domingo, maio 09, 2010

297 - Habitação e Arquitectura III: a Espaciosidade - Infohabitar 297

Infohabitar, Ano VI, n.º 297
Novos comentários sobre a qualidade arquitectónica residencial
Melhor Habitação com Melhor Arquitectura IV:

a Espaciosidade Arquitectónica Residencial
artigo de António Baptista Coelho

Introdução geral
Nas páginas seguintes apontam-se alguns aspectos que têm sido constante e sistematicamente ponderados, na sequência da aplicação dos conceitos ligados aos diversos rumos de qualidade arquitectónica residencial. Não se trata, assim, da sua respectiva e clarificada estruturação, mas apenas da sua ponderação cuidada, considerando os anos de prática de análise, que já decorreram desde a sua formulação inicial.

Regista-se, em seguida, o plano editorial previsto no Infohabitar, que, repete-se, será, descontínuo, alternado por outras edições e realizado à medida da elaboração dos respectivos artigos (a bold os temas já editados):

Infohabitar n.º 290 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura I: IntroduçãoA matéria da relação e do contacto entre espaços e ambientes é tratada em termos de aspectos de:
Infohabitar n.º 291 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura II: Acessibilidade - facilidade na aproximação ou no trato e desenvolvimento de continuidades naturais por prolongamentos e múltiplas ligações.
Infohabitar n.º 295 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura III: Comunicabilidade - a qualidade daquilo que está ligado ou que tem correspondência ou contacto físico ou visual.

A matéria da caracterização adequação de espaços e ambientes é tratada em termos de aspectos de:
Infohabitar n.º 297 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura IV: Espaciosidade – referida, tanto aos espaços que são extensos e amplos como aos que apresentam desafogo nas suas envolventes.
Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura V: Capacidade – que designa e qualifica o âmbito interior (dentro dos limites) ou a aptidão geral, espacial e ambiental, de qualquer elemento residencial.
Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura VI: Funcionalidade – referida ao adequado desempenho das várias funções e actividades residenciais.

A matéria do conforto espacial e ambiental é tratada em termos de aspectos de:
Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura VII: Agradabilidade – referida ao desenvolvimento de condições de conforto, bem-estar e comodidade, nos espaços e ambientes residenciais.
Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura VIII: Durabilidade – qualidade do que dura muito ou, melhor, do que pode durar muito e em excelentes condições de manutenção.
Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura IX: Segurança – o acto ou efeito de tornar seguro, prevenir perigos, (tranquilizar).

A matéria da interacção social e da expressão individual é tratada em termos de aspectos de:
Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura X: Convivialidade – referida ao viver em comum, ao ter familiaridade e camaradagem, à entreajuda natural ou sociabilidade entre vizinhos.
Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura XI: Privacidade – referida à intimidade e capacidade de privança oferecida por um dado espaço num dado ambiente.

A matéria da participação, identificação e regulação é tratada em termos de aspectos de:
Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura XII: Adaptabilidade – referida à versatilidade e ao que se pode acomodar e consequentemente apropriar.
Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura XIII: Apropriação – referida à capacidade de identificação, à acção de "tomar de propriedade", tornando próprio e a si adaptado.

A matéria do “aspecto” e da coerência espacial e ambiental é tratada em termos de aspectos de:
Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura XIV: Atractividade - a capacidade de dinamizar e polarizar a atenção.
Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura XV: Domesticidade – referida à expressão mais pública ou doméstica do carácter residencial.
Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura XVI: Integração – que é a integração ou integridade de um contexto, e de uma totalidade onde não falta nem um elemento de conteúdo e de relação.




Fig. 00: capa da edição do LNEC " Qualidade Arquitectónica Residencial - Rumos e factores de análise" - ITA 8, da Livraria do LNEC, referindo-se, em seguida, o respectivo link para a Livraria do LNEC
http://livraria.lnec.pt/php/livro_ficha.php?cod_edicao=52319.php

Salienta-se ser possível aprofundar estas matérias num estudo editado pelo LNEC que contém um desenvolvimento sistemático dos rumos e factores gerais de análise da qualidade arquitectónica residencial, que se devem constituir em objectivos de programa e que correspondem à definição de características funcionais, ambientais, sociais e de aspecto geral a satisfazer para que se atinja um elevado nível de qualidade nos espaços exteriores e interiores do habitat humano.

