domingo, fevereiro 28, 2016

571 - Repensar os espaços exteriores privados – Infohabitar n.º 571

Estamos agora a abordar, com algum detalhe, os espaços que constituem os nossos “pequenos” mundos domésticos e privativos, refletindo sobre as diversas facetas que os qualificam; e passamos, agora, a uma reflexão sobre a importância das zonas de refeições domésticas, considerando matérias diversas que lhes estão associadas

 

Repensar os espaços exteriores privados – Infohabitar n.º 571

Artigo LXXXVIII da Série habitar e viver melhor

António Baptista Coelho

Relação do espaço exterior privado com o restante espaço doméstico

Num estudo de Claude Lamure conclui-se que a utilização da varanda é, frequentemente, considerada como uma espécie de paliativo à ausência de um pequeno quintal privado, possibilidade esta que terá alguma relação com a própria dimensão e organização da varanda e que é provada pelo frequente arranjo da varanda como "pseudo-jardim".
Esta matéria tem relações com outros aspectos tratados nesta série editorial, e essencialmente com a vontade de naturalização e apropriação da habitação tão frequentemente expressada desde os espaços comuns ou públicos, na vizinhança de portas de entrada, às varandas e janelas e às floreiras que marcam paredes; é como se a natureza fosse a eleita para marcar o habitar, num sentido contrário ao movimento que levou da natureza ao abrigo “artificial”; e poderá haver boas respostas para esta situação, respostas que harmonizem a força da apropriação privada com a atractividade da imagem comum que é produzida, tudo dependendo, por exemplo, da boa previsão dos espaços e da harmonização dos suportes (vasos e floreiras) para essa naturalização.

Fig. 01:  - Edifícios multifamiliares com forte escala humana e em que a vegetação envolvente e própria proporciona excelente efeito de integração - exterior de habitações do conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - Arquitetura: Moore, Ruble, Yudell, Bertil Öhrström.

Integrar a natureza nos edifícios  

Estas matérias ligam-se, também, a uma perspectiva de verdadeira naturalização, quase “integral” ou muito expressiva da globalidade de edifícios uni e multifamiliares, numa opção por uma espécie de camuflagem natural dos espaços edificados, e para esta opção são fundamentais todos os tipos de espaços exteriores privativos diversificadamente associados e configurados – dos quintais e pátios, às pequenas jardinetas de remate da construção, às varandas, balcões e terraços, às simples floreiras elevadas e associadas aos referidos espaços ou simplesmente penduradas de paredes ou associadas a janelas de sacada, janelas estas que facilmente são transformadas em pequeníssimas varandas de assomar.
A questão da “linguagem” de Arquitectura usada e da eventual dificuldade de compatibilização de um desenho depurado com este tipo de soluções é uma questão que se remete, exactamente, para um esforço específico de desenho.



Fig. 02:  - Pátios privados que cooperam integralmente no "fazer" do espaço doméstico - interior e exterior de habitações do conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - Arquitetura: Nils-Olof Ljunggren, Kristofer Swahn, Mima.

