segunda-feira, julho 21, 2014

492 - ZONAS DOMÉSTICAS: PROPOSTAS ORGANIZATIVAS – I - Infohabitar 492


Infohabitar, Ano X, n.º 492

Zonas domésticas: propostas organizativas – I

Artigo LIV da Série habitar e viver melhor


Zonas domésticas: propostas organizativas – I

António Baptista Coelho

Provavelmente, há alguns anos, esta parte do trabalho, no âmbito de um estudo sobre a temática ampla do “habitar e viver melhor”, seria das mais importantes em termos de um apoio prático ao desenvolvimento de melhores soluções habitacionais. Tratava-se, então, afinal, de um relativo culminar de toda uma tradição de zonamentos funcionais ou funcionalistas, zonamentos estes que, infelizmente, ajudaram a destruir bairros de cidades e a uniformizar espaços domésticos no sentido do serviço a uma pessoa “média” e a uma família “média”, provavelmente a tal que deseja o T3, mas que acaba por se contentar com um T2 com uma pequena sala e uma pequena cozinha, quartos dimensionados para “mobílias completas” e uma sala-comum onde quase nem há espaço para encaixar todo o catálogo de mobiliário, quanto mais para aceitar toda uma vida doméstica que aí se tem de concentrar.

A culpa não foi apenas de quem projectou estes espaços, mas também de uma relativa paranóia regulamentar que, só por acaso, não acabou, ou acabará, por regulamentar tudo aquilo que tem a ver com a actividade humana.

Já se apontou que se considera haver matérias que têm de ser regulamentadas, como as ligadas à segurança, mas, mesmo nestes casos há que sopesar, em casos específicos, se será melhor assegurar mais segurança ou mais qualidade de vida, e se não haverá soluções alternativas, quando tais escolhas se colocarem e, por vezes, colocam-se mesmo. E, naturalmente, sempre que possível há que harmonizar tais condições de segurança com as condições aplicáveis de qualidade de vida; disso se falou um pouco quando andámos pelos espaços comuns dos edifícios.

Mas agora estamos em pleno “mundo” privado, e aqui o que há a regulamentar deve estar embebido em instalações e equipamentos de certa forma longe de quem habita, longe porque funcionalmente independente do habitante. E, assim, a ideia que se perfilha, aqui, no interior doméstico é a de um muito amplo leque de soluções, onde o que se garante além dessas condições “embebidas”, deve estar ligado a aspectos essenciais de funcionalidade, acessibilidade e higiene básica, aspectos estes muito concentrados em “zonas de água” (bancadas de cozinha, espaços de tratamento de roupa e casas de banho).

Teremos, assim, portanto e desejavelmente, uma organização-base doméstica que assegure uma funcionalidade maximizada dos espaços e elementos verdadeiramente “maquinais”, e designadamente daqueles associados às instalações de águas e esgotos, sendo que todos os outros mais do âmbito eléctrico devem ser integrados ao máximo numa ambientação doméstica, podendo mesmo optar-se pela sua camuflagem.

Quanto aos “velhos” aspectos de organização dita “funcional” da casa, tal como ainda são considerados, designadamente, no “mercado habitacional”, como por exemplo as “clássicas” “zonas íntimas” e outras zonas mais ou menos funcionais, julga-se que a estruturação doméstica será tanto mais negativa, no que se refere à sua assimilação por diversas famílias, quanto mais “hierarquizada”, "rígida" e “em árvore” for a respectiva organização.

O resto, e o resto que é quase tudo no espaço doméstico, deveria ser deixado a uma ampla liberdade de concepção, embora tal liberdade seja, como sabemos, uma condição gémea de uma apertada exigência de qualidade de Arquitectura.


Fig. 1

Dito isto, que será um tema geral orientador desta reflexão sobre habitações que possam influenciar uma vida mais feliz, apontam-se e comentam-se, brevemente, em seguida, algumas das “velhas”, mas adequadas, ideias de organização da habitação que podem informar as diversas soluções de organização domésticas, mesmo quando consideradas apenas a título de quadros organizativos genéricos – e regista-se que estas referências foram baseadas nos elementos recolhidos para o meu estudo intitulado “Do bairro e da vizinhança à habitação”, editado pelo LNEC (ITA 2).

E nessas “velhas” ideias iremos abordar,sinteticamente, servindo-nos das opiniões de um amplo leque de autores, as matérias que, em seguida, se apontam:

Espaços tipologicamente distintos em termos de socialização, privacidade e funcionalidade geral.
Matéria que interessantemente conjuga aspetos que por vezes são considerados de forma desagregada, provocando “organizações” domésticas muito discutíveis ou mesmo muito negativas.

Habitações “divididas” pela barreira entre usos essencialmente noturnos ou diurnos.
Matéria que não deve ser considerada “à letra”, em termos da referida “divisão”, mas sim numa aproximação a estruturações domésticas que salvaguardem aspetos essenciais de conforto e de privacidade, assim como alguma estimulante diversidade de arranjos e de ambientes gerais, que são proporcionados – contrariamente a quadros domésticos monótonos, repetitivos e sem capacidade de atração.

Zonas mais formais e mais informais da habitação – ou domínios das crianças, domínios dos adultos e domínios comuns.
A questão da boa aceitação doméstica, em termos de estruturação e pormenorização, a modos de vida mais formais ou mais informais é essencial quando se pretende dotar a habitação de uma boa capacidade em termos de adaptabilidade e de apropriação.

Habitação que se adapta à evolução etária e da composição da família e dos respetivos usos e desejos domésticos.
Uma habitação que se possa ir razoavelmente adaptadando, em termos de processos mais passivos ou mais ativos, à evolução etária e da composição da família e dos respetivos usos e desejos domésticos, é uma qualidade essencial, seja na máxima valia de cada habitação relativamente a diversos grupos de utentes e de agregados familiares que a usem ao longo de gerações, seja na sua versatilidade de resposta ao uso pela mesma família ao longo dos anos e designadamente por pessoas que vão envelhecendo, mas que devem poder continuar a contar com a sua habitação.

Influência da ocupação habitacional no dimensionamento doméstico.
As questões ligadas à ocupação tendencial específica de um dado espaço doméstico, por exemplo, por uma família com crianças, por um jovem sozinho, ou por um casal de idosos, deve influenciar a “tipologia” do respetivo dimensionamento (ex., maior ou menor espaciosidade) e, naturalmente, da sua estruturação e conteúdos funcionais.

Importância da socialização na estruturação e na espaciosidade domésticas.
Finalmente, nesta pequena súmula de aspetos que influenciam as propostas organizativas para as zonas domésticas, salienta-se a importância que sempre tem o apoio ao convívio/socialização na respetiva estruturação e espaciosidade domésticas.

No próximo artigo serão desenvolvidas, um pouco mais, estas matérias, mas desde já se aponta a sua importância, designadamente, quando aplicadas a soluções habitacionais espacialmente muito condicionadas, como é o caso das soluções de habitação de interesse social.

Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
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INFOHABITAR Ano X, nº 492
Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional
Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT)

Zonas domésticas: propostas organizativas – I

Artigo LIV da Série habitar e viver melhor
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.

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