Infohabitar, Ano X, n.º 510
Artigo LXIV da Série habitar e viver melhor
Circulações domésticas como espaços de vida - I
António Baptista Coelho
Continuando a Série editorial sobre "habitar e viver
melhor", na qual temos acompanhado uma sequência espacial desde a
vizinhança de proximidade urbana e habitacional até ao edifício multifamiliar,
e neste os seus espaços comuns, vamos, agora, falar com algum detalhe sobre os
espaços que constituem os nossos “pequenos” mundos domésticos e privativos, refletindo
sobre as diversas facetas que os qualificam.
Primeiro viajaremos pelos espaços domésticos comuns, isto
é aqueles que são usados por todos os habitantes de uma dada casa ou
apartamento numa base geral de uso partilhado e de alguma comunidade; depois
iremos até aos espaços domésticos privativos, portanto aqueles mais amigos de
um uso individual, ou muito ligado ao casal. São os seguintes os espaços
domésticos comuns a abordar, sequencialmente, em artigos desta série: vestíbulo de entrada, lavabo, corredor e
zonas de passagem, sala ou zona de estar, cozinha, áreas de serviço para
arrumações, verdadeiras pequenas áreas de serviço - lavandaria e rouparia, zona
de refeições ou sala de jantar, casa de banho, varanda e outras zonas
exteriores privadas elevadas como pátios e pequenos quintais, virtualidades domésticas
do estacionamento em garagem.
No presente artigo serão abordados diversos
aspetos a ter em conta no projeto de espaços de circulação domésticos bem
habitados; este artigo inicia uma temática que será concluída na próxima
semana.
(Nota geral: porque
boa parte dos textos que servem de base a esta série editorial estão elaborados
desde há algum tempo, eles não cumprem as regras do Acordo Ortográfico).
Índice dos dois artigos sobre Circulações
domésticas como espaços de vida (I e II); a bold as matérias tratadas na
presente semana.
·
Os espaços de circulação e as várias dimensões domésticas.
·
Associações interessantes dos espaços de circulação com outras áreas
domésticas.
·
Hábitos interessantes nos espaços de circulação domésticos
·
Aspectos
motivadores ligados aos espaços de circulação domésticos.
·
Problemas
correntes nos espaços de circulação domésticos.
Os espaços de circulação e as várias dimensões
domésticas
Um
dos aspectos que continua a ser estruturador de uma boa solução doméstica é que
ela se caracteriza por uma economia ponderada de circulações, conseguida
através da mínima extensão e do aproveitamento máximo das circulações por
corredor (por exemplo por dupla utilidade para circulação e para arrumações em
roupeiros) e também mediante a mínima extensão e posicionamento estratégico das
eventuais zonas de circulação obrigatória através de compartimentos mais
sociais (por exemplo, quartos com acessos através de salas e cozinhas).
Numa
sociedade em que todos temos muito mais para fazer do que andar a perder tempo
e energia a usar habitações mal organizadas e considerando que tais habitações
se caracterizam, como é evidente, por um esforço acrescido na sua manutenção e
limpeza, não faz realmente sentido, também a este nível de uma essencial e
maximizada funcionalidade doméstica, que tenhamos casas mal distribuídas e
perdulárias em circulações extensas e pouco úteis; e nestas matérias Claude
Lamure (1) chegou à conclusão que, geralmente, se pode reduzir para cerca de
metade a extensão dos percursos relativamente a soluções domésticas com
organizações mal concebidas, poupando-se significativamente no esforço físico
e, especificamente, nos cuidados de manutenção e limpeza, uma redução que está
também associada à supressão dos desníveis interiores.
E há que sublinhar que estes aspectos têm muito interesse quando se visa uma habitação direccionada especificamente para habitantes mais idosos e com pouco tempo, ou mesmo com pouca vocação e disponibilidade, para a lide da casa, um grupo sociocultural cada vez mais importante na sociedade urbana.
E há que sublinhar que estes aspectos têm muito interesse quando se visa uma habitação direccionada especificamente para habitantes mais idosos e com pouco tempo, ou mesmo com pouca vocação e disponibilidade, para a lide da casa, um grupo sociocultural cada vez mais importante na sociedade urbana.
Outra
matéria apontada por Lamure é que habitações em dois pisos são muito negativas
nestes aspectos de crescimento de áreas de circulação e de esforço no uso da
habitação, mas julgo que esta escolha deverá ser destacada do juízo anterior,
pois habitar em dois pisos também terá as suas vantagens noutros aspectos (por
exemplo, na privacidade no interior doméstico) e é possível, naturalmente,
organizar funcional e racionalmente habitações em dois pisos.
