Na sequência do desenvolvimento do 1º Congresso de Habitação Social promovido pelo Comité Português de Coordenação da Habitação Social (Cecodhas.P), em Tomar em 14 e 15 de Março de 2005, e que aí reuniu um impressionante número de participantes, provavelmente na casa das seis centenas, tema a que voltaremos provavelmente noutros textos do infohabitar, junta-se, em seguida, a parte final de uma das intervenções aí apresentadas sobre a temática do património.
Por uma cidade habitada
A cidade deve proporcionar um complemento funcional mas também um verdadeiro suplemento de alma ao habitante, tal como diz Jorge Silva Melo (num artigo saído no Jornal Público de 22 de Janeiro de 2005): um café aqui, um apartamento em cima, a rua larga, o Tejo ao fundo, passeios, gente que se encontra, gente que se salva, que se reencontra A cidade precisa da vitalidade da habitação, que precisa da vida citadina para que o habitante possa ter verdadeira qualidade de vida urbana. É assim que deve ser, e para tal temos de enfrentar, rapidamente, os actuais problemas de falta de vida urbana em determinados bairros e de falta de bairros vivos em determinadas zonas da cidade.
Neste sentido propõem-se cinco ideias fundamentais:
A primeira é que a cidade, para ser cativante e emocionante tem de ter bairros e conjuntos habitados, vivos e caracterizados, marcados por redes de vizinhança e sentimentos de pertença.
A segunda, é que em qualquer conjunto residencial, por mais pequeno que seja, deve ser configurada uma vizinhança de proximidade e bem ponderada a integração de equipamentos conviviais.
A terceira ideia é privilegiar a qualificação e o potencial de convívio do exterior residencial de proximidade, pois escadas, galerias, passeios, pracetas, lojas e cafés fazem parte do espaço residencial, enriquecendo-o e proporcionando até eventuais compensações. E sublinha-se que foi a vizinhança de proximidade que entrou em crise, seja no centro seja nas periferias da cidade.
E neste espaço publico das vizinhanças de proximidade há que ter atenção muito especial para com os grupos de habitantes mais jovens e mais idosos, que são os mais sensíveis mas também os mais activos no espaço público; e há que controlar os veículos, pois a cidade não foi feita para eles mas para as pessoas, os veículos devem ser elementos funcionais dinamizadores, e não intrusos geradores de insegurança.
A quarta ideia, que é fundamental, é associar, sistematicamente, a resolução dos problemas de carência habitacional à resolução dos problemas de falta de qualidade e de vitalidade urbanas. E isto faz-se através da introdução cuidadosa de conjuntos residenciais de interesse social que actuem como elementos duráveis, vitalizadores e enriquecedores dos respectivos contextos paisagísticos, funcionais, arquitectónicos e sociais, seja nos centros urbanos, seja nas periferias. E aqui fica clara a ligação directa e dinâmica que se propõe entre a promoção habitacional e a requalificação urbana.
No Bairro do Telheiro, S. Mamede de Infesta, num conjunto residencial de realojamento da Câmara Municipal de Matosinhos, projectado pelo Arq. Manuel Correia Fernandes, concretizou-se uma solução positivamente desenhada desde o nível urbano ao do pormenor, e que integra escala humana e urbana, adequação a quem aí habita e revitalização da zona envolvente.
A quinta e última ideia é dar a devida importância aos aspectos de qualidade arquitectónica e urbanística, considerando neles, especificamente, a integração do verde urbano, porque são aspectos fundamentais para a qualidade e felicidade do habitar, e, afinal, são aspectos que resultam de simples perguntas e respostas, tais como aquelas que em seguida servem de exemplo, referidas por Jorge Silva Melo ao pequeno conjunto comercial e residencial projectado por Chorão Ramalho para o Bairro do Restelo em Lisboa.
Porque é que esta rua é tão humana? Porque é que a dimensão destes prédios, esta descida , tem esta luz? Porque é que esta rua é uma promessa, porque me promete ela uma cidade límpida, prática, espaçosa, calma, modesta, moderna, desinibida, visível, clara como a luz do dia, ? Afinal não basta ordenar o espaço para se criar um ambiente interessante e motivador; o habitante também necessita de emoção na relação afectiva com o espaço urbano.
Concluindo, e citando Manuel Correia Fernandes, sublinha-se que o modo mais natural de fazer cidade é (fazê-la) com habitação. Aliás. Cidade sem habitação não faz sentido. E quando faz, é certo estarmos a falar de cidades «únicas» e talvez nem sequer estejamos a falar da cidade dos homens. Não são essas cidades que agora nos interessam. As que nos interessam são as cidades onde vivem os homens e onde podemos ler a sua história.
E temos de ter bem presente que o problema da habitação se tornou o problema da cidade um problema urbano, de cidadania e político. Precisamos de mais arquitectura; mas, acima de tudo, precisamos de mais cidade. (Luís Fernández-Galiano, no editorial Vivienda sin ciudad, saído há pouco tempo, no último número da revista espanhola Arquitectura Viva, centrado na temática Piezas residenciales)
Lisboa e Encarnação em 16 de Março de 2005
António Baptista Coelho
Redactor: José Romana Baptista Coelho
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