Sublinha-se, no entanto, que a abordagem que se faz, em seguida, às matérias da espaciosidade, enquanto qualidade arquitectónica residencial, corresponde ao revisitar do tema, passados cerca de 15 anos do seu primeiro desenvolvimento, e numa perspectiva autónoma e diversificada relativamente a essa primeira abordagem.



Fig. 01

Apresentação

A espaciosidade arquitectónica residencial refere-se ao desenvolvimento, nos espaços do habitar, de condições que proporcionem adequadas extensões físicas e visuais, definidas por elementos de referência, barreiras, limiares e intervalos apropriados.

Conjuntamente com a capacidade e a funcionalidade, a espaciosidade é responsável pela caracterização e adequação de espaços e ambientes do habitar, sendo que a espaciosidade tem a ver, essencialmente, com a extensão e o desenvolvimento físico, enquanto a capacidade qualifica as extensões com determinadas bases de uso e a funcionalidade garante o sentido orgânico das acções exercidas nesse espaço e das suas relações com outros elementos e níveis do habitar.

Introdução à espaciosidade arquitectónica residencial
A espaciosidade é uma daquela “matérias-primas” da Arquitectura, e, de certa forma tem a ver com a definição de condições básicas concretas sobre as quais se desenvolverá um determinado “partido”, uma solução específica, com características próprias nas quais entrarão as variadas facetas qualitativas que aqui estão a ser abordadas em diversos artigos desta série.

Mas a espaciosidade arquitectónica residencial tem de estar, ela própria, embebida por opções de fundo em termos do como viver melhor a cidade, a vizinhança, o edifício e a habitação, opções essas que proporcionem variadas formas de viver e a sua mutação, em espaços adaptáveis e receptivos a uma tal dinâmica, mas que não exagerem nessa “permissividade” espacial, transformando as soluções de habitar em sítios informes e incontrolados.

Passando, agora, a uma análise talvez mais técnica da espaciosidade arquitectónica residencial, importa referir que ela se refere, quer a uma real adequação espacial, que não seja insuficiente nem excessiva – isto, como veremos, mais ao nível urbano –, quer ao desenvolvimento de uma formalização espacial equilibrada e integrada de superfícies e elementos horizontais e verticais confinantes e formalizadores dos diversos ambientes espaciais ou com eles relacionados das mais diversas formas.

As questões da espaciosidade doméstica estão, desde sempre, associadas a recorrentes aspectos de áreas e dimensões mínimas ou recomendáveis, naturalmente numa relação privilegiada com as matérias da habitação “mínima” e de “interesse social”; mas há também trabalho a fazer numa conscienciosa programação de espaços e dimensões que proporcionem verdadeiras e expressivas capacidades de usos diversos, de adaptabilidade e de mútiplas apropriações, caso contrário o espaço “ a mais” será sempre um espaço muito pouco eficaz.

Quanto às questões da espaciosidade urbana elas devem estar, sistematicamente, associadas aos aspectos das áreas e, essencialmente, das dimensões mais adequadas, mas não “sobrantes”, mas esta é uma perspectiva sobre a qual há, ainda, muito trabalho a desenvolver, pois parece haver uma tendência para se considerar que o espaço urbano tem de ser tendencialmente muito desafogado, o que nem seria mau, se não se associasse, frequentemente, este desafogo a um deficiente “partido” de arquitectura urbana, e, tantas vezes, a uma muito deficiente pormenorização e a uma péssima gestão e manutenção; e o resultado de tais problemas deveriam ser evidentes para todos.

Aspectos estruturadores da espaciosidade arquitectónica residencial

Há três grande facetas/perfis mutuamente associados, de uma espaciosidade arquitectónica residencial:

- a espaciosidade física;
- a espaciosidade psicológica;
- e a espaciosidade social – de adequação ao uso e de incentivo geral ao uso.

