domingo, julho 13, 2014

491 - ARQUITECTURA COM TERRA II - Infohabitar 491

Infohabitar, Ano X, n.º 491

 ARQUITECTURA COM TERRA

Experiências do fazer - II
 ARESTA, Marco; GIULIA, Scialpi

Nota prévia do editor da Infohabitar:
Há poucas semanas foi editado um primeiro artigo sobre a formação em Arquitetura na Universidade da Beira Interior (UBI), na Covilhã, uma escola de Arquitetura que ajudei a criar, há cerca de 10 anos, e à qual estou atualmente ligado, como coordenador do respetivo Mestrado Integrado, e para ajudar a estruturar um novo Centro de Investigação, que abranja as áreas da Arquitetura e do Urbanismo, e apoiar no desenvolvimento de um renovado Doutoramento em Arquitetura.
Outros artigos serão aqui editados, visando a divulgação da formação em arquitetura da UBI, que, em breve, estará associada a um novo Departamento de Arquitetura, desenvolvendo-se, assim, uma natural autonomização, capaz de dinamizar excelentes relações com as engenharias e com outras faculdades da UBI e de outras Universidades, seja no âmbito formativo, seja no quadro do previsto novo Centro de Investigação, no qual estão previstas parcerias com Centros de outros pólos de ensino superior, numa dinâmica que estimule um amplo conjunto de ações e eventos formativos, informativos, técnicos e científicos, que tirem todo o partido das excelentes condições humanas e de instalações existentes na UBI, na Covilhã, bem como do agradável e estimulante ambiente académico, urbano e social que ali se vive.

O Editor da Infohabitar, António Baptista Coelho
Professor catedrático convidado (UBI), investigador principal com habilitação (LNEC), doutor em Arquitectura (FAUP), arquitecto (ESBAL)

Na presente edição da Infohabitar apresentamos a segunda parte de um artigo de Marco Aresta e Giulia Scialpi, que aborda uma interessante experiência de "Arquitectura com terra: Experiências do fazer", sob uma perspetiva prática, mas também participativa.
Salienta-se que um dos autores do artigo, o colega Marco Aresta, editou há muito pouco tempo, um livro sobre estas temáticas, intitulado "Arquitectura Biológica - La vivienda como organismo vivo", de que se dá notícia, já de seguida, seja através de uma pequena síntese editorial, seja através de uma imagem da respetiva capa.



"Arquitectura Biológica - La vivienda como organismo vivo"
Editorial: Diseño Editorial
(síntese editorial)
Dentro del complejo saber de la naturaleza y del intricado universo del ser humano, este libro deja como reto la búsqueda de un equilibrio entre nuestras acciones y el entorno que habitamos para garantizar la armonía en el planeta que compartimos. Pero principalmente este libro lanza el desafío para la búsqueda de un espacio perdido, el espacio que nos pertenece como seres vivos, esos espacios biológicos de los cuales carecemos, huérfanos del espacio que nos es propio como organismos vivos.

Deixamos aqui as boas-vindas a mais estes dois novos autores da Infohabitar, os colegas Marco Aresta e Giulia Scialpi, e sublinhamos que a primeira parte do respetivo artigo - "Arquitectura com terra: Experiências do fazer" - foi editada, há uma semana, na Infohabitar, estando portanto facilmente acessível.

O Editor da Infohabitar
António Baptista Coelho

ÍNDICE

PRIMERA SEMANA
1. INTRODUÇAO
“Cada um por si!”
2. ARQUITECTURA COM TERRA
2.1. Contexto e características
2.2. Modos de fazer

SEGUNDA SEMANA
2.3. Técnicas de paredes de terra
3. CONCLUSAO

(continuação do artigo editado na passada semana) 

2.3. Técnicas de paredes de terra


No âmbito do nosso trabalho, chamamos barro á mistura da terra com os seus aditivos de ordem vegetal ou mineral. Ou seja, á mistura que fazemos com terra argilosa ou argila, juntamente com a palha ou qualquer fibra vegetal, e a areia, chamamos-lhe barro.


