinhanças, sequências afirmadamente públicas com toda a certeza, pois de outro modo nega-se a cidade, mas onde sentimos a vizinhança um pouco também como espaço nosso, espaço de vida directa, mitigadamente apropriável e desejavelmente protector e identificável como único, como aquele sítio de que gostamos, que sentimos como nosso e de que nos orgulhamos.


Paolo Portoghesi, citando o mesmo Louis Kahn, escreveu, até: (2)




Fig. 1

"A rua é um quarto que exprime um pacto. A rua é, por cada proprietário, dedicada à cidade em troca de serviços públicos. Nas cidades de hoje, as ruas sem saída conservam ainda o carácter de quarto. As ruas e cruzamentos, depois da invenção do automóvel, perderam toda a sua qualidade de quarto... a urbanística pode começar a tomar consciência desta perda e a impulsionar a reintegração da via, onde as pessoas vivem, aprendem, compram e trabalham, na sua qualidade de quarto comunitário."

Teremos, assim, uma rua que pode até ser "um quarto"; já há muitos casos de citadinos que usam partes das ruas como extensões directas das suas casas, por exemplo, como espaço de trabalho e de restauração à mesa de cafés e de pequenos restaurantes conviviais e bem colocados, bem dentro de um espectáculo urbano já mais num movimento mais lento e mais íntimo.

E naturalmente teremos de ter casas e compartimentos de casas que sejam sítios estimulantes e também bem integrados nas paisagens urbanas mais animadas ou mais repousantes, que as tem de haver com essas duas qualidades; e esta referência liga-se a dever tratar-se o espaço edificado habitável com toda a atenção, com todo o cuidado e com todo o potencial se satisfação que ele tem.


As ruas são, assim, elementos fundamentais do habitar citadino, as ruas são para se "estar" nelas, e não só para serem percorridas com pressa; e, tal como sublinha Christopher Alexander, devem ser como que compartimentos exteriores públicos, com um certo sentido de interioridade, dado por formas subtilmente convexas e côncavas, pelo alargamento pontual dos seus perfis, pela sua cobertura parcial e por estreitamentos nas suas extremidades. (3)


Dizer que se fala da rua como elemento aglutinador de um amplo leque de figuras urbanas é dizer pouco, pois a rua é a “mãe” de muitos dos aspectos que fazem de certas partes da cidade sítios únicos de vida …plenos de surpresa e de pormenor, mas também pacificados por aspectos bem conhecidos, que nos marcam a memória.


Mas, logo ali, em pleno, na rua e fazendo-a, conformando-a, recheando-a de carácter e de características, temos as entradas dos edifícios, que podem ser, logo, entradas domésticas ou entradas de lojas e cafés, portanto, logo, sítios que marcam mundos domésticos privados, e que deles nos mostram aquilo apenas que nos querem mostrar, ou que nos cativam para os tais terceiros espaços desejavelmente conviviais, que fazem expandir, agradavelmente, a “esfera" da nossa melhor vivência diária.


Ou então temos as entradas dos edifícios multifamiliares. E estas se forem boas entradas, "boas" no sentido de participarem na construção de edifícios tendencialmente facilitadores de bem-estar e alegria de viver, e indirectamente de ruas também facilitadoras das mesmas qualidades ao nível urbano, então há todo um enorme conjunto de possibilidades relacionais, cenariais e, basicamente, arquitectónicas, com que é possível e desejável jogar, desde a “caverna” orgânica que vai dando acesso a tantos pequenos mundos mais ou menos revelados, ao amplo espaço/átrio que de certa forma quase duplica a rua, ou quem sabe até a multiplica, proporcionando, por exemplo, aquele sentido de uma incrível e estimulante grande "gruta de Aladino", logo ali, bem junto à "nossa" rua.


Lembremos, porque devemos lembrar, que estamos aqui a falar/tratar de "Arquitectura urbana e habitacional" e não de "produção habitacional", ideias bem diferentes.



Fig. 2

E lembremos que nada disto se inventou agora, mas sim já ao longo de milhares de anos, com certeza, tantas vezes, de forma, pode dizer-se, intuitiva, natural, longa no tempo, associada a necessidades e meios disponíveis, e decorrente de situações específicas, como, por exemplo, no caso das grandes grutas habitacionais iranianas e chinesas e de tantas fabulosas casas-pátio, "quase fechadas" à rua, mas enriquecendo-a de muitos sentidos, ou níveis de leitura e de fruição em termos de ambientes e cenários urbanos e residenciais mutuamente conjugados e dando, de certa forma, até sequência natural à própria sequência dos percursos mais urbanos.

E não tenhamos dúvidas que todas estas soluções podem ser directa ou indirectamente replicadas, adaptadas, reinterpretadas e experimentadas hoje, nas nossas cidades, e só o não são essencialmente por alguma ignorância, pois o custo, o custo será idêntico e a satisfação, a satisfação urbana e residencial, de quem lá vive realmente e também de quem lá passa e afinal também habita, será, potencialmente muito grande e diversificada.


Há que voltar a este assunto das entradas habitacionais ligadas às ruas e do enorme leque de situações, apropriações e soluções formais que são possíveis, e que produzem boa parte do excelente potencial de riqueza e de diversidade de uma cidade bem habitada atraente e com valia cultural, mas fiquemos, para já, com a lembrança, que todos temos, de alguns exemplos que se podem encontrar, ao virar de uma qualquer esquina de uma qualquer boa cidade agradável e habitada; e fixemos que estes tipos de soluções de habitar que foram casos correntes podem ser hoje em dia replicadas, actualizadas em aspectos funcionais, naturalmente, mas sempre com evidentes ganhos de apropriação e de diversificação das formas de habitar e de preencher a cidade.


Notas:


(1) Louis Kahn, "O que é a Arquitectura? (Harmony Between Man ans Architecture)", p. 125.


(2) Paolo Portoghesi, "Depois da Arquitectura Moderna", p. 88.


(3) Christopher Alexander, S. Ishikawa, M. Silverstein, et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", p.526 e 527.


Notas editoriais:

(i) A edição dos artigos no âmbito do blogger exige um conjunto de procedimentos que tornam difícil a revisão final editorial designadamente em termos de marcações a bold/negrito e em itálico; pelo que eventuais imperfeições editoriais deste tipo são, por regra, da responsabilidade da edição do Infohabitar, pois, designadamente, no caso de artigos longos uma edição mais perfeita exigiria um esforço editorial difícil de garantir considerando o ritmo semanal de edição do Infohabitar.
(ii) Por razões idênticas às que acabaram de ser referidas certas simbologias e certos pormenores editoriais têm de ser simplificados e/ou passados a texto corrido para edição no blogger.
(iii) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.


