Habitação e Arquitectura IX: a segurança arquitectónica residencial e urbana - Parte II
António Baptista Coelho
NOTA IMPORTANTE: POR SE TRATAR DE UM ARTIGO COM CERCA DE 18 PÁGINAS FOI DIVIDIDO EM DUAS PARTES E EDITADO NA PASSADA SEMANA E NA PRESENTE EDIÇÃO DO INFOHABITAR, JUNTANDO-SE UM ÍNDICE PARA ORIENTAÇÃO: NO ÍNDICE A BOLD A PARTE DO ARTIGO EDITADA ESTA SEMANA.
Habitação e Arquitectura IX: a segurança arquitectónica residencial e urbana - Parte II
Índice1 - Introdução à segurança arquitectónica residencial e urbana
2 - As duas faces da segurança arquitectónica residencial
3 - Aspectos estruturadores da segurança urbana e residencial
4- A segurança, do bairro/cidade, à vizinhança e à habitação
5 - Bases e estratégias da segurança arquitectónica e urbana
5.1 Bom urbanismo, gestão local e polícia de proximidade
5.2 A segurança arquitectónica residencial ao nível urbano: matéria de base da concepção
5.3 Segurança urbana para quem?
6 - A segurança nos espaços públicos (versus) a segurança nos espaços edificados
6.1 Segurança nos espaços públicos: acessibilidades e equipamentos
6.2 A segurança na vizinhança de proximidade e na relação desta com os edifícios 6.3 A segurança nos edifícios
6.4 A segurança nas habitações
7 - Carácter e importância específica da segurança
8 - Notas de reflexão e para desenvolvimento sobre a segurança arquitectónica residencial
Habitação e Arquitectura IX: a segurança arquitectónica residencial e urbana - Parte II
6. A segurança nos espaços públicos (versus) a segurança nos espaços edificadosTanto a segurança física e funcional, como a segurança relacional atravessam os diversos níveis físicos, ficando aquela última à porta dos edifícios, dos fogos e nas suas janelas, locais privilegiados para o natural acompanhamento das actividades exteriores; este parece ser o mais eficaz dispositivo arquitectónico, positivamente "passivo", inibidor de insegurança, relacionando-se, fortemente com adequadas e estratégicas relações de acessibilidade.
6.1 Segurança nos espaços públicos: acessibilidades e equipamentos
Espaços confinados, relações mútuas de visibilidade, animação urbana estratégica, números equilibrados de vizinhos, usos reais nos espaços públicos e uma paisagem nocturna bem estruturada são aspectos que, ligados aos mais inteiramente físicos do equilíbrio entre peões e veículos e de uma verdadeira adequação funcional de percursos e estadias, contribuem para o sossego e a harmonia vicinal e urbana (ao nível das vizinhanças de proximidade e dos próprios edifícios).
Quanto às questões da relação entre segurança e acessibilidade, há que sublinhar que as matérias de insegurança urbana também se ligam a uma certa nova velocidade de vivência da cidade pouco humana e tantas vezes perigosa, que tornou o espaço público citadino muito pouco acolhedor para o peão, cujo espaço tem recuado frente ao do veículo, perdendo-se parte das funções de estadia e de diversas actividades antes aí desempenhadas. E nestas matérias da acessibilidade há que salientar as situações gravíssimas em que vizinhanças e mesmo pequenos bairros estão isolados fisicamente da cidade e, além disto, estão extremamente mal servidos de transportes públicos, criando-se um isolamento crítico, que além de aspecto essencial na ausência de qualidade no habitar, é também factor directo de desenvolvimento da insegurança urbana nesses locais e respectivas envolventes.
Nestas matérias temos que saber que as lojas têm uma influência enorme na segurança, são dos principais agentes de segurança quase com as funções da Polícia de Proximidade, mas aqui o problema é que os PDM obrigam por vezes a um excesso de lojas nos pisos térreos dos edifícios, e depois ficamos, frequentemente, com espaços vazios infindáveis e inseguros, e depois as poucas lojas existentes acabam por fechar devido á insegurança, e consequentemente as respectivas zonas e ruas ficam mais inseguras. Matéria esta que deve ser investida rapidamente, possibilitando-se e regulamentando-se a conversão de lojas em habitações e de habitações em lojas e outros equipamentos; e isto não é nada de novo, são coisas que se fazem no resto da Europa, e já se fez por cá em diversos bairros.