Tipologias habitacionais e espaços exteriores privados

Ainda no que se refere a associações privilegiadas desta extensa família de espaços e elementos de exterior privado com tipos habitacionais específicos, salienta-se o facto, provado em numerosos inquéritos (1), de que a preferência por edifícios unifamiliares é, muitas vezes, associada à existência de um espaços exterior privativo e, muito especificamente, de um pequeno jardim privado, que possa ser, em parte, utilizável para fins utilitários; e sobre este facto salientam-se duas ideias de âmbito genérico, e muito curiosas:
. a primeira que não é, evidentemente, necessário fazer edifícios unifamiliares “correntes” para se disponibilizar um pequeno espaço ajardinável a cada habitação, pois há múltiplas soluções multifamiliares e de transição uni-multifamiliar densificada que podem disponibilizar condições deste tipo e com elas caracterizarem atraentes soluções urbanas pormenorizadas;
. e a segunda ideia é que, mais uma vez, a faceta “utilitária” aparece, aqui em segundo plano na concepção doméstica.
Aborda-se a relação entre pátios ou pequenos jardins privativos e uma estimulante diversificação tipológica residencial e urbana e importa sublinhar que é esta ampla e muito diversificada virtualidade associativa e fortemente caracterizadora que marca um extenso leque de soluções multifamiliares e de transição uni-multifamiliar densificada, seja pelo evidenciar de tais espaços e do seu conteúdo em termos de naturalização (árvores, grandes e pequenos arbustos, trepadeiras, coberturas de solo, plantas rasteiras), seja também pelo evidenciar da ausência estratégica dessa mesma naturalização – pois o desenho irá marcar cada solução e sítio específicos. Mas não haja dúvidas sobre o protagonismo de tais elementos na geração de diversificadas e estimulantes tipologias habitacionais.



Fig. 03:  - Interessantes acessos realizados através de quintais privados em que a vista pública é razoavelmente permitida, contribuindo a vedação para a dignididade e o interesse dos espaços públicos contíguos - exterior de habitações do conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - Arquitetura: Greger Dahlström.

Relação entre acessos e espaços exteriores privados

Um protagonismo que se associa a um outro fundamental elemento de composição tipológica residencial e urbana, de pormenor, que é a estruturação, associação, e evidenciação ou camuflagem de acessos comuns e privativos, relativamente aos referidos espaços exteriores privativos. Uma matéria que fica evidente pelo interesse que sempre terá poder-se entrar “em casa” através de um espaço exterior privativo, que pode ser um quintal ou pátio privativo em soluções unifamiliares e de transição uni-multifamiliar densificada, mas que pode ser até, por exemplo, um pequeno pátio/terraço alongado em soluções multifamiliares densificadas e em altura, associando-se, neste caso, uma estimulante ambiguidade entre o “viver em altura” e a vivência “natural” mais ligada ao solo. E não se pense que tais diversificações de soluções são, necessariamente, caras ou luxuosas, pois são, sim e obrigatoriamente soluções extremamente bem desenhadas e pormenorizadas.

Exterior privado e adequação climática ou sustentabilidade ambiental doméstica

E em todas estas reflexões importa sublinhar que é urgente privilegiar, cada vez mais, o exterior e, neste caso, especificamente, o exterior privativo no desenvolvimento de soluções habitacionais num sul da Europa, climaticamente agradável em boa parte do ano.
Mas mesmo mais a norte na Europa têm sido desenvolvidas soluções marcadas por espaços exteriores privativos associados às entradas principais de habitações incluídas em grandes condomínios verticalizados, numa opção que, desta forma, pretende caracterizar estas habitações como se fossem “moradias” agregadas num conjunto em altura, reforçando-se os respectivos aspectos de individualidade e de apropriação, através de plantas e outros arranjos do exterior. A ideia que se quer deixar é que se isto é possível e tem sido praticado, com êxito, a caminho do norte da Europa, será muito adequado quer em países mais a sul, quer em soluções menos altas e densificadas, proporcionando-se um muito amplo leque de resultados formais e funcionais, que serão, também, muito estimulantes nas suas imagens urbanas.


Fig. 04:  - O exterior doméstico e prolonga o respetivo interior e que tem, mesmo, presença/força própria ( e atenção, que estamos no Norte da Europa) - exterior de habitações do conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - Arquitetura: Stella Eriksson, Ellica Stare, Sven Gustafsson.

