(Artigo da semana, editado a seguir às notas informativas)
Notas informativas Infohabitar:
3.º Congresso de Habitação Social, Lisboa,
8 e 9 de novembro de 2012
Para quem ainda não saiba vai acontecer já daqui a menos de uma semana o 3.º Congresso de Habitação Social, sobre o tema geral: Repensar a Habitação Social – Necessidade ou Oportunidade?
O 3º Congresso de Habitação Social é organizado pelo CECODHAS.P - Comité Português de Coordenação da Habitação Social.
No site do Pelouro da Habitação de Lisboa poderão encontrar as devidas informações- http://habitacao.cm-lisboa.pt/?no=151000100762:072012
A ficha de incrição (gratuita mas obrigatória) e o programa estão disponíveis em http://www.cecodhasp.org/index.php/inscricoes
O Congresso decorrerá nos próximos dias 8 e 9 de Novembro de 2012, em Lisboa, no ISCTE – IUL e como objectivos destacam-se: Promover momentos de reflexão e debate entre os vários actores no Sector da Habitação Social; Enriquecer o debate sobre esta matéria, num momento em que se verificam significativas alterações legislativas; Proporcionar encontros entre os diversos actores, nomeadamente entre os decisores políticos e os técnicos; Proporcionar a apresentação de boas práticas e de projectos feitos pelas várias entidades gestoras de Habitação Social; Potenciar a criação de laços entre os investigadores/academia e as instituições, de forma a promover a realização de estudos e proporcionar oportunidades de investigação às Universidades;
2.º CIHEL
A todos os interessados lembra-se que as inscrições no 2.º Congresso Internacional da Habitação no Espaço Lusófono – 2.º CIHEL – estão já abertas em inscricoes2cihel@lnec.pt podendo as condições ser consultadas no site do 2.º CIHEL, em http://2cihel.lnec.pt/2cihel.html , e a ficha de incrição facilmente acessível no referido site e aqui em http://2cihel.lnec.pt/fi_2CIHEL.doc
Lembra-se a todos os autores de comunicações a aproximação do prazo final de entrega das mesmas, no dia 12 de novembro de 2012, e que os autores cujos resumos foram aprovados sem indicações de reformulação deverão realizar, desde já, a respectiva inscrição no Congresso.
ARTIGO DA SEMANA - ARTIGO DA SEMANA
Sítios singulares
Artigo XXIV da Série habitar e viver melhor
António Baptista Coelho
A construção de uma Arquitectura Urbana e do Habitar estimulante, porque harmonizada com as boas medidas do homem e bem reflectidas nas boas medidas da cidade e das vizinhanças que a compõem, nunca será possível em espaços urbanos monótonos e descaracterizados.
Não devemos pensar na cidade habitada como um sítio de diversidade obrigatória ou “pictórica”, mas temos de a pensar em termos de sequências de sítios com alguma singularidade e, mesmo, pontualmente, com expressiva singularidade.
Esta qualidade do que é singular, mas que o é com expressiva naturalidade, sem quaisquer tipos de protagonismos que, depois, se iriam anular mutuamente numa muito negativa cacofonia visual e ambiental, é uma qualidade que tem de ser, evidentemente, manejada com grande cuidado, mas que pode advir, por exemplo, simplesmente, de uma posição bem memorizável num dado conjunto urbano – uma posição singular porque bem marcada – ou pode decorrer de uma caracterização formal e funcional pouco frequente ou “única” – caracterização esta que pode ser global ou estar, eventualmente, associada a aspectos de pormenor estrategicamente evidenciados.
Considera-se que estas matéria do como estudar, isolar, caracterizar, coleccionar, aplicar e avaliar posteriormente a utilização deste tipo de “objectivos de singularidade”, passa pelo tipo de processos que acabaram de ser referidos e trata-se de uma matéria que importa resgatar, urgentemente, de um “sótão” de temas de Arquitectura Urbana que têm sido sistematicamente esquecidos e menosprezados, desde há bastantes anos, pelas mais diversas razões, algumas delas com certeza verdadeiras, mas outras tantas sem qualquer sentido e que acabaram por gerar, tão frequentemente, um “não urbanismo” frio, pobremente funcionalista, sem identidade e sem capacidade para geral atracção e apropriação.