Mas
voltando à ideia atrás expressa de uma clara negação a circulações mal
organizadas, importa sublinhar que se está a negar essa má organização, essa má
concepção e não o interesse de circulações com significativo desenvolvimento,
desde que bem estruturadas e associadas a outras actividades domésticas, pois
um razoável desenvolvimento destas circulações também pode ser factor de
adaptabilidade no uso dos diversos compartimentos e de negação daquilo que por
vezes se considera ser uma organização doméstica excessivamente hierarquizada e
funcionalmente rígida.
Numa
primeira conclusão sobre estas matérias da circulação doméstica há que
sublinhar que ela tem de ser estritamente funcional e racionalizada, ainda que
uma tal condição esteja associada a uma expressão afirmada de uma dada
estrutura de organização da habitação, ou a uma expressiva importância que seja
dada exactamente a essas áreas de circulação, um pouco como sendo uma habitação
que vive toda ela de um grande coração de circulação, que será, por exemplo,
também de estar e de outros usos nobres (por exemplo, uma grande biblioteca); e
afinal Alexander defende que o fluxo através dos compartimentos é tão
importante como os próprios compartimentos, influenciando tanto a
convivialidade doméstica, como o uso de cada espaço da casa. (2)
Fig. 2
Associações interessantes dos espaços de
circulação com outras áreas domésticas
Tal
como apontei num estudo editado no LNEC (“Do bairro e da vizinhança à
habitação”, ITA 2, 1998), apontei que entre as características mais desejáveis
nos espaços para circulação, comunicação e separação se salientam as seguintes:
permitir a circulação funcional das pessoas entre todos os espaços e
compartimentos da casa, protegendo os espaços mais privados e recebendo algum
mobiliário (funcional e de aparato); permitir diversos tipos de ocupação (por
exemplo, corredor que para além de ser uma zona de passagem é, também, um
agradável espaço mobilado e decorado e uma zona de utilização de roupeiros e
arrumações); serem de fácil limpeza e terem ventilação e luz natural ainda que
indirectas (através de envidraçados e aberturas em portas e
"bandeiras" interiores).
A
agregação da circulação, do receber e da sala de estar é, frequentemente, uma
solução muito mal usada, porque não há uma protecção visual da sala, que fica
devassada e "trespassada" por espaços de circulação, inúteis para
qualquer outra função, e importa considerar que tanta circulação não será muito
adequada a uma sala mais formal, embora seja, talvez, admissível numa sala de
família.
E
tal como apontei no referido estudo (ITA 2), há todo o interesse em atribuir a
utilidade máxima às zonas de circulação do tipo corredor, desenvolvendo
roupeiros ao longo delas e estimulando o seu uso como verdadeiras
"antecâmaras" das zonas mais privadas (podem ser até pequenos
"halls" de quartos).
Finalmente,
não são de esquecer as potencialidades dos corredores como excelentes espaços
informais de brincadeira para as crianças e, de uma forma mais elaborada e
sujeita a cuidados específicos, de integração de recantos de trabalho
individuais; sobre esta última possibilidade lembremos que, por exemplo,
durante a noite e desde que havendo adequados cuidados de dimensionamento, isolamento
acústico e visual e climatização, os corredores poderão proporcionar uma nova
dimensão no uso da casa.
Hábitos interessantes nos espaços de circulação domésticos
Relativamente aos velhos
hábitos no uso da casa importa lembrar que o corredor foi uma invenção não
muito antiga, pois na casa popular, e no limite, havia um único grande
compartimento, enquanto na casa nobre ou burguesa se passava, habitualmente, de
compartimento para compartimento, na zona principal da casa, havendo,
eventualmente, corredores nas respectivas zonas de serviço. E quem sabe talvez
se possa recuperar parte desta estrutura organizativa em algumas renovadas
organizações domésticas.
Notas:
(1) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie
Familiale", p. 194.
(2) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al,
"A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp. 560 e 561.
Notas editoriais:
· (i) Embora
a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo
corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada
por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos
artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais
dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da
exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
· (ii) De
acordo com o mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível
técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma
quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou
que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na
Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição
dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se
circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é
pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser
de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado
tal e qual foi recebido na edição.
INFOHABITAR Ano X, nº 510
Artigo LXIV da Série habitar e viver melhor
Circulações
domésticas: espaços de vida - I
Editor: António Baptista Coelho – abc@lnec.pt e abc.infohabitar@gmail.com
GHabitar
(GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais
Norte.
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