Infohabitar, Ano X, n.º 511
Artigo LXV da Série habitar e viver melhor
Circulações domésticas como espaços de vida - II
António Baptista Coelho
Continuando a Série editorial sobre "habitar e viver melhor", na qual temos acompanhado uma sequência espacial desde a vizinhança de proximidade urbana e habitacional até ao edifício multifamiliar, e neste os seus espaços comuns, vamos, agora, falar com algum detalhe sobre os espaços que constituem os nossos “pequenos” mundos domésticos e privativos, refletindo sobre as diversas facetas que os qualificam.
Primeiro
viajaremos pelos espaços domésticos comuns, isto é aqueles que são usados por
todos os habitantes de uma dada casa ou apartamento numa base geral de uso
partilhado e de alguma comunidade; depois iremos até aos espaços domésticos
privativos, portanto aqueles mais amigos de um uso individual, ou muito ligado
ao casal. São os seguintes os espaços domésticos comuns a abordar,
sequencialmente, em artigos desta série: vestíbulo de entrada, lavabo,
corredor e zonas de passagem, sala ou zona de estar, cozinha, áreas de serviço
para arrumações, verdadeiras pequenas áreas de serviço - lavandaria e rouparia,
zona de refeições ou sala de jantar, casa de banho, varanda e outras zonas
exteriores privadas elevadas como pátios e pequenos quintais, virtualidades domésticas
do estacionamento em garagem.
No presente artigo serão abordados diversos
aspetos a ter em conta no projeto de espaços de circulação domésticos bem
habitados; este artigo conclui uma temática iniciada na última semana.
(Nota geral: porque boa parte dos textos que servem de base a esta série editorial estão elaborados desde há algum tempo, eles não cumprem as regras do Acordo Ortográfico).
Índice dos dois artigos sobre Circulações domésticas como espaços de vida (I e II); a bold as matérias tratadas na presente semana.
·
Os
espaços de circulação e as várias dimensões domésticas
·
Associações
interessantes dos espaços de circulação com outras áreas domésticas
·
Hábitos
interessantes nos espaços de circulação domésticos
·
Aspectos motivadores ligados aos espaços de circulação domésticos
·
Problemas correntes nos espaços de circulação domésticos
·
Questões e ideias levantadas (dimensionais e outras) nos espaços de
circulação domésticos
Aspectos motivadores ligados aos espaços de circulação domésticos
O
corredor deve ser um sítio de relação e de coesão entre os espaços domésticos a
que dá acesso,e além desta qualidade que
tem a ver com aspectos de dimensionamento, de conforto (luz natural e
ventilação) e de situação estratégica na habitação, pode ser também, ele
próprio um espaço com utilidades específicas e interessantemente diversificadas
– desde sequência de arrumações diversas, a biblioteca, a pequena galeria de
arte e a sítio de integração de peças de mobiliário a que gostamos de dar uma
evidência especial e que marcam, realmente, a nossa identidade .
Naturalmente,
e tal como já se referiu, os corredores e as zonas de circulação podem integrar
espaços funcionais específicos, designadamente, quando associados a actividades
que se possam desenvolver num horário desfasado das restantes actividades
domésticas, e aqui pensa-se, especialmente, em actividades de estudo e de
trabalho não doméstico que se possam realizar, designadamente, durante a noite
e desde que não estejam associadas à produção de ruídos.
Um
dos aspectos mais motivadores do uso de corredores e outros espaços de
circulação doméstica é que eles sejam iluminados naturalmente, ainda que de
forma indirecta, através de envidraçados nas portas de compartimentos e de
bandeiras envidraçadas comunicando com a sala e a cozinha, uma solução que é
fácil de assegurar, mas que infelizmente está longe de ser regra na nossa
realidade habitacional.
Fig. 3
Problemas correntes nos espaços de circulação domésticos
Talvez
um dos problemas mais correntes nos corredores e outras zonas de circulação
doméstica seja a frequente falta de condições de conforto ambiental que aí se
fazem sentir, desde a falta de luz natural à falta de ventilação, situações
que, depois, geram, frequentemente, outras nefastas consequências por exemplo
através de cheiros desagradáveis, acabando por se criar uma zona doméstica de
que não se gosta; e ainda menos dela se gostará se nela apenas for possível
circular, não sendo útil para mais nada.
Face
a estas ideias podemos concluir que, em condições de áreas condicionadas e
reduzidas, será muito mais certa a opção por uma solução que reduza ao máximo
as áreas de circulação e as associe a outras funções domésticas (desde o estar
às arrumações), do que uma outra solução com espaços específicos de circulação
mínimos e alongados; e a ideia que se quer deixar é que nestas situações os
problemas de privacidade no interior doméstico podem ser passados para um
segundo plano, sendo essencial que não haja “desperdício” de espaço com
circulações que para mais nada servem e que, depois, levam a compartimentos
mínimos.
Neste
mesmo problema há que falar das chamadas zonas de circulação obrigatória, que
são faixas onde praticamente apenas se fará a circulação no interior de um dado
compartimento de uma habitação, uma espécie de corredores sem paredes.
