Artigo LV da Série habitar e
viver melhor
Infohabitar, Ano X, n.º 493
Diversas opções para os espaços da habitação ou
Zonas domésticas:
propostas organizativas – II
António Baptista Coelho
Em seguida e
na sequência do artigo editado na passada semana desenvolvem-se, um pouco mais,
as matérias associadas a um leque de propostas organizativas para as zonas domésticas,
sob o ponto de vista de diversos autores especialistas nestas matérias, apontando-se,
desde já, a importância deste tipo de reflexões, designadamente, quando
aplicadas a soluções habitacionais espacialmente muito condicionadas, como é o
caso das soluções de habitação de interesse social.
Espaços tipologicamente distintos em termos de socialização, privacidade e funcionalidade geral.
Harald
Deilmann distingue cinco tipos de espaços domésticos e, sequencialmente define
cinco zonas domésticas distintas (1):
·
espaços de socialização e comunicação;
·
espaços individuais;
·
espaços sanitários;
·
espaços de preparação de refeições;
·
espaços de circulação.
Fica, de certa
forma, a fragmentação funcional totalmente consumada.
Habitações “divididas” pela barreira entre usos essencialmente noturnos ou diurnos.
Vamos agora à
“última fronteira” funcional a da barreira entre noite e dia, a famosa
definição de “zona de quartos” e zona de entrada e recepção.
E nesta
matéria e na perspectiva de Claude Lamure, essa distinção “clássica” entre
espaços "de noite" e "de dia" terá perdido boa parte da sua
razão de ser, porque a falta de espaço obriga crianças e por vezes adultos a
passarem parte do dia nos seus quartos "de dormir"; e Lamure propõe
que talvez a distinção possa ter mais a ver com as diversas características de
privacidade e de convencionalidade no uso e no arranjo dos espaços, que marcam
zonas domésticas mais formais ou mais informais. (2)
Espaços mais formais e mais informais da habitação – ou domínios das crianças, domínios dos adultos e domínios comuns.
Ficamos,
então, com formalidade e informalidade, matérias que pouco serão
aplicáveis nas áreas limitadas da habitação de interesse social, onde,
provavelmente, não haveria espaço para a formalidade, mas, como ela subsiste,
então as pessoas acabam, por vezes, por se acumularem em partes da habitação
para poderem continuar a ser formais noutros espaços da mesma habitação.
Alexander
defende que numa habitação para uma família com filhos devem existir dois
domínios próprios, especificamente, dos pais e dos filhos, relacionados entre
si através de um terceiro domínio, o domínio comum. (3)
. O
domínio implica isolamento visual e acústico, e, como as crianças correm toda a
casa, uma relação directa com uma casa de banho. (4)
. O
domínio das crianças deve considerá-las nos seus momentos de maior energia,
evitando-se, que os espaços dos adultos estejam no meio da confusão,
protegendo-se os quartos dos adultos e os locais de maior sossego ou com mais
fortes exigências de formalidade. (5)
Teremos aqui os domínios das crianças, dos
adultos e comum aos dois grupos; uma exigência que parece obrigar a
condições especiais de espaciosidade.
Fig. 1
Habitação que se adapta à evolução etária e da composição da família e dos respetivos usos e desejos domésticos
Harald
Deilmann (6), que estudou um muito amplo leque de casos práticos, desenvolveu,
um pouco mais, esta perspectiva de uma organização doméstica associada a uma
evolução da idade da família e chegou às seguintes conclusões: quando existam crianças pequenas, a habitação
deve caracterizar-se por um forte relacionamento mútuo entre os seus diversos
espaços.
Quando existam crianças e adolescentes, a habitação deve caracterizar-se
por um equilíbrio entre o referido relacionamento mútuo entre os diversos
espaços e outros espaços onde seja possível alguma privacidade e autonomia
vivencial; quando existam adolescentes e jovens adultos, a habitação deve
caracterizar-se por um equilíbrio entre os referidos aspectos de relacionamento
mútuo entre os diversos espaços e de existência de outros espaços onde seja
possível alguma privacidade e autonomia vivencial e, ainda, outros espaços
domésticos com afirmada privacidade e autonomia; quando existam jovens adultos,
a habitação deve caracterizar-se pela existência de espaços com forte
privacidade e autonomia.
