sexta-feira, outubro 26, 2012

413 - AS MEDIDAS DO HOMEM E AS MEDIDAS DA CIDADE: SOBRE A NATUREZA DO HABITAR - Infohabitar 413

Infohabitar Ano VIII, N.º 413

AS MEDIDAS DO HOMEM E AS MEDIDAS DA CIDADE: SOBRE A NATUREZA DO HABITAR
Artigo XXIII da Série habitar e viver melhor

António Baptista Coelho



Índice

• Introdução às "medidas do homem” e às “medidas da cidade”

• Breves reflexões sobre a actual pobreza e limitação do "jogo tipológico" habitacional e urbano

• Casas mais, ou menos, adequadas às várias “medidas” do homem e a possibilidade de um "livro de horrores"

• Sobre a crucial importância dos outros espaços do habitar não-funcionais e de aspectos não-dimensionais

• Mistura essencial de quantidades e qualidades no habitar e na cidade

• Sobre os habitantes mais sensíveis

• E no fim e no princípio a imagem urbana, como quadro ou ferramenta essencial da construção das escalas/medidas humana e urbana


Introdução às "medidas do homem” e às “medidas da cidade”

Relativamente a estas “medidas do homem” e a estas “medidas da cidade”, que fazem título do artigo, coloca-se, logo, a questão de serem duas “medidas” clara ou razoavelmente distintas ou, serem, “apenas” duas respostas, que, para serem adequadas têm de ser/estar intimamente conciliadas?

Martin Wynn aponta que ao longo de muitos anos as casas foram sendo pensadas e construídas para uma família-tipo “média”, não se oferecendo respostas habitacionais adequadas para famílias menos correntes, assim como, habitações adequadas ou adaptáveis para idosos, jovens, pessoas sós, famílias numerosas, deficientes, trabalhadores móveis, e, muito provavelmente, mais alguns grupos de habitantes cujas características humanas e sociais se afastem, um pouco, ou substancialmente, do habitante “médio”(1), que, afinal, nunca existiu.

Dois aspectos podemos acrescentar, facilmente, a esta reflexão de Martin Wynn, o primeiro é que, hoje em dia, é muito significativa a falta sentida relativamente a essas habitações que não aquelas feitas para a “famosa”, e hoje em dia talvez quase inexistente família “média” (2), e o segundo aspecto é que esse tipo de considerações são extensíveis ao exterior residencial, e, nomeadamente, ao que constitui as vizinhanças contíguas aos edifícios.

E Wynn, há já 24 anos sublinha-se, salientava ainda mais alguns aspectos, que continuam a marcar pela grande actualidade: "A crise habitacional actual tem no seu coração exigências quantitativas e qualitativas convergentes. As pessoas nas áreas urbanas querem mais espaço interior e exterior (aberto). Querem cidades mais verdes e casas que consumam menos energia. Querem melhor acessibilidade ao trabalho, melhores serviços sociais e mais lojas..." (3)

E concluindo, em termos práticos, hoje em dia a oferta residencial tem de diversificar em termos de conteúdos funcionais e ambientes domésticos e comuns, proporcionando casas muito mais, literalmente, à medida do “homem” que realmente precisa de casa e não de um homem e de uma família médios e praticamente inexistentes.



Fig.01

Breves reflexões sobre a actual pobreza e limitação do "jogo tipológico" habitacional e urbano

