Variedade espacial/ambiental e funcionalidade doméstica ou sobre as importantes e diversas facetas dessa mesma funcionalidade – infohabitar # 782
Infohabitar,
Ano XVII, n.º 782
Edição:
terça-feira, 6 de julho de 2021
Artigo integrado na série
editorial da Infohabitar “Habitar e viver melhor”
Caros leitores da nossa Infohabitar,
Continuamos a série editorial da
Infohabitar especificamente dedicada a uma viagem sistemática pelos diversos
espaços do habitar, que iniciámos na vizinhança, avançando, depois para os
edifícios e seus espaços comuns (disponível no catálogo interativo da
Infohabitar, no seu tema 6 intitulado “Série habitar e viver melhor”) e “terminando” numa reflexão sobre os diversos tipos
de organizações, opções e espaços domésticos; reflexão esta que aqui está a
ser, e será, desenvolvida ainda durante mais algumas semanas editoriais.
Lembra-se,
novamente, que serão sempre muito bem-vindas eventuais ideias comentadas sobre
os artigos aqui editados e propostas de novos artigos (a enviar para abc.infohabitar@gmail.com , ao meu cuidado).
Considerando a mais recente evolução da pandemia,
sublinha-se, mais uma vez, a vital importância de não perdermos, agora, uma
parte significativa do que ganhámos, dando-se agora tempo e cuidado até
estarmos todos, em boa parte, imunizados; há que cumprir com rigor os
protocolos de vacina (n.º de doses e períodos temporais posteriores às mesmas)
e continuar com os cuidados de proteção próprios e dos outros, até esta
presente vaga estar vencida.
Despeço-me, até à próxima semana, enviando saudações
calorosas e desejos de força e de muito boa saúde para todos os caros leitores
e seus familiares,
Lisboa/Encarnação e Azambuja/Casais de Baixo, em 5
de julho de 2021
António Baptista Coelho
Editor da Infohabitar
Variedade espacial/ambiental e funcionalidade doméstica ou sobre
as importantes e diversas facetas dessa mesma funcionalidade – infohabitar # 782
António Baptista Coelho
(texto e imagem)
Resumo
Neste artigo,
dedicado à temática geral da relação entre uma desejável variedade espacial e
uma renovada e bem fundamentada funcionalidade doméstica, abordam-se as
seguintes, e consideradas, importantes facetas desta mesma funcionalidade: uma funcionalidade
expressiva, mas dirigida para certas funções domésticas e não para determinados
compartimentos; funcionalidade doméstica privilegiando o convívio na habitação;
funcionalidade doméstica expressivamente aplicada à arrumação; funcionalidade
doméstica, apropriação pessoal e desafogo; e, finalmente, a temática da
funcionalidade doméstica no âmbito da relação interior-exterior
Variedade espacial/ambiental e funcionalidade doméstica ou sobre
as importantes e diversas facetas dessa mesma funcionalidade – infohabitar # 782
António Baptista Coelho
Nota introdutória
No presente artigo
visa-se, essencialmente, uma “primeira” abordagem, pelo menos aqui nesta
revista, da bem conhecida matéria da funcionalidade doméstica, mas numa
perspectiva de consideração específica de diversas facetas dessa mesma
funcionalidade, procurando-se “desviar” o foco na funcionalidade, como
qualidade importante em si própria, para um leque de funcionalidades ao serviço
de objetivos domésticos, familiares e pessoais mais específicos.
1. Funcionalidade expressiva, mas dirigida, especificamente, para certas funções domésticas e não para determinados compartimentos
Tal como se tem
apontado nesta série de artigos, as matérias da funcionalidade doméstica
deverão ser específica e criteriosamente consideradas, designadamente, nas
zonas de cozinha, tratamento de roupa e de instalações sanitárias, que são
aquelas que suportam boa parte dos mais intensos serviços de apoio domésticos
com os seus variados equipamentos, dispositivos e instalações, muitas vezes
associados a variados aparelhos mecânicos e instalações, habitualmente
regulados por normas específicas e balizados por importantes aspetos de
segurança no uso e de custos de instalação.
