E ainda o problema da habitação, em Portugal, e não só, no início do século XXI – parte II, ainda sobre a oferta e a procura habitacional
artigo de António Baptista Coelho
A razão directa para a escrita deste série de artigos sobre o tema do problema da habitação é a ideia que o problema se mantém ainda crítico, em Portugal, por não se terem reafirmado medidas firmes e claras no sentido de se considerar quer as necessidades quantitativas ainda em falta, quer o papel da qualidade residencial como um aspecto fundamental da qualidade de vida de todos nós.
No primeiro artigo desta série sobre o “problema da habitação” lançaram-se alguns comentários sobre a questão da procura e da oferta de habitação e designadamente de habitação de interesse social, e no presente texto serão feitas considerações complementares sobre alguns dos aspectos então apontados.
Dá vontade de sublinhar, desde já, que tal como é urgente estabilizar uma política educativa, considerando que mesmo sabendo-se ser importante uma actualização e retroacção constantes tais opções serão por vezes de evitar para que se possam consolidar, aprofundar, estabilizar e aperfeiçoar formas de acção e possibilidades de comparação e de replicação de soluções, tais opções de alguma continuidade e de constante aprofundamento e melhoria de políticas são igualmente urgentes no sector da habitação e do urbanismo residencial e urbano, e neste sector a situação parece ser entre nós, hoje em dia, crítica, num acumular da crise que todos vivemos com uma situação prévia caracterizada pela sensível falta de dinâmica do sector.
A ideia parece ser que já há habitação em excesso e que, portanto, o que é importante é apoiar a sua colocação no mercado, assim como o que importa, agora, é dinamizar a reabilitação habitacional e urbana, e sobre estas opções apenas se comenta que essa habitação “de mercado” não será adequada a muitos que a ela não podem chegar, e que a questão da opção pela intervenção na reabilitação da velha habitação em vez de se apoiar a habitação nova é uma falsa questão pois nem parece ter-se conseguido uma dinamização minimamente significativa dessa opção pela reabilitação, nem é de esquecer a importância que a construção nova tem e terá na oferta habitacional e urbana e na dinamização do tecido económico.
Tal como se apontou no primeiro artigo desta série é perfeitamente possível e altamente recomendável a dinamização da construção nova seja em pequenas intervenções de recomposição, preenchimento e revitalização do tecido urbano, seja em intervenções de grande conjugação com acções de reabilitação e nas quais poderá haver, também, eventualmente, opções de demolição parcial.
E reforça-se a importância de tais intervenções combinadas de construção nova, reabilitação e demolição parcial, quando se pretende inserir em velhos tecidos urbanos conjuntos de habitantes socialmente diversificados e misturas de habitação e outras actividades redinamizadoras da vida urbana local.
Fig. 01: (2005) habitação de interesse social perto do Largo do Conde Barão, Lisboa, Arq.os Castro Caldas e Nuno Távora – a reintrodução de nova habitação e, eventualmente, de novos grupos sociais nos centros históricos e a utilização de uma nova e bem qualificada Arquitectura ao serviço do habitar e da cidade.
Mas atenção que para tais medidas poderem gerar massa crítica elas têm de ser regulamentarmente tornadas viáveis, reduzindo-se as exigências ligadas às situações “correntes” de significativa ausência de condicionamentos, bem distintas dos múltiplos problemas que caracterizam, por exemplo, as zonas centrais urbanas e as situações de reabilitação/reconversão habitacional, e, naturalmente, terá de haver apoios específicos e continuados para situações de introdução de habitação de interesse social nessas zonas centrais, assim como para as situações em que há que harmonizar estas acções com situações de protecção patrimonial; e só assim, com decisões e medidas específicas e, repete-se, com a certeza de que tais ferramentas terão um longo prazo de vigência, poderemos imprimir aos nossos velhos centros e subúrbios desvitalizados uma evolução física e social com claro e sustentado sinal positivo.