Fig. 1
E avança-se, ainda, que o que se defende não é qualquer tipo de urbanismo mais ou menos pitoresco, mas sim uma Arquitectura Urbana, bem pormenorizada, bem desenhada, adequadamente concebida em termos das referidas escalas humanas e urbanas, culturalmente dialogante e que, evidentemente, continue a garantir as mais diversas e adequadas exigências de funcionalidade e de segurança; e pode-se mesmo comentar que ao juntar a esta últimas o referido sentido de bom desenho e de identidade, talvez até a funcionalidade seja redinamizada, por exemplo, através de uma atracção, que gera mais uso, que geral mais convívio e actividades, que, por sua vez, geram mais atractividade.
Evidentemente que os perigos de algum “decorativismo” ou excessivo sentido de um pitoresco centrado em si mesmo e pouco ou nada coerente em termos de ligações funcionais e culturais, são perigos reais neste caminho de concepção urbana de pormenor que é aqui comentado; e trata-se de matérias a que importa dedicar uma atenção específica e desenvolvida, que aqui não será possível. Mas lembremos, apenas, com brevidade, alguns aspectos de enquadramento do assunto.
Um destes aspectos refere-se a ser um caminho de concepção que exige uma muito apurada qualidade de projecto, uma qualidade que, há que o dizer, só estará, provavelmente, à altura da capacidade de intervenção de um número limitado de projectistas, apenas um pequeno grupo será capaz de manejar estes objectivos de Arquitectura Urbana e Residencial atractiva, “orgânica”, estimulante, bem radicada, e funcionalmente fundida e adequada, sem se comprometer uma qualidade de desenho apurada e “estruturalmente” marcada por uma adequada sobriedade e dignidade urbanas.
E ainda nesta linha de raciocínio importa ainda referir que se julga que mesmo este fundamental apuro na escolha de projectistas que sejam capazes de fazer uma excelente Arquitectura Urbana e Residencial, nos moldes atrás apontados, tem de ser adequadamente ponderado no sentido em que haverá excelentes Arquitectos de edifícios, que talvez não sejam tão excelentes Arquitectos Urbanos, sendo que a situação contrária também sem dúvida acontecerá.
Mas o que importa aqui sublinhar é que se julga que o fazer uma excelente Arquitectura Urbana e Residencial ou Arquitectura da Cidade e do Habitar, é algo que exige mesmo muito de quem projecta; e podemos acrescentar deveria também exigir muito de quem as irá habitar, no sentido, primeiro, de uma informação adequada sobre toda a qualidade que é possível ter/viver e a custos bem controlados, e, depois, de uma exigente afirmação de patamares qualitativos que têm mesmo de ser garantidos pela concepção e execução das intervenções. E este trabalho com quem habita está ainda muito por fazer, sendo essencial para garantir a referida qualidade global e pormenorizada.
Outro aspecto de importante enquadramento deste assunto que visa o enquadramento qualitativo de uma adequada concepção urbana de pormenor atraente e estimulante é que esta matéria tem igual aplicação, seja em novas intervenções, seja em acções de reabilitação, reforma e/ou preenchimento do tecido urbano preexistente.
Mas não ficaríamos bem connosco próprios, em termos de um sentido de adequada análise tecnico-científica das possíveis opções existentes nesta smatérias, se não se referisse que será muito importante retirar comentários e conclusões sobre uma já extensa actividade de Arquitectura Urbana pormenorizada, que tem vindo a ser desenvolvida pelo movimento designado de “New Urbanism”, em diversos países do mundo e designadamente nos EUA.
Não se está a defender este caminho mas sim a propor-se o conhecimento pormenorizado do que de mais significativo tenha sido já feito no âmbito de quem segue esta tendência do “Novo Urbanismo”, no que se refere ao leque de objectivos que têm sido apontados nos últimos parágrafos deste texto. E recorda-se que este movimento opta, frequentemente, pelo recurso a arquitectos muito conhecidos e a uma, por vezes, “férrea” gestão urbana, ao serviço da construção de verdadeiros “cenários” – por vezes temáticos - de vida diária.
E lembremos um dos mentores deste movimento/corrente, Andres Duany (2003) (1), apontou que o desenho urbano pode ser considerado como verdadeira arte cívica, o que é, sem dúvida, uma perspectiva com grande interesse.
Concluindo esta reflexão refere-se que este movimento/corrente terá baseado, provavelmente, parte das suas raízes num conjunto de pequenas “escolas” de urbanismo de pormenor, entre as quais os “Housing” e “Urban Design Guides” ingleses terão tido uma importância significativa.
