Infohabitar,
Ano XV, n.º 686
Guardas, parapeitos e
peitoris domésticos e qualidade arquitectónica – Infohabitar 686
Artigo da Série “Habitar e Viver
Melhor”
por António Baptista Coelho (texto e imagem)
Sequem-se algumas notas sobre a relação entre entre
guardas, parapeitos e peitoris, considerados como importantes elementos de
construção e de acabamento, e a qualidade de uso e arquitectónica do interior
doméstico.
Guardas, parapeitos e peitoris domésticos: aspectos gerais ligados à qualidade arquitectónica
A constituição e configuração das guardas,
parapeitos e peitoris domésticos refere-se, naturalmente a um elemento de
projecto que importa harmonizar, seja considerando o efeito/composição global e
pormenorizado dos respectivos alçados e volumetrias, em termos de vistas
exteriores gerais e de aproximação;
seja considerando o seu efeito/composição
pormenorizado em termos das vistas interiores domésticas em que se incluam os
respectivos vãos;
seja no que se refere ao seu efeito em termos
de vistas de enquadramento e de comunicabilidade/”atravessamento”, que são
possíveis a partir do interior sobre o exterior;
seja considerando as suas influências directas
e indirectas em termos das condições de segurança no uso, iluminação natural e ventilação natural
dos espaços interiores servidos;
seja no que se refere a suas eventuais
funcionalidades diversificadas, por exemplo: estar no exterior, debruçar sobre
o exterior, ocupar com contentores e vasos de plantas, etc.;
seja no que se refere às respectivas condições
de segurança no uso – matéria esta, que, devido à sua importância, é, em
seguida, um pouco mais desenvolvida.
Será, talvez, oportuno apontar aqui que a
qualidade arquitectónica integrada de uma dada solução de guardas, parapeitos
ou peitoris, dependerá do nível, desejavelmente expressivo, de conjugação
dessas soluções na totalidade do respectivo projecto/obra, atingindo-se,
desejavelmente, situações em que essas soluções não têm presença autonomizável,
mas apenas totalmente “embebida” na solução arquitectónica respectiva e global,
e mesmo valorizando-a em termos da percepção da respectiva pormenorização.
Uma condição de expressiva integração da
pormenorização na solução geral, que, hoje em dia, estará talvez um pouco mais
facilitada pela disponibilização de um grande leque de soluções formais,
funcionais e variadamente “materializadas”, mas que exige sempre uma grande
sensibilidade e um grande cuidado na respectiva pormenorização e no vaivém obrigatório
que tem de acontecer entre ela e a expressão do projecto global.
Fig. 01: guardas, parapeitos e peitoris domésticos: segurança e visibilidades estratégicas
Guardas, parapeitos e peitoris domésticos: segurança e visibilidades estratégicas
Nota importante: as reflexões que se seguem, designadamente referidas às condições de segurança em guardas, parapeitos e peitoris domésticos, não são exaustivas e, portanto, não substituem uma pesquisa bibliofráfica e documental adequada.
A constituição e configuração das guardas e
peitoris deve ter em conta um máximo de condições de segurança em termos de
altura ao pavimento, características "à prova de subida de crianças",
e distâncias máximas de segurança entre elementos verticais constituintes; trata-se
de matéria que não estando talvez ainda adequadamente regulamentada deve ser
objecto da máxima atenção por parte dos projectistas.
Por esta razão apontam-se, em seguida, alguns
aspectos de configuração de guardas que contribuem para a prevenção de quedas:
(1)
"Abaixo da altura de protecção não
existirão aberturas com dimensões maiores do que 0.12m, para evitar a passagem
de uma criança, frestas rasantes ao pavimento maiores do que 0.05m, nem
elementos que facilitem a escalada do parapeito ou da guarda; quando abaixo da
altura de protecção existirem encerramentos em chapa de vidro, este deverão ser
temperados, ou armados com malha metálica ou laminado plástico."
E há que
ter em conta que as guardas opacas despertam a curiosidade nas crianças,
levando-as, por vezes, a subirem ao parapeito.
No entanto, e tal como foi registado no estudo
no LNEC que tem sido referido nesta série editorial (ITA 2 – Do Bairro e da Vizinhança à Habitação”),
os parapeitos devem permitir vistas ao longe e ao perto, sobre o exterior
envolvente, e para isso devem ser relativamente baixos, também porque devem
considerar a visibilidade de uma pessoa sentada perto da janela, condição esta
que evidencia o interesse das janelas de sacada, ou das janelas com peitoril
bastante baixo.
E não tenhamos quaisquer dúvidas de que um
adequado tratamento "cénico" das vistas exteriores proporcionadas de
uma dada habitação, considerando-se a possibilidade de reconfiguração dos seus
vãos exteriores, produz efeitos verdadeiramente inesperados e com enorme
impacto na vivência doméstica, sendo que, quando esta vida doméstica é vivida
longa e intensamente, como acontece, frequentemente, no caso dos habitantes
mais idosos e/ou de pessoas doentes e/ou com mobilidade condicionada, a
possibilidade de se poderem usufruir vistas exteriores relativamente
“mergulhantes” a partir de posições sentadas e próximas das janelas, tal
possibilidade pode passar a ser uma quase-exigência para se cumprir uma
concepção e uma qualidade arquitectónica vivencial interior verdadeiramente
adequadas.
