Infohabitar,
Ano X, n.º 492
Zonas domésticas: propostas organizativas – I
Artigo LIV da Série
habitar e viver melhor
Zonas domésticas: propostas organizativas – I
António Baptista Coelho
Provavelmente, há
alguns anos, esta parte do trabalho, no âmbito de um estudo sobre a temática
ampla do “habitar e viver melhor”, seria das mais importantes em termos de um
apoio prático ao desenvolvimento de melhores soluções habitacionais.
Tratava-se, então, afinal, de um relativo culminar de toda uma tradição de
zonamentos funcionais ou funcionalistas, zonamentos estes que, infelizmente,
ajudaram a destruir bairros de cidades e a uniformizar espaços domésticos no
sentido do serviço a uma pessoa “média” e a uma família “média”, provavelmente
a tal que deseja o T3, mas que acaba por se contentar com um T2 com uma pequena
sala e uma pequena cozinha, quartos dimensionados para “mobílias completas” e
uma sala-comum onde quase nem há espaço para encaixar todo o catálogo de
mobiliário, quanto mais para aceitar toda uma vida doméstica que aí se tem de
concentrar.
A culpa não foi
apenas de quem projectou estes espaços, mas também de uma relativa paranóia
regulamentar que, só por acaso, não acabou, ou acabará, por regulamentar tudo
aquilo que tem a ver com a actividade humana.
Já se apontou que se
considera haver matérias que têm de ser regulamentadas, como as ligadas à
segurança, mas, mesmo nestes casos há que sopesar, em casos específicos, se
será melhor assegurar mais segurança ou mais qualidade de vida, e se não haverá
soluções alternativas, quando tais escolhas se colocarem e, por vezes,
colocam-se mesmo. E, naturalmente, sempre que possível há que harmonizar tais
condições de segurança com as condições aplicáveis de qualidade de vida; disso
se falou um pouco quando andámos pelos espaços comuns dos edifícios.
Mas agora estamos em
pleno “mundo” privado, e aqui o que há a regulamentar deve estar embebido em
instalações e equipamentos de certa forma longe de quem habita, longe porque
funcionalmente independente do habitante. E, assim, a ideia que se perfilha,
aqui, no interior doméstico é a de um muito amplo leque de soluções, onde o que
se garante além dessas condições “embebidas”, deve estar ligado a aspectos essenciais
de funcionalidade, acessibilidade e higiene básica, aspectos estes muito
concentrados em “zonas de água” (bancadas de cozinha, espaços de tratamento de
roupa e casas de banho).
Teremos, assim, portanto e desejavelmente, uma organização-base doméstica que assegure uma funcionalidade maximizada dos espaços e elementos verdadeiramente “maquinais”, e designadamente daqueles associados às instalações de águas e esgotos, sendo que todos os outros mais do âmbito eléctrico devem ser integrados ao máximo numa ambientação doméstica, podendo mesmo optar-se pela sua camuflagem.
Quanto aos “velhos” aspectos de organização dita “funcional” da casa, tal como ainda são considerados, designadamente, no “mercado habitacional”, como por exemplo as “clássicas” “zonas íntimas” e outras zonas mais ou menos funcionais, julga-se que a estruturação doméstica será tanto mais negativa, no que se refere à sua assimilação por diversas famílias, quanto mais “hierarquizada”, "rígida" e “em árvore” for a respectiva organização.
O resto, e o resto
que é quase tudo no espaço doméstico, deveria ser deixado a uma ampla liberdade
de concepção, embora tal liberdade seja, como sabemos, uma condição gémea de
uma apertada exigência de qualidade de Arquitectura.
Fig. 1
Fig. 1
Dito isto, que será
um tema geral orientador desta reflexão sobre habitações que possam
influenciar uma vida mais feliz, apontam-se e comentam-se, brevemente, em
seguida, algumas das “velhas”, mas adequadas, ideias de organização da habitação que podem
informar as diversas soluções de organização domésticas, mesmo quando consideradas
apenas a título de quadros organizativos genéricos – e regista-se que estas
referências foram baseadas nos elementos recolhidos para o meu estudo
intitulado “Do bairro e da vizinhança à habitação”, editado pelo LNEC (ITA 2).
E nessas “velhas”
ideias iremos abordar,sinteticamente, servindo-nos das opiniões de um amplo
leque de autores, as matérias que, em seguida, se apontam:
Espaços tipologicamente distintos em termos de socialização, privacidade e funcionalidade geral.
Matéria que
interessantemente conjuga aspetos que por vezes são considerados de forma
desagregada, provocando “organizações” domésticas muito discutíveis ou mesmo
muito negativas.
Habitações “divididas” pela barreira entre usos
essencialmente noturnos ou diurnos.
Matéria que não deve
ser considerada “à letra”, em termos da referida “divisão”, mas sim numa
aproximação a estruturações domésticas que salvaguardem aspetos essenciais de
conforto e de privacidade, assim como alguma estimulante diversidade de
arranjos e de ambientes gerais, que são proporcionados – contrariamente a
quadros domésticos monótonos, repetitivos e sem capacidade de atração.
Zonas mais formais e mais informais da habitação – ou
domínios das crianças, domínios dos adultos e domínios comuns.
A questão da boa
aceitação doméstica, em termos de estruturação e pormenorização, a modos de
vida mais formais ou mais informais é essencial quando se pretende dotar a
habitação de uma boa capacidade em termos de adaptabilidade e de apropriação.
Habitação que se adapta à evolução etária e da
composição da família e dos respetivos usos e desejos domésticos.
Uma habitação que se
possa ir razoavelmente adaptadando, em termos de processos mais passivos ou
mais ativos, à evolução etária e da composição da família e dos respetivos usos
e desejos domésticos, é uma qualidade essencial, seja na máxima valia de cada
habitação relativamente a diversos grupos de utentes e de agregados familiares
que a usem ao longo de gerações, seja na sua versatilidade de resposta ao uso
pela mesma família ao longo dos anos e designadamente por pessoas que vão
envelhecendo, mas que devem poder continuar a contar com a sua habitação.
Influência da ocupação habitacional no dimensionamento doméstico.
As questões ligadas à
ocupação tendencial específica de um dado espaço doméstico, por exemplo, por
uma família com crianças, por um jovem sozinho, ou por um casal de idosos, deve
influenciar a “tipologia” do respetivo dimensionamento (ex., maior ou menor
espaciosidade) e, naturalmente, da sua estruturação e conteúdos funcionais.
Importância da socialização na estruturação e na
espaciosidade domésticas.
Finalmente, nesta
pequena súmula de aspetos que influenciam as propostas organizativas para as
zonas domésticas, salienta-se a importância que sempre tem o apoio ao
convívio/socialização na respetiva estruturação e espaciosidade domésticas.
No próximo artigo serão desenvolvidas, um pouco mais, estas matérias, mas desde já se aponta a sua
importância, designadamente, quando aplicadas a soluções habitacionais espacialmente
muito condicionadas, como é o caso das soluções de habitação de interesse
social.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos
artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial,
no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um
significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e
comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos
respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva
responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo
sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e
científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito
significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver
com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo
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respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas
e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do
teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou
negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi
recebido na edição.
INFOHABITAR Ano X, nº 492
Editor: António Baptista Coelho -
abc@lnec.pt
GHabitar (GH)
Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional
Laboratório Nacional de Engenharia
Civil (LNEC), Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT)
Zonas domésticas: propostas organizativas – I
Artigo LIV da Série
habitar e viver melhor
Edição: José Baptista Coelho -
Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.
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