As notas relativas às conclusões de Deilmann
acabaram, mas é possível juntar que, quando existam adultos talvez seja de
favorecer para além dos espaços com forte privacidade e autonomia, outros
espaços com um amplo e adaptável leque de aptidões funcionais e de forte
caracterização formal; e quando existirem velhos adultos então, talvez seja a
altura de “voltar” a uma certa adaptabilidade e indiferenciação.
Deste registo dos estudos de Deilmann fica uma
perspectiva de uma sequência evolutiva da habitação acompanhando o
envelhecimento da família.
Influência da ocupação habitacional no dimensionamento doméstico
Segundo M.
Imbert, em habitações fortemente ocupadas e dimensionalmente limitadas não faz
sentido incentivar as crianças a permanecerem nos seus quartos, e o resultado é
que a sala-comum será por elas apropriada. (7)
As crianças precisam de mais espaço doméstico do que os adultos para as suas diversas actividades, devido à sua grande necessidade de movimento e à sua capacidade limitada de concentração. Por estas razões as famílias com crianças precisam de mais espaço, em geral e, nomeadamente, em vários espaços da casa (sala, quartos ou quarto e casa de banho, para banho assistido).
Desta reflexão
de Imbert fica a noção que as maiores tipologias domésticas devem ter áreas
funcionais substancialmente acrescidas e que as áreas sociais da habitação
(cozinha e sala-comum) deverão oferecer alternativas para diversas actividades
de lazer e convívio.
Importância da socialização na estruturação e na espaciosidade domésticas
Finalmente,
regista-se a noção do Arq.º Prieur (8) no que se refere a considerar que a
principal actividade da família, toda junta, é a conversa por ocasião das
refeições, o que faria destacar a importância da localização e das
características de conforto e agradabilidade da zona de refeições. Sem se negar
a justeza do raciocínio importa comentar que, hoje em dia, talvez a par desta
espaço de refeições, que há que defender como pólo convivial doméstico, não é
possível deixar de referir a zona onde se vê televisão, igualmente, como pólo
de convívio da habitação.
Destas notas retira-se que é fundamental que a organização e o espaço disponível na habitação proporcione a evidenciada instalação de uma mesa de refeições e de um espaço de estar, ambos com excelentes condições para estímulo do convívio e do lazer em casa; se tais espaços não forem possíveis as pessoas irão “fugir”, rapidamente, para os seus quartos ou para fora de casa.
Abordaram-se
vários “temas” de organização doméstica, mas há que ter a noção de que nesta(s)
matéria(s) cada bom projectista terá os seus “segredos”, no sentido de ir
preferindo certas soluções e experimentando outras, e em todas estas matérias tudo
se ganha com o estudo e a visita cuidadosa ao leque mais alargado possível de
soluções.
Em próximos artigos desta série editorial iremos aprofundar um pouco dessa rica e importante/fundamentada diversidade que deve marcar uma renovada e adaptável estruturação doméstica.
Notas:
(1) Harald Deilmann; J.
Kirschenmann; H. Pfeiffer, "The Dwelling / Dwelling-types,
Building-types", p. 39.
(2) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie
Familiale", p. 106.
(3) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray
Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", p.
350.
(4) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray
Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp.
577 e 578.
(5) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray
Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp.
581 e 582.
(6) Harald Deilmann; J. Kirschenmann;
H. Pfeiffer, "The Dwelling / Dwelling-types, Building-types", pp. 25
e 30.
(7) M. Imbert, "Mission
d'Études de la Ville Nouvelle du Vaudreil", p. 13.
(8) P. H. Chombart de Lauwe, et
al, "Famille et Habitation I, Sciences Humaines et Conceptions de
l'Habitation", pp. 175, 176 e 177.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos
artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo
editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um
significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e
comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos
respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva
responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo
sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e
científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito
significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver
com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo
GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à
respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas
e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do
teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou
negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi
recebido na edição.
INFOHABITAR Ano X, nº 493
Editor: António Baptista
Coelho - abc@lnec.pt
GHabitar (GH) Associação
Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional,
Zonas domésticas:
propostas organizativas – II
Artigo LV da Série habitar e viver melhor
Edição: José Baptista
Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.
Sem comentários :
Enviar um comentário