terça-feira, maio 21, 2019

687 - As janelas e o interior doméstico – Infohabitar 687

Infohabitar, Ano XV, n.º 687                      

As janelas e o interior doméstico – Infohabitar 687

Artigo da Série “Habitar e Viver Melhor”
por António Baptista Coelho (texto e imagens)

Sequem-se algumas notas sobre a relação entre o interior doméstico e os respectivos vãos de janela, considerados estes vãos como importantes elementos de construção, acabamento, e qualidade arquitectónica do interior doméstico.


Pensar as janelas como elementos de composição dos alçados/volumetrias, mas também como elementos multifuncionais e de composição do interior doméstico.

Quando abordamos as janelas domésticas, do ponto de vista da respectiva concepção, parece haver, frequentemente, uma tendência para as considerarmos, de forma privilegiada, essencialmente como elementos de composição dos respectivos alçados e volumetrias.

Naturalmente, que esta é uma perspectiva genérica, mas é interessante considerá-la no que se refere ao relativo “esquecimento” que ela pode induzir, seja, numa primeira linha, no que se refere aos diversos conteúdos funcionais que podem e devem ser assegurados por uma janela, seja no que se refere à própria integração e ao papel formal das janelas na estruturação e na composição dos interiores domésticos.

É, basicamente, este lembrete o que corresponde à matéria tratada nos textos que se seguem, que devem, no entanto, ser tomados, basicamente, como uma reflexão muito livre sobre o assunto; e que decorre de alguma prática profissional de projectista e de uma muito longa prática profissional como agente de análise pormenorizada de centenas de casos práticos de edifícios habitacionais.

Breves notas sobre as janelas domésticas como elementos de composição dos alçados/volumetrias

Não sendo, aqui, o sítio adequado para uma reflexão alongada sobre o papel das janelas domésticas como elementos de composição dos respectivos alçados/volumetrias, pois estamos, agora, no mundo do interior doméstico e não nos níveos da vizinhança residencial, importará, no entanto, considerar que a formalização pormenorizada das janelas de peito e de sacada, bem como as associadas pormenorizações de varandas e balcões, não respeita, frequentemente, um equilíbrio formal e funcional marcado por significativos aspectos de integração local, escala humana e caracterização residencial.

A opção faz-se, frequentemente, por soluções normalizadas e pouco harmonizadas com a escala e o carácter do respectivo edifício residencial, e o que dizer de uma ausência de uma pormenorização que, para além de servir tais preocupações de integração e de escala, pudesse realmente valorizar a solução global de alçados e de volumetria numa perspectiva de solução verdadeiramente global, integrada nos seus elementos e na envolvente e expressivamente caracterizadora daquele edifício ou conjunto edificado específicos: sendo esta última opção, naturalmente, aquela que é marcada por uma adequada qualidade arquitectónica.

Sabemos, evidentemente, que uma tal opção tem importantes implicações económicas (ex., pormenorização específica para um dado edifício), mas por vezes até em soluções sem expressivas preocupações de economia ela não existe e, em outros casos, fica muito evidente não ter havido uma adequada pesquisa das múltiplas soluções-tipo disponíveis e não tenhamos dúvida que, hoje em dia (ao contrário do que acontecia há algumas dezenas de anos), há inúmeras soluções de catálogo disponíveis para se poderem “montar” soluções específicas de fenestração bem integradas e valorizadoras da respectiva solução arquitectónica global.

Fig. 01: janela com ampla luz natural, com enquadramento de vistas do exterior, com vão de correr manobrável, com vidro de segurança abaixo do parapeito ...

Notas sobre a multifuncionalidade das janelas domésticas

Um outro aspecto que importa, sempre, lembrar quando se aborda a temática da fenestração doméstica, refere-se à fundamental multifuncionalidade que deve marcar a respectiva concepção, considerando-se, designadamente, os seguintes aspectos formais/funcionais:

- adequadas condições de relação com o exterior, a partir do interior doméstico e também, um pouco, “vice-versa”, através de adequadas “transparências” e expressões funcionais dos espaços interiores domésticos sobre as respectivas vizinhanças de proximidade;

- adequadas condições de conforto ambiental interior – boa luz natural e adequadas condições de obscurecimento, bom isolamento térmico e sonoro e boa ventilação natural;

- adequadas condições de segurança: no uso, designadamente, por crianças e idosos, e visando-se, especificamente, riscos de queda no uso normal e quando em acções de manobra e manutenção; e por previsão do respectivo encerramento (segurança contra intrusões);

- e adequadas condições de possibilidade de uso de espaços exteriores e interiores contíguos; seja de forma independente (ex., só espaços exteriores, ou só espaços interiores); seja de forma integrada, através de estimulantes continuidades entre interiores e exteriores domésticos.


