quinta-feira, novembro 02, 2006

111 - Concentração urbana e melhoria da qualidade de vida - Artigo de José L.M. Dias - Infohabitar 111

 - Infohabitar 111

Questões relativas à concentração urbana e ao desafio da melhoria da segurança e da qualidade de vida nas zonas citadinas


Artigo de José L. M. Dias, Engenheiro
Imagens de A. B. Coelho

1 - Introdução
Uma das tendências a que se assiste nas sociedades contemporâneas é a da progressiva e intensa concentração da população em centros urbanos de pequena a grande dimensão, fenómeno que é acompanhado pelo progressivo abandono e desertificação das zonas rurais.

Essa aparente propensão de desenvolvimento em contínuo e por vezes exponencial dos agregados habitacionais na história secular dos povos, coloca questões tanto mais complexas quanto mais se multiplicam, nas últimas décadas, os casos de centros urbanos com elevada dimensão em área, forte concentração populacional, e significativo grau de desenvolvimento económico e cultural.

A forma como o tecido urbano se apresenta, designadamente, em termos das infra-estruturas básicas, disposição local e estado de conservação dos edifícios, são aspectos essenciais para a avaliação da vitalidade desse tecido e do modo como se encontra preparado para enfrentar os diversos agentes agressivos, bem como os sinais da mudança.

A avassaladora tendência de concentração urbana e a consequente desertificação rural, com a sangria das zonas campestres, e o aumento do fluxo migratório dos seus residentes para as zonas citadinas, coloca diversas interrogações, não apenas sobre aspectos terrenos relativos à viabilidade de gestão do território de forma equilibrada num cenário assimétrico como este, mas também sobre os aspectos anímicos e de vivência do conjunto habitável. Aponta-se, sobretudo, para uma distribuição demográfica equilibrada entre os centros urbanos e rurais, não olvidando que o êxodo em massa das zonas rurais para cidades prejudica umas e outras, na exacta medida em que deve existir um necessário balanço entre o dinamismo das cidades e a força telúrica do campo.



Fig. 01: “A avassaladora tendência de concentração urbana e a consequente desertificação rural ...”

Reconhece-se que, do ponto de vista económico, as cidades e outros centros urbanos periféricos podem reunir suficiente “massa crítica” para constituir por si próprios autênticos pólos de desenvolvimento local e até mesmo regional ou nacional, e para crescer em larga escala, sempre que o respectivo peso específico na economia regional ou nacional possa ser claramente determinante para a definição das escolhas e opções estratégicas da política macro-económica e financeira da zona do globo onde se inserem. Mas, considerando que o progresso económico é fundamental, mas pode não ser suficiente para assegurar o pleno bem estar dos cidadãos, é fatal, ainda, admitir que as escolhas políticas sobre a cidade poderão passar, sobretudo, pela complexa tarefa de interpretação correcta das necessidades e esperanças da população das urbes, de modo esta possa reconhecer que as acções que no terreno materializam as opções políticas são, efectivamente, no sentido do bem estar comum.

2- Questões de desempenho e sustentabilidade dos Centros Urbanos


Nas sociedades desenvolvidas ou em vias de o serem, as exigências essenciais da construção, que sempre estiveram presentes na definição dos objectivos básicos do desempenho da construção, vieram recentemente a ser complementadas com as que derivam das preocupações ecológicas no sentido de se garantir a sustentabilidade das construções, ou seja de se procurar satisfazer a legítima reivindicação das sociedades em verem mantido, sem perturbação assinalável ou mesmo melhorado, o ecossistema local e regional, durante e na sequência da execução de uma obra de construção. Tal passa forçosamente pela consciencialização dos diferentes intervenientes no acto da construção da necessidade de, especialmente, escolherem os materiais de construção com adequadas características do ponto de vista da promoção da qualidade ambiental, e de assegurarem a qualidade do ambiente interior.

Porém, importa, por outro lado, averiguar se faz ou não sentido, em certas zonas habitadas, a defesa de um ambiente mais ecológico, quando se verifica que, alguns dos níveis de habitabilidade não atingem sequer o limiar mínimo do aceitável. Surge, assim, a problemática das condições mínimas de habitabilidade que reclamam sobretudo uma atitude mais pró-activa na procura de soluções preventivas e curativas, em detrimento da opção por posições mais reactivas que decorrem, não raras vezes, apenas da necessidade de se minimizarem as situações locais de descontentamento, geradoras de polémica nos órgãos da comunicação social.