O que aqui se apontou para as lojas, em termos do seu papel de enquadramento e acompanhamento da vida nos espaços públicos, tornando-os mais seguros, deve ser aplicado em todas as previsões de outros equipamentos colectivos, acabando-se, de vez, com a sua previsão segregada, quando não "autista" e até prejudicial para a continuidade urbana, e considerando-os, duplamente, quer como unidades que garantam os respectivos seviços, quer como actores protagonistas na estruturação e vitalização dos espaços públicos e das continuidades urbanas dos seus sítios de implantação, tornando-se, assim, pólos estratégicos da segurança urbana local.
6.2 A segurança na vizinhança de proximidade e na relação desta com os edifíciosOs espaços públicos contíguos aos edifícios são zonas estratégicas, cujas configurações e cuidados de visibilidade mútua e a partir dos edifícios podem determinar condições de segurança fulcrais para uma intensa fruição do exterior, fruição esta que é, por sua vez, factor suplementar de segurança.
Um aspecto importantíssimo é a questão da altura dos edifícios. Uma pessoa a partir do 5º, ou 6º andar, isola-se do que se passa no espaço público, é como se este deixasse de existir para ela, porque deixa de haver uma relação directa, deixa de haver a relação da voz, deixa de haver a possibilidade de a pessoa falar com alguém, na rua, a partir da sua janela.
Importa ainda referir a barreira crítica que os edifícios altos e/ou com extensos e, por vezes, confusos espaços comuns, constituem, frequentemente, para o uso do espaço público por crianças e idosos, que, tal como se referiu atrás, são os principais vitalizadores do espaço público e que acabam por ficar tantas vezes encarcerados em suas casas; e, no caso dos idosos, frequentemente, numa constante inquietação por poderem ser assaltados, isto quando se geram círculos viciosos de pouco uso e de insegurança no espaço público.
E temos de ter bem presente que os edifícios pertencem à rua, sendo que a rua, nas palavras do famoso arquitecto, e antigo responsável municipal de uma grande cidade brasileira, Jaime Lerner, continua a ser a melhor invenção do homem em termos de vivência da cidade, e, por outro lado, a arquitectura modernista, a boa arquitectura modernista, sem rua também funciona, pois assegura uma relação contínua entre edifícios e espaços exteriores naturalmente controlados, sem zonas mortas, sem zonas não visíveis, e assim tem-se segurança; ao contrário das situações em que o espaço existe por todo o lado, sem forma e sem relação com edifícios, e os espaços estão afastados uns dos outros, e não são atravessados nem usados, ou não são visíveis, e assim a situação de insegurança instala-se e cresce.
6.3 A segurança nos edifícios
Nos espaços edificados há todo um conjunto de preocupações de segurança, de ordem física e/ou funcional, algumas regulamentadas, que visam a ausência de acidentes e sinistros com consequências graves (ex. incêndios, quedas de altura, escorregamento, colisão com vidros, intoxicação com gás, queimaduras em fogões, etc.).
Nesta matéria há situações verdadeiramente inaceitáveis, exemplificadas por tantos casos de escadas forradas a revestimentos que molhados são perigosamente derrapantes, e ocorrências em que a sorte evitou o que poderiam ser desgraças, como no caso em que um vidro de segurança (julga-se) que integrava a guarda de uma varanda (e com cerca de 1,5m por 0,80m), foi arrancado pelo vento (julga-se) da respectiva guarda de varanda de um 3.º ou 4.º andar e acabou espetado, a cutelo, num relvado contíguo; uma situação presenciada pelo autor destas linhas e que é inconcebível.
Como se percebe nem todos os aspectos essenciais que deveriam velar pela nossa segurança residencial no uso corrente dos edifícios estão regulamentados e, por outro lado, há dúvidas básicas relativas à boa vivência arquitectónica dos espaços residenciais, que se podem colocar sobre alguns aspectos que estão regulamentados. Situação, que na nossa opinião, recomendaria uma revisão dos aspectos regulamentares ligados à segurança residencial no uso normal, tendo como objectivo a resolução dos aspectos ainda não cobertos e a eventual unificação e simplificação do corpo regulamentar existente.
