Importância
dos pequenos espaços exteriores privados – Infohabitar 569
António Baptista Coelho
Artigo
LXXXVII da Série habitar e viver melhor
Na Série editorial intitulada "habitar e viver melhor" estamos agora a abordar, com algum detalhe, os espaços que constituem os
nossos “pequenos” mundos domésticos e privativos, refletindo sobre as diversas
facetas que os qualificam; e passamos, então agora, a uma reflexão sobre a importância
e a enorme e desejável variedade de caraterização dos pequenos espaços
exteriores privados – matéria que nos irá acompanhar ao longo de quatro ou
cinco edições da nossa Infohabitar.
A outra dimensão doméstica exterior, que é possível termos nas nossas varandas, pátios e pequenos jardins
Fig. 01: a paisagem urbana de pormenor ganha tanto ao nível público, como ao nível privado com sequências densas e com boa imagem pública de pequenos quintais privados - exterior de habitações do
conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito
da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - Arquitetura: Karmebäck e Krüger
Importância e protagonismo do exterior privado
O título
deste artigo não faz justiça à ideia que se tem sobre a importância potencial
dos espaços exteriores privados, salientando-se que se considera que estes
espaços podem ter uma importância estruturadora da própria organização da
habitação, essencialmente no caso das habitações isoladas, mas igualmente em
conjuntos habitacionais coesos e mesmo em edifícios multifamiliares em altura;
e em qualquer destes casos obtém-se um excepcional ganho em termos de
caracterização da solução habitacional, embebendo-se esta solução com um
sentido “diferente” ou com uma outra dimensão que pode influenciar, seja usos
específicos exteriores (lazer exterior em condições muito agradáveis e
estimulantes, floricultura, etc.) e a possibilidade de se desenvolverem exteriormente
actividades habitualmente interiores (leitura, convívio, refeições, trabalho
profissional, banhos, etc.), seja uma muito mais intensa relação com o exterior
e com a natureza com evidentes ganhos para o conforto ambiental (luz e
ventilação naturais) e para a apropriação e caracterização da habitação
(grandes floreiras e pequenos pátios ajardinados).
A ideia que
aqui se aponta é que o exterior privado possa ser, inteiramente, espaço útil e
mesmo espaço habitável, servindo, por exemplo, seja para circulações correntes,
seja para zonas de estadia e de diversas actividades domésticas, como será, por
exemplo, o caso do estar, do lazer e da recepção. Naturalmente que esta
possibilidade será mais efectiva em soluções de edifícios unifamiliares
(moradias), mas considera-se que pode ser extensível a variadas soluções
multifamiliares, considerando-se as limitações associadas a diversas zonas
climáticas e tendo-se em conta, como bases de fundamentação directas, as
soluções encontradas na habitação popular (exemplo, pátios e alpendres) e na
própria história do habitar.
Exterior privado e geração de tipologias habitacionais renovadas
E é possível
criar e recriar novas formas de exteriores em edifícios multifamiliares,
fundindo atraente e funcionalmente, espaços públicos, semi-públicos, comuns e
privados, numa perspectiva volumetricamente diversificada, que transforma as
habituais soluções sem forma e sem "história" em divertidos espaços
que articulam a rua com uma habitação que acaba por ser uma "casa"
integrada numa estrutura ou cenário espacial, verdadeiramente, em três
dimensões.
Nestas
matérias o que aqui também se salienta é a ausência de sentido que tem o
esquecimento a que se têm votado tantas soluções de relação entre espaços
domésticos interiores e exteriores e específicas de transição entre interior e
exterior, em favor de uma estruturação doméstica que tende a considerar, por um
lado, o exterior doméstico como uma dimensão claramente suplementar e
“descartável”, a não ser, quando em soluções consideradas “luxuosas”, esse
exterior ou esse espaço de transição entre interior e exterior é aplicado como
sendo uma qualidade de “luxo”, e isto quando em tantas soluções de habitação
popular esses espaços são, por vezes, dos mais usados na habitação, e isto
considerando, naturalmente, as limitações regionais e climáticas, que serão
sempre estruturantes, designadamente, nos aspectos de adequada protecção destes
espaços relativamente a ventos dominantes e de adequada orientação solar e
cuidadoso sombreamento destes mesmos espaços.
O que aqui
mereceria a pena ser feito, neste ponto da reflexão, era apontar soluções que
concretizem este tipo de preocupações e averiguar o custo das mesmas, pois não
podemos esquecer que a existência de uma dimensão de espaço exterior privado é,
sempre, um fundamental aspecto qualitativo em qualquer solução habitacional; e
há um grande leque de soluções de espaços exteriores privados, verdadeiramente
efectivos e, portanto, bem distintos daquelas soluções de varandas mal
dimensionadas, mas pormenorizadas, sombrias e desabrigadas, que para pouco ou
nada servem. E é importante imaginarmos, por exemplo, soluções de habitar
fortemente estruturadas por espaços exteriores privados, desenvolvidos,
provavelmente, na continuidade de atraentes espaços exteriores comuns, ou
públicos.