Os centros urbanos destinam-se, essencialmente, a servir quem dos mesmos faz uso, ou seja os seus habitantes e os que os visitam em curtas ou longas temporadas, quer em turismo quer em negócios ou outros. Por isso, a questão central consiste na interrogação sobre se estes centros de concentração humana têm capacidade para oferecer alojamento com segurança e conforto adequado, e se possuem a dinâmica adequada para se regenerarem quando, efectivamente, os efeitos da sua velhice e a da sua vetustez assumirem especial gravidade. Está em causa a transmissão para as gerações seguintes não só dos bens culturais como dos patrimoniais, já que ambos interagem para gerar a memória viva dos centros urbanos.




Fig. 02: “... interrogação sobre se estes centros de concentração humana têm capacidade para oferecer alojamento com segurança e conforto adequado, e se possuem a dinâmica adequada para se regenerarem ...”

O processo de construção de edifícios é cada vez mais complexo, fazendo intervir um número elevado de especialidades e valências, pelo que impende sobre esse processo uma exigência de coordenação, rigor, qualidade e empenho. Neste processo participam diversos técnicos pertencentes a diversos ramos de actividade: engenheiros, arquitectos, gestores da construção, sociólogos e psicólogos, técnicos de segurança e de construção, operários, etc. Para que seja minimamente atingido o objectivo de obtenção de uma construção segura, confortável, com boa qualidade e durável, torna-se crucial que seja introduzida uma hierarquização na cadeia de decisões; que exista um forte imperativo de responsabilidade individual e colectiva dos diferentes participantes no acto da construção. Esse binómio de hierarquia e responsabilidade é polarizador de uma coerente, participada e consciente tomada de decisões inerente a um salutar e correcto processo construtivo.

3- Questões de Segurança em geral dos Centros Urbanos


Garantir a segurança das vidas humanas e dos bens em grandes e médios centros urbanos pressupõe que se possa conhecer, antes de mais, quais os verdadeiros perigos e ameaças que sobre eles pesam: não só aqueles que espreitam de modo permanente, como sejam a acção diária do vento e da chuva, a queda de objectos, os assaltos e furtos, como aqueles que podem ocorrer de modo imprevisto e súbito: os ciclones, os sismos, os tsunamis, as inundações, os incêndios, o colapso estrutural das construções, etc. Nesse campo de preocupações, ganha sentido sobretudo a programação de medidas, quer para a prevenção dessas situações de catástrofe, quer para fazer face ao inevitável desfecho negativo dessas situações, o qual geralmente envolve todo um cortejo de desgraças que se podem abater sobre as respectivas vítimas (vítimas humanas, populações sem abrigo e com fome, danos materiais elevados, etc.). Ou seja, reclama, essencialmente, uma disponibilidade de adequados meios hospitalares de emergência e o necessário apoio psicológico e financeiro às populações afectadas; e a montante, a garantia de que, em particular, as construções são concebidas para resistir adequadamente às acções sísmicas e que são adoptadas as regras de segurança contra os incêndios.



Fig. 03: “...é a pensar, sobretudo, nas pessoas que as cidades e vilas deveriam ser desenvolvidas...”

A discussão dos problemas dos centros urbanos é muitas vezes centrada sobre as respectivas condições económicas e sobre a política de defesa do ambiente e de ordenamento do território, esquecendo um seu vector fundamental que é a sociedade que ocupa o seu espaço. As questões sociais relativas à cidade são colocadas num plano secundário, quando elas deveriam antes ser o objecto central da atenção da discussão, pois no fundo é a pensar, sobretudo, nas pessoas que as cidades e vilas deveriam ser desenvolvidas. A problemática social atravessa todos os segmentos de actividade e interessa a definição dos diferentes aspectos funcionais. Por exemplo, quando se aborda a questão da segurança de bens e pessoas, nomeadamente a segurança contra incêndios dos edifícios, não se pode olvidar que se torna indispensável a organização do espaço físico das cidades e a mobilização social no sentido de se prepararem as populações, através de procedimentos de actuação em grupo dentro de zonas demarcadas de cada edifício e no exterior deste, para, em caso de deflagração do incêndio a evacuação do mesmo, se possa ser o mais eficaz no sentido da minimização do número de vítimas; algo análogo se passa em relação à ocorrência de sismos associados ou não a “tsunamis”. Outra das matérias em conexão com as anteriores, e que se deve examinar metodicamente, diz respeito à forma como a cidade convive com a criminalidade e os fenómenos de insegurança que se geram nos que nela habitam.

