Infohabitar,
Ano XV, n.º 684
Relação geral entre construção/acabamento e qualidade arquitectónica interior – Infohabitar 684
Artigo da Série “Habitar e Viver
Melhor”
por António Baptista Coelho (texto e imagem)
Algumas notas gerais sobre a relação entre elementos de construção e de acabamento e a qualidade de uso e arquitectónica do interior doméstico.
Em seguida, serão brevemente abordados alguns
aspectos particularizados e pormenorizados de relação entre a satisfação
habitacional e o desenvolvimento de determinadas soluções gerais de construção
e de acabamento dos espaços domésticos, considerando-se, essencialmente, as
matérias ligadas à apropriação desses espaços.
Paredes/compartimentações adequadas e inovadoras
De forma ampla há que ter em conta a resistência ao
uso das paredes, mantendo-se em boas condições de aspecto, ainda que em
condições de uso intenso; uma situação que pode assumir importância especial,
por exemplo, quando se trate de acções de (re)alojamento de habitantes pouco
habituados a um alojamento estabilizado e marcado por regras de convivência e
de privacidade, que “equilibram” a frequente exiguidade espacial que
caracteriza essas soluções habitacionais; neste tipo de situações pede-se,
provavelmente, às paredes uma afirmada capacidade de resistência a variadas
acções de apropriação, caso contrário o resultado poderá revelar-se
criticamente caótico (ex., paredes/tabiques demolidos e espaços recriados sem
adequadas condições de privacidade e/ou funcionalidade).
Numa outra perspectiva, associada a novas/inovadoras
formas de habitar, a consideração de uma fundamental adaptabilidade aos mais
diversos modos de vida e de apropriação doméstica e de uma perspectiva de
abertura a variadas estruturações domésticas, pode levar-nos, mesmo, a colocar
em questão a adequabilidade da repartição por paredes de alvenaria; solução
esta que pode ser, assim, questionada, sendo, por exemplo, nesta abertura a
novas formas de habitar:
- uma opção a oferta de uma compartimentação por
esse tipo de paredes, que seja muito neutral e apropriável por variadas formas
de habitar e de uso doméstico;
- e uma outra opção, bem distinta, a planta
"quase livre" e compartimentável por tabiques flexivelmente
dispostos; opção esta que terá de levar em conta a caracterização sociocultural
de cada família e, paralelamente, o diálogo julgado possível, entre família e
projectista – uma opção em que sendo difícil esse diálogo não parece ser
recomendável a opção mais "livre", pois facilmente resultaria num
caos doméstico até, eventualmente, negativo em termos higiénicos e de respeito
das privacidades/apropriações individuais.
Uma outra matéria que é crucial nestas reflexões e
um aspecto que é muito importante, mas muito frequentemente menorizado ou mesmo
esquecido, na concepção doméstica tem a ver com o papel de bloqueio,
encaminhamento, enquadramento e filtragem, que as paredes asseguram relativamente
à luz natural.
E, nesta matéria, bastará lembrar a possibilidade de
se desenvolverem paredes relativamente transparentes à luz natural, seja em
toda a sua altura, seja através de amplas bandeiras na parte superior ou até
inferior das paredes, seja por soluções de paredes que não cheguem ao tecto e
que podem ser também usadas como bases para variados elementos de decoração;
salientando-se, desde já, a grande importância que tem, sempre, esta relativa
transparência de luz natural e de algumas vistas no interior da habitação –
condição esta que pode, até, ser estratégica em condições de relativa falta de
espaciosidade doméstica, proporcionando-se uma espaciosidade aparente mais
“folgada” e marcada pela luz natural e seus reflexos.
Um outro aspecto a considerar é a possibilidade de
boa parte das funções de paredes interiores poder ser assegurada por afirmadas
continuidades de roupeiros embutidos, cujos conteúdos (de arrumação) poderão
assegurar boa parte das desejadas condições de isolamento acústico entre compartimentos,
ganhando-se, no “cômputo global” do dimensionamento alguns centímetros de espessuras, que podem
ser preciosos, designadamente, quando estejamos em presença de áreas mínimas.
Considerando, agora, um outro aspecto de pormenor,
Claire e Michel Duplay apontam que a tradicional espessura das paredes pode ser
simulada com vantajosos e duplos efeitos: a criação de um ambiente "de
abrigo", profundamente doméstico, e o desenvolvimento de melhorias
funcionais, que podem, até, ter reflexos numa ocupação acrescida dos
compartimentos (1); no entanto as configurações deste tipo reduzem a capacidade
dos compartimentos em alternativas de ocupação, pelo que deverão ser
judiciosamente aplicadas.
Concluindo esta subtemática faz-se, apenas uma nota
para a crucial importância de algumas das matérias que aqui acabaram de ser
apenas afloradas, de modo extremamente genérico e exemplificativo, e que
constituem, de pleno direito, bases fundamentais da grande matéria da
Arquitectura de interiores; uma nota que, afinal, se aplica também aos subtemas
que serão, em seguida, apontados.
Fig. 01: um quarto/escritório cujo tecto se "prolonga" pelas paredes e vice-versa; cujas paredes são estantes; e cujo pavimento se harmoniza com o ambiente geral.
Tabiques e mobiliário fixo/embutido
Já aqui se abordou a “redução” ou o aproveitamento
que poderemos realizar, transformado “blocos” de parede em “blocos” de
arrumação e/ou de absorção de equipamentos e instalações (ex., pequenas
bancadas de cozinha).