Importa salientar
nesta matéria que, embora a funcionalidade doméstica esteja muito radicada em
tais zonas, mais marcadas pelas instalações, ela deve qualificar, também, toda
a habitação, designadamente, em aspetos ligados à facilidade de manutenção e à
adequada durabilidade e influência no bem-estar habitacional, considerando-o em
termos verdadeiros e amplos; mas, naturalmente, nesta matéria, uma tal
funcionalidade geral ou “funcionalização”, não pode colocar em risco o sentido
doméstico, agradável, apropriado, confortável e mesmo sensível, que, este sim,
deve sempre marcar a habitação.
Nesta matérias é, no
entanto, fundamental destacar, desde já,
que a funcionalidade doméstica não pode ser aplicada “cegamente” aos
referidos compartimentos/espaços, mas especificamente às funções de
preparação de refeições, de higiene pessoal e de tratamento de roupas que aí se
desenvolvem, considerando-se que há muito mais vida doméstica para lá de tais
funções nestes mesmos compartimentos e é deste “para lá” das funções
que decorrerá boa parte do interesse das soluções domésticas, e será neste
caminho que surgirão as “cozinhas salas de família”, os “quartos de banho” e os
espaços de roupas domésticos; e atenção que não se está aqui a tratar de
“habitação de luxo”, pois por vezes é uma questão de larguras úteis e do tal
suplemento espacial estratégico.
Nesta temática
salienta-se, ainda, que uma das ideias que continuam a estruturar as
preocupações funcionais domésticas é o facilitar ao máximo a “lide da casa” nos
seus variados aspectos e numa altura em que, cada vez mais, não há ninguém
especificamente dedicado a uma tal lide, passando a ser algo que é partilhado
praticamente por todos os habitantes de cada fogo, e essa facilitação encontra
já um excelente apoio em muitos estudos funcionais e designadamente nos estudos
que desde há muitos anos foram desenvolvidos pelo Núcleo de Arquitectura e
Urbanismo do LNEC e editados por este Laboratório Nacional.
Finalmente e nesta
matéria será sempre útil e adequado referir que a “funcionalização” doméstica,
mesmo estrategicamente concentrada, por exemplo, nas chamadas “zonas de água ou
húmidas” deve estar submetida a uma expressiva caracterização doméstica, opção
esta que se julga tem sido muito pouco seguida, designadamente, pelos
produtores de equipamentos, revestimentos e dispositivos de instalações
aplicáveis; como se o referido sentido de “funcionalização” marcasse, sempre,
indelevelmente e muito mais tais soluções do que o seu essencial carácter
doméstico – e o exemplo disto está evidente, por exemplo, frequentemente na
concepção pormenorizada das designadas “instalações sanitárias”, tantas vezes
interiores, “frias” e impessoais.
2. Funcionalidade doméstica privilegiando o convívio na habitação
Nos restantes
compartimentos habitacionais, que muitos são, a funcionalidade tem de ser
devidamente conjugada com as outras qualidades domésticas e expressivamente
embebida nos mais diversos elementos que integram o espaço doméstico.
Ainda nestas
temáticas importa sublinhar que devem existir condições, mutuamente
harmonizadas e mesmo mutuamente dinamizadas, de funcionalidade e agradabilidade
do estar/lazer da família e das actividades domésticas diárias, que na vida
actual, das zonas urbanas, constituem as principais oportunidades de convívio
entre os elementos do mesmo agregado familiar (ex., preparar e tomar refeição
da noite/lavar e arrumar louça e utensílios/ver TV/conversar).
De certa forma o que
aqui se propõe é que as zonas da habitação onde há um maior investimento em
tarefas domésticas possam ser também as zonas com um potencial de
convivialidade acrescido, uma condição que tem implicações seja numa
funcionalidade maximizada das tarefas “obrigatórias” e funcionalmente mais
exigentes, seja na protecção do convívio familiar relativamente a aspectos de
desagradabilidade que lhes estejam habitualmente associados, e que deverão ser,
assim, adequadamente tratados, como é o caso dos ruídos de máquinas e outros e dos
cheiros e vapores produzidos.
