Infohabitar,
Ano XII, n.º 567
Série
editorial: Habitar e Viver Melhor
Artigo
LXXXV
António Baptista Coelho
Renovada abordagem das casas de banho domésticas - I
Quando falamos de “casas de banho”, falamos dos espaços que
incluem mais instalações de águas e esgotos embebidas na construção, mas faz
muito pouco sentido, numa habitação que se deseja possa ser geradora de
verdadeira satisfação, fazerem-se “instalações sanitárias”, ostensivamente
marcadas pela funcionalidade, pela frieza ambiental e pela “objectividade” das
respectiva “peças sanitárias”, tal peças de catálogo em tamanho real.
Numa habitação que se deseja possa ser geradora de verdadeira
satisfação há que fazer “casas de banho” ou “quartos de banho” ou “salas de
banho”, com tudo o que funcional, ambiental e pormenorizadamente implica este
tipo de objectivo, designadamente, em condições de conforto ambiental (por
exemplo luz e ventilação naturais), em escolha de acabamentos e de elementos
sanitários caracterizados por uma afirmada domesticidade (por exemplo
revestimentos e tintas com texturas agradáveis e tons de cor quentes), elementos
estes em que a função do banho seja claramente destacada e valorizada, e pela
existência de espaços minimamente mobiláveis e apropriáveis (por exemplo
pequenos móveis de madeira e vasos com plantas); desta forma teremos a
percepção que nestes “quartos de banho” continuamos bem “em casa” em casa
nossa, por nós habitada e marcada, e não numa espécie de espaço “marciano”,
frio e duro.
E já aqui referimos a ideia de ter havido, há cerca de um
século, a necessidade de higienizar estes tipos de espaços, agregando a função
do banho, uma função nobre, que sempre aconteceu em casa, às novas funções
domésticas sanitárias, que antes aconteciam essencialmente no exterior ou no
interior em condições de recurso (por exemplo com vasos de noite); e nesta
fusão funcional, que foi depois, marcada pelo nascente funcionalismo, ficou a
perder a referida nobre função do banho e da higiene pessoal, sacrificadas ao
objectivo único da higiene, da facilidade de limpeza e da impermeabilização; e
depois, depois, veio a especulação imobiliária defender que as “instalações
sanitárias” poderiam ser interiores e mínimas, marcadas pela largura da
banheira, e servidas pela famosa “ventilação forçada”, e lá se perderam as
janelas e se transformaram estes espaços numa espécie de despensas sanitárias
úteis, entre outros usos, para “câmaras escuras” fotográficas.
Mas hoje em dia é altura de voltar a colocar estas matérias
de acordo com a sua verdadeira importância doméstica, aproveitando as tantas
inovações tecnológicas para simplificar o que é simplificável e devolver o
carácter doméstico, atraente e acolhedor aos “quartos de banho”; e até é
possível associar tal caracterização com aspectos de maior eficácia funcional,
por exemplo, em soluções com muita arrumação em
"lambril" saliente, que também serve para a passagem da canalização,
que assim fica mais acessível para posteriores intervenções.
Em termos gerais fazer casas de banho que contribuam para um
habitar mais feliz tem a ver com dois aspectos distintos.
Um primeiro aspecto refere-se ao funcionamento eficaz e
optimizado das diversas instalações de águas e esgotos, de ventilação e de
impermeabilização que asseguram a uma casa de banho o seu adequado
funcionamento e com uma máxima redução de eventuais incómodos e más influências
na restante habitação; esta matéria é realmente do âmbito funcional e tem de
ser garantida “a 100%” e hoje em dia os avanços tecnológicos podem garantir
esta condição; e associa-se a este aspecto funcional um fundamental bom senso
na localização doméstica de instalações e espaços sanitários, bom sendo este
que por vezes é bem necessário em situações marcadas por grandes casas de banho
privativas, enquanto os restantes habitantes têm de usar casas de banho
espacialmente mínimas e pouco equipadas.
Um segundo aspecto refere-se ao fazer das casas de banho
verdadeiros e atraentes espaços domésticos, através de boas condições de
desafogo espacial, agradáveis condições de luza natural e calorosas condições
de acabamento (por exemplo tipos de revestimentos e paleta de cores), de equipamento
fixo (exemplo, com imagem geral e pormenores associados a um espaço habitado,
apropriado e humanizado) e de margem para algum mobiliário capaz de marcar e
apropriar, claramente aquele espaço.