E, antes de continuar a reflexão, importa ainda registar, um pouco a modos de "mea-culpa", que os próprios projectistas têm considerado o "jogo tipológico" do habitar e da cidade de uma forma que é, por regra, extremamente passiva e/ou incipiente, com os mais diversos tipos de justificações, uma talvez mais válidas do que outras: desde a simples inércia, até não justificada, que aceita as tipologias existentes (ex., do direito-esquerdo, ao unifamiliar isolado) como uma realidade preexistente e imutável, até justificações, que o autor destas linhas considera extremamente discutíveis e mesmo negativas, onde se associa o habitar a um "produto habitacional", modelado por exemplo com referências à indústria automobilística, e em que os "modelos" de habitar são "oferecidos" ao quadro de procura existente e cada um escolherá o mais adequado para si e para os seus, e ainda numa fase mais aguda desta opção, aceitando-se que o próprio quadro habitacional aceite uma perspectiva de rotação por obsolescência e até eventualmente por mutação de modas, semelhante ao da insdústria automobilística e quem sabe, tendencialmente, ainda em períodos mais curtos (estamos naturalmente a exagerar); no entanto e naturalmente estes caminhos teriam de passar pelo aprofundar de uma crítica e talvez mesmo absurdo padronização das condições de habitar a um espartilho de meia dúzia de modelos, situação esta que nem se conjuga com a situação actual de existência de um amplo parque habitacional que precisa, em grande parte, de cuidados de reforma física, funcional, ambiental e, talvez quase em primeiro lugar, em termos de "partido" habitacional e urbanístico.

Mas respeitam-se natural e profundamente todas as opiniões expostas e aqui sumariamente apontadas, considera-se que é urgente e vital a facilitação e simplificação de soluções de intervenção habitacional e urbana, que têm de passar por uma fundamental "industrialização", mas considera-se que tais cuidados devem ser dirigidos para aspectos mais delimitados e claramente tipificáveis e naturalmente replicáveis, como por exemplo soluções de fenestração, de compartimentação, de vãos interiores, de arrumação, de versatilidade em termos de mobilariedade e equipamento doméstico, etc.

E não deixa de se fazer aqui uma referência importante a considerar-se que será tempo de podermos ser mais inovadores e até, quem sabe, um pouco iconoclastas numa renovada abordagem ao (re)habitar urbano; matéria esta que naturalmente tem ligações sensíveis com múltiplos aspectos de regulamentação.


Casas mais, ou menos, adequadas às várias “medidas” do homem e a possibilidade de um "livro de horrores"

Voltando então ao tema específico que se estava a tratar, e lembrando essa difícil e sensível procura dos aspectos e dos caminhos de casas mais adequadas às várias “medidas” do homem – umas físico-funcionais, outras psico-ambientais e ainda outras mais especificamente arquitectónicas –, uma opção é ir aprendendo sabiamente com os erros, embora tal sabedoria não seja regra, muito pelo contrário.

E nestas matérias críticas e sempre vitais, em termos de novas operações e de intervenções de reforma do existente, seria, realmente, oportuna uma colectânea que registasse não só que se pode considerar serem as melhores soluções de habitar e de cidade, provadas por dezenas de anos de um uso/habitar que se traduz em estima e até melhoria do respectivo quadro físico, mas que também registasse o que se tem provado serem aspectos e características de casas e bairros que fazem os habitantes insatisfeitos e, frequentemente, infelizes; nesta última opção, uma espécie de pequeno “livro de horrores”de casos habitacionais concretos, aplicando-se, naturalmente, aqui o termo num sentido um pouco figurado - e um dos passos necessários para constar de tal livro seria, por exemplo, tratar-se de um caso já demolido e sobre o qual se tivesse feito um estudo adequado das respectivas razões de insatisfação.

Naturalmente que um dos casos primeiros a constar de uma tal, possível, colectânea é o conjunto de habitacional de Pruitt-Igoe, inaugurado em 1954 e uma solução de Arquitectura ganhadora de prémios arquitectónicos, que foi implodida em 1972, apenas 18 anos depois de inaugurada. Em Portugal e no LNEC Luís Soczka estudou este caso e refere que a zona se tinha transformado em "um autêntico inferno, com uma subida em flecha dos actos de vandalismo contra pessoas e bens, e crescentes sentimentos de medo e infelicidade por parte dos residentes". (4)

Deixemos, para já a ideia, desse pequeno “livro de horrores” e continuemos em Pruitt-Igoe, a tal zona que estava a gerar “sentimentos de medo e infelicidade” (o sublinhado é meu), diz Soczka, porque aí se falhou, quer por inadequado conhecimento dos futuros residentes, quer mesmo na matéria da Arquitectura pela ausência de espaços de vizinhança que fizessem a relação e a transição entre o anonimato do espaço citadino e a privacidade de cada habitação, espaços esses onde houvesse equilíbrios de consenso e dignidade, mas também alguma capacidade de apropriação, identidade e desenvolvimento de algum sentido de pertença a comunidades razoavelmente conhecidas.