Figura 9. Vivenda L&M, El Bolson, Argentina. Construção com terra adobe

A argila é o elemento na terra que atua como aglutinante para poder juntar todas as demais partículas. O limo e as areias não têm esta função aglutinante, mas, no caso das areias e da gravilha, constituem a estrutura dando densidade á mistura (barro). É bastante comum confundir o limo com a argila ou vice-versa. Isto tem que ver com a sua granulosidade ser  muito pequena, mas facilmente se pode distinguir dado que o limo não aglomera, ou seja, não se cola a pele ou á roupa como é o caso da argila.
O uso e a aplicação da terra faz-se através de distintas técnicas construtivas. No caso das paredes podem-se aplicar técnicas em seco (onde o material que compõe a parede é feito antes e colocado na parede em seco ou com um baixo conteúdo de humidade), ou húmidas (onde o barro é feito e aplicado no mesmo momento que se faz a parede). Independente desta característica categorizamos três tipos de técnicas.

- Técnicas de blocos: estas técnicas consistem na realização de blocos preparados no momento da realização da parede, ou previamente, e aplicados em seco. Dentro deste grupo está o adobe (técnica tradicionalmente executada em Portugal); os BTC (Blocos de terra comprimida); o bloco térmico, o torrão, o hiperadobe; o superadobe; e o modelado direto (COB)

- Técnicas de cofragem: estas  técnicas consistem em pisar o barro em estado húmido dentro de cofragens que se vão movendo á medida que se levantam as paredes.

Figura 10. Técnica de palha encofrada. Vivenda T&E, Foyel, Argentina, 2014.

As cofragens utilizadas podem ser de madeira ou de metal e normalmente utiliza-se um pisão para poder compactar o barro dentro da cofragem. Dependendo do tipo de técnica, mais ou menos húmida, a resistência da parede é dada pelo fenómeno de compressão, exercido na mistura do barro. Pertencem a esta grupo a taipa (técnica tradicionalmente executada em Portugal); o “barro encofrado”; e a palha  encofrada.  

- Técnicas mistas: Estas técnicas, como o próprio nome indica, executam-se com distintos materiais de origem vegetal (canas, varas de árvores, arame, pranchas de madeira, etecetera...)  que servem de corpo. Neste caso o barro serve de material de preenchimento ou revestimento de um esqueleto prévio.

Figura 11. Técnica de tabique. Curso de Construção Natural de 6 meses para construção de uma vivenda social “Módulo Orgânico”. El Hoyo, Argentina.

Na maioria das vezes estas técnicas dependem da estrutura mestre. Neste grupo incluímos a enramada; a entravada; chouriço; palha enrolada; tabique (quincha, parede francesa). Também se podem utilizar materiais reutilizados para armar o esqueleto estrutural da parede, tal como arame de galinheiro, redes de pesca, tubos de cartão, ou paletes.
Entre as diferentes técnicas que trabalhamos ou ensinamos nos cursos, ampliaremos neste artigo algumas das mais utilizadas a nível profissional e que vieram trazer inovações desde o ponto de vista técnico e construtivo. Deixaremos de lado o adobe (fig. 9) pela sua vasta bibliografia assim como o tabique (fig.11), mas que merecem o nosso respeito sendo das técnicas mais utilizadas hoje em dia e que nos permitem eficazes processos de obra não só ao nível económico, mas também construtivo. 

Bloco térmico

É uma das técnicas de alvenaria com blocos aligeirados com palha. As suas dimensões ultrapassam na maioria dos casos os adobes. Normalmente fazemos blocos térmicos de 20cm x 25cm x 50cm, podendo variar de maneira substancial, chegando alguns a medir 30cm x 50cm x 60cm. A construção dos blocos térmicos realiza-se colocando a mistura em moldes, deixar desmoldando de seguida e deixando secar antes de serem utilizados. A mistura utilizada deve ter um baixo conteúdo de humidade, praticamente uma palha suja de argila sem que a palha chegue a escorrer argila. Para estabilizar a parede em caso de zonas sísmicas como é o caso de Lisboa ou da cordilheira dos Andes, entre as filas de blocos deve-se colocar canas em modo de armadura horizontal unidas aos extremos onde se encontram as colunas e a canas intermedias dispostas verticalmente.

Figura 12. Construção de uma escola com técnica de barro encofrado. Buenos Aires, Argentina, 2013.