Estas opções terão também, sempre, a vantagem de uma influência directa e forte na actividade de múltiplas pequenas e médias empresas de construção e constituirão, provavelmente, o melhor caminho no que se refere à integração social de pequenos grupos, em pequenas intervenções residenciais, associadas à introdução dos equipamentos colectivos que se sabe estarem em falta, hoje em dia, nos nossos centros urbanos.
E além de tudo isto tais opções de se fazer “pequeno” e disseminado na cidade, aproveitando-se para se re-equipar a cidade das vizinhanças e da pequena escala, aliando-se a construção nova com a reabilitação, são opções extremamente adequadas para que se faça, em cada sítio a solução que cada sítio “pede”, para que se faça em cada sítio uma mistura bem ponderada, adequada e diversificada de tipologias/soluções habitacionais e de pequenos equipamentos, e, também e naturalmente, para que se faça em cada sítio uma Arquitectura condigna e positiva no acréscimo por ela oferecido à sua/nossa cidade – e caso tal solução não seja a melhor ou não resulte tão bem quanto o esperado a escala da intervenção não é crítica e o resultado final na respectiva envolvente até pode manter-se razoavelmente equilibrado, o que nunca acontecerá quando se fazem novos grandes conjuntos soltos da continuidade urbana.
Importa sublinhar aqui que tais caminhos estão já a ser seguidos em Portugal, designadamente, nos últimos anos em certos municípios e por certas cooperativas de habitação, mas não se tem dúvida que tais opções merecem, urgentemente, apoios acrescidos e medidas políticas adequadas, que possam transformar, com urgência, estas acções ainda “apenas exemplares” em formas de actuação a seguir “por regra”; e já agora é possível e desejável associar uma acrescida exigência de “desenho” a tais acções e não há, hoje em dia, qualquer problema de falta de arquitectos para um tal desafio.
Mas atenção que para tais medidas poderem gerar massa crítica elas têm de ser regulamentarmente tornadas viáveis, reduzindo-se as exigências ligadas às situações “correntes” de significativa ausência de condicionamentos, bem distintas dos múltiplos problemas que caracterizam, por exemplo, as zonas centrais urbanas e as situações de reabilitação/reconversão habitacional, e, naturalmente, terá de haver apoios específicos e continuados para situações de introdução de habitação de interesse social nessas zonas centrais, assim como para as situações em que há que harmonizar estas acções com situações de protecção patrimonial; e só assim, com decisões e medidas específicas e, repete-se, com a certeza de que tais ferramentas terão um longo prazo de vigência, poderemos imprimir aos nossos velhos centros e subúrbios desvitalizados uma evolução física e social com claro e sustentado sinal positivo.
Estas opções terão também, sempre, a vantagem de uma influência directa e forte na actividade de múltiplas pequenas e médias empresas de construção e constituirão, provavelmente, o melhor caminho no que se refere à integração social de pequenos grupos, em pequenas intervenções residenciais, associadas à introdução dos equipamentos colectivos que se sabe estarem em falta, hoje em dia, nos nossos centros urbanos.
E além de tudo isto tais opções de se fazer “pequeno” e disseminado na cidade, aproveitando-se para se re-equipar a cidade das vizinhanças e da pequena escala, aliando-se a construção nova com a reabilitação, são opções extremamente adequadas para que se faça, em cada sítio a solução que cada sítio “pede”, para que se faça em cada sítio uma mistura bem ponderada, adequada e diversificada de tipologias/soluções habitacionais e de pequenos equipamentos, e, também e naturalmente, para que se faça em cada sítio uma Arquitectura condigna e positiva no acréscimo por ela oferecido à sua/nossa cidade – e caso tal solução não seja a melhor ou não resulte tão bem quanto o esperado a escala da intervenção não é crítica e o resultado final na respectiva envolvente até pode manter-se razoavelmente equilibrado, o que nunca acontecerá quando se fazem novos grandes conjuntos soltos da continuidade urbana.
