Infohabitar,
Ano XV, n.º 685
Vãos de
porta e qualidade arquitectónica interior – Infohabitar 685
Artigo da Série “Habitar e Viver
Melhor”
por António Baptista Coelho (texto e imagens)
Vãos de porta e qualidade arquitectónica interior
Sequem-se algumas notas sobre a relação entre os
vãos de porta, considerados como importantes elementos de construção e de acabamento,
e a qualidade de uso e arquitectónica do interior doméstico.
Vãos de porta – aspectos mais gerais
Vamos
separar aqui as portas da habitação, que a separam e ligam relativamente aos
espaços públicos ou comuns exteriores ou interiores, das outras portas
interiores domésticas, e como veremos até acaba por haver alguns pontos comuns
entre as duas tipologias.
Há
aspectos, aparentemente óbvios, mas que proporcionam mudanças potencialmente
muito positivas nos ambientes domésticos, é o caso da concepção das portas
domésticas; e aqui a questão estará tanto na altura, como nas características
de opacidade e de acabamento destes vãos.
De
certa forma poderemos comentar que um vão de porta doméstico deverá cumprir
basicamente os seguintes aspectos espaço-funcionais, de conforto, de segurança
e de apropriação:
-
os seus aspectos funcionais específicos, que são bem diferentes tratando-se,
por exemplo, de uma porta exterior de acesso principal, de uma porta interior
de uma sala-comum, ou de uma porta interior de um quarto;
-
uma adequada relação com o conforto ambiental e a segurança dos espaços
contíguos que são por ela directamente servidos;
-
e uma adequada relação com a caracterização arquitectónica global e
pormenorizada da respectiva intervenção.
Naturalmente
que há soluções-tipo para condições espaço-funcionais tipificáveis, mas importa
ter sempre presente esse “pequeno” leque exigencial, que, na prática, é, em boa
parte, o responsável por muitas das melhores soluções domésticas de
arquitectura de interiores: com portas de entrada que nos dão as boas-vindas ao
nosso mundo doméstico e que igualmente qualificam os espaços comuns do edifício
e com portas interiores que asseguram boa parte do conforto ambiental interior
(ex., luz natural, isolamento sonoro), mas também boa parte da caracterização
arquitectónica da solução doméstica.
(Fig. 01) As portas de entrada na habitação devem integrar-se muito positivamente na respectica composição global.
Portas principais da habitação
Idealmente,
a principal porta que nos liga e separa relativamente a espaços privados mas
exteriores ou relativamente a espaços comuns ou públicos deve oferecer resistência e isolamento ao ruído e
a vistas incómodas, mas também pode/deve facultar alguma transparência e deve
caracterizar-se por uma aparência atraente, identificável e apropriável, em si
própria, e em eventuais aspectos de pormenor que lhe sejam contíguos.
Este
último sentido de identidade e mesmo de representação é de sobremaneira
importante na concepção destes vãos de porta, numa perspectiva que pode,
naturalmente, variar, entre aspectos de maior sobriedade ou de maior
representatividade, uma escolha que estará, naturalmente, condicionada em
edifícios multifamiliares, onde se privilegia uma atraente uniformidade de
tratamento de todos os vãos de porta que abrem sobre os respectivos espaços
comuns; e uma escolha – entre mais sobriedade ou mais representatividade – que
deverá ser, sempre, marcada por uma adequada e afirmada boa integração global e
pormenorizada, havendo aspectos programados que devem servir a
identidade/representatividade de cada porta/fogo, seja pontualmente bem
integrados na solução, seja deixados à livre iniciativa dos respectivos
habitantes (ex., locais adequados para vasos com plantas).
Importa
ainda referir que, nos últimos anos, e designadamente com o cresci emento das
preocupações com a segurança doméstica tem sido desenvolvida uma linha de
soluções de portas de segurança que parece não ter, ainda, devidamente
integrada uma adequada preocupação com as respectivas condições de aspecto e de
apropriação.
Parece
portanto haver, actualmente, na promoção multifamiliar uma espécie de crise na
oferta de soluções verdadeiramente atraentes de portas de entrada, que acabam
por se reduzir à sua função de segurança, aliás numa triste continuidade de
ausência de pormenorização e de agradáveis condições de conforto ambiental
(exemplo, luz e ventilação naturais) que, também por regra, caracteriza os
respectivos patins comuns de acesso; e não tenhamos dúvidas de que não se trata
aqui de qualquer fatalidade, mas sim de escolhas em termos de concepção e de se
encarar o habitar multifamiliar numa completa e renovada perspectiva de
qualidade arquitectónica.
