Infohabitar,
Ano XV, n.º 688
Artigo da Série “Habitar e Viver Melhor”
Sobre o conforto ambiental e a qualidade arquitectónica interior doméstica – Infohabitar 688
por António Baptista Coelho (texto e imagens)
Sequem-se
algumas notas gerais sobre a relação entre os isolamentos e outros cuidados
ambientais e a qualidade de uso e arquitectónica do interior doméstico.
Integrar arquitectonicamente isolamentos e outros cuidados ambientais
Não iremos aqui tratar dos diversos aspectos
técnicos do conforto ambiental associados ao isolamento higrotérmico e
acústico, à adequação relativamente à ventilação natural, e à
adequação/protecção relativamente à insolação e à luz natural dos espaços
domésticos, pois tais aspectos estão bem desenvolvidos noutros trabalhos de
índole técnica específica e, cada uma dessas temáticas, levar-nos-ia muito
longe e bem fora do perfil de reflexão informal, que foi adoptado neste texto.
Dedicamos, sim, alguma atenção à ideia de que
o espaço doméstico, a habitação privada: (i) deve ser um espaço bem protegido e
que exprima e evidencie tal protecção; (ii) e que esteja estrategicamente
aberto/condicionado relativamente às diversas condições naturais de conforto
ambiental aplicáveis (higrotérmicas e sonoras, de ventilação e luz natural, e
de insolação); e atenção que, tal como sabemos, todas estas matérias
interagem umas com as outras quando se projecta um espaço doméstico.
Tais objectivos de protecção e adequada
integração no ambiente natural devem marcar, sistemática e cuidadosamente, os
espaços domésticos, tornando-os ambientalmente agradáveis e sustentáveis, mas
numa perspectiva formal/funcional muito integrada no respectivo partido
arquitectónico interior e exterior (as vistas exteriores respectivas),
poderíamos até dizer, muito “natural”, nada “imposta”, perfeitamente
harmonizada em termos de solução geral e de pormenorização e muito amigável e
racional em termos das respectivas condições de controlo funcional corrente e
de manutenção.
Julga-se que não se trata de um “lugar comum”
ou de uma afirmação óbvia e desnecessária, pois são muito frequentes os casos
de “esquecimento” destes aspectos no projecto geral e de pormenorização, um
esquecimento que pode ser, infelizmente, muito global e crítico, ou parcial e
“infeliz”, caracterizando “soluções” em que os cuidados de conforto ambiental
são considerados e aplicados como algo separado da concepção arquitectónica, um
pouco como quem aplica um remédio para curar uma doença que poderia ser evitada
com um leque natural de cuidados prévios.
Poderíamos ainda referir que, de forma
global, os isolamentos e os outros cuidados ambientais naturais que devem
integrar as soluções domésticas, nos devem proporcionar a possibilidade de
gozar os espaços da nossa habitação em condições, quer de forte
separação/isolamento, quer de expressivo aproveitamento relativamente às
condições ambientais naturais existentes no exterior – higrotérmicas, sonoras,
de ventilação (e qualidade do ar) e de luz naturais, e de insolação.
E poderíamos ainda dizer um pouco mais,
defendendo que tais soluções de adequada integração e aproveitamento doméstico
das condições de conforto ambiental existentes no sítio da intervenção, podem
marcar positivamente a respectiva solução arquitectónica global e
pormenorizada.
Fig. 01
Um espaço doméstico que deve ser agradável, que nos deve fazer sentir bem e que nos faz bem à saúde, mas cujo desenvolvimento exige grandes cuidados
Tais exigências, que deveriam ser
consideradas como básicas e naturais, proporcionam o desenvolvimento de um
espaço doméstico extremamente adequado em termos de condições de luz natural e
insolação bem controladas e direccionadas, conforto higrotérmico expressivo e
bem controlado, ventilação constante e tão eficaz como pouco perceptível e bem
controlável, eficaz e contínua ausência de cheiros e odores menos agradáveis ou
intensos, e expressivo e global sossego acústico/sonoro.
E entenda-se que nada nestas condições se
refere a um especial acréscimo de custos, mas somente depende de um projecto
mais completo e adequado; e sendo que, a prazo, tais condições vão reflectir-se
muito positivamente no bem-estar global e na saúde dos respectivos habitantes,
com evidentes reflexos muito acrescidos em pessoas mais jovens, mais idosas e
com problemas de saúde.
Salienta-se, no entanto, que o cumprimentos
de tais exigências básicas de conforto ambiental doméstico obriga a uma
formação específica e ao estudo cuidadoso das respectivas matérias, sendo que
há problemas críticos a considerar: (i) seja no frequente e já referido pouco
cuidado da concepção arquitectónica nestes assuntos; (ii) seja na frequente e
deficiente formação que estas matérias, ainda, merecem ao nível universitário;
(iii) seja na também, ainda, frequente ausência de documentação adequada e
directamente dirigida para a relação entre estas matérias e a concepção
arquitectónica, e , já agora, na reduzida divulgação das melhores obras
existentes.
E o que dizer da própria capacidade
projectual de integrar, muito positivamente, todas estas exigências de conforto
ambiental num partido arquitectónico adequado e interessante: no mínimo, há que
reconhecer que não é fácil, até porque esses aspectos devem ser harmonizados
com outros importantes aspectos de projecto – tais como as vistas exteriores e
interiores, a segurança no uso corrente, a espaciosidade funcional, a
versatilidade doméstica, a privacidade e o convívio – mas trata-se de algo que
tem de ser adequadamente desenvolvido e que, quando cumprido, é elemento muito
valorizador e caracterizador da respectiva solução.