Outra vertente da segurança no edificado liga-se à respectiva componente social e tem a ver, basicamente, com a espontânea familiaridade ou o anonimato que se pode gerar num dado edifício e na sua proximidade, designadamente, pelo número de fogos que ele contém (número de vizinhos), pelas características de acessibilidade, comunicabilidade exterior e socialização que se vivem nos seus espaços comuns (ex. escadas com vistas amplas sobre o espaço público, galerias amplas, etc.), e pela possibilidade de relação directa com o exterior, a partir das habitações e, eventualmente, de espaços comuns, por exemplo, através de uma acessibilidade alternativa que duplique os “pontos” de vitalização residencial do espaço público. Para não falar de idênticas funções asseguradas pelos equipamentos que estejam integrados nos pisos térreos dos edifícios.
A altura excessiva dos edifícios, já atrás referida, além de reduzir a escala humana da cidade, aumenta a descontinuidade urbana, pois os edifícios mais altos têm de estar mais afastados entre eles, havendo espaços públicos mais extensos, e reduz drasticamente a capacidade de interacção entre as habitações e o espaço público, abrindo-se caminho à insegurança urbana. E então quando pessoas que viviam precariamente em casas abarracadas de um único piso são realojadas nesses edifícios altos, estão a juntar-se os problemas apontados aos da inadequação com os antigos modos de vida, ligados à terra e à vizinhança; e o resultado será ainda agravado quando há fortes concentrações de pessoas dos mesmos grupos socioculturais.
6.4 A segurança nas habitações
Tal como já se apontou atrás, a segurança no uso normal dos espaços domésticos é matéria que está já devidamente tratada em guias técnicos estarngeiros e internacionais e que se encontra integrada em diversos manuais de apoio ao projecto residencial disponíveis entre nós, com natural destaque para diversas publicações da Livraria do LNEC e designadamente da sua Colecção Informação Técnica Arquitectura (ITA).
Por esta razão não desenvolvemos a temática, referindo apenas os itens de projecto que merecem cuidados acrescidos em termos de segurança no uso normal: portas e janelas, varandas e guardas, pavimentos, cozinhas e casas de banho (zonas húmidas e onde pode haver contacto com produtos tóxicos), escadas e rampas, outras diferenças de nível, equipamentos domésticos, instalações de gaz e eléctrica.
O bem-estar doméstico deve ser servido por uma espaciosidade e organização adequadas, que garantam a privacidade e a diversidade de apropriação no uso da habitação, e que tenham em conta a agradabilidade e a segurança de crianças, idosos e doentes, que são os mais exigentes em termos de condições de uso e de conforto.
Mas é possível aprofundar estes aspectos de segurança mesmo na dimensão doméstica, pois é um aspecto importante, por exemplo, para os habitantes mais sensíveis, como é o caso dos idosos e das crianças que por vezes estão sozinhas em casa, e nesta matéria e a título de exemplo significativo, sublinha-se que a existência de circulações domésticas claramente configuradas e bem estruturadas é, segundo Claude Lamure (1976) (3), um factor de melhoria da sensação de segurança no interior da habitação. Afinal, por exemplo, para os idosos é essencial que o sentimento próprio de segurança também invada benignamente os respectivos e privados mundos domésticos. E estas reflexões podem e devem ser estendidas à configuração pormenorizada dos espaços e equipamentos comuns dos edifícios multifamiliares.
7. Carácter e importância específica da segurançaA segurança é uma qualidade objectiva, em grande parte, no que se liga a aspectos físicos ligados ao uso e ao habitar humano e, naturalmente, aos aspectos regulamentares a eles associados e a riscos de acidente e sinistro. Nesta perspectiva a tendência deverá ser o acentuar das condições de segurança na aproximação ao edificado e depois no seu interior, não esquecendo algumas potenciais "armadilhas" do exterior, em termos de insegurança, fáceis de sanar, quando se sabe o que faz (exemplo, ter cuidado com plantas tóxicas e que produzam alergias).
Mas os aspectos menos objectivos da segurança ganham um peso cada vez maior. Trata-se, afinal, de uma adequada configuração urbana dos edifícios e espaços públicos que lhes estão associados (criando-se sossegadas e protegidas vizinhanças de proximidade), das respectivas tipologias edificadas e das características socioculturais e comportamentais dos seus habitantes, numa mistura complexa que se traduz em maiores ou menores riscos de bem-estar e mesmo de segurança, nos casos positivos porque geradores de fortes, espontâneos e positivos sentimentos de interacção, socialização e identidade, que se traduzem em condições de tranquilidade e amparo mútuo e natural. E sobre estes aspectos houve, entre nós, trabalhos pioneiros e infelizmente pouco divulgados e desenvolvidos, designadamente, por Luís Sozka.