A espaciosidade arquitectónica residencial “trabalha” com limiares de percepção visual do espaço e com um leque amplo de relações diversificadas, associadas a: comunicabilidade/relação, ergonomia, construção/acabamento, estrutura global do espaço e sua regulação, e definição “última” de “espaços não comprimíveis”.

A espaciosidade joga-se na relação de equilíbrio entre desafogo e conformação dimensional do espaço pressentido.

As três facetas da espaciosidade, acima apontadas, aplicam-se, no habitat humano e na cidade, em termos de fronteiras claras, limiares e relações espaciais, sociais e ambientais que cooperam na estruturação do “espaço grande” e basicamente contínuo, e dos espaços delimitados que o integram.

Ainda em termos de estruturação do habitat humano e citadino essas três facetas da espaciosidade – física, psicológica e social – ligam-se a variados aspectos conceptuais, mutuamente integrados, entre os quais se salientam os seguintes:

- configuração de recintos estáticos e dinâmicos;
- dominâncias estratégicas/atraentes definidas por elementos de contenção e direccionamento dos espaços exteriores e interiores;
- cuidados de escala e de proporção;
- definição de contrastes, articulados por sequências de imagens;
- definição de limites marcados pela paz, pela animação, e pela luz natural e artificial;
- definição de pequenos pólos urbanos e/ou residenciais, que devem ter a sua espaciosidade mais adequada, caso contrário podem falhar;
- trabalhar com aspectos de perspectiva, embebidos nas sequências de imagens urbanas;
- definição de uma configuração espacial adequada ao uso de cada espaço específico;
- consideração de limiares críticos de ocupação e de sobreocupação.

Estes aspectos de trabalho conceptual aplicam-se no exterior e no interior, naturalmente, às escalas próprias e consoante os usos suportados e incentivados.

Naturalmente que, para muitos, as matérias da espaciosidade arquitectónica residencial são, praticamente, tudo o que interessa ter em conta na respectiva concepção de espaços de habitar e de cidade, no entanto estas matérias ligam-se a múltiplos outros aspectos qualitativos, sendo difícil e até criticável a sua consideração muito isolada/autonomizada; mas considera-se que é útil fazer também este tipo de exercício, sentindo-se o espaço na sua presença mais efectiva, “crua” e extremamente diversificável: desde o espaço de uma paisagem ampla, ao de uma pequena ruela praticamente à escala física do homem.



Fig. 02

A espaciosidade e o desafogo nas soluções de arquitectura urbana e residencial

Considerando, agora, a definição “directa” de espaciosidade, associada a “desafogo” e amplitude, podemos apontar que a espaciosidade arquitectónica e residencial se refere, tanto aos espaços que são extensos e amplos como aos que têm desafogo nas suas envolventes. No primeiro caso caracterizam-se condições dimensionais, habitualmente acima da média ou ultrapassando claramente os mínimos regulamentares e o segundo caso refere-se à existência de intervalos apropriados entre elementos do habitat contíguos ou próximos.

A espaciosidade arquitectónica residencial implica não só a apreciação de quantidades de espaço, directa ou indirectamente pressentidas, mas também a ponderação das suas respectivas condições de (de)limitação e de referência, concretizadas em fronteiras, transições e barreiras com variadas características; porque não é possível definir quantidades sem limitação dos elementos a medir e sem termos de comparação e de referência, e em Arquitectura estes mesmos termos de comparação e de referência podem ter importante papel na expressão da escala, mais próxima do homem ou mais “monumental” ou “maquinal/funcional” de um dado conjunto residencial, assim como podem ter importância como veículos de variados usos e conteúdos potenciais de um dado espaço, conferindo-lhe até, eventualmente, uma espaciosidade aparente mais significativa do que a sua espaciosidade real - ou reduzindo-lhe aparentemente a sua espaciosidade.