Fig. 02
Um interior doméstico, tipo "concha de caracol", mas equilibrado
Ainda um outro aspecto que importa ter em
conta nesta ampla matéria da relação íntima entre o mundo do conforto ambiental
doméstico e o mundo da respectiva apropriação espaço-funcional é que devemos
poder gozar um interior doméstico, tipo "concha de caracol",
portanto, extremamente adequado ao modo como o vivemos pessoalmente em grupo,
nas mais diversas ocasiões, um mundo doméstico que nos protege e acompanha
quase como uma segunda pele e que também até nos caracteriza, exactamente, como
sendo uma segunda pele; mas, no entanto, esse mesmo mundo doméstico também deve
ser algo que “vive por si”, com equilíbrios próprios e adequados, um pouco como
um nosso grande aliado, mas que também, um outro dia será aliado de outro(s),
ganhando, assim, uma espécie de interessante identidade urbana e doméstica
própria e desejavelmente estimulante – e nestes sentidos o mundo doméstico
também ganhará com um relativo distanciamento em termos da sua possível
“personalização” e, nesta matéria, parece que o seu conteúdo “mais técnico”
(embora bem domesticado) pode ser um bom aliado neste objectivo de concepção.
Sobre as diversas dimensões do conforto ambiental doméstico: algumas (poucas) notas complementares
O isolamento/condicionamento higrotérmico
está minimamente garantido em termos regulamentares designadamente no que
refere à nova construção, mas há, frequentemente, uma tendência para o
condicionamento mecânico do ar, em detrimento de soluções mais naturais e
positivamente passivas.
A questão da ventilação natural e da
respectiva estratégia não é um dado adquirido, embora dependa de aspectos tão
óbvios como fazer janelas estanques ao ar, mas integrando dispositivos de
ventilação específicos e que tenham, depois, “seguimento”, em percursos de ar
no interior da habitação (ex., bandeiras de iluminação e ventilação sobre
portas).
Quanto ao isolamento sonoro ele depende tanto
de cuidados construtivos específicos e nada especiais na constituição de
determinadas paredes, das lajes e dos vãos exteriores, como de uma estratégia
de distribuição das zonas funcionais do edifício que não faça vizinhos espaços
ruidosos de outros onde o sossego seja fundamental (exemplo ascensores e
quartos) e que tenha cuidado com os sítios onde passam as instalações de águas
e esgotos, numa mesma lógica de os afastar e/ou isolar relativamente a espaços
mais sossegados da habitação. E, naturalmente, que terá de haver, também, uma
estratégia adequada de vizinhanças dos diversos espaços domésticos
relativamente aos espaços exteriores contíguos, mais e menos ruidosos
Relativamente à recepção da radiação solar de
forma equilibrada, ela depende, também, de uma adequada estratégia organizativa
da habitação, que faça que os compartimentos a recebam, tendencialmente, mais
nas horas e nas estações onde ela é bem-vinda, e aqui é possível orientar os
diversos tipos de compartimentos consoante a sua utilização preferencial, por
exemplo, com os quartos de dormir mais a nascente, salas mais a sul, cozinhas a
norte e casas de banho a poente, sendo que há, também, a possibilidade de
tratar o exterior do edifício com pequenas palas (ou outros elementos
funcionais) que produzam sombra no Verão e não no Inverno, e nada disto é mais caro
do que fazer mal, não ligando a estes aspectos; só que dá um pouco mais de
trabalho em fase de projecto, e, naturalmente, numa cidade nunca será possível
orientar as habitações todas da mesma maneira – até porque as próprias ruas
urbanas também ganham com uma adequada estratégia de sombreamento.
Mas grandes a janelas a poente, impossíveis
de serem protegidas no Verão, habitações apenas com janelas numa parede (sem
ventilação cruzada entre duas paredes opostas), casas de banho interiores e
janelas sem vãos específicos de ventilação, isso, por favor, nunca mais, quando
se trata de nova habitação.
Destaca-se, ainda, a questão da fundamental
abundância de luz natural, que deveria ser uma condição básica em qualquer
habitação, mas infelizmente tal não acontece, parecendo que estamos ainda na
altura em que quaisquer 5 centímetros a mais na largura das janelas era
condição de fracasso financeiro da operação.
E finalmente há que referir que palas
verdadeiramente úteis (bem salientes e desenhadas com cuidado, (por exemplo, no
pormenor do lacrimal), são elementos fundamentais para a conjugação de aspectos
de agradabilidade e, já agora, de alguma cuidadosa atractividade no respectivo
projecto de arquitectura.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos
artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo
editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um
significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e
comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos
respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva
responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo
sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico
da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito
significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver
com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo
GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à
respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas
e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do
teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou
negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi
recebido na edição.
Infohabitar, Ano XV, n.º 688
Sobre o conforto ambiental
e a qualidade arquitectónica interior doméstica – Infohabitar 688
Infohabitar
Editor: António Baptista Coelho
Arquitecto/ESBAL, doutor em
Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto,
Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo/LNEC – Laboratório
Nacional de Engenharia Civil
Revista do GHabitar (GH) Associação
Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação
com sede na Federação Nacional de Cooperativa de Habitação Económica (FENACHE).
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