E, vai daí, lembra-se que talvez na base destes “Guias”, cujos resultados seria também muito importante conhecer, após algumas dezenas de anos de aplicação, estarão, sempre, e naturalmente os tão incontornáveis, como injustamente pouco divulgados, trabalhos de Gordon Cullen e designadamente a sua “Paisagem Urbana” (1971) (2). Um guia de fazer “paisagem urbana” que, hoje em dia, poderia/deveria ser “readaptado” para se refazer e recuperar boa parte de toda a nossa paisagem urbano-rural.
Realmente, para o aprofundamento da qualidade do desenho, da caracterização e da criação de uma paisagem urbana pormenorizada, há que ter em conta e aqui recordar, ainda que “telegraficamente”, Gordon Cullen o fundamental Cullen, como uma autoridade que abordou de forma natural, mas essencial, a qualidade do desenho e da imagem, um relembrar aprofundado que se impõe; e Cullen ainda hoje, ou especialmente hoje, abre-nos caminhos vitais de estudo/projecto nesta área da Arquitectura Urbana e Residencial bem promenorizada e desenhada: lembremos, portanto, algumas palavras de Cullen referidas à sua “A Paisagem Urbana – Tratado de estética urbanística”:
• “Será possível manipular todos os matizes de escala e estilo, de materiais e cor, de carácter e individualidade e, justapondo-os, criar algo que seja verdadeiramente proveitoso para a colectividade” (p.12).
• “As estatísticas são coisas abstractas; ao ser transportadas para planos e depois os planos convertidos em edifícios, o resultado carece de vida. O resultado não será mais do que um diagrama tridimensional, no qual se exige que a pessoa humana viva” (p.12).
• “O conformismo mata, aniquila; a diferenciação, pelo contrário, é fonte de vida ... E tudo é unificado pelo fogo e pela vitalidade da imaginação humana, e assim torna-se possível fazer habitações para homens” (p.13).
• “A questão essencial é que na opinião do público o planeamento oficial é frio, técnico e estéril, enquanto que na minha opinião uma boa planificação não é senão uma rua ampla e direita, com árvores de copa recortada dos dois lados... e basta! E tudo é bem diverso. A composição de um conjunto urbano é potencialmente uma das mais emotivas e variadas fontes de prazer” (p.15).
• “Em primeiro lugar, há que «forçar» a paisagem urbana, é difícil manter um princípio geral e, em vez disso, é mais fácil acarinhar o particular. Subdividindo o conjunto nas partes componentes” (p.16).
• “A paisagem urbana constrói-se de duas maneiras. Primeiro, objectivamente, através do senso comum e da lógica, baseados nos benévolos princípios da riqueza, da amenidade, da experiência e da privacidade ... Qual a base de partida? A única possível é estabelecer a forma com a qual o ser humano estabelece contacto com o que o rodeia. Clara e sobriamente, afirmando-se....(um sistema de relações)... Ao criar um sistema, devemos procurar essencialmente organizar o campo de tal forma que os fenómenos urbanos se integrem logicamente” (p. 194 e 195).
Fig. 2
Mas nesta matéria não seria possível deixar de lembrar outro autor que também trouxe estas matérias para a primeira cena do urbanismo, já há bastantes anos: trata-se como é evidente de Kevin Lynch, que aliás, julga-se, partilha com Cullen diversas considerações estruturantes.
E assim e de acordo com o clássico estudo de Kevin Lynch sobre a imagem urbana (e lembremos que Cullen escreveu e desnhou sobre “paisagem urbana”), esta concretiza-se em cinco tipos fundamentais de elementos: (3)
• as vias, canais ao longo dos quais as pessoas se deslocam habitual, ocasional ou potencialmente;
• os limites, elementos lineares que as pessoas não usam ou consideram como vias, e que constituem fronteiras, soluções de continuidade e elementos de referência;
• os bairros, partes da cidade com um tamanho tão grande, que caracterizam um espaço tridimensional onde podemos penetrar mentalmente, reconhecendo um carácter geral bem identificável;
• os nós, que são pontos e locais estratégicos da cidade onde podemos penetrar, pólos que dão origem e destino às nossas deslocações, sendo, naturalmente, confluências de vias e estruturando acontecimentos singulares ao longo delas, assumindo-se, por vezes, em pólos de animação dos bairros;
• e, finalmente, os pontos de referência, que são referências pontuais, externas ao observador (ex., edifício singular, anúncio muito evidente, loja característica, montanha dominante, etc.), longínquas ou marcando, directamente, constantes direccionais, percursos e sequências de vistas.