Infohabitar a Revista do Grupo Habitar

Infohabitar, Ano VIII, n.º 415

Da rua à casa e da casa à rua: caminhos da surpresa e do pormenor


Artigo XXV da Série habitar e viver melhor

Editor: António Baptista Coelho

Edição de José Baptista Coelho
Lisboa, Encarnação - Olivais Norte

sexta-feira, novembro 02, 2012

414 - 3.º Congresso Habitação Social, 2.º CIHEL e artigo “Sítios singulares” Infohabitar - Infohabitar 414

Infohabitar Ano VIII, N.º 414"Sítios singulares"Artigo XXIV da Série habitar e viver melhor
(Artigo da semana, editado a seguir às notas informativas)


Notas informativas Infohabitar:

3.º Congresso de Habitação Social, Lisboa,
8 e 9 de novembro de 2012
Para quem ainda não saiba vai acontecer já daqui a menos de uma semana o 3.º Congresso de Habitação Social, sobre o tema geral: Repensar a Habitação Social – Necessidade ou Oportunidade?

O 3º Congresso de Habitação Social é organizado pelo CECODHAS.P - Comité Português de Coordenação da Habitação Social.
No site do Pelouro da Habitação de Lisboa poderão encontrar as devidas informações- http://habitacao.cm-lisboa.pt/?no=151000100762:072012

A ficha de incrição (gratuita mas obrigatória) e o programa estão disponíveis em http://www.cecodhasp.org/index.php/inscricoes

O Congresso decorrerá nos próximos dias 8 e 9 de Novembro de 2012, em Lisboa, no ISCTE – IUL e como objectivos destacam-se: Promover momentos de reflexão e debate entre os vários actores no Sector da Habitação Social; Enriquecer o debate sobre esta matéria, num momento em que se verificam significativas alterações legislativas; Proporcionar encontros entre os diversos actores, nomeadamente entre os decisores políticos e os técnicos; Proporcionar a apresentação de boas práticas e de projectos feitos pelas várias entidades gestoras de Habitação Social; Potenciar a criação de laços entre os investigadores/academia e as instituições, de forma a promover a realização de estudos e proporcionar oportunidades de investigação às Universidades;



2.º CIHEL
A todos os interessados lembra-se que as inscrições no 2.º Congresso Internacional da Habitação no Espaço Lusófono – 2.º CIHEL – estão já abertas em inscricoes2cihel@lnec.pt podendo as condições ser consultadas no site do 2.º CIHEL, em http://2cihel.lnec.pt/2cihel.html , e a ficha de incrição facilmente acessível no referido site e aqui em http://2cihel.lnec.pt/fi_2CIHEL.doc

Lembra-se a todos os autores de comunicações a aproximação do prazo final de entrega das mesmas, no dia 12 de novembro de 2012, e que os autores cujos resumos foram aprovados sem indicações de reformulação deverão realizar, desde já, a respectiva inscrição no Congresso.



ARTIGO DA SEMANA - ARTIGO DA SEMANA

Sítios singulares
Artigo XXIV da Série habitar e viver melhor


António Baptista Coelho

A construção de uma Arquitectura Urbana e do Habitar estimulante, porque harmonizada com as boas medidas do homem e bem reflectidas nas boas medidas da cidade e das vizinhanças que a compõem, nunca será possível em espaços urbanos monótonos e descaracterizados.

Não devemos pensar na cidade habitada como um sítio de diversidade obrigatória ou “pictórica”, mas temos de a pensar em termos de sequências de sítios com alguma singularidade e, mesmo, pontualmente, com expressiva singularidade.

Esta qualidade do que é singular, mas que o é com expressiva naturalidade, sem quaisquer tipos de protagonismos que, depois, se iriam anular mutuamente numa muito negativa cacofonia visual e ambiental, é uma qualidade que tem de ser, evidentemente, manejada com grande cuidado, mas que pode advir, por exemplo, simplesmente, de uma posição bem memorizável num dado conjunto urbano – uma posição singular porque bem marcada – ou pode decorrer de uma caracterização formal e funcional pouco frequente ou “única” – caracterização esta que pode ser global ou estar, eventualmente, associada a aspectos de pormenor estrategicamente evidenciados.

Considera-se que estas matéria do como estudar, isolar, caracterizar, coleccionar, aplicar e avaliar posteriormente a utilização deste tipo de “objectivos de singularidade”, passa pelo tipo de processos que acabaram de ser referidos e trata-se de uma matéria que importa resgatar, urgentemente, de um “sótão” de temas de Arquitectura Urbana que têm sido sistematicamente esquecidos e menosprezados, desde há bastantes anos, pelas mais diversas razões, algumas delas com certeza verdadeiras, mas outras tantas sem qualquer sentido e que acabaram por gerar, tão frequentemente, um “não urbanismo” frio, pobremente funcionalista, sem identidade e sem capacidade para geral atracção e apropriação.



Fig. 1

E avança-se, ainda, que o que se defende não é qualquer tipo de urbanismo mais ou menos pitoresco, mas sim uma Arquitectura Urbana, bem pormenorizada, bem desenhada, adequadamente concebida em termos das referidas escalas humanas e urbanas, culturalmente dialogante e que, evidentemente, continue a garantir as mais diversas e adequadas exigências de funcionalidade e de segurança; e pode-se mesmo comentar que ao juntar a esta últimas o referido sentido de bom desenho e de identidade, talvez até a funcionalidade seja redinamizada, por exemplo, através de uma atracção, que gera mais uso, que geral mais convívio e actividades, que, por sua vez, geram mais atractividade.

Evidentemente que os perigos de algum “decorativismo” ou excessivo sentido de um pitoresco centrado em si mesmo e pouco ou nada coerente em termos de ligações funcionais e culturais, são perigos reais neste caminho de concepção urbana de pormenor que é aqui comentado; e trata-se de matérias a que importa dedicar uma atenção específica e desenvolvida, que aqui não será possível. Mas lembremos, apenas, com brevidade, alguns aspectos de enquadramento do assunto.

Um destes aspectos refere-se a ser um caminho de concepção que exige uma muito apurada qualidade de projecto, uma qualidade que, há que o dizer, só estará, provavelmente, à altura da capacidade de intervenção de um número limitado de projectistas, apenas um pequeno grupo será capaz de manejar estes objectivos de Arquitectura Urbana e Residencial atractiva, “orgânica”, estimulante, bem radicada, e funcionalmente fundida e adequada, sem se comprometer uma qualidade de desenho apurada e “estruturalmente” marcada por uma adequada sobriedade e dignidade urbanas.