Salienta-se a distinção que Neufert faz entre
parapeitos baixos para salas elevadas e com boas vistas (altura 0.50m, idêntica
à altura proposta por Alexander) e parapeitos normais para salas e quartos de
trabalho.(2) Há assim aqui uma evidente tendência para janelas domésticas com
parapeito baixo, muito mais "paisagístico" do que o seguro parapeito
com cerca de 90cm de altura, mas haverá aqui um trabalho a fazer para tornar
seguros esses parapeitos mais baixos , por exemplo, com vidro de segurança e
dispositivos específicos de fecho das respectivas janelas.
Tal como aponta Alexander uma outra solução,
que evita a ambiguidade das janelas de sacada, que podem parecer portas, está
em janelas com peitoris baixos entre 0.30 e 0.50m (convenientemente protegidos)
e em "janelas francesas ou à francesa" (com soleiras a cerca de
0.10/0.15m de altura do pavimento interior), que permitem vistas mergulhantes
sobre o exterior próximo até cerca de 0.60m de distância do vão. (3)
E importa sublinhar a necessidade urgente de se
desenvolverem, aprofundarem e apontarem aspectos essenciais de segurança na
configuração e constituição de guardas, parapeitos e peitoris domésticos, pois
trata-se de matéria crítica que, infelizmente, vai pontuando notícias trágicas
que surgem, periodicamente, em meios de comunicação social.
E não se trata de
se visar uma segurança “total”, mas tão somente inviabilizar ou dificultar
muito os riscos de acidente mais frequentes e mais críticos – ex., quedas por
atravessamento, por escalamento ou por parapeitos/peitoris baixos, ferimentos
por quebra e queda de vidros, etc.
E um aspecto também muito importante nesta
matéria de uma maior segurança no uso de guardas, parapeitos e peitoris
domésticos e á consideração dos seus respectivos aspectos de durabilidade e de
manutenção regular, pois também não é de aceitar seja a reduzida durabilidade
das soluções seja que as operações de manutenção regular sejam feitas com risco
das condições de segurança dos respectivos agentes de manutenção.
Guardas, parapeitos e peitoris domésticos: apropriação e variadas potencialidades
Para além de todos estes aspectos mais
"objectivos" e funcionais há uma outra verdadeira dimensão dos
espaços disponibilizados em alguns parapeitos e em muitos peitoris e zonas de
soleira de janelas, que merece uma atenção muito específica, pois acaba por
proporcionar uma boa parte da capacidade de apropriação oferecida pela
habitação.
Estamo-nos a referir a aspectos aparentemente
tão comezinhos como haver espaço para encher parapeitos com pequenos vasos com
plantas e com os mais diversos objectos decorativos, personalizando e marcando,
por exemplo, vãos de janela e criando assim zonas de
"descompressão/limiar" com grande capacidade de atractividade e de
identidade, tanto quando vistas do exterior como do interior doméstico.
E tais pequenas zonas são também espaços de
expansão visual e virtual dos compartimentos onde se situam e nestes aspectos
muito ganham com uma sua formalização rebaixada e/ou com o seu desenvolvimento
em encalços ou vãos profundos, uma profundidade que era construtivamente
justificada, até meados do século XX, e que hoje em dia ganhou algum fôlego,
seja com a previsão de paredes mais espessas por incorporarem recheios
isolantes, seja com o relativo "prolongamento" dos vãos através de
elementos que os protegem da radiação solar excessiva - embora haja que ter cuidado
com a largura de encaixe das escadas portáteis dos bombeiros.
O que aqui se defende é que é necessário
tratar, arquitectonicamente, e suscitar a apropriação de uma margem
relativamente espessa no contorno do espaço doméstico e especificamente nas
zonas de relação entre este espaço e o exterior, ganhando-se, assim, sentido de
protecção, sentido de espaço e de volume, maior espaciosidade aparente e um
ambiente interior verdadeiramente mais qualificado, porque elaborado, rematado
e singular. E afinal trata-se, "apenas", de recuperar o sentido amplo, formal e funcional,
que deve ter qualquer abertura da habitação sobre o exterior, uma abertura que
deve ser sempre muito mais do que um simples "vão".
Notas:
(1) Ministerio de
Obras Publicas y Urbanismo (MOPU), "Normas Tecnicas de Diseño y
Construccion de las Viviendas Sociales", p. 27.
(2) Ernest Neufert, "Arte de Projetar em
Arquitetura", p. 110.
(3) Christopher Alexander; Sara Ishikawa;
Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de
Patrones", pp. 910 e 911.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos
artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo
editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um
significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e
comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos
respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva
responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo
sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e
científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito
significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver
com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo
GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à
respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas
e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do
teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou
negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi
recebido na edição.
Infohabitar, Ano XV, n.º 686
Guardas, parapeitos e
peitoris domésticos e qualidade arquitectónica interior – Infohabitar 686
Infohabitar
Editor: António Baptista Coelho
Arquitecto/ESBAL, doutor em
Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto,
Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo/LNEC – Laboratório
Nacional de Engenharia Civil
Revista do GHabitar (GH) Associação
Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação
com sede na Federação Nacional de Cooperativa de Habitação Económica (FENACHE).
Apoio à Edição: José Baptista Coelho -
Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.
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