Importa sublinhar aqui que tais caminhos estão já a ser seguidos em Portugal, designadamente, nos últimos anos em certos municípios e por certas cooperativas de habitação, mas não se tem dúvida que tais opções merecem, urgentemente, apoios acrescidos e medidas políticas adequadas, que possam transformar, com urgência, estas acções ainda “apenas exemplares” em formas de actuação a seguir “por regra”; e já agora é possível e desejável associar uma acrescida exigência de “desenho” a tais acções e não há, hoje em dia, qualquer problema de falta de arquitectos para um tal desafio.
Fig. 02: (2008) um caso muito recente de reabilitação para melhorar as condições de quem já habitava centros históricos e para introduzir novos moradores, na Rua de São Pedro em Viana do Castelo, reabilitação promovida por Maria Cândida da Costa, com projecto e coordenação do arquitecto José Loureiro – um exemplo de uma intervenção onde se proporcionaram condições de salubridade e conforto em todas as habitações, salvaguardando-se os valores patrimoniais que caracterizam esta construção
Reforça-se assim a ideia de que em vez de se continuar a tratar isoladamente os problemas de degradação dos centros urbanos, de desvitalização e descaracterização das periferia das cidades, da oferta desqualificada de nova habitação e especialmente de habitação de interesse social e da introdução incoerente de novos equipamentos, é crucial que tais problemas sejam atacados de forma integrada, potencializando-se ainda estas acções no que se refere à revitalização urbana e na sua influência na dinamização do tecido económico – por acção das pequenas e médias empresas de construção e dos pequenos equipamentos de vizinhança.
E, naturalmente, nesta integração de acções é essencial a mediação e o enquadramento por parte do Estado, que pode e deve encontrar exemplos de actuação excelentes, de iniciativa municipal, cooperativa e empresarial, realizados nos últimos vinte anos de promoção de habitação de interesse social, mas para que tais exemplos e um tal enquadramento sejam eficazes é fundamental uma actuação efectiva, constante e próxima das instituições oficiais junto a esses promotores, realçando as boas práticas e apoiando, continuamente, a sua ponderada replicação, nunca malbaratando as boas experiências e as boas medidas e procurando, sempre, a sua disseminação e multiplicação.
Nesta perspectiva, hoje em dia, é essencial que em Portugal, para lá dos perfis de medidas habitacionais europeias – quando estas existem –, marcadas por realidades dos países do Norte da Europa, que estão/estarão noutras fases e em diferentes quadros do “problema habitacional”, se olhe para as nossas carências habitacionais e urbanas quantitativas e qualitativas e se promova, das mais diversas e adequadas formas, um amplo e diversificado acesso à habitação apoiada pelo Estado, pois há ainda muitos portugueses e outros nossos cidadãos “convidados” que devem ter direito a serem apoiados por um serviço habitacional e urbano adequado e económico, numa perspectiva de apoio social tantas vezes determinante para uma sua vida melhor e para uma melhor cidade e numa lógica em que no apoio diversificado e integrado a um maior leque sociocultural de pessoas e famílias se ganhe na diversidade e mistura social que é o verdadeiro factor de coesão e atractividade da cidade.
Por aqui ficamos em mais um artigo desta série sobre o “problema da habitação”, deixando-se para próximos textos outros comentários ligados aos aspectos específicos da qualidade residencial como factor da qualidade de vida, e, nesta qualidade, uma consideração sobre o sempre insuspeito protagonismo do bom desenho, numa lógica de função e de forma, para uma habitação que satisfaz quem a habita e que participa numa cidade melhor, uma cidade na qual a nova e a velha habitação mutuamente se apoiam e valorizam, apoiando-se o fazer novo em pequenas doses e com bom senso e o reabilitar e a reconversão com idêntico bom senso, sem fundamentalismos, mas com um sentido maximizado de se cooperar, continuamente, para uma cidade mais digna e mais culta.
Finalmente, faz-se uma brevíssima consideração sobre o que se julga poder ser uma aplicação bastante generalizável destas reflexões fora de Portugal, tanto por se ter a ideia de que aqui se equacionaram valores sociais, cívicos e culturais muitos amplos, como por se ter a ideia que os problemas aqui levantados surgem em muitos países, designadamente, quando se equaciona a velha escolha entre qualidade e quantidade habitacional, optando-se, tantas vezes, infelizmente, pela última e desenvolvendo-se situações que, por vezes, mais não fazem do que prolongar e adiar os problemas ligados à habitação e ao habitar.