Interessa, também, ter em conta um outro aspecto determinante da espaciosidade residencial, associado ao frequente desejo que os habitantes têm de mais espaço, de compartimentos mais “espaçosos” ou “desafogados”, e até de ambientes urbanos “desafogados”; e, sobre este, tema é interessante lembrar um artigo de John Turner (1) em que este autor afirma que a necessidade essencial sentida por uma família, na sua habitação é "room", com o sentido de espaciosidade, e o que ela deseja, frequentemente, como melhoria do seu espaço doméstico é, simplesmente, mais espaço; Turner, referindo-se a famílias em países em urbanização rápida, revela que elas preferem (quando levadas a demonstrar livremente os seus desejos) grandes casas inacabadas ou, até, grandes barracas, em detrimento de habitações pequenas e acabadas.

Trata-se de uma ideia que não é aqui apontada por acaso, pois considera-se de grande importância e não só no contexto apontado por John Turner, embora se possa aceitar que aí, nesse contexto, seja uma ideia-base fundamental.

Para o que aqui nos interessa reflectir esta “ânsia” por mais espaço doméstico parece ser uma tendência global, embora com refluxos em populações culturalmente mais desenvolvidas, em meios urbanos sedimentados e bem equipados e em grupos etários mais novos ou mais idosos.

Mas é aqui interessante considerar que em casos de soluções domésticas “sábia” e cuidadosamente arquitectadas em termos de apoio às mais diversas misturas funcionais, em cada compartimento, e em termos de uma forte versatilidade nos usos dos diversos compartimentos, parece haver uma tendência para se aceitarem dimensões domésticas relativamente contidas.

E também quando se proporcionam boas condições de conforto ambiental – equilíbrio higro-térmico, ventilação, luz natural e insolação, e isolamento sonoro – parece haver também uma tendência para uma espécie de compensação relativamente a eventuais condições de espaciosidade muito contidas. Mas, sem dúvida, que esta é uma matéria muito sensível, pois há compensações que não podem ser aceites e há mínimos dimensionais e de conforto que não podem ser ultrapassados, e é uma matéria que carece de estudos de análise e que possam estabelecer alguns consensos, ainda que temporários, sobre estes assuntos.

Por outro lado, esta “ânsia” por mais espaço residencial parece não ser aplicada no espaço urbano, sendo que aí a ideia com que se fica, a partir dos estudos práticos já realizados, é que os habitantes pouco têm apontado em termos de desejos habitacionais, como que não se querendo pronunciar ou sentindo-se pouco capazes para debaterem tais questões urbanísticas; mas é urgente aqui, também, mostrar-lhes que podem habitar melhor a cidade havendo determinadas condições de espaciosidade, espacialidade e vitalização nos respectivos espaços públicos.



Fig. 03

Estratégias de espaciosidade
Naturalmente, tem-se estado a falar de estratégias de espaciosidade urbana e residencial, numa reflexão exigida por uma sociedade que, hoje em dia, é capaz de fazer um amplo espaço urbano em muito pouco tempo, um espaço urbano que, historicamente, era feito com vagar, compassadamente, oferecendo-se os espaços mais adequados às necessidades que se iam colocando e aprendendo-se, frequentemente, com tais operações, depois em boa parte replicadas, muitas vezes pelos mesmos agentes, em outras situações urbanas razoavelmente idênticas.

Mas como hoje o ritmo é outro e habitualmente as operações urbanas e residenciais são programadas “para ontem”, há que investir na pesquisa das melhores estratégias de espaciosidade urbana e residencial, marcadas pelos referidos aspectos de versatilidade e adequação a variados usos, mas também por vitais aspectos de coesão urbana e vivencial, vitalização do espaço público e suavização ou humanização das soluções habitacionais aí integradas.

Este é um tema “enorme”, tal como muitos outros que são, apenas, apontados neste estudo, e irá sendo “tocado” ao longo de todas as páginas deste item, pois uma estratégia de espaciosidade urbana é algo que se articula com inúmeros outros aspectos de qualidade urbana, mas é fundamental sublinhar, desde já, que a espaciosidade urbana e residencial não se limita, de forma alguma, a um conjunto de aspectos de engenharia de tráfego, articulados com outros aspectos prescritos num velho regulamento de edificações; é muito mais do que isso, é a própria base da Arquitectura Urbana - e aponte-se que, por vezes, nem há, na prática uma adequada engenharia de tráfego.