Escreveu Luís Soczka que faltavam "esses espaços que não são tão privados como a casa de cada um, nem tão públicos como uma estação de comboios. São os espaços dos «nós», onde uma micro-comunidade assente na teia cúmplice das vizinhanças constrói uma identidade colectiva e actuante como suporte social no quotidiano, tal como nas aldeias". (5)



Fig. 02

Sobre a crucial importância dos outros espaços do habitar não-funcionais e de aspectos não-dimensionais

A medida justa do habitar, entre homem e urbe, faz-se também e fortemente em espaços, cuja funcionalidade até, praticamente, nem importa, espaços estes que continuam a ter plena justificação nesta época da globalização, tal como defende William Mitchell (2000) (6), que lembra quando, na história do homem, o espaço junto ao poço perdeu a sua função e se inventaram outros sítios urbanos conviviais como o café, e que defende que a história se repete, hoje em dia, quando, cada vez mais fechados nas nossas casas e na web, precisamos urgentemente de (re)inventar os espaços públicos citadinos, os tais que são sede de potencial convívio vicinal e urbano, e é o mesmo Mitchell (2003) (7), um ardente defensor da era digital, que, assim, associa esta era à defesa de um urbanismo baseado no respeito pelo “espírito do lugar”, valorizando os aspectos culturais e mesmo cénicos, que são específicos de cada sítio: portanto, um urbanismo do pormenor ou uma verdadeira e estimada Arquitectura Urbana, e aqui o termo estima liga-se ao cuidado que a ela importa dirigir por quem a projecta, e ao cuidado que a ela dirige quem a habita, matéria esta última que deverá ter prolongamentos/apoios em termos de divulgação/informação.

Sobre a pormenorização da arquitectura urbana há que sublinhar que ela deve servir, em termos globais, as “medidas do homem”, seja em aspectos mais conhecidos de satisfação e insatisfação, seja relativamente ao sentido de segurança, seja nas questões de acessibilidade, seja no apoio aos habitantes mais “frágeis” – crianças e idosos – , seja numa adequação aprofundada relativamente ao modo como observamos os espaços mais próximos da nossa casa.

Será aqui oportuno referir que a satisfação residencial é, com frequência, associada, respectivamente, e em ordem de decrescente de importância, aos seguintes tipos de aspectos, sublinhados por Ekambi-Schmidt (8): (i) orientação, (ii) claridade e insolação; (iii) dimensionamento; (iv) isolamento físico e social; (v) conforto; (vi) tranquilidade ambiental; (vii) sentido de abertura e carácter de ambiente acolhedor.

E não é possível deixar de referir aqui que "apenas" a interpretação destes aspectos dá muito que pensar: atente-se, por exemplo, á primazia da orientação, claridade e insolação, relativamente ao dimensionamento.

E na mesma linha de reflexões e a partir de um amplo inquérito experimental realizado no LNEC, já há 45 anos (em 1963), dirigido por Nuno Portas, retira-se que entre as causas confessadas de má vizinhança se salientam, quer os problemas com as crianças, quer os que decorrem de deficientes condições de isolamento acústico e consequentes sensações de falta de intimidade.

Voltaremos a estes “leques” de satisfação em vários pontos deste estudo e desta série de artigos, mas desde já se evidencia a mistura que sempre acontece entre aspectos considerados mais, e menos, objectivos, aspectos estes que, tantas vezes, se conjugam.