Luís Soczka, num trabalho editado pelo LNEC (já em 1984), referia já então que "vários estudos levam a crer que o sentimento de perda de identidade e o anonimato percebido levam a reacções emocionais negativas na situação de adensamento populacional, constituindo assim um importante factor de stress e um precipitador das respostas agressivas" (4), e este autor defendia que a concentração populacional não é um indicador objectivo, como a densidade habitacional, mas sim um indicador psicológico que resulta, subjectivamente, da percepção da densidade populacional como excessiva. E finalmente, e no mesmo trabalho do LNEC, Soczka apontou as características espaciais que definem e potenciam condições de segurança urbana:
- Orientação e localização fáceis.
- Observação da movimentação dos outros.
- Prevenção dos encontros por "fuga", interdição de acesso ou camuflagem.
- Espaços rectangulares apenas abertos unilateralmente, ou abertos multilateralmente, mas sobrelevados.
- Encerramento espacial bilateral, conjugado com a possibilidade de observações fáceis dentro de um espaço geométrico muito regular, estruturado por eixos perpendiculares entre si.
- Ao nível concreto dos espaços de circulação e de uso comuns, serão de evitar, segundo o citado autor, galerias e zonas muito extensas.
Nestas matérias há, também, que ter em conta que temos de estar com o nosso tempo e poder decidir aceitar eventuais quebras da nossa privacidade (por exemplo, através de vídeo-vigilância), quando esteja em jogo a possibilidade de se poder usar melhor a cidade, o bairro e a vizinhança, portanto numa opção por sairmos, frequentemente, do nosso casulo doméstico; são opções que podem ser colocadas e "votadas", ou referendadas e julga-se que serão sempre preferíveis à clausura doméstica obrigatória e a uma cidade feita de condomínios privativos, espaços rodoviários e centros comerciais encerrados.
Não sabemos o que nos reserva o futuro, mas talvez haja esperança quando os promotores de grandes superfícies comerciais começam a investir no comércio "de bairro", é que não podemos perder a rua como espaço de vivência, mas também não podemos ter todas as ruas com comércio e pracetas supostamente conviviais um pouco por todo o lado, porque nunca funcionarão dessa forma; há, portanto que investir numa análise urbana local e em "fatos à medida" e muito bem desenhados para cada situação específica, e depois "prová-los" e emendá-los no que se ja possível emendar, e ir aprendendo com a experiência.
Quanto ao aspecto mais geral da relação entre segurança/insegurança e saúde no habitar, não será aqui desenvolvida, especificamente, mas tem estado presente neste texto, sendo evidente a relação entre insegurança no habitar e problemas de saúde dos respectivos habitantes; e sobre isto apontam-se alguns aspectos:
A solidão nos altos blocos de apartamentos afecta muito as pessoas que não trabalham fora de casa, e as crianças, que não devem usar sozinhas os elevadores, num isolamento que é crítico, em edifícios muito grandes e em cujas vizinhanças não há condições mínimas de comércio diário
Podermos usar com prazer e em segurança a nossa vizinhança é fundamental para uma vida urbana agradável e para se evitar que as pessoas se isolem, doentiamente, em casa.
Os jardins perto da habitação proporcionam satisfação, bem-estar e um elevado número de vantagens para a saúde física e psíquica, sendo a introdução do verde a única solução capaz de re-humanizar muitos dos nossos espaços urbanos.
E conclui-se esta temática com a referência a um estudo, da Universidade de Michigan, publicado no American Journal of Public Health, que conclui que as pessoas idosas que vivem em bairros segregados e com criminalidade têm mais riscos de ter cancro do que as pessoas de idade e história clínica comparáveis dos bairros mais integrados e seguros. (5)
8. Notas de reflexão e para desenvolvimento sobre a segurança arquitectónica residencialEm termos dos desenvolvimentos considerados mais interessantes nestas matérias da segurança urbana e residencial, salientam-se os seguintes temas de estudo.