Quanto às estratégias dimensionais domésticas cá temos um outro tema “enorme”, sobre o qual muito já se pensou, designadamente, em termos de opções por áreas mínimas, e, para já, ficamos com a ideia de que o problema não está no fazer de uma solução dimensionalmente mínima, mas sim no fazer de uma tal solução mínima e mal arquitectada, e tantas vezes isto acontece, numa “confusão” grave, ou ainda numa mais grave despreocupação, entre o objectivo de se fazer uma solução residencial dimensionalmente mínima, mas bem concebida, funcionalmente rica e versatilmente articulada, e o “objectivo” de fazer uma solução com pouco espaço e que não merece grande atenção em todos esses aspectos; e esta “despreocupação” é, muitas vezes, ainda mais grave pois tem, por vezes, origem em projectistas que sabem muito bem que aliar pouco espaço com qualidade doméstica exige, realmente, muito esforço e algum talento.



Fig. 04

A espaciosidade nos espaços públicos versus a espaciosidade nos espaços edificados: aspectos de “pormenor”
A espaciosidade parece ter duas bitolas distintas, sendo uma ao nível dos espaços públicos, procurando-se um equilíbrio urbano que associa variados factores – desde a imagem urbana ao conforto ambiental e ao custo-qualidade -, e outra ao nível dos espaços edificados, onde é determinante o custo por metro quadrado e, consequentemente, é essencial um apertado controlo de áreas. Mas desde já se refere que seria por vezes muito útil uma "bitola" igualmente rigorosa no desenvolvimento dos espaços públicos, pois anulavam-se as soluções com tanto espaço inútil, abandonado e inseguro.

A espaciosidade nos espaços públicos
A espaciosidade pública tem a ver com a concretização de determinadas quantidades de espaço urbano, directa ou indirectamente pressentidas, influenciadas por determinadas condições de limitação e de referência, tanto a valores urbanos e naturais, como à própria escala humana.

A espaciosidade pública contém outras importantes qualidades, tais como a funcionalidade e o convívio e deve ser por elas claramente influenciada; uma espaciosidade urbana “solta” e/ou não fundamentada é, no mínimo, discutível.

Um outro aspecto fundamental da espaciosidade pública é a sua íntima conjugação com aspectos de agradabilidade, durabilidade e segurança, bem como de positiva pormenorização da imagem urbana (atractividade). E naturalmente está sempre presente o equilíbrio do custo-benefício.

A espaciosidade na vizinhança de proximidade e na relação desta com os edifícios

A espaciosidade das vizinhanças exteriores residenciais deve ser tratada praticamente com o rigor que se exige no espaço interior; a grande evidência destas intervenções nas vizinhanças e a sua eventual, mas provável, grande pressão funcional assim o exigem.

A espaciosidade nos espaços edificados e nas habitações
Ao nível dos espaços edificados o peso do custo-benefício torna-se bastante determinante da espaciosidade, quer conduzindo, por vezes, a uma poupança rígida nos espaços comuns, quer influenciando, por vezes, frágeis equilíbrios de espaciosidade, capacidade e funcionalidade domésticas, que se devem resolver pelo favorecimento de determinados espaços e recomendação de certas dimensões mínimas ou optimizadas.

O espaço doméstico é sempre um fruto muito desejado pelos habitantes, mas parece ser possível oferecer condições de espaciosidade doméstica equilibrada que satisfaçam, mas que sejam economicamente ponderadas e há outras ponderações a fazer nesta problemática, designadamente, porque as varandas também podem ser espaço doméstico útil e enriquecedor e porque há, também, outros tipos de espaço exterior privado com interesse e oportunidade.