Mistura essencial de quantidades e qualidades no habitar e na cidade

Nesta linha de mistura essencial de quantidades e qualidades, cita-se Soczka, por sua vez, citando Oscar Newman, que salienta as características que contribuem para o desenvolvimento de espaços habitacionais considerados mais "defensáveis" e apropriáveis (9): (i) um ambiente físico que aceite zonas de influência territorial, e assim bem percepcionadas pelos residentes; (ii) um projecto urbano que suporte de uma natural acção de vigilância natural por parte dos próprios residentes; (iii) um projecto influenciador da percepção da identidade colectiva dos residentes; (iv) e a justaposição de "zonas de segurança" na área do projecto e clarificação das zonas adjacentes como seguras ou inseguras.

Novamente matérias essencialmente qualitativas, onde até, por exemplo, a "quantidade" excessiva pode ser matéria negativa e onde as dimensões do homem e as da cidade, assumem protagonismo essencial.

Afinal a cidade nasceu à medida do homem, para o servir, para o proteger melhor, para dar identidade/presença ao homem solidário e o tornar mais eficaz com menos esforço, e acabou realmente por lhe propiciar mais tempo para outras ocupações que não as estritamente necessárias à sua sobrevivência, tendo, assim, nascido uma cultura mais sedimentada e activa.

Mas todos estes aspectos derraparam, como bem sabemos, em tantos bairros "de má fama", isolados da cidade (portanto sem "a medida" da cidade), e feitos sem qualquer medida do do homem mas que continua a ser essencial na razão de ser da cidade bem habitada; bairros onde para lá, ou antes, de não haver uma segurança bm percepcionada, e uma clara satisfação na vida diária, não há realmente "cidade".

Neste sentido lembremos "os 3 Mandamentos" dos espaços que definem e evidenciam condições de segurança, segundo Claude Lamure (10): orientação e localização fáceis; observação da movimentação dos outros; e prevenção dos encontros por "fuga", interdição de acesso ou camuflagem. Matérias estas que, evidentemente, antes de se ligarem à "segurança" são bases da coesão urbana.

E Lamure reafirma alguns aspectos básicos da referida sensação básica de segurança, tais como a definição de espaços rectangulares apenas abertos unilateralmente, ou abertos multilateralmente, mas sobreelevados e, essencialmente, a exigência, mínima, de um encerramento espacial bilateral, conjugado com a possibilidade de observações fáceis dentro de um espaço geométrico muito regular, estruturado por eixos perpendiculares entre si.

E se pensarmos, um pouco, sobre que forma urbana serve tais exigências temos, naturalmente, o tecido urbano contínuo, feito de ruas, largos e pracetas, um espaço canal ramificado, mas onde há sempre uma noção forte de espaço contido, delimitado bem definido – com princípio e fim – e de se estar a ser eventual e naturalmente observado de janelas, portas e ruelas constantemente contíguas. Um tecido feito com cuidado/pormenor e afectuosidade em termos de uma Arquitectura Urbana com escalas humana e urbana.

Ao nível concreto dos espaços de circulação e de uso comuns, serão de evitar, segundo o citado autor, galerias e zonas muito extensas, reverberantes (onde se sinta o eco) e mal iluminadas; e nesta sequência que vai do mais público ao mais privado, Lamure refere ainda que a existência de circulações domésticas claramente configuradas e bem estruturadas é, também, um factor de melhoria da sensação de segurança, mesmo no interior da habitação. E esta última consideração tem grande interesse na tal questão de uma adequada reinvenção tipológica também no mundo doméstico.

