Repensar os espaços exteriores privados – Infohabitar n.º 571
Artigo LXXXVIII da Série habitar e viver melhor
António Baptista Coelho
Relação do espaço exterior privado com o restante espaço doméstico
Num estudo de Claude Lamure conclui-se que a utilização da varanda é,
frequentemente, considerada como uma espécie de paliativo à ausência de um
pequeno quintal privado, possibilidade esta que terá alguma relação com a
própria dimensão e organização da varanda e que é provada pelo frequente
arranjo da varanda como "pseudo-jardim".
Esta matéria tem relações com outros aspectos tratados nesta série
editorial, e essencialmente com a vontade de naturalização e apropriação da
habitação tão frequentemente expressada desde os espaços comuns ou públicos, na
vizinhança de portas de entrada, às varandas e janelas e às floreiras que
marcam paredes; é como se a natureza fosse a eleita para marcar o habitar, num
sentido contrário ao movimento que levou da natureza ao abrigo “artificial”; e
poderá haver boas respostas para esta situação, respostas que harmonizem a
força da apropriação privada com a atractividade da imagem comum que é
produzida, tudo dependendo, por exemplo, da boa previsão dos espaços e da
harmonização dos suportes (vasos e floreiras) para essa naturalização.
Fig. 01: - Edifícios multifamiliares com forte escala humana e em que a vegetação envolvente e própria proporciona excelente efeito de integração - exterior de habitações do conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - Arquitetura: Moore, Ruble, Yudell, Bertil Öhrström.
Integrar a natureza nos edifícios
Estas matérias ligam-se, também, a uma perspectiva de verdadeira
naturalização, quase “integral” ou muito expressiva da globalidade de edifícios
uni e multifamiliares, numa opção por uma espécie de camuflagem natural dos
espaços edificados, e para esta opção são fundamentais todos os tipos de
espaços exteriores privativos diversificadamente associados e configurados –
dos quintais e pátios, às pequenas jardinetas de remate da construção, às
varandas, balcões e terraços, às simples floreiras elevadas e associadas aos
referidos espaços ou simplesmente penduradas de paredes ou associadas a janelas
de sacada, janelas estas que facilmente são transformadas em pequeníssimas
varandas de assomar.
A questão da “linguagem” de Arquitectura usada e da eventual
dificuldade de compatibilização de um desenho depurado com este tipo de
soluções é uma questão que se remete, exactamente, para um esforço específico
de desenho.
Fig. 02: - Pátios privados que cooperam integralmente no "fazer" do espaço doméstico - interior e exterior de habitações do conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - Arquitetura: Nils-Olof Ljunggren, Kristofer Swahn, Mima.
Tipologias habitacionais e espaços exteriores privados
Ainda no que se refere a associações privilegiadas desta extensa
família de espaços e elementos de exterior privado com tipos habitacionais
específicos, salienta-se o facto, provado em numerosos inquéritos (1), de que a
preferência por edifícios unifamiliares é, muitas vezes, associada à existência
de um espaços exterior privativo e, muito especificamente, de um pequeno jardim
privado, que possa ser, em parte, utilizável para fins utilitários; e sobre este
facto salientam-se duas ideias de âmbito genérico, e muito curiosas:
. a primeira que não é, evidentemente, necessário fazer edifícios
unifamiliares “correntes” para se disponibilizar um pequeno espaço ajardinável
a cada habitação, pois há múltiplas soluções multifamiliares e de transição
uni-multifamiliar densificada que podem disponibilizar condições deste tipo e
com elas caracterizarem atraentes soluções urbanas pormenorizadas;
. e a segunda ideia é que, mais uma vez, a faceta “utilitária” aparece,
aqui em segundo plano na concepção doméstica.