Fig. 02: uma janela dupla perfeitamente enquadrada com móvel aparador, estruturando a sala-comum.

Reflexões sobre as janelas como elementos de composição do interior doméstico

As janelas domésticas devem ser encaradas como elementos cujas características formais e funcionais estejam adequadamente harmonizadas com a caracterização global de um ambiente/quadro doméstico e com um muito amplo leque de opções em termos de arranjos domésticos, condição esta que obrigará a um sensível cuidado em termos de soluções formais de janelas que sejam, pelo menos, compatíveis com esse amplo leque de arranjos.

Há, no entanto, aspectos básicos a considerar na fenestração, de forma privilegiada ou estruturadora da organização doméstica e entre estes  sobressai a capacidade de mobilar os diversos compartimentos e espaços, associada, designadamente, à expressiva disponibilização de paredes para encostar mobiliário, mas também associada a questões de dimensionamentos versáteis, que proporcionem, por exemplo, mobilar e circular, e ainda associada a adequadas relações geométricas entre paredes e vãos de janela e de porta, proporcionando a sua respectiva manobra mas também a boa integração de mobiliário (ex., aproveitando bem os cantos dos compartimentos).
Um exemplo interessante deste tipo de preocupações encontra-se em tradicionais soluções de fenestração, cujas folhas envidraçadas e portadas de segurança ficam praticamente “embebidas” na espessura das paredes, em vãos tão funcionais como fortemente expressivos pela sua capacidade simbólica e marcante de uma relação interior/exterior bem enquadrada e enquadradora.

É essencial pensar, pelo menos, na materialidade das soluções de fenestração e na sua expressão formal mais marcante; uma preocupação que nos pode levar a escolher vãos de janela com perfis de caixilharia reduzidos, material e cromaticamente neutros (no que se refere ao seu potencial de harmonização com variados arranjos interiores) e com superfícies envidraçadas maximizadas; opções estas que, no entanto, não devem comprometer outras exigências a ter com os vãos exteriores, essencialmente no que se refere ao conforto ambiental interior, designadamente, no que se refere ao sombreamento e à ventilação natural.

Uma das soluções historicamente consolidadas em termos da harmonização interior de soluções de fenestração liga-se ao uso, nesta fenestração e nos seus elementos associados, de materiais, texturas e acabamentos naturais (ex., aço, madeira, tecidos naturais e “lisos”, etc.), sendo que, com sentido contrário, as soluções marcadas pela artificialidade (ex., plásticos) podem comprometer significativamente a referida harmonização interior doméstica entre fenestração e os mais diversos tipos e conteúdos de arranjos. 

Há, ainda, um aspecto essencial a considerar na previsão da fenestração doméstica, “pelo interior”, que é a fundamental adequação dos vãos relativamente à sua orientação solar, tendo-se em conta a necessidade de dispositivos específicos de controlo da insolação, da luz natural e da ventilação natural, muito ligados às características específicas de orientação de cada vão e que também devem cumprir as referidas condições de harmonização com um amplo leque de potencias arranjos interiores domésticos.

Também um importante aspecto a ter em conta na boa integração da fenestração nas diversas soluções de espaços domésticos interiores, refere-se às respectivas condições de “securização” dos vãos contra intrusões; matéria sensível e complexa, pois as soluções de portadas interiores deixaram de ter, actualmente, expressiva aplicabilidade e sendo que as soluções baseadas em alarmes acabam por ser diversas nas condições disponibilizadas, não proporcionando uma clara expressão de um sentido de segurança directa contra intrusões.


Notas editoriais:
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Infohabitar, Ano XV, n.º 687

As janelas e o interior doméstico – Infohabitar 687


Infohabitar
Editor: António Baptista Coelho
Arquitecto/ESBAL, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo/LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil




Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativa de Habitação Económica (FENACHE).

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