As condições climáticas nas diversas zonas urbanas do globo acabam por gerar situações de carência díspares, sendo que umas são motivadas pelas chuvas intensas que geram problemas de inundações e todo um cenário de destruição e morte, enquanto outras, derivam de períodos de seca extrema que alternam com períodos de chuva moderada, os quais frequentemente provocam a privação ou o rateio de bens essenciais de consumo (água, produtos agrícolas, etc.).

O movimento de massas em grandes cidades, ou na periferia destas, decorrentes de manifestações de cariz político, social, cultural, desportivo e religioso coloca novos desafios quer no que se refere à logística dos acontecimentos, quer em relação à segurança dos respectivos participantes. A natureza singular desses acontecimentos determina a necessidade de se definirem tarefas específicas de organização, já que o estado de espírito das multidões e a possibilidade de inesperadas situações podem provocar inusitados cenários de alta perigosidade. Tal acarreta que sejam definidos planos prévios que facilmente poderão ser colocados rapidamente em prática quando tais ajuntamentos de multidão ocorrem de forma quase imprevisível.

4 – Questões de Salubridade e Conforto nos Centros Urbanos


Proporcionar o conforto dos que vivem nestes centros urbanos compatível com as suas expectativas significa assegurar que os edifícios onde habitam, e aqueles onde trabalham, estão em condições de oferecer um ambiente aprazível do ponto de vista do conforto higrotérmico e acústico e da qualidade do ar interior; e que os equipamentos e instalações (redes de águas e esgotos, eléctricas) bem como o fornecimento de água, energia eléctrica, e gás, e a evacuação dos lixos apresentam níveis aceitáveis de qualidade de serviço. Pensa-se, em especial, na qualidade da água e do abastecimento adequado desta, na energia eléctrica fornecida sem frequentes interrupções, etc.

Colocam-se muitos desafios ao tipo de desenvolvimento das cidades, sendo que a tendência mais comum nas decisões políticas visa maximizar o efeito mediático e o impacto da imagem na cidade através da realização de empreendimentos e a promoção de acontecimentos sociais, descurando necessidades vitais da cidade tais como as infra-estruturas básicas da cidade, particularmente as redes de saneamento básico e os arruamentos correctamente executados de forma a fazer face às intempéries, assim como a chuvas torrenciais e aos ventos ciclónicos.

A actividade geral de lazer necessária no interior dos centros urbanos coloca algumas questões sensíveis, já que se descobre frequentemente que os espaços físicos respectivos apresentam zonas de contacto e de vizinhança com os destinados a habitação que, por vezes, se reflectem em actividade ruidosas que interferem com o nível de conforto geral dos habitantes.




Fig. 04: “A actividade geral de lazer necessária no interior dos centros urbanos coloca algumas questões sensíveis...”

5 – Questões relativas à renovação dos Centros Urbanos


A antinomia muito corrente da construção nova versus construção antiga alimenta amiúde velhas polémicas sobre a excelência e os atributos da tradição, que uns se inclinam a considerar como positivos, enquanto outros vituperam como sendo o oposto à onda de modernidade que, cada vez mais avassaladora e irresistível, se torna capaz de submergir quase por completo a sociedade contemporânea. Trata-se no fundo do resultado da dinâmica cultural que faz emergir diversos dilemas e ímpetos de renovação que reorientam os gostos e o sentir da sociedade.

Perante a necessidade de renovação de uma determinada zona urbana é forçoso indagar sobre qual a forma de condicionamentos impostos pela natureza da área e por outras características salientes do edificado a renovar. Com efeito, a abordagem deve ser dependente da zona da cidade onde se inserem os edifícios, se antiga ou moderna, se predominantemente destinada ao sector de habitação ou de comércio, se em zona classificada ou não, se em área degradada ou bem conservada, se próximo do mar ou rio ou longe deles, se densamente povoada ou não, se com recurso a novas tecnologias ou não, etc. A propósito desta última ideia expressa, vale a pena referir que a tradição construtiva exerce uma influência significativa sobre o estado de conservação exterior dos edifícios, já que esta, iniludivelmente condicionada pelo peso da tradição, pode bloquear os avanços tecnológicos no domínio da construção. Um exemplo é o da utilização, em zonas urbanas com clima caracterizado por longos períodos durante o ano de chuva intensa, de revestimentos tradicionais de argamassa de cimento em fachadas de edifícios, que assim periodicamente reclamam a realização de obras de manutenção consistindo essencialmente na pintura dos paramentos, que como se sabe mobiliza o emprego de significativa mão de obra e elevados custos de reparação. No entanto, a aplicação tendencial de revestimentos de tecnologia mais recente, embora mais dispendiosa, especialmente estudados para exigir um número diminuto de operações de manutenção, poderia, na óptica do custo total durante o período de exploração, eventualmente constituir, para muitos casos de edifícios, uma alternativa económica ao peso dessa tradição.