Finalmente nesta
matéria importa relevar que uma verdadeira consideração destas matérias levará
a mudanças “estruturais” na organização doméstica, aplicadas, designadamente,
numa localização mais nobre e dimensionalmente folgada da principal casa de
banho e num desenvolvimento multifuncional e, potencialmente, muito
significativo da zona dedicada à preparação de refeições, refeições e convívio
informal.
3. Funcionalidade doméstica expressivamente aplicada à arrumação
Outra das ideias que
importa aprofundar e que, muitas vezes, é pouco atendida refere-se
à oferta de uma (muito) boa capacidade de arrumação doméstica, tanto ao
nível de arrumações especializadas, pormenorizadamente concebidas e
estrategicamente localizadas (ex., roupeiros gerais e de quarto, despensa ou
armário-despensa de cozinha), como ao nível da capacidade de disposição de elementos
de mobiliário.
Nesta matéria é muito
importante sublinhar que a capacidade geral de arrumação tem duas importantes
consequências na habitabilidade e no bem-estar doméstico:
-
pois liberta realmente espaço habitável, como espaço livre entre
mobiliário, proporcionando, suplementarmente, alternativas de arrumação e de
escolha de mobiliário;
-
e porque ao proporcionar tais condições se constitui talvez no principal
elemento de apropriação da habitação pelos seus habitantes, o que é, sem
dúvida, algo de fundamental para uma profunda satisfação residencial.
E lembremos que é
sempre desejável a proposta de soluções alternativas de arrumação de mobiliário
numa dada solução de habitação; um factor de apopriação directa e de
adaptabilidade no uso do espaço doméstico que é importante:
-
seja para a adequação de uma habitação a vários habitantes, com variados
gostos e necessidades;
-
seja para a mutação, no tempo, da ocupação e do arranjo da habitação
pelos mesmos habitantes, aspetos este que tem grande importância na satisfação
habitacional e que é, ainda, pouco considerado.
4. Funcionalidade doméstica, apropriação pessoal e razoável desafogo espacial
Nestas “velhas”
áreas, não só mas sempre bastante arquitectónicas, da funcionalidade doméstica importa
ter em conta que ela não se pode limitar a “funções básicas”, do tipo comer,
dormir, “estar”, etc., pois o habitar não pode ter este tipo de limitações se o
quisermos realmente adequado e factor de bem-estar e verdadeiro interesse
habitacional.
Sendo assim importa
considerar que a espaciosidade dos espaços e compartimentos domésticos deve
permitir a personalização espacial (ex., partes de parede livres para afixação
de quadros e desenhos, pequena varanda com prateleiras ou poial para constituir
uma colecção de plantas em vasos, etc.).
E ainda no mesmo
sentido há que privilegiar, em cada espaço doméstico, a existência de "espaço
livre" verdadeiramente protagonista, seja para funções concretas (ex.,
circulação e recreio infantil), seja para a fruição do próprio espaço livre,
que é fundamental para um sentido de espaço agradavelmente unificado; e há que
considerar, esta perspectiva de “espaço livre” doméstico em relação com
compartimentos e espaços ocupados pelas "mobílias completas" que são
habitualmente usadas. Um espaço livre que é especialmente importante nos casos
de habitantes jovens e idosos.
Segundo Sven Thiberg
("Housing Research and Design in Sweden", p. 157), a existência de
espaços livres de mobiliário nos compartimentos habitacionais (livres) é
importante:
-
tanto para o recreio das crianças e o lazer e o trabalho em casa;
-
como para aumentar a flexibilidade dos espaços a diversos arranjos de mobiliário
e simplificar os arranjos temporários (ex., festas familiares).
E, por outro lado, a
existência de espaços livres de mobiliário, amplos e bem proporcionados,
nomeadamente, em vestíbulos e casas de banho, facilita os cuidados com crianças
e doentes e a movimentação de idosos e deficientes.