Lisboa, Encarnação – Olivais Norte, 6 de Setembro de 2009
Edição de José Baptista Coelho
Label: habitação, política habitacional, habitação de interesse social, urbanismo habitacional
Reforça-se assim a ideia de que em vez de se continuar a tratar isoladamente os problemas de degradação dos centros urbanos, de desvitalização e descaracterização das periferia das cidades, da oferta desqualificada de nova habitação e especialmente de habitação de interesse social e da introdução incoerente de novos equipamentos, é crucial que tais problemas sejam atacados de forma integrada, potencializando-se ainda estas acções no que se refere à revitalização urbana e na sua influência na dinamização do tecido económico – por acção das pequenas e médias empresas de construção e dos pequenos equipamentos de vizinhança.
E, naturalmente, nesta integração de acções é essencial a mediação e o enquadramento por parte do Estado, que pode e deve encontrar exemplos de actuação excelentes, de iniciativa municipal, cooperativa e empresarial, realizados nos últimos vinte anos de promoção de habitação de interesse social, mas para que tais exemplos e um tal enquadramento sejam eficazes é fundamental uma actuação efectiva, constante e próxima das instituições oficiais junto a esses promotores, realçando as boas práticas e apoiando, continuamente, a sua ponderada replicação, nunca malbaratando as boas experiências e as boas medidas e procurando, sempre, a sua disseminação e multiplicação.
Nesta perspectiva, hoje em dia, é essencial que em Portugal, para lá dos perfis de medidas habitacionais europeias – quando estas existem –, marcadas por realidades dos países do Norte da Europa, que estão/estarão noutras fases e em diferentes quadros do “problema habitacional”, se olhe para as nossas carências habitacionais e urbanas quantitativas e qualitativas e se promova, das mais diversas e adequadas formas, um amplo e diversificado acesso à habitação apoiada pelo Estado, pois há ainda muitos portugueses e outros nossos cidadãos “convidados” que devem ter direito a serem apoiados por um serviço habitacional e urbano adequado e económico, numa perspectiva de apoio social tantas vezes determinante para uma sua vida melhor e para uma melhor cidade e numa lógica em que no apoio diversificado e integrado a um maior leque sociocultural de pessoas e famílias se ganhe na diversidade e mistura social que é o verdadeiro factor de coesão e atractividade da cidade.
Por aqui ficamos em mais um artigo desta série sobre o “problema da habitação”, deixando-se para próximos textos outros comentários ligados aos aspectos específicos da qualidade residencial como factor da qualidade de vida, e, nesta qualidade, uma consideração sobre o sempre insuspeito protagonismo do bom desenho, numa lógica de função e de forma, para uma habitação que satisfaz quem a habita e que participa numa cidade melhor, uma cidade na qual a nova e a velha habitação mutuamente se apoiam e valorizam, apoiando-se o fazer novo em pequenas doses e com bom senso e o reabilitar e a reconversão com idêntico bom senso, sem fundamentalismos, mas com um sentido maximizado de se cooperar, continuamente, para uma cidade mais digna e mais culta.
Finalmente, faz-se uma brevíssima consideração sobre o que se julga poder ser uma aplicação bastante generalizável destas reflexões fora de Portugal, tanto por se ter a ideia de que aqui se equacionaram valores sociais, cívicos e culturais muitos amplos, como por se ter a ideia que os problemas aqui levantados surgem em muitos países, designadamente, quando se equaciona a velha escolha entre qualidade e quantidade habitacional, optando-se, tantas vezes, infelizmente, pela última e desenvolvendo-se situações que, por vezes, mais não fazem do que prolongar e adiar os problemas ligados à habitação e ao habitar.
Lisboa, Encarnação – Olivais Norte, 6 de Setembro de 2009
Edição de José Baptista Coelho
Label: habitação, política habitacional, habitação de interesse social, urbanismo habitacional
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