E ainda nesta linha de raciocínio importa ainda referir que se julga que mesmo este fundamental apuro na escolha de projectistas que sejam capazes de fazer uma excelente Arquitectura Urbana e Residencial, nos moldes atrás apontados, tem de ser adequadamente ponderado no sentido em que haverá excelentes Arquitectos de edifícios, que talvez não sejam tão excelentes Arquitectos Urbanos, sendo que a situação contrária também sem dúvida acontecerá.

Mas o que importa aqui sublinhar é que se julga que o fazer uma excelente Arquitectura Urbana e Residencial ou Arquitectura da Cidade e do Habitar, é algo que exige mesmo muito de quem projecta; e podemos acrescentar deveria também exigir muito de quem as irá habitar, no sentido, primeiro, de uma informação adequada sobre toda a qualidade que é possível ter/viver e a custos bem controlados, e, depois, de uma exigente afirmação de patamares qualitativos que têm mesmo de ser garantidos pela concepção e execução das intervenções. E este trabalho com quem habita está ainda muito por fazer, sendo essencial para garantir a referida qualidade global e pormenorizada.

Outro aspecto de importante enquadramento deste assunto que visa o enquadramento qualitativo de uma adequada concepção urbana de pormenor atraente e estimulante é que esta matéria tem igual aplicação, seja em novas intervenções, seja em acções de reabilitação, reforma e/ou preenchimento do tecido urbano preexistente.

Mas não ficaríamos bem connosco próprios, em termos de um sentido de adequada análise tecnico-científica das possíveis opções existentes nesta smatérias, se não se referisse que será muito importante retirar comentários e conclusões sobre uma já extensa actividade de Arquitectura Urbana pormenorizada, que tem vindo a ser desenvolvida pelo movimento designado de “New Urbanism”, em diversos países do mundo e designadamente nos EUA.

Não se está a defender este caminho mas sim a propor-se o conhecimento pormenorizado do que de mais significativo tenha sido já feito no âmbito de quem segue esta tendência do “Novo Urbanismo”, no que se refere ao leque de objectivos que têm sido apontados nos últimos parágrafos deste texto. E recorda-se que este movimento opta, frequentemente, pelo recurso a arquitectos muito conhecidos e a uma, por vezes, “férrea” gestão urbana, ao serviço da construção de verdadeiros “cenários” – por vezes temáticos - de vida diária.

E lembremos um dos mentores deste movimento/corrente, Andres Duany (2003) (1), apontou que o desenho urbano pode ser considerado como verdadeira arte cívica, o que é, sem dúvida, uma perspectiva com grande interesse.

Concluindo esta reflexão refere-se que este movimento/corrente terá baseado, provavelmente, parte das suas raízes num conjunto de pequenas “escolas” de urbanismo de pormenor, entre as quais os “Housing” e “Urban Design Guides” ingleses terão tido uma importância significativa.

E, vai daí, lembra-se que talvez na base destes “Guias”, cujos resultados seria também muito importante conhecer, após algumas dezenas de anos de aplicação, estarão, sempre, e naturalmente os tão incontornáveis, como injustamente pouco divulgados, trabalhos de Gordon Cullen e designadamente a sua “Paisagem Urbana” (1971) (2). Um guia de fazer “paisagem urbana” que, hoje em dia, poderia/deveria ser “readaptado” para se refazer e recuperar boa parte de toda a nossa paisagem urbano-rural.

Realmente, para o aprofundamento da qualidade do desenho, da caracterização e da criação de uma paisagem urbana pormenorizada, há que ter em conta e aqui recordar, ainda que “telegraficamente”, Gordon Cullen o fundamental Cullen, como uma autoridade que abordou de forma natural, mas essencial, a qualidade do desenho e da imagem, um relembrar aprofundado que se impõe; e Cullen ainda hoje, ou especialmente hoje, abre-nos caminhos vitais de estudo/projecto nesta área da Arquitectura Urbana e Residencial bem promenorizada e desenhada: lembremos, portanto, algumas palavras de Cullen referidas à sua “A Paisagem Urbana – Tratado de estética urbanística”:

• “Será possível manipular todos os matizes de escala e estilo, de materiais e cor, de carácter e individualidade e, justapondo-os, criar algo que seja verdadeiramente proveitoso para a colectividade” (p.12).

• “As estatísticas são coisas abstractas; ao ser transportadas para planos e depois os planos convertidos em edifícios, o resultado carece de vida. O resultado não será mais do que um diagrama tridimensional, no qual se exige que a pessoa humana viva” (p.12).

• “O conformismo mata, aniquila; a diferenciação, pelo contrário, é fonte de vida ... E tudo é unificado pelo fogo e pela vitalidade da imaginação humana, e assim torna-se possível fazer habitações para homens” (p.13).

• “A questão essencial é que na opinião do público o planeamento oficial é frio, técnico e estéril, enquanto que na minha opinião uma boa planificação não é senão uma rua ampla e direita, com árvores de copa recortada dos dois lados... e basta! E tudo é bem diverso. A composição de um conjunto urbano é potencialmente uma das mais emotivas e variadas fontes de prazer” (p.15).

• “Em primeiro lugar, há que «forçar» a paisagem urbana, é difícil manter um princípio geral e, em vez disso, é mais fácil acarinhar o particular. Subdividindo o conjunto nas partes componentes” (p.16).

• “A paisagem urbana constrói-se de duas maneiras. Primeiro, objectivamente, através do senso comum e da lógica, baseados nos benévolos princípios da riqueza, da amenidade, da experiência e da privacidade ... Qual a base de partida? A única possível é estabelecer a forma com a qual o ser humano estabelece contacto com o que o rodeia. Clara e sobriamente, afirmando-se....(um sistema de relações)... Ao criar um sistema, devemos procurar essencialmente organizar o campo de tal forma que os fenómenos urbanos se integrem logicamente” (p. 194 e 195).



Fig. 2

Mas nesta matéria não seria possível deixar de lembrar outro autor que também trouxe estas matérias para a primeira cena do urbanismo, já há bastantes anos: trata-se como é evidente de Kevin Lynch, que aliás, julga-se, partilha com Cullen diversas considerações estruturantes.