Fig. 02: o exterior privado pode e deve existir sob variadas formas, como neste espaço em terraço de um edifício multifamiliar, mas há que o tratar como espaço exterior privado - exterior de habitação do
conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito
da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - Arquitetura: Bengt Hidemark. Ganhar outra dimensão exterior para o habitar privado
Basicamente
do que aqui tratamos é da possibilidade de ganhar uma outra dimensão exterior
para o habitar privado, que pode ser naturalizada (ligada à natureza através de
floreiras e pequenos pátios e jardins) e razoavelmente aberta às vistas
envolventes ou, agradavelmente, intimista e polarizadora da própria identidade
protectora da habitação (em balcões e pátios cuidadosamente “fechados” e
climaticamente agradáveis) nos quais se pode estender a vida na habitação; e em
qualquer dos casos há o ganhar uma “nova/velha” verdadeira dimensão exterior,
mas para um tal êxito há que saber manejar a concepção do habitar harmonizando
e enriquecendo mutuamente espaços privados interiores e exteriores
E importa apontar aqui que esta reflexão e este estudo leva
ao aprofundamento da investigação sobre diversos tipos de edifícios com
conteúdo habitacional – que pode não ser exclusivo.
Com recurso a Nuno Portas aponta-se o leque dos diversos
espaços exteriores privados: (1)
·
Varanda ou balcão, espaço predominantemente
saliente do plano de fachada; o balcão é uma "varanda de peitoril"
(provavelmente com guarda opaca).
·
"Loggia", espaço predominantemente
reentrante no volume do edifício (espécie de varanda ou balcão total ou
parcialmente reentrante).
·
Marquise, varanda ou "loggia" em
grande parte envidraçada – é discutível esta inclusão no domínio dos espaços
exteriores privados, nomeadamente, quando são projectadas de raiz, e quando não
o são, não deveriam ser permitidas pois desfiguram os respectivos edifícios.
·
Terraço ou grande varanda habitualmente
situada na parte superior do edifício ou aproveitando, em diversos níveis, o
seu escalonamento topográfico.
·
Pátio central (aberto no interior do fogo).
·
Quintal e/ou jardim, frontal, de traseiras ou
lateral.
Usos do exterior privado
Se nos
limitarmos às mais simples formas de exterior privado, como serão caso das
varandas e terraços, alguns autores, como Claude Lamure (2), M. Imbert (3) e
Dreyfuss e Tribel (4), salientam as principais actividades que são aí realizadas,
sublinhando-se as consideradas mais importantes (indicadas numa ordem de
importância decrescente):
·
criar plantas e flores;
·
repousar, descontrair e estar ao sol ou ao
fresco (nas tardes e noites estivais);
·
vigiar as crianças no exterior;
·
secar roupa;
·
proporcionar que as crianças brinquem;
·
permitir que os bébés tomem ar;
·
tomar certas refeições.
A relação com a natureza e o lazer assumem, como se vê, uma
clara importância no uso do exterior privado, mas alguns autores destacam,
também, a importância deste tipo de espaço como elementos de enquadramento
visual do exterior e de protecção climática da restante habitação.
Fig. 03: um pequeno quintal/pátio privado pode e deve ser um pequeno mundo em termos de imagens e de potenciais apropriações - exterior de habitação do conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - Arquitetura: Jan Christer Ahlbäck.
Vantagens do exterior privado
Nesta
perspectiva de utilidade dos espaços exteriores privativos como elementos de
apoio ao interior doméstico e de sua relação com o exterior Rob Krier aponta
algumas finalidades específicas para bay windows, espaços estes cruciais na
relação afirmada entre interior e exterior: (5)
·
São alargamentos dos espaços interiores,
proporcionando um sentimento de estar no exterior, mas ainda dentro da
influência directa do interior doméstico.
·
Permitem vistas melhoradas do ambiente
envolvente e podem mesmo “transportá-lo” para o interior enriquecendo-o e
caracterizando-o – e nesta matéria há que considerar especificamente a
interessante capacidade de naturalização do interior doméstico, podendo quase
trazer-se o jardim para dentro de casa.
·
Enriquecem o espaço interior contíguo, porque
dividem-no em subespaços diferenciados, considerando o seu relacionamento mais
forte ou menos forte com vãos e espaços exteriores mais, ou menos, fechados e
mais, ou menos, amplos.
·
Podem criar verdadeiras “zonas tampão”
controláveis em termos de conforto ambiental, e, naturalmente, com boas
influências no maior conforto doméstico e na poupança energética.
A bay window é no interior, e no transporte que faz, para o
interior, do ambiente exterior, o que é o caramanchão e o telheiro isolado no
exterior, neste caso como transporte do interior para uma envolvente exterior.
Os espaços exteriores privativos têm, assim funções
específicas e estimulantes (por exemplo criar plantas), proporcionam a extensão
de actividades domésticas interiores (como por exemplo o estar e o convívio), e
enriquecem e protegem o interior doméstico através de vistas bem enquadradas e
de protecções e sombreamentos estratégicos. De certa forma os espaços
exteriores privativos criam uma dimensão doméstica suplementar, uma espécie de
cintura de protecção e de relação da habitação com a sua envolvente natural e
urbana, que é de grande interesse para a plena satisfação de quem habita uma
casa com esses atributos.