É realmente interessante ter aqui uma ideia de que o ordenamento claro dos espaços que habitamos - da rua ao recanto doméstico - e a sua clara e bem delimitada configuração, desde que bem percebida por quem a habita nos seus limites e nas suas relações mútuas, é uma condição para o seu bom uso e para o grado que se possa ter nesse uso, e esta é uma realidade que irá do espaço privado, ao comum e ao público; e, portanto, da escala humana à urbana



Fig.03

Sobre os habitantes mais sensíveis

Lembrando, agora, os habitantes que precisam de mais apoio e enquadramento, o espaço do habitare e a vizinhança residencial deverá responder positivamente às condições físicas e psicológicas específicas dos idosos, nomeadamente, como refere Claude Lamure, pela previsão (11) de boas condições de conforto nas deslocações e pelo bom relacionamento social através de: (i) proximidade a transportes colectivos e a equipamentos comerciais; (ii) proximidade relativamente a amigos, familiares e conhecidos; (iii) conhecimento da envolvente urbana; (iv) e existência de espaços de condomínio equipados e vivos; matérias estas que tem todas a ver com as "escalas" do fazer do habitar.

E tal como se refere no estudo “Do bairro e da vizinhança à habitação” (12) a vizinhança próxima é o espaço ideal, em termos de potencial de acessibilidade física e de segurança nas deslocações e nas estadias, para o uso diário e intenso por idosos, propiciando e motivando saídas frequentes das respectivas habitações, com evidentes vantagens, tanto ao nível da saúde física e psíquica destes habitantes (andar a pé, “flanar”, estar ao ar livre, conviver), como ao nível do aumento da animação e da convivialidade diária global das respectivas Vizinhanças Próximas e Alargadas, até porque, sendo pessoas que, frequentemente, não cumprem horários de trabalho, são elementos sempre disponíveis para essa “vivência de rua e de café”.

Muito do que se referiu para os idosos também se aplica às crianças na vizinhança de proximidade, sendo verdade que boas condições de agradabilidade e segurança contíguas às habitações e fáceis e seguras em termos de acesso e de uso são factores de intensificação do uso global dos exteriores e designadamente da permanência no exterior de idosos e crianças, frequentemente acompanhando-se mutuamente; e há que ter em conta a importância que o meio urbano pode ter na formação de tantas crianças citadinas, tantas vezes, isoladas em casa e desintegradas de um meio social equilibrado e variado (13).

Tal como é defendido por muitos autores as crianças devem poder conviver intensamente e brincar, apoiando-se a sua formação global e sua socialização e reduzindo-se, mesmo, o risco de problemas mentais posteriores; e este facto é bem evidente quando sabemos que o número crianças com psicoses pode crescer de "0 a 37", quando o número de crianças com que uma dada criança convive diminui de cinco, ou mais de cinco, para nenhuma (14). E as crianças e jovens exigem, realmente, alguma diversificação espacial e de equipamentos na proximidade directa das habitações (15); provavelmente é esta matéria uma das mais importantes em termos de programação da vizinhança residencial.

E tudo isto dá que pensar no que se refere à opção que se julga fundamental no que se refere ao desenvolvimento de arquitecturas residenciais que suscitem ou proporcionem a convivialidade vicinal.

Mas todas estas preocupações práticas de marcação de territórios de vizinhança e do seu adequado equipamento irão falhar caso não sejam servidos por uma pormenorização urbana cuidadosa e sensível e que, para o ser, tem de ser desenvolvida considerando a forma como olhamos e vamos entendendo a organização do espaço exterior. E para tal há que ter em conta que, tal como explica Rudolf Arnheim (16), em posição de pé, o olhar humano tende a inclinar-se para o chão, acontecendo o mesmo quando estamos sentados. Isto faz salientar a importância do pavimento em qualquer apreciação espacial, e, nomeadamente, no caso dos espaços interiores e no caso dos espaços exteriores em grande relação com edifícios (pontos de partida e chegada), onde estamos muito mais concentrados e atentos ao que nos rodeia, até por estarmos, quase, em nossa casa e esta, como bem sabemos, é o reino do pormenor.