Passando,
agora, a algumas observações conclusivas e de maior pormenor, que podem abrir
linhas para posteriores desenvolvimentos, e segundo Alexander, a marcação do
momento de passagem entre dois espaços bem distintos, e, nomeadamente, da
entrada em casa, pode ser acentuada, , por um vão de porta baixo (cerca de
1.90m) e largo (porque a largura aumenta a sensação de redução de altura);
poderíamos pensar, ainda, em vãos que simulem os tradicionais, parecendo ainda
mais baixos, quando nos aproximamos deles. (1)
E
é interessante sublinhar que soluções deste tipo, que, de certo modo, querem
transformar o simples vão numa espécie de “vão/espaço” bem caracterizado, podem
ser criadas nos vãos principais da habitação, mas também em zonas
“estratégicas” do interior da casa onde se queira reforçar a reserva no acesso
e o grau de intimidade dos espaços e compartimentos a que se tem acesso (ex.,
recanto da lareira, escritório, quarto de dormir, acesso entre quarto e casa de
banho privada); e é possível associar tais aspectos, por exemplo, a bandeiras
superiores e/ou laterais que fazem transparecer a luz natural.
(Fig. 02) A porta de entrada deve enquadrar e valorizar o respectivo interior doméstico, direccionando e resguardadndo vistas; e a porta de entrada fechada deveria fazer transparecer um pouco da vida interior, ainda que seja, apenas, um pequeno sinal de vida.
Portas interiores da habitação
As
portas interiores domésticas são, também, ilustres esquecidas no corrente
pensar da habitação, pois tanto as suas características formais específicas,
como a sua solução global podem ser reconsideradas, em termos da sua própria
constituição, opaca ou total ou parcialmente transparente ou translúcida, e da
existência de bandeiras superiores e/ou laterais; e os respectivos efeitos
finais nos respectivos, compartimentos, corredores e vestíbulos contíguos, são
bem distintos; e o que dizer da caracterização do respectivo espaço doméstico?
Pois não haverá dúvida na grande diferença entre uma estrutura de circulação
doméstica marcada, praticamente, pelo mesmo vão de porta opaco e uma outra
estrutura de circulação doméstica, que se torna num verdadeiro espaço de
estruturação e circulação, pois é bem servido e caracterizado por um leque bem
adequado de diversas soluções de portas (mais opacas, mais translúcidas, com ou
sem bandeiras, etc.).
Segundo
Alexander, as portas interiores envidraçadas têm uma aplicação adequada não só
em grandes compartimentos representativos, mas também em pequenos
compartimentos que ganham, interiormente, com essa abertura, parecendo maiores,
porque mais ligados ao resto do fogo (2); e complementa-se esta reflexão com a
ideia de se poder "preencher" os ambientes interiores de
características bem distintas, através deste tipo de cuidados, por exemplo
criando-se uma zona de trabalho em casa, cuja porta, envidraçada e translúcida,
qualifica de forma muito mais adequada, até através de uma gravação sóbria no
vidro do respectivo tipo de ocupação.
A
questão da programação de bandeiras envidraçadas e proporcionando a circulação
do ar num sistema global e permanente, em toda a habitação (através de
dispositivos de ventilação específicos), deve ser adequadamente considerada no
projecto, matéria que deve levar a uma reflexão sobre a altura livre entre piso
e tecto (pé-direito); e não tenhamos dúvida que haverá muito a ganhar em termos
de conforto ambiental e de ambiente geral doméstico com este simples cuidados.
Um
outro aspecto que deve ser regra é que as portas sejam definidas de modo a que
propiciem uma maximização das condições de acessibilidade e de integração de
mobiliário nos compartimentos; e, a este propósito, lembra-se que Neufert
considera a posição mais correcta para abertura de portas, aquela que proporciona
a sua abertura em direcção a uma parede próxima, de modo a que a rotação mínima
para se entrar possa ser reduzida a cerca de 45º, contra cerca de 110º na
direcção oposta; e quanto às distâncias mínimas entre a porta aberta,
ortogonalmente à parede do seu vão, e a parede, Neufert define 0.68m,
como espaço adequado para um armário com cerca de 0.60m de profundidade. (3)
Notas:
(1) Christopher
Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern
Language/Un Lenguaje de Patrones", pp. 916 e 917.[1]
(2) Christopher
Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern
Language/Un Lenguaje de Patrones", p. 959.
(3) Ernest Neufert,
"Arte de Projetar em Arquitetura", p. 116.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos
artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo
editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um
significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e
comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos
respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva
responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo
sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e
científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito
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com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo
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e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do
teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou
negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi
recebido na edição.
Infohabitar, Ano XV, n.º 685
Vãos de
porta e qualidade arquitectónica interior – Infohabitar 685
Infohabitar
Editor: António Baptista Coelho
Arquitecto/ESBAL, doutor em
Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto,
Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo/LNEC – Laboratório
Nacional de Engenharia Civil
Revista do GHabitar (GH) Associação
Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação
com sede na Federação Nacional de Cooperativa de Habitação Económica (FENACHE).
Apoio à Edição: José Baptista Coelho -
Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.
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