Nesta situação e tal como se refere no estudo já amplamente citado (ITA2), há que ter cuidado na organização da habitação, de forma a que, quando existam circulações obrigatórias, estas não produzam, nos compartimentos atravessados, espaços sobrantes com formas e dimensões pouco utilizáveis (ex., pequenos espaços triangulares); os espaços contíguos às circulações obrigatórias devem ser suficientemente grandes e regularmente configurados de modo a que neles possam decorrer actividades domésticas específicas – por exemplo, refeições ou estar no caso de uma sala-comum atravessada por uma circulação obrigatória.
Nesta situação e tal como se refere no estudo já amplamente citado (ITA2), há que ter cuidado na organização da habitação, de forma a que, quando existam circulações obrigatórias, estas não produzam, nos compartimentos atravessados, espaços sobrantes com formas e dimensões pouco utilizáveis (ex., pequenos espaços triangulares); os espaços contíguos às circulações obrigatórias devem ser suficientemente grandes e regularmente configurados de modo a que neles possam decorrer actividades domésticas específicas – por exemplo, refeições ou estar no caso de uma sala-comum atravessada por uma circulação obrigatória.
As
zonas de circulação obrigatória não convivem bem com dimensões abaixo de
mínimos razoáveis, pois o resultado será um espaço doméstico retalhado e muito
pouco útil, uma situação grave quando estamos a tratar de habitações mínimas.
Mas se os atravessamentos se fizerem entre zonas de actividade bem configuradas e com adequadas condições de conforto (e isto é muito importante pois de pouca utilidade será, por exemplo, uma zona sem luz natural), a solução será muito interessante, designadamente, para pessoas sós, casais jovens e famílias com filhos pequenos, porque não haverá, nestes casos, grandes exigências de privacidade entre as zonas no interior da casa. Salienta-se, no entanto, que soluções estruturadas por relações directas entre compartimentos pouco se compadecem com áreas mínimas nos mesmos, pois, por exemplo, uma sala pequena não permite a criação de zonas "especializadas" no seu interior, situação que, como é evidente, já não acontece em compartimentos amplos.
Mas se os atravessamentos se fizerem entre zonas de actividade bem configuradas e com adequadas condições de conforto (e isto é muito importante pois de pouca utilidade será, por exemplo, uma zona sem luz natural), a solução será muito interessante, designadamente, para pessoas sós, casais jovens e famílias com filhos pequenos, porque não haverá, nestes casos, grandes exigências de privacidade entre as zonas no interior da casa. Salienta-se, no entanto, que soluções estruturadas por relações directas entre compartimentos pouco se compadecem com áreas mínimas nos mesmos, pois, por exemplo, uma sala pequena não permite a criação de zonas "especializadas" no seu interior, situação que, como é evidente, já não acontece em compartimentos amplos.
Tal
como fica evidente do que se acabou de referir a circulação doméstica, um
aspecto que é frequentemente desconsiderado na concepção residencial, acaba por
ser uma faceta estruturante e determinante na satisfação e na apropriação
proporcionadas por uma dada solução doméstica, pois é da circulação que decorre
boa parte do “à-vontade” no uso da casa, condição esta que tem tanto a ver com
a possibilidade de nela cada um de nós fazer aquilo de que mais gosta nas
melhores condições, mas também fazê-lo na melhor harmonia com as actividades e
os comportamentos das outras pessoas que connosco vivem, diária ou
ocasionalmente.
Por
esta razão a boa arquitectura habitacional fica evidente numa saudável e bem
relacionada dicotomia entre sequências de compartimentos e estruturas
organizativas dos mesmos, enquanto a má arquitectura residencial fica logo bem
evidente em problemas e desequilíbrios nestas duas dimensões da concepção
doméstica; por exemplo excelentes compartimentos muito mal conjugados ou
excelentes organizações domésticas que levam a compartimentos mal concebidos.
Se
avançarmos ainda um pouco mais nesta matéria encontramos, do lado das áreas
mínimas, as soluções que fazem lembrar as organizações das caravanas e outras
casas móveis, soluções marcadas por uma pormenorização extremamente elaborada,
que sintetiza as funções domésticas em espaços super-mínimos e super-funcionais
que podem acontecer num mais amplo e integrador espaço-concha, enquanto, do
lado das áreas bem desafogadas, acabamos por encontrar uma situação marcada por
alguma identidade, que caracteriza, por exemplo, os amplos espaços
indiferenciados de lofts e outras soluções do mesmo tipo, onde as áreas
funcionais específicas, por exemplo cozinhar e dormir, ganham desafogo e
separação mútua pela existência de muito espaço entre elas, espaço este que
pode até ter um mínimo de compartimentação ou mesmo quase nenhuma
compartimentação (a separação é feita pelo espaço interior que há aqui em
grande quantidade), e o resultado pode também acabar por ser, curiosamente, do
tipo espaço-concha, embora agora uma grande concha que mais parecerá um
verdadeiro mundo interior.
E,
assim, neste artigo, da circulação doméstica se chegou, praticamente, à habitação em geral.
Notas editoriais:
· (i) Embora
a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo
corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada
por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos
artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais
dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da
exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
· (ii) De
acordo com o mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível
técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade
muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm
a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e
pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos
comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se
circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é
pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser
de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado
tal e qual foi recebido na edição.
INFOHABITAR Ano X, nº 511
Artigo LXIV da Série habitar e viver melhor
Circulações
domésticas: espaços de vida - II
Editor: António Baptista Coelho – abc@lnec.pt e abc.infohabitar@gmail.com
GHabitar
(GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais
Norte.
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