Fig.04

E no fim e no princípio a imagem urbana, como quadro ou ferramenta essencial da construção das escalas/medidas humana e urbana

E cá estamos, novamente, na fundamental, porque potencialmente estimulante dimensão da paisagem urbana e temos de lembrar algumas palavras de Gordon Cullen, de comparação entre paisagem uniforme ou multiforme, neste caso numa aplicação específica à temática do importante tratamento do chão público: "As construções ricas em texturas e cores, assentam, necessariamente, num pavimento. Se este não passar de uma extensão asfaltada lisa e uniforme, elas por sua vez parecem desarticuladas, separadas umas das outras, uma vez que o pavimento não prende o nosso interesse". (17)

E Michael Laurie (18) avança um pouco mais nesta matéria, que tudo tem a ver com as medidas do homem e as medidas da cidade apontando que o olhar humano é cativado quer pelo emprego de peças pequenas e bem identificáveis produzindo superfícies finamente texturadas que têm uma relação íntima com a escala humana, como pelo uso de peças grandes, ligadas por juntas, que são neste caso os elementos responsáveis pela relação com a escala humana e também, de certo modo, com a escala da vizinhança e da cidade.

O que se pretendeu evidenciar neste tema das medidas do homem e da cidade é que tais medidas tanto são genéricas e estruturantes, constituindo grandes objectivos como é o caso da segurança, como são particularizadas e ligadas a pormenores bem estruturados e únicos, e há casos de conjuntos de casas que não proporcionam felicidade seja pela ausência de tais condições gerais, seja pela inexistência de tais condições de pormenor.

Neste tema das medidas do homem e da cidade começámos por reflectir, um pouco, sobre que homem? Que família? E talvez que vizinhança citadina? Uma verdadeira, feita da tecitura complexa mas bem urdida que caracteriza uma cidade viva, ou um tecido esgarçado e descaracterizado? Mas voltaremos a estes temas vistos a partir de outras perspectivas, pois afinal é provavelmente nesta questão de que medidas humanas e citadinas devemos aplicar e aprofundar na cidade habitada de hoje estará boa parte do segredo de um habitar mais feliz.