Barro encofrado

É umas das técnicas em que a terra se molda com a ajuda de uma cofragem e sem a necessidade de grande compactação como no caso da taipa. Esta diferença para a taipa tradicional faz com que o processo de obra seja mais rápido, menos difícil e oneroso. Uma vez seca a parede conquista índices de densidade que, na maioria dos casos, suporta as cargas verticais derivadas do teto e, por isso, se considera como técnica autoportante. Para acelerar o processo de secagem colocam-se tubos de PVC de 5cm de diâmetro a cada 50cm de parede que posteriormente se extraem deixando buracos verticais na parede que funcionam como chaminés de ventilação.  A mistura faz-se com um conteúdo baixo de humidade, de forma a que seja plástica e fácil de trabalhar sem cair no excesso de humidade para que a parede não se debilite quando se retira a cofragem.  Como se sabe, não há receitas na construção natural, mas como referencia a mistura pode-se fazer com 1/3 de terra argilosa, 1/3 de areia e 1/3 de fibra (palha). Esta técnica derivou da nossa necessidade de fazer paredes em curva, mais isolantes e ao mesmo tempo densas e com menor esforço e tecnologia aplicada que a tradicional taipa. Outra das vantagens é que permite ter directamente a parede em prumo e preparada para um reboco fino.

Figura 13. Vivenda T&E, Foyel, Argentina. Construção em terra palha encofrada.

Palha encofrada

Tal como a anterior técnica também se insere dentro do grupo de técnicas com cofragem, o que permite conciliar as duas e mudar as características das paredes em função da sua orientação. É excelente para climas frios pela sua alta capacidade isolante, dado que resulta numa parede leve e com alto conteúdo de ar intersticial. Esta técnica consiste em introduzir uma mistura de terra argilosa e palha numa cofragem de aproximadamente 70cm de altura compactando-se com pisões manuais leves. Este processo realiza-se subindo a cofragem até cobrir toda a altura da parede. A mistura do barro consiste numa palha suja de argila, sem que escorra a argila da palha, semelhante a mistura dos blocos térmicos. Para a união da parede com a estrutura vertical devem ser colocados pregos ou canas em toda a altura das colunas que funcionam de “âncora”. A espessura da parede será de aproximadamente 30cm com o reboco incluído.

3. CONCLUSAO
No âmbito do atual estado de conhecimento e da cada vez maior divulgação deste conhecimento no contexto académico, institucional e popular, podemos afirmar que a Construção Natural em geral e a Arquitectura com terra em particular surgem não como uma tendência ou alternativa mais ou menos “hippie”, mas sim como uma necessidade apoiada por um saber atualizado, contemporâneo e com respostas formais, funcionais e estruturais que satisfazem na plenitude os requisitos do Habitar.
É importante que, nesta aproximação á resolução de problemas da humanidade no que se refere ao edificado mas também a gestão de recursos, a arquitectura com terra possa introduzir não só uma “nova” materialidade, mas também que faça parte de um natural questionamento em relação as nossas práticas construtivas.
Com isto quero dizer que os processos de extração, fabricação e aplicação das matérias primas devem ser questionados, assim como os processos de trabalho em obra, para que a prática profissional evolua para sistemas mais humanizados, mais cooperativistas e menos corporativistas.

Figura 14. Vivenda M&G, Chubut, Argentina, 2014. Construção com terra tabique e adobe.

Por ultimo lanço uma ideia no decorrer desta mesma lógica de pensamento altruísta: originar “consultórios públicos para a habitação”.
Para quê?
Para que os profissionais cheguem até a população e a população chegue até aos profissionais numa lógica de intercâmbio e serviço social.
Todas as necessidades básicas do ser humano e tidas como direitos pela maioria das constituições nacionais (educação, saúde e habitação) são importantes, mas no caso da habitação,  os profissionais que se dedicam a ela carecem de um lugar e posição profissional para dar resposta às necessidades da sociedade. Por outro lado, para o cidadão  é difícil aceder a um arquiteto, mestre de obras ou mestre carpinteiro, pedreiro, etecetera... para pedir assistência e ajuda em dúvidas que tem sobre o  projeto ou a execução da sua casa.
Com isto quero lançar o desafio para que se expanda o projeto que já temos em curso na Argentina, que é a criação de “consultórios públicos para a habitação” que permitam a participação de profissionais em tarefas de restauro, ampliação, melhoramento ou construção da habitação de uma família.

4. BIBLIOGRAFIA
ARESTA, Marco; “Arquitectura Biológica – la vivienda como organismo vivo”; 2014: Diseño editorial; Buenos Aires; ISBN: 978-987-3607-26-4

Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

INFOHABITAR Ano X, nº 491
Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional
Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT)
ARQUITECTURA COM TERRA
Experiências do fazer - II

Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.

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