Mais casa para além das janelas
De certa forma havendo varandas, ainda que pequenas, há mais
casa para além das janelas, uma perspectiva que até é também pressentida nos
vãos de janela fundos, preenchidos por soleiras e peitoris largos, e que se
podem ocupar com vasos de plantas e até pequenos móveis, criando-se espaços de
transição com características de iluminação e de vistas específicas – estas
sequências de vãos domésticos fundos e úteis e de varandas contíguas criam
verdadeiros espaços tão de limiar como de transição, tornando o outro interior
mais “interior” e protegido e qualificando o exterior em camadas sequenciais e
gradualmente mais públicas, e, portanto, tornando-o muito mais apetecível do
que um exterior “cortado à faca”, logo ali, ao rés de uma pobre janela de
peito, mal desenhada e aberta numa parede fina.
Falou-se do exterior privado com elemento fundamental no
arquitectar do próprio espaço doméstico interior, mas, naturalmente, o exterior
privado tem também uma razão de ser própria, pois, afinal, muitos de nós
gostariam de ter uma ampla varanda/terraço ou um jardim ou pátio privados,
vontade esta que ficou bem expressa num inquérito habitacional do LNEC (6), no
qual:
·
mais de 80% dos inquiridos acharam ser
necessário um jardim ou pátio privados;
·
10% aceitaram a varanda como substituto;
·
apenas 7% consideraram o jardim público
próximo de casa como um possível substituto do exterior privativo;
·
e apenas uma percentagem mínima dos inquiridos
não acharam necessário o jardim ou pátio privados, ou consideraram-no
substituível por uma habitação maior – um aspecto que é extremamente
interessante.
·
Notas
(1)
Baseado no Estudo de Nuno Portas, "Funções
e Exigências de Áreas da Habitação", p. 71.
(2) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à
la Vie Familiale", p. 209.
(3) M. Imbert, "Mission d'Études de la Ville
Nouvelle du Vaudreil", p. 18.
(4) D. Dreyfuss; J. Tribel, "La
Cellule-Logement", p. 29.
(5) Rob Krier, "Elements of
Architecture", pp. 64 e 65.
(6) Maria da Luz Valente
Pereira; Maria Amélia Correa Gago, "Inquérito à Habitação Urbana", p.
·
Nota importante sobre as
imagens que ilustram o artigo:
As imagens que acompanham este artigo e que irão,
também, acompanhar outros artigos desta mesma série editorial foram recolhidas
pelo autor do artigo na visita que realizou à exposição habitacional
"Bo01 City of Tomorrow", que teve lugar em Malmö em 2001.
Aproveita-se para lembrar o grande interesse desta
exposição e para registar que a Bo01 foi organizada pelo “organismo de
exposições habitacionais sueco” (Svensk Bostadsmässa), que integra o Conselho
Nacional de Planeamento e Construção Habitacional (SABO), a Associação Sueca
das Companhias Municipais de Habitação, a Associação Sueca das Autoridades
Locais e quinze municípios suecos; salienta-se ainda que a Bo01 teve apoio
financeiro da Comissão Europeia, designadamente, no que se refere ao
desenvolvimento de soluções urbanas sustentáveis no campo da eficácia
energética, bem como apoios técnicos por parte do da Administração Nacional
Sueca da Energia e do Instituto de Ciência e Tecnologia de Lund.
A Bo01 foi o primeiro desenvolvimento/fase do novo
bairro de Malmö, designado como Västra Hamnen (O Porto Oeste) uma das
principais áreas urbanas de desenvolvimento da cidade no futuro.
Mais se refere que, sempre que seja possível, as
imagens recolhidas pelo autor do artigo na Bo01 serão referidas aos respetivos
projetistas dos edifícios visitados; no entanto, o elevado número de
imagens de interiores domésticos então recolhidas dificulta a identificação dos
respetivos projetistas de Arquitetura, não havendo informação adequada sobre os
respetivos designers de equipamento (mobiliário) e eventuais projetistas de
arquitetura de interiores; situação pela qual se apresentam as devidas
desculpas aos respetivos projetistas e designers, tendo-se em conta, quer as
frequentes ausências de referências - que serão, infelizmente, regra em relação
aos referidos designers -, quer os eventuais lapsos ou ausência de referências
aos respetivos projetistas de arquitetura.
·
Notas
editoriais:
(i) Embora a edição dos
artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo
editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um
significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e
comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos
respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva
responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o
mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e
científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito
significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver
com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo
GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à
respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas
e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do
teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou
negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi
recebido na edição.
Infohabitar, Ano XII, n.º 569
Artigo
LXXXVII da Série habitar e viver melhor
Importância
dos pequenos espaços exteriores privados -
Infohabitar n.º 569
Editor: António Baptista
Coelho
– abc@lnec.pt e abc.infohabitar@gmail.com
GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade
Habitacional
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação -
Olivais Norte.
Sem comentários :
Enviar um comentário