É, no entanto, importante considerar aqui tal
solução como opção mais global e básica, associada a uma forma de
construção/acabamento muito mais “seca” e assimilável à marcenaria; e uma opção
que podemos visualizar em imagens de operários “razoavelmente uniformizados” e
bem protegidos conta acidentes, equipados com cinturões de ferramentas, a
montarem divisórias, portas, variados tipo de mobiliário fixo e de instalações,
em espaços amplos cuja compartimentação envolvente e de alvenaria delimita
essencialmente os contornos de cada habitação.
Esta é uma opção de construção/acabamento ainda rara
entre nós, mas que poderá vir a ser desenvolvida, designadamente, para grupos
socioculturais que aceitem determinadas condições de apropriação activa das
habitações (com opções de flexibilização e de adaptabilidade conversão e com
limites rígidos a tais intervenções); e que poderá, no limite e por regra,
possibilitar uma habitação “por medida” a cada família, mesmo em edifício
multifamiliar.
E trata-se, afinal, de uma opção em que ficam
diluídos os limites entre construção, acabamento e introdução de parte do
mobiliário e dos equipamentos.
Pavimentos
É sempre muito importante ter em conta a que a
posição de observação que nos é mais comum nos leva a uma contínua e natural
atenção relativamente aos pavimentos que usamos e onde realizamos as nossas
actividades; e se juntarmos a esta constatação a condição, provada, de, em
casa, estarmos sempre mais disponíveis para o vagar e a observação, então
ficaremos com uma noção aproximada da importância que têm os pavimentos na
satisfação que podemos sentir relativamente aos nossos espaços domésticos.
Segundo Alexander, os pavimentos devem ser
confortáveis e brandos no uso, quentes ao tacto e acolhedores, mas bastantes
duros para resistirem ao desgaste (2); destacando-se, como refere aquele autor,
a importância das cores e texturas naturais, tanto das superfícies de madeira,
brandas, duráveis, por vezes com veios ocres e amarelados e envelhecendo bem,
como das superfícies de tijoleira "regional", rosadas e ocres
(quentes e naturais/ligadas à terra), nomeadamente, quando integrem
"marcas de fogo", alaranjadas ou amareladas. (3)
Ainda nesta matéria aponta-se a fundamental durabilidade
dos pavimentos, uma exigência que tem de ser aliada, quer à disponibilização de
superfícies brandas no uso, quer às referidas condições de interessante
envelhecimento (tons de cor gradualmente evoluindo e um desgaste atraente que
não comprometa os respectivos aspectos de funcionalidade).
Ainda nesta matéria da pavimentação doméstica há que
referir a importância que tem o conforto disponibilizado nas zonas de quartos e
a segurança contra escorregamento nas zonas que possam estar molhadas de
cozinhas e casas de banho.
Finalmente uma referência específica à importância
que tem a adequada previsão de condições de durabilidade e facilidade de
manutenção dos pavimentos domésticos de habitações de realojamento ocupadas por
pessoas pouco habituadas à vivência numa casa permanente, com equipamentos
específicos e em condomínio.
E tal como em muitos outros subtemas estes longe nos
levariam...
Tectos
Este pequeníssimo comentário sobre os tectos também
o é sobre o pé-direito – a altura livre entre piso e tecto – e destina-se,
essencialmente, a chamar a atenção para o seu necessário/adequado acabamento:
um remate da parede antes de encontrar o tecto (ex., em redondo, ou num pequeno
volume saliente, ou num pequeno elemento reentrante) – será remate da parede ou
do tecto? Tanto faz julga-se, importa é rematar e neste remate ter em conta,
naturalmente, a escala geral do compartimento e a dimensão do pé-direito geral.
Tais remates definem espaços e, frequentemente,
acabamentos e tons de cor; atribuem aos espaços uma delimitação aparente mais
expressiva e apaziguadora, e, evidentemente, em outros tempos foram motivo de
introdução de muitos motivos de artes decorativas (ex., em sancas com variadas
configurações); motivos estes que, frequentemente, eram desenvolvidos nos tectos
e depois desciam e/ou rematavam nas paredes envolventes.
Tal como acima se apontou um aspecto sobre o qual
será urgente reflectir é o da dimensão do pé-direito mínimo regulamentar – a
altura livre entre piso e tecto –, considerando-se, designadamente: a
importância que esta dimensão tem na cubicagem do volume de ar interior; a
relação entre esta dimensão e as dimensões mais correntes das janelas
exteriores, considerando-se, nestas essenciais dispositivos de ventilação; e
mesmo a relação entre esta dimensão e a possibilidade de se desenvolverem
bandeiras de iluminação e ventilação sobre as portas interiores. E sublinha-se
a importância destes aspectos de ventilação em ambientes domésticos interiores
cada vez menos permeáveis ao ar exterior (ex., caixilhos herméticos).
Notas:
(1) Claire e Michel Duplay, "Methode Ilustrée
de Création Architecturale", p. 135.
(2) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray
Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp.
947 a 949.
(3) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray
Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp.
993 a 995.
Notas
editoriais:
(i) Embora a edição dos
artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo
editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um
significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e
comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos
respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva
responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo
sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e
científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito
significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver
com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo
GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à
respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas
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teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou
negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi
recebido na edição.
Infohabitar, Ano XV, n.º 684
Relação geral entre construção/acabamento e qualidade arquitectónica interior – Infohabitar 684
Infohabitar
Editor: António Baptista Coelho
Arquitecto/ESBAL, doutor em
Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto,
Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo/LNEC – Laboratório
Nacional de Engenharia Civil
Revista do GHabitar (GH) Associação
Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação
com sede na Federação Nacional de Cooperativa de Habitação Económica (FENACHE).
Apoio à Edição: José Baptista Coelho -
Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.
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