Fig. 1: ... aumentar a flexibilidade dos espaços a diversos arranjos de mobiliário e simplificar os arranjos temporários ...
5. Funcionalidade doméstica e relação interior-exterior
Em termos de ideia
geral e estruturadora de uma adequada organização doméstica salienta-se, agora,
o interesse de se privilegiar um estimulante relacionamento entre todos os
elementos e espaços de relação entre o interior doméstico e as zonas exteriores
ao fogo, sejam elas os espaços comuns do edifício ou tratando-se do próprio
espaço exterior (privado, comum e público) e ambiente de vizinhança.
Esta é uma matéria
que, por si só pede um amplo desenvolvimento, no entanto há aqui temas de
grande sensibilidade e potencial formal/funcional como são as condições de
segurança bem integradas na imagem do edifício – isto é ganhar a relação com o
exterior não a perdendo na pormenorização da segurança contra intrusão (o que
não é fácil) [fig.] – e o integral aproveitamento da possibilidade de relação directa
ou indirecta com o exterior e o máximo aproveitamento das melhores condições de
insolação, iluminação natural e ventilação, equilibradamente compatibilizadas
com os diversos conteúdos funcionais dos compartimentos.
Neste sentido a
configuração e a localização dos vãos exteriores deve atender, nomeadamente,
aos seguintes aspectos:
-
relação com as funções mais prováveis em cada compartimento;
-
insolação desejável e protecção da radiação solar, considerando a
respectiva orientação;
-
ventilação desejável e, mesmo em condições adversas, bem controlável;
-
vistas exteriores próximas e paisagísticas funcionais e/ou interessantes
(por exemplo de um piso térreo sobre um maciço de vegetação, ou sobre uma
animada zona urbana);
-
privacidade, que tem a ver com a natureza do compartimento em causa;
-
e iluminação natural adequada aos usos dominantes de cada espaço ou
compartimento, definida considerando a importância fundamental da iluminação na
satisfação residencial.
E ainda nesta matéria
da relação entre interior e exterior e aspetos de funcionalidade doméstica há
que ter em conta os importantes aspetos de conforto ambiental geral dos
diversos espaços e compartimentos domésticos harmonizando-os com as seguintes
exigências básicas:
-
a cozinha deve receber boa luz natural ao longo de todo o dia;
-
a sala deve receber Sol de manhã ou a partir do meio da tarde;
-
os quartos devem receber Sol de manhã e estarem protegidos do Sol poente;
-
as casas de banho devem ter janelas ou, no mínimo, um excelente processo
de ventilação forçada;
- a entrada do fogo e os corredores
devem receber luz do dia.
Breves notas conclusivas
E assim se abordou,
novamente, o inesgotável tema da funcionalidade doméstica, mas numa perspetiva
muito imbricada com outras matérias da concepção doméstica e não de uma forma
autonomizada, forma esta que apenas terá sentido em espaços/fábrica apenas
ocupados por robots.
Notas editoriais ao artigo:
O presente artigo corresponde a uma edição muito ampliada,
modificada e revista do artigo que foi editado na Infohabitar, em 2/09/2014,
com o n.º 498.
Notas editoriais gerais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar
seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar
assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e
científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o
pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e
comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) No mesmo sentido, de natural responsabilização dos
autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos de ilustração dos
mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos, gráficos, etc., é,
igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores – que
deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias autorizações.
(iii) Para se tentar assegurar o referido e adequado nível
técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma
quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou
que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na
Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição
dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve,
apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no
sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor
positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e
qual foi recebido na edição.
Variedade espacial/ambiental e funcionalidade doméstica ou sobre as importantes e diversas facetas dessa mesma funcionalidade – infohabitar # 782
Infohabitar
Editor: António Baptista
Coelho
Arquitecto/ESBAL – Escola
Superior de Belas Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de
Arquitectura da Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação
em Arquitectura e Urbanismo no Laboratório Nacional de Engenharia Civil
(LNEC), em Lisboa.
Revista do GHabitar (GH)
Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar –
Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação
Económica (FENACHE).
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