Sublinha-se, ainda, a importância que têm as relações entre condições objectivas de espaço e de conforto ambiental na concepção arquitectónica doméstica, bem como as pormenorizadas mas estruturantes ligações entre espaciosidade interior e condições de iluminação e de cor.

Existem numerosas soluções domésticas, excelentes em termos de zonas funcionais e de adaptabilidade a diversos modos de habitar, onde se equilibram espaciosidades conviviais entre sala e cozinha e onde se criam espaços domésticos atraentemente caracterizados; e de certa forma a qualidade global e o desafogo geral de tais soluções muito dependem desse equilíbrio espacial e funcional.

E tudo isto, por vezes, num difícil equilíbrio com áreas controladas, um equilíbrio que, mais uma vez, faz evidenciar os bons projectos de Arquitectura.

Sublinha-se, ainda, que as melhores soluções, em termos globais de interioridade e exterioridade, são aquelas caracterizadas por um desenho coerente, muito pormenorizado e bem integrado do habitar doméstico, comum e público; de certa forma ganhando-se espaciosidade virtual no interior doméstico por transparências internas e externas e ganhando-se espaciosidade urbana estratégica com pontos de vista bem colocados e que asseguram boas ligações pontuais entre o interior da vizinhança e a cidade contígua, não se perdendo a íntima espaciosidade da vizinhança, mas não deixando de ter presente, logo ali bem próxima, a cidade do útil anonimato e da estimulante animação.

Sobre a questão das áreas domésticas há caminhos a seguir no sentido de se favorecerem melhores condições de habitabilidade, mais funcionais, mais humanizadas, mais integradas e mais versáteis; e salienta-se que melhores espaços não são, necessariamente, maiores espaços, pois são aqui fundamentais as condições de caracterização ambiental, escala humana, detalhe e atractividade.



Fig. 05

Carácter e importância específica da espaciosidade

A nossa reacção a um espaço encerrado, como refere Ken Kern, "é uma reacção às suas dimensões, à sua forma, à sua iluminação, à sua cor, etc.", e este autor continua referindo relacionamentos entre tipos de espaços encerrados e tipos de pessoas mais ou menos sensíveis a determinadas características desses espaços (ausência aparente de limites, ilusões sensoriais, etc.), para concluir que "um espaço que não tenha uma forma ou dimensões claramente definidas pode produzir uma sensação de insegurança...um espaço tem de ser imediatamente compreensível" (2).

A espaciosidade liga-se, ainda, indirecta mas basicamente, aos usos que são os mais adequados ou próprios para cada tipo de espaços residenciais e às respectivas e previstas intensidades de uso ou "carga" (a sus "capacidade", que será aqui também abordada nesta série de artigos).

Neste último caso salienta-se que o espaço disponível e a resistência dos suportes directos dos usos previstos são factores complementares, a equilibrar, pois por vezes um espaço pode ser mais circunscrito e "económico", em termos puramente dimensionais, se possuir uma mais elevada capacidade de carga (durabilidade) e clareza de concentração.

Isto será conseguido, por exemplo, no interior da habitação, tanto por um criterioso desenho das "áreas habitáveis" do fogo, como por uma cuidadosa conjugação entre estas e as zonas de entrada e de circulação, como por uma concentração dos espaços com mais fortes exigências técnicas, como será o caso do agrupamento de cozinhas e casas de banho em "blocos água"; esta concentração liberta o restante espaço, facilitando a sua configuração habitacional.

A natureza global da espaciosidade, designada como "dimensionamento", é referida por Alfonso Stocchetti (3), que considera simultaneamente diversas dimensões:

- Uma dimensão física, referida à estrutura da figura humana e contemplando sempre dois tipos fundamentais de espaço; o de ocupação e o de utilização. Esta dimensão física deverá ter em conta as potenciais alterações e inovações de usos e de equipamentos de modo a que os espaços as possam "absorver".

- Uma dimensão psicológica, que é essencialmente referida às necessidades de "exaltação dimensional" requeridas por contrastes ou mudanças de escala.

- Uma dimensão social, relacionada, essencialmente, com os espaços de convívio, cujo dimensionamento, para além das exigências normais em espaços destinados à vida gregária, têm de cumprir com os modelos culturais e sociais vigentes.