Notas
(1) Martin Wynn, "Housing in Europe", p. 44.
(2) Num estudo já de 1985 da Direccion General de Arquitectura y Vivienda, do Ministerio de Obras Publicas y Urbanismo de Espanha ("Individuo y Vivienda", p. 50) refería-se que a percentagem de habitações com uma pessoa na RFA era, já na altura, significativa, variando, por Estados, entre um mínimo de 21.9% e máximos de 39.5% e 44.1%, respectivamente, nas grandes cidades de Hamburgo e Berlim Oeste; e é também, importante constatar a subida da percentagem entre cerca de 18% em Municípios com menos de 5000 habitantes e cerca de 34% naqueles com mais de 100000 habitantes. E atenção que hoje em dia a situação deve ter já evoluído muito, evidenciando-se o interesse que terão soluções de edifícios cujas partes e serviços comuns são muito desenvolvidos e com utilização facultativa e programada.
(3) Martin Wynn, "Housing in Europe", p. 73.
(4) Luís Soczka, "O Contributo da Psicologia Ambiental para o Problema da Qualidade da Habitação", p. 2/1.21.
(5) Luís Soczka, "O Contributo da Psicologia Ambiental para o Problema da Qualidade da Habitação", p. 2/1.22.
(6) William J. Mitchell, “E-topía - Vida urbana, Jim, pero no la que nosotros conocemos”, 2001 (2000).
(7) William J. Mitchell, “Me++: The Cyborg Self and the Networked City”, 2003.
(8) Ekambi-Schmidt, "La Percepción del Habitat".
(9) Luís Soczka, "Espaço Urbano e Comportamentos Agressivos - da Etologia à Psicologia Ambiental, p. 7.
(10) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", pp. 58 a 60.
(11) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", pp. 151 a 153 e 215.
(12) “Do bairro e da vizinhança à habitação”, ITA 2, LNEC.
(13) Sven Thiberg caracteriza-as do seguinte modo (Sven Thiberg (Ed.), "Housing Research and Design in Sweden", p. 114): vivem separadas de importantes campos de actividade e tipos de ambientes; vivem afastadas de outros grupos etários, de outras classes sociais e padrões culturais; vivem em contacto forçado com grandes números de outras crianças com a mesma idade delas; devido a mudanças de ambiente enquanto crescem, as crianças estabelecem relações pouco sólidas com a vizinhança; vivem em ambientes que não podem nem têm a possibilidade de influenciar.
(14) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", p. 317.
(15) C. Baudelot e J. Gardent ("Espaces Extérieurs Urbains, Rencontres du Centre de Recherche d'Urbanisme", J. P. Muret, Coord., p. 35) consideram os seguintes territórios privilegiados das crianças e dos jovens: até 3 anos de idade, dependência completa dos adultos, usando pequenos espaços, claramente seguros (ex., varanda ampla, ou espaços na contiguidade imediata do fogo, isto é, até 5/6m de distância à habitação); de 3 a 7 anos, devem poder ir à rua sozinhos, mas ficando à vista e ao alcance da voz, cerca de 30m, máximos, de distância à habitação; de 7 a 14 anos, devem poder deslocar-se sozinhos no bairro, encontrando actividades próprias para a sua idade; o raio exploratório é de cerca de 150 a 200m de distância à habitação; de 11 a 14 anos precisam de se encontrar em grupos conhecidos e o raio de acção vai-se ampliando para cerca de 500m de distância à habitação, e para lá desse limiar. Sobre os espaços para adolescentes Lamure considera ("Adaptation du Logement à la Vie Familiale", pp. 213 e 214) que são necessárias algumas áreas onde eles tenham uma certa autonomia em relação aos adultos, provavelmente em espaços neutros minimamente equipados.
(16) Rudolf Arnheim refere que o ângulo horizontal de visão é de cerca de 110º, mas para um dado elemento ser visto e julgado como um todo integrado ele tem de estar compreendido dentro de um ângulo com cerca de 27º (distância ao objecto sensivelmente dupla da sua dimensão maior); para além disto o ângulo vertical de visão tem, aproximadamente 45º acima do nível do olho e 65º abaixo dele (Rudolf Arnheim, "A dinâmica da forma arquitectónica", pp. 108 a 110). Em termos de ângulos de câmaras teremos que os ângulos fotográficos entre cerca de 24/28mm (o início da chamada “grande angular”), correspondem, sensivelmente, ao quadro de visão de que dispomos. A visão humana concentra-se em elementos centrais, enquadra-os num cenário bilateral, que pode ser uma rua tradicional, e concentra a atenção em variações contrastantes que pontuam, por exemplo, o desenvolvimento da rua (ex., edifícios e outros elementos singulares e destacados). Considerando, ainda, os ângulos de visão a segunda consideração de Arnheim valida "a regra dos 45º", entre edifícios confrontantes, proporcionando uma sequência de fachadas, continuamente apreendidas quando nos deslocamos, e quando não é visível o limite superior de uma banda edificada, o resultado é a percepção de um espaço exterior “fechado” e protegido.
(17) Gordon Cullen, "Paisagem Urbana", p. 55.
(18) Michael Laurie, "Introducción a la Arquitectura del Paisaje".

Notas editoriais:

(i) A edição dos artigos no âmbito do blogger exige um conjunto de procedimentos que tornam difícil a revisão final editorial designadamente em termos de marcações a bold/negrito e em itálico; pelo que eventuais imperfeições editoriais deste tipo são, por regra, da responsabilidade da edição do Infohabitar, pois, designadamente, no caso de artigos longos uma edição mais perfeita exigiria um esforço editorial difícil de garantir considerando o ritmo semanal de edição do Infohabitar.


(ii) Por razões idênticas às que acabaram de ser referidas certas simbologias e certos pormenores editoriais têm de ser simplificados e/ou passados a texto corrido para edição no blogger.


(iii) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.



Infohabitar a Revista do Grupo Habitar

Infohabitar, Ano VIII, n.º 413


As medidas do homem e as medidas da cidade: sobre a natureza do habitar


Editor: António Baptista Coelho


Edição de José Baptista Coelho


Lisboa, Encarnação - Olivais Norte


Sem comentários :