Aborda-se a relação entre pátios ou pequenos jardins privativos e uma
estimulante diversificação tipológica residencial e urbana e importa sublinhar
que é esta ampla e muito diversificada virtualidade associativa e fortemente
caracterizadora que marca um extenso leque de soluções multifamiliares e de
transição uni-multifamiliar densificada, seja pelo evidenciar de tais espaços e
do seu conteúdo em termos de naturalização (árvores, grandes e pequenos
arbustos, trepadeiras, coberturas de solo, plantas rasteiras), seja também pelo
evidenciar da ausência estratégica dessa mesma naturalização – pois o desenho
irá marcar cada solução e sítio específicos. Mas não haja dúvidas sobre o
protagonismo de tais elementos na geração de diversificadas e estimulantes
tipologias habitacionais.
Fig. 03: - Interessantes acessos realizados através de quintais privados em que a vista pública é razoavelmente permitida, contribuindo a vedação para a dignididade e o interesse dos espaços públicos contíguos - exterior de habitações do conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - Arquitetura: Greger Dahlström.
Relação entre acessos e espaços exteriores privados
Um protagonismo que se associa a um outro fundamental elemento de
composição tipológica residencial e urbana, de pormenor, que é a estruturação,
associação, e evidenciação ou camuflagem de acessos comuns e privativos,
relativamente aos referidos espaços exteriores privativos. Uma matéria que fica
evidente pelo interesse que sempre terá poder-se entrar “em casa” através de um
espaço exterior privativo, que pode ser um quintal ou pátio privativo em
soluções unifamiliares e de transição uni-multifamiliar densificada, mas que
pode ser até, por exemplo, um pequeno pátio/terraço alongado em soluções
multifamiliares densificadas e em altura, associando-se, neste caso, uma
estimulante ambiguidade entre o “viver em altura” e a vivência “natural” mais ligada
ao solo. E não se pense que tais diversificações de soluções são,
necessariamente, caras ou luxuosas, pois são, sim e obrigatoriamente soluções
extremamente bem desenhadas e pormenorizadas.
Exterior privado e adequação climática ou sustentabilidade ambiental doméstica
E em todas estas reflexões importa sublinhar que é urgente privilegiar,
cada vez mais, o exterior e, neste caso, especificamente, o exterior privativo
no desenvolvimento de soluções habitacionais num sul da Europa, climaticamente
agradável em boa parte do ano.
Mas mesmo mais a norte na Europa têm sido desenvolvidas soluções
marcadas por espaços exteriores privativos associados às entradas principais de
habitações incluídas em grandes condomínios verticalizados, numa opção que,
desta forma, pretende caracterizar estas habitações como se fossem “moradias”
agregadas num conjunto em altura, reforçando-se os respectivos aspectos de
individualidade e de apropriação, através de plantas e outros arranjos do
exterior. A ideia que se quer deixar é que se isto é possível e tem sido
praticado, com êxito, a caminho do norte da Europa, será muito adequado quer em
países mais a sul, quer em soluções menos altas e densificadas,
proporcionando-se um muito amplo leque de resultados formais e funcionais, que
serão, também, muito estimulantes nas suas imagens urbanas.
Fig. 04: - O exterior doméstico e prolonga o respetivo interior e que tem, mesmo, presença/força própria ( e atenção, que estamos no Norte da Europa) - exterior de habitações do conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - Arquitetura: Stella Eriksson, Ellica Stare, Sven Gustafsson.
Associações preferenciais entre espaços domésticos interiores e exteriores
Considerando agora as associações preferenciais entre espaços
domésticos interiores e exteriores sublinha-se que as varandas e os terraços
podem privilegiar o desenvolvimento de entradas
principais ou de serviço na habitação, e também o “prolongamento” das salas, e,
numa gradação de relações preferenciais, os quartos de dormir e as saletas;
tais relações entre espaços domésticos interiores e exteriores, podem também
assumir um carácter de varanda ou terraço de serviço, junto da cozinha e da
zona de tratamento de roupa. A ideia é, naturalmente, de se poder servir melhor
todos os habitantes e apoiar, eventualmente, reuniões e convívios mais
alargados. E há soluções que compatibilizam espaço mais social e mais de
serviço, naturalmente, com uma mais desafogada disponibilidade de espaço.