Notas de reflexão e de desenvolvimento sobre a espaciosidade arquitectónica residencial
Em termos de reflexão geral apuram-se, para já, os seguintes aspectos.

A espaciosidade é uma qualidade em boa parte objectiva, que se articula, fortemente, com outras também objectivas ou menos objectivas, como a apropriação, o convívio, a atractividade e a integração.

É uma qualidade de “primeira linha” responsável pela viabilidade do desenvolvimento de uma dada solução e pelo seu sucesso urbano e doméstico. Uma espaciosidade equilibrada a qualquer desses níveis é muito daquilo que pode caracterizar uma adequada concepção arquitectónica, salientando-se que espaço a mais não é obrigatoriamente melhor espaço e que espaço e pormenorização são faces da mesma moeda.

Qualquer espaço acima do que é recomendável é espaço que deve ser bem justificado e utilizado. No entanto, havendo estudos sobre esta matéria ao nível dos fogos, eles já não são tão fiáveis ao nível dos espaços comuns e o que dizer dos espaços públicos; basta uma procura simples de exemplos e encontram-se situações fisicamente idênticas mas qualitativamente muito distintas.

Há muito que aprender sobre como aplicar judiciosamente a espaciosidade mais pública, mais de vizinhança ou mais comum.

Sintetizando, podemos referir que uma espaciosidade doméstica positiva assegurará uma ponderada e interessante caracterização dos compartimentos domésticos, sendo que serão, em boa parte, os controlos de custo que determinarão o nível de espaciosidade visado; que, genericamente, pode ser definido e tendencialmente estabilizado num patamar “mínimo” a tender para o “recomendável”.

E, igualmente, sintetizando podemos apontar que uma espaciosidade urbana positiva – portanto adequada e equilibrada – é um aspecto básico ao nível de uma adequada caracterização urbana, sendo que o “partido” geral - a “caracterização” – e a pormenorização das respectivas vizinhanças, deverão responder positivamente ao contexto existente, por exemplo mais ruralizado ou mais acentuadamente urbano; opções estas que irão determinar uma boa parte do respectivo resultado final da intervenção.

Em termos dos desenvolvimentos considerados mais interessantes nestas matérias da espaciosidade urbana e residencial, salienta-se que se trata de uma temática básica nas reflexões e nos ensaios sobre arquitectura urbana, condição esta que determina uma riquíssima possibilidade de desenvolvimentos; mas desde já se sublinha que a questão das espaciosidades "mínimas" está novamente na ordem do dia, especialmente no que se refere aos espaços domésticos, considerando-se, suplementarmente, que a reflexão sobre as espaciosidades urbanas residenciais mínimas também deverá merecer uma redobrada e urgente atenção.

E nesta matérias desde já se sublinha que, tanto na habitação como na cidade, maiores espaços não são, necessariamente, melhores espaços; realmente, e muitas vezes, considerando especificamente o espaço urbano, maiores espaços até são, por regra, piores espaços, e ao nível doméstico um bom projecto de Arquitectura faz de espaços reduzidos "grandes" espaços. Mas esta é uma regra fundamental e global na concepção residencial e urbana: bons projectos de Arquitectura dependem muito menos da espaciosidade do que outros projectos menos qualificados; acaba por ser, um pouco, uma compensação entre qualidade e quantidade.

Notas:( 1) John C. Turner, "Barriers and Channels for Housing Development in Modernizing Countries", Journal of the American Institute of Planners, Vol. 133, nº. 3, 1967.
(2) Ken Kern, "La Casa Autoconstruida", p. 152.
(3) Alfonso Stocchetti, "Spazi per la vita degli uomini, Architettura Parametri", pp. 89 e 90.

Infohabitar, Ano VI, n.º 297
Infohabitar a Revista do Grupo Habitar
Editor: António Baptista Coelho
Edição de José Baptista Coelho
Lisboa, Encarnação - Olivais Norte, 9 de Maio de 2010

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