Associações preferenciais entre espaços domésticos interiores e exteriores

Considerando agora as associações preferenciais entre espaços domésticos interiores e exteriores sublinha-se que as varandas e os terraços podem privilegiar o desenvolvimento de  entradas principais ou de serviço na habitação, e também o “prolongamento” das salas, e, numa gradação de relações preferenciais, os quartos de dormir e as saletas; tais relações entre espaços domésticos interiores e exteriores, podem também assumir um carácter de varanda ou terraço de serviço, junto da cozinha e da zona de tratamento de roupa. A ideia é, naturalmente, de se poder servir melhor todos os habitantes e apoiar, eventualmente, reuniões e convívios mais alargados. E há soluções que compatibilizam espaço mais social e mais de serviço, naturalmente, com uma mais desafogada disponibilidade de espaço.
Uma outra associação funcional que pode ser muito explorada, designadamente, em zonas com microclimas mais amenos é a existência de espaços privativos exteriores do tipo varandas, pátios e alpendres que constituam ligações activas entre vários compartimentos da habitação, podendo constituir ligações alternativas, que são sempre úteis, por exemplo, quando se realizam festas em casa, ou que poderão constituir elas próprias as únicas circulações disponíveis, essencialmente em soluções habitacionais muito caracterizadas e desde que estes espaços de circulação tenham uma protecção climática reforçada.
Uma associação funcional que começa a ser frequente noutras zonas do mundo é o desenvolvimento no exterior privativo de uma verdadeira e espaçosa sala de estar e de refeições aberta ao exterior, habitualmente associada, por exemplo, a condições para grelhar alimentos; uma possibilidade que estará naturalmente mais associada a condições de espaciosidade acima da média ou de fácil desenvolvimento em piso térreo e sem se prejudicar, ambientalmente, habitações vizinhas.
·         Notas
(1) M. Imbert, "Mission d'Études de la Ville Nouvelle du Vaudreil", p. 18.

·          Nota importante sobre as imagens que ilustram o artigo:
As imagens que acompanham este artigo e que irão, também, acompanhar outros artigos desta mesma série editorial foram recolhidas pelo autor do artigo na visita que realizou à exposição habitacional "Bo01 City of Tomorrow", que teve lugar em Malmö em 2001.
Aproveita-se para lembrar o grande interesse desta exposição e para registar que a Bo01 foi organizada pelo “organismo de exposições habitacionais sueco” (Svensk Bostadsmässa), que integra o Conselho Nacional de Planeamento e Construção Habitacional (SABO), a Associação Sueca das Companhias Municipais de Habitação, a Associação Sueca das Autoridades Locais e quinze municípios suecos; salienta-se ainda que a Bo01 teve apoio financeiro da Comissão Europeia, designadamente, no que se refere ao desenvolvimento de soluções urbanas sustentáveis no campo da eficácia energética, bem como apoios técnicos por parte do da Administração Nacional Sueca da Energia e do Instituto de Ciência e Tecnologia de Lund.
A Bo01 foi o primeiro desenvolvimento/fase do novo bairro de  Malmö, designado como Västra Hamnen (O Porto Oeste) uma das principais áreas urbanas de desenvolvimento da cidade no futuro.
Mais se refere que, sempre que seja possível, as imagens recolhidas pelo autor do artigo na Bo01 serão referidas aos respetivos projetistas dos edifícios visitados; no entanto, o elevado número de imagens de interiores domésticos então recolhidas dificulta a identificação dos respetivos projetistas de Arquitetura, não havendo informação adequada sobre os respetivos designers de equipamento (mobiliário) e eventuais projetistas de arquitetura de interiores; situação pela qual se apresentam as devidas desculpas aos respetivos projetistas e designers, tendo-se em conta, quer as frequentes ausências de referências - que serão, infelizmente, regra em relação aos referidos designers -, quer os eventuais lapsos ou ausência de referências aos respetivos projetistas de arquitetura.
·        Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

Infohabitar, Ano XII, n.º 571
Artigo LXXXVIII da Série habitar e viver melhor

Repensar os espaços exteriores privados – Infohabitar n.º 571


Editor: António Baptista Coelho
abc@lnec.pt e abc.infohabitar@gmail.com
GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.


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