- Infohabitar 185
É com uma alegria muito especial que o Infohabitar volta a publicar um artigo de uma das suas redactoras de primeira hora, a Arq.ª Marilice Costi. MS, de Porto Alegre.
A Direcção redactorial do Infohabitar
ABC
É com uma alegria muito especial que o Infohabitar volta a publicar um artigo de uma das suas redactoras de primeira hora, a Arq.ª Marilice Costi. MS, de Porto Alegre.
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O LIXO É TAMBÉM RESPONSABILIDADE NOSSA
Marilice Costi
Assuntos que se repetem deixam de nos interessar. Assim como as barbáries, as guerras, as migrações na procura de territórios necessários para que nos sintamos inteiros, pertencentes, existentes, enraizados, e não ao sabor dos tufões. A repetição cansa e dessensibiliza. Com o lixo é a mesma coisa. Somos todos responsáveis por dejetos, matérias contaminantes (pilhas, baterias, sangue, registros de Rx), entulhos de obras e outros tantos. E tudo precisa de embalagem.
Os apelos ao consumo são tão intensos que, mesmo tendo a capacidade de compreender, criticar e mudar comportamentos, criamos lixo. Todos os dias. O melhor seria valer a frase: tudo se transforma. Mas transforma-se em que?
Fig. 01
Procure imaginar o peso: uma sacola não move o ponteiro de uma balança comum. Uma tonelada de sacolas é uma imensa montanha. Imagine a quantidade de plástico produzido (210 mil toneladas no Brasil): cerca de 10% do lixo do país! Inicialmente utilizadas apenas para coleta de lixo, as sacolas passaram a substituir as de tecido e de papel. Tudo passou a receber proteção impermeável: equipamentos, malas, roupas, alimentos, remédios e tantos materiais. Por ser um plástico muito barato, o filme das sacolas não tem muito valor na reciclagem, por isto, os lixões urbanos estão cheios delas a contaminar o solo. Produzido a partir de uma resina chamada polietileno de baixa densidade (PEBD), o material -do qual são feitas as sacolas – precisa de um século para degradar. O que faremos quando o solo todo degradar? Quando no meio do lixo, baratas, ratos e outros vetores proliferarem resistentes a tudo?
Para pensarmos e nos posicionarmos, o que falta? Até que ponto somos omissos, até que ponto induzidos? O que estamos esperando para recusar embalagens? Não precisamos de tantas. É só devolvermos aos empacotadores. Uma cadeia de comportamento positivo – tal como um vírus da consciência ambiental - depende de cada um de nós.
A peste, após a tomada da Bastilha, ocorreu porque ninguém mais cuidava das cidades: esgotos, lixos acumulados, vetores proliferando. muito grave e que só aparece quando há greve dos lixeiros, ou contaminação como foi com o césio. Ou epidemias. A legislação brasileira referente a lixos é bem redigida: controle, estoque, manipulação e destino de diversos tipos de lixo, cuidados importantes. Mas quem fiscaliza? O poder público precisa da parceria do privado, que precisa abrir mão de postura oportunista.
Mexer com lixo rende muito dinheiro. Mas não parece. São os desafios para o século XXI: buscar rotas novas para o problema, o diálogo com a sociedade, a conscientização, o investimento em pesquisa e em ações efetivas.
Fig. 02
Além disto, os aterros e os lixões estão no total limite. As áreas ficam degradadas, gases intoxicam os catadores, enfim, um enorme problema ambiental. Na capital paulista são 18 mil toneladas só de lixo domiciliar: 18% é só plástico. Toneladas que durarão cem anos para degradar. A cada dia, em escala crescente, tornando-se um problema insolúvel.
Minha mãe fazia bolsas de tecido com retalhos de suas costuras e presentava. As sacolas não estragaram, nem envelheceram, porque foram substituídas pelas de plástico que somem de nossas vistas carregando nossos detritos. Viramos todos plasticólatras? Ou estamos atrasados? A troca de sacolas de plástico por outras de pano vem sendo estimulada por prefeituras do RS. Há outras possibilidades como reciclar ou facilitar a degradação do plástico através de aditivos agregados a ele ou através da mudança de sua composição.