E Lynch remata este seu modelo de imagem urbana, referindo que é preciso modelar estes elementos conjuntamente, para que se possa atingir uma forma urbana consistente, através de grupos de elementos semelhantes ou distintos, que se reforcem mutuamente, e que, podemos provavelmente concluir, ao se integrarem e reforçarem constroem uma imagem unitária que dificilmente será igual a qualquer outra.
E tomando estas ideias de modelação conjunta e mutuamente reforçada de elementos sempre ao serviço de uma forma urbana e habitada consistente, será sempre oportuno relembrar algumas das muitas e preciosas lições de Herman Hertzberger (1991): (4)
• “A arquitetura deve ser generosa e convidativa para todos, sem distinção… O arquiteto é como o médico … deve simplesmente providenciar para que aquilo que pratica faça com que alguém se sinta melhor” (p.267).
• “Devemos ter cuidado para não deixar buracos e cantos perdidos e sem utilidade, que como não servem para nenhum objetivo, são «inabitáveis». Um arquiteto não deve desperdiçar espaço… pelo contrário deve acrescentar espaço… também em lugares que em geral não despertam atenção, isto é, entre as coisas” (p.186).
• “Onde quer que haja desperdício de espaço para o trânsito, os edifícios se tornam isolados, distantes entre si, isso faz com que seja impossível que o espaço urbano evolua organicamente” (p. 192).
• (e ainda Hertzberger, p.193, citando Aldo van Eyck): “Faça de cada coisa um lugar, faça de cada casa e de cada cidade uma porção de lugares, pois uma casa é uma cidade em miniatura e uma cidade é uma casa enorme. O espaço deve ser articulado para criar lugares… quanto mais articulação houver, menor será a unidade espacial, e, quantos mais centros de atenção existirem, mais o efeito total será individualizante.”
Sequencialmente e para rematar, para já, este tema que partiu da ideia “sítios singulares”, para rematar na estruturação da imagem/paisagem urbana habitada, há ainda que apontar que sítios singulares devem ter vitalidades singulares, uma condição que pouco terá a ver com previsões uniformizadas de equipamentos, previsões estas que, tal como sabemos, só por acaso se cumprem numa cidade viva e caracterizada e numa cidade de hoje em dia, tantas vezes em crise e/ou mega e informal.
Mas atenção, por mais liberais que possamos ser nesta forma de pensar a cidade habitada é fundamental que não existam vizinhanças residenciais desmunidas de espaços de equipamento conviviais e de primeira necessidade, como é o caso do “café de esquina” e da pequena loja de conveniência que terá um pouco de muita coisa; esta exigência é fundamental numa perspectiva de humanização e vitalização da cidade, permitindo que ela viva com razoável autonomia em cada uma das suas vizinhanças, mas é uma exigência que tem de ser cumprida com especificidade e singularidade em cada sítio, condição esta que nada tem a ver com as estereotipadas previsões de equipamentos, e que tem até muito a ver, por exemplo, com um comércio mais caracterizado e potencialmente vitalizado e vitalizador.
Notas:
(1) Andres Duany, Elizabeth Plater-Zyberck e Robert Alminana, “New Civic Art : Elements of Town Planning”, 2003.
(2) Gordon Cullen, “El Paisaje Urbano – Tratado de estética urbanística”, Barcelona, 1977 (1971).
(3) Kevin Lynch, "L'image de la Cité", pp. 53 a 55 e 97 a 98.
(4) Herman Hertzberger, “Lições de Arquitetura”, 1996 (1991).
Notas editoriais:
(i) A edição dos artigos no âmbito do blogger exige um conjunto de procedimentos que tornam difícil a revisão final editorial designadamente em termos de marcações a bold/negrito e em itálico; pelo que eventuais imperfeições editoriais deste tipo são, por regra, da responsabilidade da edição do Infohabitar, pois, designadamente, no caso de artigos longos uma edição mais perfeita exigiria um esforço editorial difícil de garantir considerando o ritmo semanal de edição do Infohabitar.
(ii) Por razões idênticas às que acabaram de ser referidas certas simbologias e certos pormenores editoriais têm de ser simplificados e/ou passados a texto corrido para edição no blogger.
(iii) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.
Infohabitar a Revista do Grupo Habitar
Infohabitar, Ano VIII, n.º 414
Sítios singulares - artigo
Editor: António Baptista Coelho
Edição de José Baptista Coelho
Lisboa, Encarnação - Olivais Norte
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