E assim e de acordo com o clássico estudo de Kevin Lynch sobre a imagem urbana (e lembremos que Cullen escreveu e desnhou sobre “paisagem urbana”), esta concretiza-se em cinco tipos fundamentais de elementos: (3)

• as vias, canais ao longo dos quais as pessoas se deslocam habitual, ocasional ou potencialmente;

• os limites, elementos lineares que as pessoas não usam ou consideram como vias, e que constituem fronteiras, soluções de continuidade e elementos de referência;

• os bairros, partes da cidade com um tamanho tão grande, que caracterizam um espaço tridimensional onde podemos penetrar mentalmente, reconhecendo um carácter geral bem identificável;

• os nós, que são pontos e locais estratégicos da cidade onde podemos penetrar, pólos que dão origem e destino às nossas deslocações, sendo, naturalmente, confluências de vias e estruturando acontecimentos singulares ao longo delas, assumindo-se, por vezes, em pólos de animação dos bairros;

• e, finalmente, os pontos de referência, que são referências pontuais, externas ao observador (ex., edifício singular, anúncio muito evidente, loja característica, montanha dominante, etc.), longínquas ou marcando, directamente, constantes direccionais, percursos e sequências de vistas.

E Lynch remata este seu modelo de imagem urbana, referindo que é preciso modelar estes elementos conjuntamente, para que se possa atingir uma forma urbana consistente, através de grupos de elementos semelhantes ou distintos, que se reforcem mutuamente, e que, podemos provavelmente concluir, ao se integrarem e reforçarem constroem uma imagem unitária que dificilmente será igual a qualquer outra.

E tomando estas ideias de modelação conjunta e mutuamente reforçada de elementos sempre ao serviço de uma forma urbana e habitada consistente, será sempre oportuno relembrar algumas das muitas e preciosas lições de Herman Hertzberger (1991): (4)

• “A arquitetura deve ser generosa e convidativa para todos, sem distinção… O arquiteto é como o médico … deve simplesmente providenciar para que aquilo que pratica faça com que alguém se sinta melhor” (p.267).

• “Devemos ter cuidado para não deixar buracos e cantos perdidos e sem utilidade, que como não servem para nenhum objetivo, são «inabitáveis». Um arquiteto não deve desperdiçar espaço… pelo contrário deve acrescentar espaço… também em lugares que em geral não despertam atenção, isto é, entre as coisas” (p.186).

• “Onde quer que haja desperdício de espaço para o trânsito, os edifícios se tornam isolados, distantes entre si, isso faz com que seja impossível que o espaço urbano evolua organicamente” (p. 192).

• (e ainda Hertzberger, p.193, citando Aldo van Eyck): “Faça de cada coisa um lugar, faça de cada casa e de cada cidade uma porção de lugares, pois uma casa é uma cidade em miniatura e uma cidade é uma casa enorme. O espaço deve ser articulado para criar lugares… quanto mais articulação houver, menor será a unidade espacial, e, quantos mais centros de atenção existirem, mais o efeito total será individualizante.”

Sequencialmente e para rematar, para já, este tema que partiu da ideia “sítios singulares”, para rematar na estruturação da imagem/paisagem urbana habitada, há ainda que apontar que sítios singulares devem ter vitalidades singulares, uma condição que pouco terá a ver com previsões uniformizadas de equipamentos, previsões estas que, tal como sabemos, só por acaso se cumprem numa cidade viva e caracterizada e numa cidade de hoje em dia, tantas vezes em crise e/ou mega e informal.

Mas atenção, por mais liberais que possamos ser nesta forma de pensar a cidade habitada é fundamental que não existam vizinhanças residenciais desmunidas de espaços de equipamento conviviais e de primeira necessidade, como é o caso do “café de esquina” e da pequena loja de conveniência que terá um pouco de muita coisa; esta exigência é fundamental numa perspectiva de humanização e vitalização da cidade, permitindo que ela viva com razoável autonomia em cada uma das suas vizinhanças, mas é uma exigência que tem de ser cumprida com especificidade e singularidade em cada sítio, condição esta que nada tem a ver com as estereotipadas previsões de equipamentos, e que tem até muito a ver, por exemplo, com um comércio mais caracterizado e potencialmente vitalizado e vitalizador.

Notas:
(1) Andres Duany, Elizabeth Plater-Zyberck e Robert Alminana, “New Civic Art : Elements of Town Planning”, 2003.
(2) Gordon Cullen, “El Paisaje Urbano – Tratado de estética urbanística”, Barcelona, 1977 (1971).
(3) Kevin Lynch, "L'image de la Cité", pp. 53 a 55 e 97 a 98.
(4) Herman Hertzberger, “Lições de Arquitetura”, 1996 (1991).

Notas editoriais:
(i) A edição dos artigos no âmbito do blogger exige um conjunto de procedimentos que tornam difícil a revisão final editorial designadamente em termos de marcações a bold/negrito e em itálico; pelo que eventuais imperfeições editoriais deste tipo são, por regra, da responsabilidade da edição do Infohabitar, pois, designadamente, no caso de artigos longos uma edição mais perfeita exigiria um esforço editorial difícil de garantir considerando o ritmo semanal de edição do Infohabitar.
(ii) Por razões idênticas às que acabaram de ser referidas certas simbologias e certos pormenores editoriais têm de ser simplificados e/ou passados a texto corrido para edição no blogger.
(iii) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.



Infohabitar a Revista do Grupo Habitar
Infohabitar, Ano VIII, n.º 414
Sítios singulares - artigo
Editor: António Baptista Coelho
Edição de José Baptista Coelho
Lisboa, Encarnação - Olivais Norte

sexta-feira, outubro 26, 2012

413 - AS MEDIDAS DO HOMEM E AS MEDIDAS DA CIDADE: SOBRE A NATUREZA DO HABITAR - Infohabitar 413

Infohabitar Ano VIII, N.º 413

AS MEDIDAS DO HOMEM E AS MEDIDAS DA CIDADE: SOBRE A NATUREZA DO HABITAR
Artigo XXIII da Série habitar e viver melhor

António Baptista Coelho



Índice

• Introdução às "medidas do homem” e às “medidas da cidade”

• Breves reflexões sobre a actual pobreza e limitação do "jogo tipológico" habitacional e urbano

• Casas mais, ou menos, adequadas às várias “medidas” do homem e a possibilidade de um "livro de horrores"

• Sobre a crucial importância dos outros espaços do habitar não-funcionais e de aspectos não-dimensionais

• Mistura essencial de quantidades e qualidades no habitar e na cidade

• Sobre os habitantes mais sensíveis

• E no fim e no princípio a imagem urbana, como quadro ou ferramenta essencial da construção das escalas/medidas humana e urbana


Introdução às "medidas do homem” e às “medidas da cidade”

Relativamente a estas “medidas do homem” e a estas “medidas da cidade”, que fazem título do artigo, coloca-se, logo, a questão de serem duas “medidas” clara ou razoavelmente distintas ou, serem, “apenas” duas respostas, que, para serem adequadas têm de ser/estar intimamente conciliadas?