Defende-se a urgência de se reconquistarem as cidades como espaços humanizados e de vida, sendo para isso também essencial que os espaços urbanos sejam mais confortáveis, bem arranjados, equipados e limpos. E não tenhamos dúvidas que sítios ruidosos, sujos e vandalizados cooperam activamente no círculo vicioso da insegurança urbana. Uma insegurança urbana que será reduzida, naturalmente, na medida em que mais pessoas usem com intensidade a vizinhança e o bairro. Mas para isso o bairro tem de ter continuidade física e intensidade de usos, em sequências urbanas de proximidade marcadas por equipamentos que estimulem o convívio: do café à mercearia; e que simultanemamente com este papel convivial proporcionam mais segurança pública, seja devido a essa vitalidade urbana, seja pela vigilância natural que desenvolvem nos espaços públicos contíguos.
A rua urbana com natural continuidade constitui o melhor cenário de integração dos equipamentos colectivos, assegurando-lhes dinamização mútua, ritmo e concentração estratégicas e um alongado potencial de ligação com muitas vizinhanças residenciais.
A rua equipada e estruturadora de um tecido urbano com continuidade serve também de ponto de encontro de diversos tipos de habitar e gostos de habitar, aproximando diversos grupos sociais e etários, o que é condição acrescida de animação e de segurança. Mas o que aconteceu, frequentemente, foi a disseminação de blocos habitacionais em espaços exteriores mal definidos, que em vez das velhas esquinas urbanas ocupadas por lojas, têm muitas passagens entre edifícios e por baixo de edifícios, amplas extensões exteriores com usos pouco definidos e por vezes caracterizadas por péssimas condições de manutenção, grandes empenas sem janelas, que proporcionam sítios sem visibilidade sobre o que se passa na rua; e, além de tudo isto, temos frequentemente blocos de grande altura, onde a partir de cerca do 6.º andar praticamente ninguém quer saber do que se passa lá fora.
E nem há justificações económicas válidas para uma tal situação, pois há todo um amplo catálogo de soluções arquitecturas densas, conviviais, bem habitáveis e naturalmente seguras, devido às relações visuais que proporcionam sobre os espaços públicos que rodeiam e aos quais dão forma e carácter; e este catálogo de pequenas ruas, de passagens e impasses, de pátios residenciais, de pracetas e praças urbanas e de variadas misturas de equipamentos e de tipos de edifícios de habitação, estão aí para serem usados, sem ser preciso aplicar, sistematicamente, as soluções de condomínios privados, até porque estas geram envolventes urbanas sem vida e portanto menos seguras.
A partir da mistura entre equipamentos e habitação e entre diversos tipos de edifícios com acessos privativos e directos ao exterior público, com acessos comuns amplos e bem situados e com pequenos quintais e pátios privativos bem marcados e visíveis ou com espaços públicos bem ligados à habitação, é possível ocupar e fazer viver boa parte da envolvente do espaço edificado, tornando grande parte do respectivo exterior público que lhe é contíguo, um espaço mais vivo e mais seguro.
E sublinha-se que é importante ligar, mais fortemente, a habitação à vida urbana, não interpondo entre uma e outra extensos e frequentemente inseguros espaços comuns.
Mas, repete-se, se os edifícios de habitação estiverem isolados e forem tão altos que pouco têm a ver com o que se possa passar à sua volta, se os espaços exteriores não tiverem "princípio meio e fim", escapando-se como manchas de óleo entre esses edifícios, e se os próprios equipamentos funcionarem como elementos que, em vez de darem coesão à cidade, contribuem para a descontinuidade urbana: então não teremos cidade viva e as pessoas vão ficar protegidas nos seus apartamentos, entrando para eles directamente pelas garagens e ligando muito pouco ao que se passa lá fora.
O espaço urbano seguro é, como se tem defendido, o espaço vivo e acolhedor, e é sempre o espaço da continuidade urbana, naturalmente visível e apropriado pela comunidade ou por cada pessoa ou família. E quando pertença da comunidade este espaço tem de ser uma espécie de sala de estar da vizinhança ou mesmo da cidade, um espaço com o qual se deve interagir naturalmente a partir das janelas que o rodeiam, desenvolvendo-se um controlo do espaço público muito natural, pela continuidade do espaço que é criada e pelas atraentes referências urbanas de orientação que povoam esta continuidade urbana, e que são elas próprias estratégicos e vitais elementos de segurança urbana, como é o caso dos acessos às habitações e às lojas.