E aqui há que sublinhar que uma casa de
banho não tem de ser, quase com sentido de obrigatoriedade, um espaço “frio”,
impessoal e “lavável”, funcionando quase como um “alien” em termos da arquitectura de interiores de uma dada
habitação, e lembremos a altura em que surgiram as casas de banho interiores,
quando elas ainda tinham espaço e luz natural e elementos sanitários bem
marcados pelas suas funções originárias, do lavar as mãos e a cara e do banho,
e tenhamos presente as quase gerais actuais situações sanitárias domésticas
marcadas pelos espaços mínimos, por uma interioridade tantas vezes depressiva e
por uma maquinal associação dos elementos sanitários à própria construção, numa
associação quase sempre sem qualquer graça e sem qualquer humanidade.
Um outro aspecto que importa considerar quando reflectimos
sobre os melhores tipos de casas de banho domésticas, refere-se à possibilidade
de elas serem espaçosas e desafogadas desde que os seus revestimentos não
tenham de ser obrigatoriamente em azulejos e mosaicos, soluções estas que são
sempre relativamente dispendiosas; poderá haver, portanto, aqui também uma
margem de opções por mais espaço com soluções de revestimento mais baratas e
julga-se que, por exemplo, a indústria de tintas, é já capaz de oferecer
excelentes soluções para estes casos e com eventuais ganhos no tal sentido mais
doméstico caracterizando as casas de banho.
Haverá, assim, mais opções a serem feitas, opções estas que
terão de levar em conta a intensidade de uso e a diversidade de usos esperados
nas casas de banho.
Relativamente a este assunto refere-se o caso de habitações
sociais actualmente com quase 50 anos e ainda com uma solução de tinta tipo Kerapas
aplicada em cozinhas e casas de banho e em excelentes condições funcionais e de
aspecto.
(Fig. 01) Uma casa de banho não tem de ser, nem deve ser, um espaço "escuro", triste e mal pormenorizado; e esta opção nada tem a ver com questões de custo. Interior de habitação do conjunto urbano "Bo01
City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em
Malmö em 2001 (ver nota final) - H39, Arquitetura: Ralph Erskine.
Associações interessantes com casas de banho domésticas
As casas de banho devem ser estrategicamente acessíveis em
toda a habitação, mas não sendo directamente visíveis do “hall” de entrada, nem dos diversos espaços funcionais da sala-comum
e da cozinha.
No caso de haver uma única casa de banho esta deve servir,
privilegiadamente o(s) quarto(s), sendo de admitir, até, a sua integração como
privativa do quarto, no caso de existir apenas um quarto; solução esta que não
deixa de ser um pouco de recurso e, assim, associada, essencialmente, a
soluções de habitação com áreas reduzidas e com orçamentos controlados. Mas
fica aqui a ideia-chave que em pequenas habitações é fundamental que a casa de
banho sirva, privilegiadamente, a zona de dormir.
A questão da opção por casas de banho privativas está,
essencialmente, ligada ao orçamento disponível, pois, no limite, teremos,
sempre, a solução de um “tipo funcional” designável por “hotel residencial”, na
qual cada membro do agregado familiar dispõe de uma “suite” muito completa, onde pode desenvolver boa parte da sua vida
doméstica com uma privacidade e autonomia maximizadas, e nesta família de
soluções domésticas, naturalmente, cada quarto deverá ter uma casa de banho
completa, espaçosa e muito agradável.
Mas como essa será, realmente, uma solução-limite poderemos
ter um enorme leque de soluções desse tipos mas menos desenvolvidas e, por
exemplo, Neufert ilustra-nos (1) diversos modos de conciliação do serviço
privativo de uma casa de banho relativamente a um quarto de casal, com o
serviço comum desta mesma casa de banho em relação a outros quartos da
habitação.