Martin Wynn aponta que ao longo de muitos anos as casas foram sendo pensadas e construídas para uma família-tipo “média”, não se oferecendo respostas habitacionais adequadas para famílias menos correntes, assim como, habitações adequadas ou adaptáveis para idosos, jovens, pessoas sós, famílias numerosas, deficientes, trabalhadores móveis, e, muito provavelmente, mais alguns grupos de habitantes cujas características humanas e sociais se afastem, um pouco, ou substancialmente, do habitante “médio”(1), que, afinal, nunca existiu.

Dois aspectos podemos acrescentar, facilmente, a esta reflexão de Martin Wynn, o primeiro é que, hoje em dia, é muito significativa a falta sentida relativamente a essas habitações que não aquelas feitas para a “famosa”, e hoje em dia talvez quase inexistente família “média” (2), e o segundo aspecto é que esse tipo de considerações são extensíveis ao exterior residencial, e, nomeadamente, ao que constitui as vizinhanças contíguas aos edifícios.

E Wynn, há já 24 anos sublinha-se, salientava ainda mais alguns aspectos, que continuam a marcar pela grande actualidade: "A crise habitacional actual tem no seu coração exigências quantitativas e qualitativas convergentes. As pessoas nas áreas urbanas querem mais espaço interior e exterior (aberto). Querem cidades mais verdes e casas que consumam menos energia. Querem melhor acessibilidade ao trabalho, melhores serviços sociais e mais lojas..." (3)

E concluindo, em termos práticos, hoje em dia a oferta residencial tem de diversificar em termos de conteúdos funcionais e ambientes domésticos e comuns, proporcionando casas muito mais, literalmente, à medida do “homem” que realmente precisa de casa e não de um homem e de uma família médios e praticamente inexistentes.



Fig.01

Breves reflexões sobre a actual pobreza e limitação do "jogo tipológico" habitacional e urbano

E, antes de continuar a reflexão, importa ainda registar, um pouco a modos de "mea-culpa", que os próprios projectistas têm considerado o "jogo tipológico" do habitar e da cidade de uma forma que é, por regra, extremamente passiva e/ou incipiente, com os mais diversos tipos de justificações, uma talvez mais válidas do que outras: desde a simples inércia, até não justificada, que aceita as tipologias existentes (ex., do direito-esquerdo, ao unifamiliar isolado) como uma realidade preexistente e imutável, até justificações, que o autor destas linhas considera extremamente discutíveis e mesmo negativas, onde se associa o habitar a um "produto habitacional", modelado por exemplo com referências à indústria automobilística, e em que os "modelos" de habitar são "oferecidos" ao quadro de procura existente e cada um escolherá o mais adequado para si e para os seus, e ainda numa fase mais aguda desta opção, aceitando-se que o próprio quadro habitacional aceite uma perspectiva de rotação por obsolescência e até eventualmente por mutação de modas, semelhante ao da insdústria automobilística e quem sabe, tendencialmente, ainda em períodos mais curtos (estamos naturalmente a exagerar); no entanto e naturalmente estes caminhos teriam de passar pelo aprofundar de uma crítica e talvez mesmo absurdo padronização das condições de habitar a um espartilho de meia dúzia de modelos, situação esta que nem se conjuga com a situação actual de existência de um amplo parque habitacional que precisa, em grande parte, de cuidados de reforma física, funcional, ambiental e, talvez quase em primeiro lugar, em termos de "partido" habitacional e urbanístico.

Mas respeitam-se natural e profundamente todas as opiniões expostas e aqui sumariamente apontadas, considera-se que é urgente e vital a facilitação e simplificação de soluções de intervenção habitacional e urbana, que têm de passar por uma fundamental "industrialização", mas considera-se que tais cuidados devem ser dirigidos para aspectos mais delimitados e claramente tipificáveis e naturalmente replicáveis, como por exemplo soluções de fenestração, de compartimentação, de vãos interiores, de arrumação, de versatilidade em termos de mobilariedade e equipamento doméstico, etc.

E não deixa de se fazer aqui uma referência importante a considerar-se que será tempo de podermos ser mais inovadores e até, quem sabe, um pouco iconoclastas numa renovada abordagem ao (re)habitar urbano; matéria esta que naturalmente tem ligações sensíveis com múltiplos aspectos de regulamentação.


Casas mais, ou menos, adequadas às várias “medidas” do homem e a possibilidade de um "livro de horrores"

Voltando então ao tema específico que se estava a tratar, e lembrando essa difícil e sensível procura dos aspectos e dos caminhos de casas mais adequadas às várias “medidas” do homem – umas físico-funcionais, outras psico-ambientais e ainda outras mais especificamente arquitectónicas –, uma opção é ir aprendendo sabiamente com os erros, embora tal sabedoria não seja regra, muito pelo contrário.

E nestas matérias críticas e sempre vitais, em termos de novas operações e de intervenções de reforma do existente, seria, realmente, oportuna uma colectânea que registasse não só que se pode considerar serem as melhores soluções de habitar e de cidade, provadas por dezenas de anos de um uso/habitar que se traduz em estima e até melhoria do respectivo quadro físico, mas que também registasse o que se tem provado serem aspectos e características de casas e bairros que fazem os habitantes insatisfeitos e, frequentemente, infelizes; nesta última opção, uma espécie de pequeno “livro de horrores”de casos habitacionais concretos, aplicando-se, naturalmente, aqui o termo num sentido um pouco figurado - e um dos passos necessários para constar de tal livro seria, por exemplo, tratar-se de um caso já demolido e sobre o qual se tivesse feito um estudo adequado das respectivas razões de insatisfação.

Naturalmente que um dos casos primeiros a constar de uma tal, possível, colectânea é o conjunto de habitacional de Pruitt-Igoe, inaugurado em 1954 e uma solução de Arquitectura ganhadora de prémios arquitectónicos, que foi implodida em 1972, apenas 18 anos depois de inaugurada. Em Portugal e no LNEC Luís Soczka estudou este caso e refere que a zona se tinha transformado em "um autêntico inferno, com uma subida em flecha dos actos de vandalismo contra pessoas e bens, e crescentes sentimentos de medo e infelicidade por parte dos residentes". (4)

Deixemos, para já a ideia, desse pequeno “livro de horrores” e continuemos em Pruitt-Igoe, a tal zona que estava a gerar “sentimentos de medo e infelicidade” (o sublinhado é meu), diz Soczka, porque aí se falhou, quer por inadequado conhecimento dos futuros residentes, quer mesmo na matéria da Arquitectura pela ausência de espaços de vizinhança que fizessem a relação e a transição entre o anonimato do espaço citadino e a privacidade de cada habitação, espaços esses onde houvesse equilíbrios de consenso e dignidade, mas também alguma capacidade de apropriação, identidade e desenvolvimento de algum sentido de pertença a comunidades razoavelmente conhecidas.