Quanto às matérias de ligação entre a reabilitação urbana e a segurança pública elas podem ser sintetizadas referindo-se que os aspectos urbanos mal desenvolvidos ou não desenvolvidos, como a excessiva concentração de grupos sociais sensíveis, a utilização de mega-edifícios impossíveis de gerir, o uso de tipologias habitacionais inadequadas, a ausência de equipamentos de vizinhança e conviviais, a deficiente ou ausente continuidade urbana, as acessibilidades citadinas deficientes e a ausência de vizinhanças e espaços exteriores úteis e amigáveis, são aspectos que terão de ser abordados e resolvidos, caso a caso, com especial sensibilidade humana, social e urbana, em sede de um projecto de regeneração urbana com especial qualidade, feito por arquitectos, e informado e acompanhado por um amplo leque de outros técnicos, entre os quais especialistas em segurança pública.
Para terminar aponta-se que, tal como refere Jane Jacobs (1961) (6) “a primeira coisa que deve ficar clara é que a ordem pública não é mantida basicamente pela polícia, sem com isso negar a sua necessidade. É mantida fundamentalmente pela rede intrincada, quase inconsciente, de controles e padrões de comportamento espontâneos… a segunda coisa é que o problema da insegurança não pode ser solucionado pela dispersão das pessoas... Numa rua movimentada consegue-se garantir a segurança; numa rua deserta não… Deve ser nítida a separação entre o espaço público e o espaço privado…; devem existir olhos para a rua…; a calçada deve ter usuários transitando ininterruptamente, para induzir olhos atentos na rua assim como observação da rua a partir dos edifícios... Desde que a rua esteja bem preparada para lidar com estranhos, desde que possua uma demarcação eficaz de áreas privadas e públicas e um suprimento básico de atividades e olhos, quanto mais estranhos houver, mais divertida ela será. Os estranhos são um trunfo enorme … principalmente de noite, quando a segurança é mais necessária.”
E aproveita-se para sublinhar que em tudo o que se refere à segurança urbana é essencial dedicar uma atenção muito cuidadosa aos aspectos da iluminação nocturna, da sua eficácia, durabilidade e adequação da respectiva imagem urbana, considerando, entre outros pormenores, que a tendência da sociedade poderá ser, muito provavelmente, um crescimento gradual e seguro dos horários diversificados num cenário citadino que cada vez mais decorrerá 24 sobre 24 horas; e nesta matéria são importantes os recentes estudos que, sobre esta matéria da iluminação artificial urbana, tem realizado Roger Narboni (1995) (7).
Concluindo esta matéria crucial e com grande reflexos no desenho da arquitectura residencial e urbana, sublinha-se que não se está aqui a defender um urbanismo residencial securitário, mas sim um habitar seguro, uma das condições para um habitar humanizado, pois, tal como é defendido numa obra recente, coordenada por Gérald Billard (2005) (8), há que harmonizar o objectivo securitário no conjunto das transformações que se estão a operar nos modos de vida citadinos, nas relações sociais e com os espaços do habitar, considerando o grande risco para a sociedade que está já bem presente, e que se poderá avolumar criticamente, nas posições extremas e tipificáveis, por um lado, de auto-clasura e, por outro, de “super-vigilância”.
E em toda esta temática é fundamental uma ampla discussão e divulgação das matérias associadas à segurança arquitectónica residencial, com especial atenção a estas "novas" matérias da relação entre a concepção urbanística pormenorizada e a melhoria das condições de segurança.
Notas:(3) Claude Lamure, "Adaptation du logement à la vie familliale”, 1976.
(4) Luís Soczka, "Espaço Urbano e Comportamentos Agressivos - da Etologia à Psicologia Ambiental", 1984.
(5) Ana Gerschenfeld, "No futuro: O cancro como doença social", Público, P2, pg. 3, 11 de Dezembro 2010.
(6) JACOBS, Jane, “Morte e vida das grandes cidades”, trad. Carlos Mendes Rosa, 2001 (1961), pp. 32, 35, 36 e 41.
(7) Roger Narboni, "La Lumière urbaine", 1995.
(8) Gérald Billard, Jacques Chevalier e François Madorée, “Ville fermée, ville surveillée: La sécurisation des espaces résidentiels en France et en Amérique du Nord", 2005.
Notas editoriais:(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.
Infohabitar a Revista do Grupo Habitar
Editor: António Baptista Coelho
Edição de José Baptista Coelho
Lisboa, Encarnação - Olivais Norte
Infohabitar, Ano VII, n.º 333, 13 de Fevereiro de 2011
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