Uma outra associação funcional/ambiental perfeitamente
adequada e com interessante potencial próprio e nas suas influências em outros
espaços da habitação refere-se ao apoio a diversas actividades de lavandaria
doméstica integradas em casas de banho. Uma solução que será agradável desde
que a casa de banho tenha luz e ventilação naturais e que exige, naturalmente,
uma espaciosidade própria e suplementar àquela ligada aos usos próprios da casa
de banho, salientando-se o interesse que uma tal espaciosidade poderá ter na
disponibilização de melhores condições de acessibilidade e movimentação na casa
de banho, pois as actividades de tratamento de roupa são periódicas e pouco
críticas relativamente ao uso corrente da casa de banho, e salientando-se,
também, o interesse que uma tal possibilidade sempre terá numa caracterização
mais humana e mais apropriada da casa de banho, designadamente, por introdução
de elementos de elementos de arrumação e mobiliário específicos ligados ao tratamento
e à arrumação de roupas.
Finalmente, sublinha-se o interesse que uma tal
solução terá na positiva discriminação de máquinas eventualmente ruidosas
relativamente a outros espaços da casa, como a cozinha, que poderão assumir,
como se apontou atrás, perfis funcionais mais amplos e ligados ao estar e ao
convívio domésticos.
E é sempre fundamental que as casas de banho tenham reservas
espaciais, pelo menos, mínimas utilizáveis como espaços de integração de
pequenos elementos de mobiliário que poderão ser de grande utilidade seja para
arrumações diversas e muito úteis nesses espaços, seja para o apoio à própria
utilização diversificada desses espaços e por pessoas com dificuldades de
movimentação; e nem é difícil ter em conta esta reserva espacial, pelo menos,
mínima. (2)
(Fig. 02) Uma casa de banho não tem de ser, nem deve ser, um espaço "escuro", triste e mal pormenorizado; e esta opção nada tem a ver com questões de custo. Interior de habitação do conjunto urbano "Bo01
City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em
Malmö em 2001 (ver nota final) - H25 – 26, Arquitetura: Gorän Mansson e Marianne Dahlbäck.
Hábitos interessantes na conceção de casas de banho domésticas
Continuando nas temáticas associadas às casas de banho
salienta-se o elevado potencial de transformação, decoração, e de alteração de
equipamento e de mobiliário que sempre esteve associado às casas de banho,
embora, frequentemente, em condições de espaciosidade extremamente reduzidas e
que muito dificultam e reduzem essas transformações e apropriações. Há nestes
compartimentos, frequentemente, um forte investimento no respectivo arranjo
visual e em mudanças de equipamentos, o que poderia ser considerado e apoiado,
por exemplo, através de uma maior facilidade na ligação de novos equipamentos e
mesmo de conjuntos de novos equipamentos, condição esta que seria muito
facilitada pela disponibilização das canalizações à vista ou sua “arrumação” em
“armários” facilmente visitáveis.
Ligados a esta matéria do gradual e habitual enriquecimento
das casas de banho em mobiliário e equipamento, sempre que tal é
dimensionalmente possível, devemos chamar a atenção para a actual redescoberta
de “o banho” como hábito doméstico polifacetado e muito positivo, com facetas
de interesse ligadas à saúde - o conceito novo/velho conceito da saúde pela
água (SPA) é o exemplo evidente desta redescoberta -, assim como outras facetas
ligadas ao próprio prazer do banho (em cabinas com cabeças de duche múltiplas e
em grandes banheiras com "hidromassagem") e á sua componente de acto
de estadia associável a um razoavelmente amplo leque de outras actividades
domésticas; e afinal todas estas facetas provavelmente tão importantes para uma
vida doméstica mais estimulante e agradável do que a bem conhecida e
“funcional” faceta da higiene pessoal.
Julga-se ser esta uma matéria muito importante seja pelas
razoáveis exigências dimensionais que uma tal redobrada importância do banho
acarreta para as casas de banho “correntes”, seja pelas claras exigências
ambientais também associadas a “o banho” – muito mais agradável numa casa de
banho com luz natural e plantas, do que num cubículo mínimo e claustrofóbico –,
seja potencial influência “re”-estruturadora que “o banho”, agora assumido como
elemento de grande importância doméstica, pode implicar em novas associações
funcionais e ambientais domésticas, por exemplo, associado de forma “nobre” a
um quarto ou até a uma zona de estar com características muito específicas.