Escreveu Luís Soczka que faltavam "esses espaços que não são tão privados como a casa de cada um, nem tão públicos como uma estação de comboios. São os espaços dos «nós», onde uma micro-comunidade assente na teia cúmplice das vizinhanças constrói uma identidade colectiva e actuante como suporte social no quotidiano, tal como nas aldeias". (5)



Fig. 02

Sobre a crucial importância dos outros espaços do habitar não-funcionais e de aspectos não-dimensionais

A medida justa do habitar, entre homem e urbe, faz-se também e fortemente em espaços, cuja funcionalidade até, praticamente, nem importa, espaços estes que continuam a ter plena justificação nesta época da globalização, tal como defende William Mitchell (2000) (6), que lembra quando, na história do homem, o espaço junto ao poço perdeu a sua função e se inventaram outros sítios urbanos conviviais como o café, e que defende que a história se repete, hoje em dia, quando, cada vez mais fechados nas nossas casas e na web, precisamos urgentemente de (re)inventar os espaços públicos citadinos, os tais que são sede de potencial convívio vicinal e urbano, e é o mesmo Mitchell (2003) (7), um ardente defensor da era digital, que, assim, associa esta era à defesa de um urbanismo baseado no respeito pelo “espírito do lugar”, valorizando os aspectos culturais e mesmo cénicos, que são específicos de cada sítio: portanto, um urbanismo do pormenor ou uma verdadeira e estimada Arquitectura Urbana, e aqui o termo estima liga-se ao cuidado que a ela importa dirigir por quem a projecta, e ao cuidado que a ela dirige quem a habita, matéria esta última que deverá ter prolongamentos/apoios em termos de divulgação/informação.

Sobre a pormenorização da arquitectura urbana há que sublinhar que ela deve servir, em termos globais, as “medidas do homem”, seja em aspectos mais conhecidos de satisfação e insatisfação, seja relativamente ao sentido de segurança, seja nas questões de acessibilidade, seja no apoio aos habitantes mais “frágeis” – crianças e idosos – , seja numa adequação aprofundada relativamente ao modo como observamos os espaços mais próximos da nossa casa.

Será aqui oportuno referir que a satisfação residencial é, com frequência, associada, respectivamente, e em ordem de decrescente de importância, aos seguintes tipos de aspectos, sublinhados por Ekambi-Schmidt (8): (i) orientação, (ii) claridade e insolação; (iii) dimensionamento; (iv) isolamento físico e social; (v) conforto; (vi) tranquilidade ambiental; (vii) sentido de abertura e carácter de ambiente acolhedor.

E não é possível deixar de referir aqui que "apenas" a interpretação destes aspectos dá muito que pensar: atente-se, por exemplo, á primazia da orientação, claridade e insolação, relativamente ao dimensionamento.

E na mesma linha de reflexões e a partir de um amplo inquérito experimental realizado no LNEC, já há 45 anos (em 1963), dirigido por Nuno Portas, retira-se que entre as causas confessadas de má vizinhança se salientam, quer os problemas com as crianças, quer os que decorrem de deficientes condições de isolamento acústico e consequentes sensações de falta de intimidade.

Voltaremos a estes “leques” de satisfação em vários pontos deste estudo e desta série de artigos, mas desde já se evidencia a mistura que sempre acontece entre aspectos considerados mais, e menos, objectivos, aspectos estes que, tantas vezes, se conjugam.


Mistura essencial de quantidades e qualidades no habitar e na cidade

Nesta linha de mistura essencial de quantidades e qualidades, cita-se Soczka, por sua vez, citando Oscar Newman, que salienta as características que contribuem para o desenvolvimento de espaços habitacionais considerados mais "defensáveis" e apropriáveis (9): (i) um ambiente físico que aceite zonas de influência territorial, e assim bem percepcionadas pelos residentes; (ii) um projecto urbano que suporte de uma natural acção de vigilância natural por parte dos próprios residentes; (iii) um projecto influenciador da percepção da identidade colectiva dos residentes; (iv) e a justaposição de "zonas de segurança" na área do projecto e clarificação das zonas adjacentes como seguras ou inseguras.

Novamente matérias essencialmente qualitativas, onde até, por exemplo, a "quantidade" excessiva pode ser matéria negativa e onde as dimensões do homem e as da cidade, assumem protagonismo essencial.

Afinal a cidade nasceu à medida do homem, para o servir, para o proteger melhor, para dar identidade/presença ao homem solidário e o tornar mais eficaz com menos esforço, e acabou realmente por lhe propiciar mais tempo para outras ocupações que não as estritamente necessárias à sua sobrevivência, tendo, assim, nascido uma cultura mais sedimentada e activa.

Mas todos estes aspectos derraparam, como bem sabemos, em tantos bairros "de má fama", isolados da cidade (portanto sem "a medida" da cidade), e feitos sem qualquer medida do do homem mas que continua a ser essencial na razão de ser da cidade bem habitada; bairros onde para lá, ou antes, de não haver uma segurança bm percepcionada, e uma clara satisfação na vida diária, não há realmente "cidade".

Neste sentido lembremos "os 3 Mandamentos" dos espaços que definem e evidenciam condições de segurança, segundo Claude Lamure (10): orientação e localização fáceis; observação da movimentação dos outros; e prevenção dos encontros por "fuga", interdição de acesso ou camuflagem. Matérias estas que, evidentemente, antes de se ligarem à "segurança" são bases da coesão urbana.

E Lamure reafirma alguns aspectos básicos da referida sensação básica de segurança, tais como a definição de espaços rectangulares apenas abertos unilateralmente, ou abertos multilateralmente, mas sobreelevados e, essencialmente, a exigência, mínima, de um encerramento espacial bilateral, conjugado com a possibilidade de observações fáceis dentro de um espaço geométrico muito regular, estruturado por eixos perpendiculares entre si.