Na Alemanha, a plasticomania deu lugar à sacolamania (cada um com sua própria sacola). Quem não anda com a sua a tiracolo é obrigado a pagar uma taxa extra pelo uso de sacos plásticos. A guerra contra os sacos plásticos ganhou força em 1991, quando foi aprovada uma lei que obriga os produtores e distribuidores de embalagens a aceitarem de volta e a reciclar seus produtos após o uso. Os empresários repassaram os custos para o consumidor. O preço é salgado: o equivalente a sessenta centavos a unidade. Na Irlanda, desde 1997, paga-se um imposto de nove centavos de libra irlandesa por cada saco plástico, multiplicando o número de irlandeses indo às compras com suas sacolas de pano, de palha ou mochilas. A meta de uma rede de supermercados inglesa era emplacar em 2008 com pelo menos 2/3 de todos os saquinhos feitos de material que se decompõe dezoito meses após descarte. Com um detalhe: mesmo sem contato com a água, o plástico se dissolve, porque serve de alimento para microorganismos encontrados na natureza.
Fig. 03
Mas não temos só o plástico como um problema grave. O Rio Grande do Sul é responsável por 5 milhões de lâmpadas fluorescentes usadas, o que contamina milhões de metros cúbicos de água potável. O alerta foi dado por IPOA Ambiental numa audiência pública. O mercúrio contido nos bulbos é altamente contaminante. Mas como proceder com as lâmpadas usadas? Quem sabe como fazer? Para onde encaminhá-las?
A única iniciativa de regulamentar o que hoje acontece de forma aleatória e caótica foi rechaçada pelo Congresso na legislatura passada. O então deputado Emerson Kapaz foi o relator da comissão criada para elaborar a "Política Nacional de Resíduos Sólidos". Seu projeto apresentava propostas para a destinação inteligente dos resíduos, a redução do volume de lixo no Brasil, e definia regras claras para que produtores e comerciantes assumissem novas responsabilidades em relação aos resíduos que descartam na natureza, assumindo o ônus pela coleta e processamento de materiais que degradam o meio ambiente e a qualidade de vida. O projeto elaborado pela comissão não chegou a ser votado. Nem se sabe quando será. Por isto, nas próximas eleições, escolha bem seu candidato, verifique o seu comprometimento com a qualidade de vida, sua postura e ética, sua visão ambiental e sua atuação efetiva.
Quem sabe passamos a fazer a nossa parte? Avalie o lixo que você produz, converse com seus vizinhos, participe das reuniões de condomínio, conheça os coletores. Mesmo que na sua cidade o lixo não seja separado - orgânico e seco - separe. Os catadaores reconhece a diferença pelo peso das sacolas e demoram menos tempo em contato com os lixões.
Que tal declarar guerra contra a plasticomania? Devolver os sacos desnecessários? Se existem leis, regulamentos, normas para a gestão dos resíduos sólidos. Que sejam implementadas. Que haja fiscalização. Se há muitos interesses em jogo, qual é o nosso?
Qual é o seu? Faça a sua parte, crie parcerias. Convoque os amigos, a família, procure alternativas. Se ainda há tempo para reverter o quadro, o que fazer? Não perca tempo esperando apenas que o poder público faça sua parte, pois o que fazemos hoje será o legado de nossos filhos e netos.
Fig. 04
Breve apresentação da autora:
MARILICE COSTI é Mestre em Arquitetura, arquiteta e urbanista, professora, consultora e pesquisadora. Especialista em Arteterapia.
Ministra oficinas, cursos e palestras. Tem vários livros publicados, artigos em congressos e em revistas, crônicas e poesias e diversos prêmios em literatura, entre eles o Açorianos 2006, de poesia.
Entre os livros publicados um destaque para: “A influência da luz e da cor em corredores e salas de espera hospitalares”(esgotado); “Como controlar os lobos? proteção para nossos filhos com problemas mentais”; “Clichês domésticos”; “Mulher ponto inicial” (esgotado) e “Ressurgimento” (poesia 2006).
É membro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, da Academia Literária Feminina do Rio Grande do Sul, da Associação Sul-brasileira de Arteterapia.
No site:
www.sanaarquitetura.arq.br .
e-mail: marilice.costi@sanaarquitetura.arq.br
Nota: a ilustração foi da responsabilidade da edição do infohabitar.
Editado em 1 de Março de 2008, Lisboa, Encarnação – Olivais Norte, por José Baptista Coelho
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