Uma outra associação funcional que pode ser muito explorada,
designadamente, em zonas com microclimas mais amenos é a existência de espaços
privativos exteriores do tipo varandas, pátios e alpendres que constituam
ligações activas entre vários compartimentos da habitação, podendo constituir
ligações alternativas, que são sempre úteis, por exemplo, quando se realizam
festas em casa, ou que poderão constituir elas próprias as únicas circulações
disponíveis, essencialmente em soluções habitacionais muito caracterizadas e
desde que estes espaços de circulação tenham uma protecção climática reforçada.
Uma associação funcional que começa a ser frequente noutras zonas do
mundo é o desenvolvimento no exterior privativo de uma verdadeira e espaçosa
sala de estar e de refeições aberta ao exterior, habitualmente associada, por
exemplo, a condições para grelhar alimentos; uma possibilidade que estará
naturalmente mais associada a condições de espaciosidade acima da média ou de
fácil desenvolvimento em piso térreo e sem se prejudicar, ambientalmente,
habitações vizinhas.
·
Notas
(1) M. Imbert, "Mission d'Études de la Ville Nouvelle du
Vaudreil", p. 18.
·
Nota importante sobre as
imagens que ilustram o artigo:
As imagens que acompanham este artigo e que irão,
também, acompanhar outros artigos desta mesma série editorial foram recolhidas
pelo autor do artigo na visita que realizou à exposição habitacional
"Bo01 City of Tomorrow", que teve lugar em Malmö em 2001.
Aproveita-se para lembrar o grande interesse desta
exposição e para registar que a Bo01 foi organizada pelo “organismo de
exposições habitacionais sueco” (Svensk Bostadsmässa), que integra o Conselho
Nacional de Planeamento e Construção Habitacional (SABO), a Associação Sueca
das Companhias Municipais de Habitação, a Associação Sueca das Autoridades
Locais e quinze municípios suecos; salienta-se ainda que a Bo01 teve apoio
financeiro da Comissão Europeia, designadamente, no que se refere ao
desenvolvimento de soluções urbanas sustentáveis no campo da eficácia
energética, bem como apoios técnicos por parte do da Administração Nacional
Sueca da Energia e do Instituto de Ciência e Tecnologia de Lund.
A Bo01 foi o primeiro desenvolvimento/fase do novo
bairro de Malmö, designado como Västra Hamnen (O Porto Oeste) uma das
principais áreas urbanas de desenvolvimento da cidade no futuro.
Mais se refere que, sempre que seja possível, as
imagens recolhidas pelo autor do artigo na Bo01 serão referidas aos respetivos
projetistas dos edifícios visitados; no entanto, o elevado número de
imagens de interiores domésticos então recolhidas dificulta a identificação dos
respetivos projetistas de Arquitetura, não havendo informação adequada sobre os
respetivos designers de equipamento (mobiliário) e eventuais projetistas de
arquitetura de interiores; situação pela qual se apresentam as devidas
desculpas aos respetivos projetistas e designers, tendo-se em conta, quer as frequentes
ausências de referências - que serão, infelizmente, regra em relação aos
referidos designers -, quer os eventuais lapsos ou ausência de referências aos
respetivos projetistas de arquitetura.
·
Notas
editoriais:
(i) Embora a edição dos
artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo
editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um
significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e
comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos
respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva
responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o
mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e
científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito
significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver
com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo
GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à
respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas
e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do
teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou
negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi
recebido na edição.
Infohabitar, Ano XII, n.º 571
Artigo
LXXXVIII da Série habitar e viver melhor
Repensar
os espaços exteriores privados – Infohabitar n.º 571
Editor: António Baptista
Coelho
abc@lnec.pt e abc.infohabitar@gmail.com
abc@lnec.pt e abc.infohabitar@gmail.com
GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade
Habitacional
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação -
Olivais Norte.
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