E se pensarmos, um pouco, sobre que forma urbana serve tais exigências temos, naturalmente, o tecido urbano contínuo, feito de ruas, largos e pracetas, um espaço canal ramificado, mas onde há sempre uma noção forte de espaço contido, delimitado bem definido – com princípio e fim – e de se estar a ser eventual e naturalmente observado de janelas, portas e ruelas constantemente contíguas. Um tecido feito com cuidado/pormenor e afectuosidade em termos de uma Arquitectura Urbana com escalas humana e urbana.

Ao nível concreto dos espaços de circulação e de uso comuns, serão de evitar, segundo o citado autor, galerias e zonas muito extensas, reverberantes (onde se sinta o eco) e mal iluminadas; e nesta sequência que vai do mais público ao mais privado, Lamure refere ainda que a existência de circulações domésticas claramente configuradas e bem estruturadas é, também, um factor de melhoria da sensação de segurança, mesmo no interior da habitação. E esta última consideração tem grande interesse na tal questão de uma adequada reinvenção tipológica também no mundo doméstico.

É realmente interessante ter aqui uma ideia de que o ordenamento claro dos espaços que habitamos - da rua ao recanto doméstico - e a sua clara e bem delimitada configuração, desde que bem percebida por quem a habita nos seus limites e nas suas relações mútuas, é uma condição para o seu bom uso e para o grado que se possa ter nesse uso, e esta é uma realidade que irá do espaço privado, ao comum e ao público; e, portanto, da escala humana à urbana



Fig.03

Sobre os habitantes mais sensíveis

Lembrando, agora, os habitantes que precisam de mais apoio e enquadramento, o espaço do habitare e a vizinhança residencial deverá responder positivamente às condições físicas e psicológicas específicas dos idosos, nomeadamente, como refere Claude Lamure, pela previsão (11) de boas condições de conforto nas deslocações e pelo bom relacionamento social através de: (i) proximidade a transportes colectivos e a equipamentos comerciais; (ii) proximidade relativamente a amigos, familiares e conhecidos; (iii) conhecimento da envolvente urbana; (iv) e existência de espaços de condomínio equipados e vivos; matérias estas que tem todas a ver com as "escalas" do fazer do habitar.

E tal como se refere no estudo “Do bairro e da vizinhança à habitação” (12) a vizinhança próxima é o espaço ideal, em termos de potencial de acessibilidade física e de segurança nas deslocações e nas estadias, para o uso diário e intenso por idosos, propiciando e motivando saídas frequentes das respectivas habitações, com evidentes vantagens, tanto ao nível da saúde física e psíquica destes habitantes (andar a pé, “flanar”, estar ao ar livre, conviver), como ao nível do aumento da animação e da convivialidade diária global das respectivas Vizinhanças Próximas e Alargadas, até porque, sendo pessoas que, frequentemente, não cumprem horários de trabalho, são elementos sempre disponíveis para essa “vivência de rua e de café”.

Muito do que se referiu para os idosos também se aplica às crianças na vizinhança de proximidade, sendo verdade que boas condições de agradabilidade e segurança contíguas às habitações e fáceis e seguras em termos de acesso e de uso são factores de intensificação do uso global dos exteriores e designadamente da permanência no exterior de idosos e crianças, frequentemente acompanhando-se mutuamente; e há que ter em conta a importância que o meio urbano pode ter na formação de tantas crianças citadinas, tantas vezes, isoladas em casa e desintegradas de um meio social equilibrado e variado (13).

Tal como é defendido por muitos autores as crianças devem poder conviver intensamente e brincar, apoiando-se a sua formação global e sua socialização e reduzindo-se, mesmo, o risco de problemas mentais posteriores; e este facto é bem evidente quando sabemos que o número crianças com psicoses pode crescer de "0 a 37", quando o número de crianças com que uma dada criança convive diminui de cinco, ou mais de cinco, para nenhuma (14). E as crianças e jovens exigem, realmente, alguma diversificação espacial e de equipamentos na proximidade directa das habitações (15); provavelmente é esta matéria uma das mais importantes em termos de programação da vizinhança residencial.

E tudo isto dá que pensar no que se refere à opção que se julga fundamental no que se refere ao desenvolvimento de arquitecturas residenciais que suscitem ou proporcionem a convivialidade vicinal.

Mas todas estas preocupações práticas de marcação de territórios de vizinhança e do seu adequado equipamento irão falhar caso não sejam servidos por uma pormenorização urbana cuidadosa e sensível e que, para o ser, tem de ser desenvolvida considerando a forma como olhamos e vamos entendendo a organização do espaço exterior. E para tal há que ter em conta que, tal como explica Rudolf Arnheim (16), em posição de pé, o olhar humano tende a inclinar-se para o chão, acontecendo o mesmo quando estamos sentados. Isto faz salientar a importância do pavimento em qualquer apreciação espacial, e, nomeadamente, no caso dos espaços interiores e no caso dos espaços exteriores em grande relação com edifícios (pontos de partida e chegada), onde estamos muito mais concentrados e atentos ao que nos rodeia, até por estarmos, quase, em nossa casa e esta, como bem sabemos, é o reino do pormenor.



Fig.04

E no fim e no princípio a imagem urbana, como quadro ou ferramenta essencial da construção das escalas/medidas humana e urbana

E cá estamos, novamente, na fundamental, porque potencialmente estimulante dimensão da paisagem urbana e temos de lembrar algumas palavras de Gordon Cullen, de comparação entre paisagem uniforme ou multiforme, neste caso numa aplicação específica à temática do importante tratamento do chão público: "As construções ricas em texturas e cores, assentam, necessariamente, num pavimento. Se este não passar de uma extensão asfaltada lisa e uniforme, elas por sua vez parecem desarticuladas, separadas umas das outras, uma vez que o pavimento não prende o nosso interesse". (17)

E Michael Laurie (18) avança um pouco mais nesta matéria, que tudo tem a ver com as medidas do homem e as medidas da cidade apontando que o olhar humano é cativado quer pelo emprego de peças pequenas e bem identificáveis produzindo superfícies finamente texturadas que têm uma relação íntima com a escala humana, como pelo uso de peças grandes, ligadas por juntas, que são neste caso os elementos responsáveis pela relação com a escala humana e também, de certo modo, com a escala da vizinhança e da cidade.

O que se pretendeu evidenciar neste tema das medidas do homem e da cidade é que tais medidas tanto são genéricas e estruturantes, constituindo grandes objectivos como é o caso da segurança, como são particularizadas e ligadas a pormenores bem estruturados e únicos, e há casos de conjuntos de casas que não proporcionam felicidade seja pela ausência de tais condições gerais, seja pela inexistência de tais condições de pormenor.