Naturalmente que tudo isto, assim como outros temas de
organização e caracterização doméstica aqui estudados, nos pode levar bastante
longe, e há que definir alguns limites de abordagem, pelo que ao que acabou de
se apontar apenas se acrescenta que para se poderem acolher estes tipos de desenvolvimento há que atribuir à casa de
banho uma nova importância, há que ter a liberdade de poder considerar espaço
de banho e espaço sanitário (que integra o WC) com alguma ou com total
independência ( e aqui é interessante lembrarmos uma solução preconizada pelo Regulamento
Geral de Edificações Urbanas - RGEU - e que tinha o espaço de banho
autonomizado), e há que acabar, de vez, com a “mania” de que as casas de banho
têm a sua dimensão marcada pela dimensão minimizada do comprimento de uma
pequena banheira – atenção não se preconiza acabar com tais soluções mínimas,
naturalmente, mas usá-las como mínimas e apenas quando se pretende um espaço
mínimo, e nunca como uma espécie de “regra” tantas vezes associada à outra
“regra”, sem sentido, da casa de banho ser interior e com “ventilação forçada”.
Notas
([1]) Ernest Neufert, "Arte de Projetar em
Arquitetura", p. 184.
(2) Como indica Sven Thiberg ("Housing Research and
Design in Sweden", p. 180), a maioria das casas de banho não têm um espaço
de arrumações bem organizado, e um simples recanto com cerca de 0.60x0.60m de
área permite a instalação de um armário alto com variadas e úteis utilizações
(ex., toalhas, papel, artigos de higiene e beleza, roupa suja, etc.); caso não
se use para este fim, o referido espaço permite a instalação de uma cadeira,
sempre útil no apoio aos banhos e a outros usos da casa de banho.
Nota importante sobre as imagens que
ilustram o artigo:
As imagens que acompanham este artigo e
que irão, também, acompanhar outros artigos desta mesma série editorial foram
recolhidas pelo autor do artigo na visita que realizou à exposição
habitacional "Bo01 City of Tomorrow", que teve lugar em Malmö em
2001.
Aproveita-se para lembrar o grande
interesse desta exposição e para registar que a Bo01 foi organizada pelo
“organismo de exposições habitacionais sueco” (Svensk Bostadsmässa), que
integra o Conselho Nacional de Planeamento e Construção Habitacional (SABO), a
Associação Sueca das Companhias Municipais de Habitação, a Associação Sueca das
Autoridades Locais e quinze municípios suecos; salienta-se ainda que a Bo01
teve apoio financeiro da Comissão Europeia, designadamente, no que se refere ao
desenvolvimento de soluções urbanas sustentáveis no campo da eficácia
energética, bem como apoios técnicos por parte do da Administração Nacional
Sueca da Energia e do Instituto de Ciência e Tecnologia de Lund.
A Bo01 foi o primeiro desenvolvimento/fase
do novo bairro de Malmö, designado como Västra Hamnen (O Porto Oeste) uma
das principais áreas urbanas de desenvolvimento da cidade no futuro.
Mais se refere que, sempre que seja
possível, as imagens recolhidas pelo autor do artigo na Bo01 serão referidas
aos respetivos projetistas dos edifícios visitados; no entanto, o elevado
número de imagens de interiores domésticos então recolhidas dificulta a identificação
dos respetivos projetistas de Arquitetura, não havendo informação adequada
sobre os respetivos designers de equipamento (mobiliário) e eventuais
projetistas de arquitetura de interiores; situação pela qual se apresentam
as devidas desculpas aos respetivos projetistas e designers, tendo-se em conta,
quer as frequentes ausências de referências - que serão, infelizmente, regra em
relação aos referidos designers -, quer os eventuais lapsos ou ausência de
referências aos respetivos projetistas de arquitetura.
Notas
editoriais:
(i) Embora a edição dos
artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo
editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um
significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e
comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos
respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva
responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o
mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e
científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito
significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver
com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo
GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à
respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas
e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do
teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou
negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi
recebido na edição.
Infohabitar, Ano XII, n.º 567
Artigo
LXXXV da Série habitar e viver melhor
Infohabitar n.º 567
Verdadeiras casas
de banho e não simples
e frias “instalações sanitárias” - I
Editor: António Baptista
Coelho
– abc@ubi.pt, abc@lnec.pt e abc.infohabitar@gmail.com
GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade
Habitacional, Mestrado Integrado em Arquitectura da Universidade da Beira Interior - MIAUBI
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação -
Olivais Norte.
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