Neste tema das medidas do homem e da cidade começámos por reflectir, um pouco, sobre que homem? Que família? E talvez que vizinhança citadina? Uma verdadeira, feita da tecitura complexa mas bem urdida que caracteriza uma cidade viva, ou um tecido esgarçado e descaracterizado? Mas voltaremos a estes temas vistos a partir de outras perspectivas, pois afinal é provavelmente nesta questão de que medidas humanas e citadinas devemos aplicar e aprofundar na cidade habitada de hoje estará boa parte do segredo de um habitar mais feliz.

Notas
(1) Martin Wynn, "Housing in Europe", p. 44.
(2) Num estudo já de 1985 da Direccion General de Arquitectura y Vivienda, do Ministerio de Obras Publicas y Urbanismo de Espanha ("Individuo y Vivienda", p. 50) refería-se que a percentagem de habitações com uma pessoa na RFA era, já na altura, significativa, variando, por Estados, entre um mínimo de 21.9% e máximos de 39.5% e 44.1%, respectivamente, nas grandes cidades de Hamburgo e Berlim Oeste; e é também, importante constatar a subida da percentagem entre cerca de 18% em Municípios com menos de 5000 habitantes e cerca de 34% naqueles com mais de 100000 habitantes. E atenção que hoje em dia a situação deve ter já evoluído muito, evidenciando-se o interesse que terão soluções de edifícios cujas partes e serviços comuns são muito desenvolvidos e com utilização facultativa e programada.
(3) Martin Wynn, "Housing in Europe", p. 73.
(4) Luís Soczka, "O Contributo da Psicologia Ambiental para o Problema da Qualidade da Habitação", p. 2/1.21.
(5) Luís Soczka, "O Contributo da Psicologia Ambiental para o Problema da Qualidade da Habitação", p. 2/1.22.
(6) William J. Mitchell, “E-topía - Vida urbana, Jim, pero no la que nosotros conocemos”, 2001 (2000).
(7) William J. Mitchell, “Me++: The Cyborg Self and the Networked City”, 2003.
(8) Ekambi-Schmidt, "La Percepción del Habitat".
(9) Luís Soczka, "Espaço Urbano e Comportamentos Agressivos - da Etologia à Psicologia Ambiental, p. 7.
(10) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", pp. 58 a 60.
(11) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", pp. 151 a 153 e 215.
(12) “Do bairro e da vizinhança à habitação”, ITA 2, LNEC.
(13) Sven Thiberg caracteriza-as do seguinte modo (Sven Thiberg (Ed.), "Housing Research and Design in Sweden", p. 114): vivem separadas de importantes campos de actividade e tipos de ambientes; vivem afastadas de outros grupos etários, de outras classes sociais e padrões culturais; vivem em contacto forçado com grandes números de outras crianças com a mesma idade delas; devido a mudanças de ambiente enquanto crescem, as crianças estabelecem relações pouco sólidas com a vizinhança; vivem em ambientes que não podem nem têm a possibilidade de influenciar.
(14) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", p. 317.
(15) C. Baudelot e J. Gardent ("Espaces Extérieurs Urbains, Rencontres du Centre de Recherche d'Urbanisme", J. P. Muret, Coord., p. 35) consideram os seguintes territórios privilegiados das crianças e dos jovens: até 3 anos de idade, dependência completa dos adultos, usando pequenos espaços, claramente seguros (ex., varanda ampla, ou espaços na contiguidade imediata do fogo, isto é, até 5/6m de distância à habitação); de 3 a 7 anos, devem poder ir à rua sozinhos, mas ficando à vista e ao alcance da voz, cerca de 30m, máximos, de distância à habitação; de 7 a 14 anos, devem poder deslocar-se sozinhos no bairro, encontrando actividades próprias para a sua idade; o raio exploratório é de cerca de 150 a 200m de distância à habitação; de 11 a 14 anos precisam de se encontrar em grupos conhecidos e o raio de acção vai-se ampliando para cerca de 500m de distância à habitação, e para lá desse limiar. Sobre os espaços para adolescentes Lamure considera ("Adaptation du Logement à la Vie Familiale", pp. 213 e 214) que são necessárias algumas áreas onde eles tenham uma certa autonomia em relação aos adultos, provavelmente em espaços neutros minimamente equipados.
(16) Rudolf Arnheim refere que o ângulo horizontal de visão é de cerca de 110º, mas para um dado elemento ser visto e julgado como um todo integrado ele tem de estar compreendido dentro de um ângulo com cerca de 27º (distância ao objecto sensivelmente dupla da sua dimensão maior); para além disto o ângulo vertical de visão tem, aproximadamente 45º acima do nível do olho e 65º abaixo dele (Rudolf Arnheim, "A dinâmica da forma arquitectónica", pp. 108 a 110). Em termos de ângulos de câmaras teremos que os ângulos fotográficos entre cerca de 24/28mm (o início da chamada “grande angular”), correspondem, sensivelmente, ao quadro de visão de que dispomos. A visão humana concentra-se em elementos centrais, enquadra-os num cenário bilateral, que pode ser uma rua tradicional, e concentra a atenção em variações contrastantes que pontuam, por exemplo, o desenvolvimento da rua (ex., edifícios e outros elementos singulares e destacados). Considerando, ainda, os ângulos de visão a segunda consideração de Arnheim valida "a regra dos 45º", entre edifícios confrontantes, proporcionando uma sequência de fachadas, continuamente apreendidas quando nos deslocamos, e quando não é visível o limite superior de uma banda edificada, o resultado é a percepção de um espaço exterior “fechado” e protegido.
(17) Gordon Cullen, "Paisagem Urbana", p. 55.
(18) Michael Laurie, "Introducción a la Arquitectura del Paisaje".

Notas editoriais:

(i) A edição dos artigos no âmbito do blogger exige um conjunto de procedimentos que tornam difícil a revisão final editorial designadamente em termos de marcações a bold/negrito e em itálico; pelo que eventuais imperfeições editoriais deste tipo são, por regra, da responsabilidade da edição do Infohabitar, pois, designadamente, no caso de artigos longos uma edição mais perfeita exigiria um esforço editorial difícil de garantir considerando o ritmo semanal de edição do Infohabitar.


(ii) Por razões idênticas às que acabaram de ser referidas certas simbologias e certos pormenores editoriais têm de ser simplificados e/ou passados a texto corrido para edição no blogger.


(iii) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.



Infohabitar a Revista do Grupo Habitar

Infohabitar, Ano VIII, n.º 413


As medidas do homem e as medidas da cidade: sobre a natureza do habitar


Editor: António Baptista Coelho


Edição de José Baptista Coelho


Lisboa, Encarnação - Olivais Norte