Embora possa parecer despiciendo, o facto é que sem a mobilização de recursos financeiros e de vontade política, qualquer operação de renovação esbarra contra inúmeras dificuldades, muitas delas intransponíveis. Naturalmente, ao poder político, devidamente mandatado pelo sufrágio eleitoral do respectivo programa político, incumbe levar à prática as ideias estruturantes aplicáveis à urbe, as quais permitem criar indispensáveis mecanismos e sinergias capazes de articular as energias próprias da sociedade civil e as forças económicas mais interessadas nessa renovação, com os meios, o enquadramento legal e a força executiva do poder público. Mas, pode por vezes acontecer que a capacidade de decisão política consiga antecipar um destino para a cidade dificilmente compreendido por parte das massas populares que, por vezes tendem a reagir de forma conservadora em relação ao adquirido e em desconfiança em relação a uma mudança cujos efeitos não conhecem, orientando-se assim mais numa óptica de manutenção do “status quo” e de rejeição do que pode eventualmente vir ser tanto um benefício como, no pior dos casos, um prejuízo para as mesmas.

Uma das questões centrais do desenvolvimento dos processos de conservação e reabilitação gravita à volta da escolha dos protagonistas dos diferentes planos de acção, a forma como estes se articulam com as entidades que tutelam as diferentes esferas que interferem na concretização prática dessas acções, e os meios que dispõem para levar a bom termo os objectivos propostos. Acresce que, o dilema está na escolha do modelo que permita encontrar um justo equilíbrio entre a dinâmica privada e a iniciativa particular, bem como dispor de mecanismos de regulação que permitam a defesa do interesse público. A intervenção, essencialmente, reguladora dos poderes públicos deverá ser possivelmente a que se afigura mais adequada para atingir o objectivo da promoção de uma política ambiental sustentada e próxima dos anseios e expectativas dos respectivos cidadãos. O modo e o grau em que tal intervenção se concatena com os agentes particulares (proprietários, inquilinos, empreiteiros, etc.), são as incógnitas da equação complexa que governa a actividade da conservação e de reabilitação urbana.

O escolha dos diversos tipos de competência que interessa assegurar na intervenção sobre a cidade, sobretudo na sua conservação e reabilitação, passa muito pelo concurso cada vez maior de diversos domínios de actividade e de saber especializado, nomeadamente: engenharia, arquitectura e belas artes, economia, política e sociologia. Esta confluência de sensibilidades, se convenientemente dirigida em favor do bem geral, permite atingir melhor os objectivos de uma correcta e duradoura renovação urbana. Contudo, não raras vezes, algumas destas sensibilidades procuram, em detrimento das outras, sobrepor-se e ditar as ideias e as regras que polarizadas pela lógica do pensamento único pode, sem dúvida, conduzir a uma desastrosa intervenção da qual sai prejudicado o interesse geral.




Fig. 05: “... intervenção sobre a cidade, sobretudo na sua conservação e reabilitação, passa muito pelo concurso cada vez maior de diversos domínios de actividade e de saber especializado...”

Claramente, a multidisciplinaridade, que se reclama em toda a acção dirigida a centros urbanos, apela sobretudo a um esforço de concertação das variadas valências procurando ganhar sinergias da acção combinada. Na realidade, essa via é a mais espinhosa, porque o esforço de síntese das contribuições é muito mais intenso e penoso do que a mera soma das partes, já que envolve sobretudo a definição do que se julga prioritário, e a enunciação do que pode justificar o respectivo escalonamento em função de objectivos previamente escolhidos.

Hoje em dia é cada vez maior o peso das questões sociais na fundamentação dos princípios da organização do espaço físico e na instalação dos equipamentos dentro duma cidade. Discute-se, entre outros itens, a ligação de proximidade entre as zonas habitacionais e os locais de serviço, o hospital, a escola, os centros comerciais, etc.

Outro ponto que se encontra muitas vezes em discussão diz respeito ao tempo de vida das construções, ou seja à dúvida se estas devem ser duráveis ou mesmo muito duráveis, de forma a que se possa esperar no limite um grau de perenidade e carácter intemporal equivalente ao das milenares construções romanas e gregas. Ou se, pelo contrário, devem ser estas construções efémeras e suficientemente “flexíveis e amovíveis” de modo a favorecer a dinâmica das alterações periódicas da fisionomia da cidade, elegendo a lógica da cultura do tipo “fast food”, caracterizada pela noção de que aquilo se utiliza agora se deve, após o uso, rapidamente deitar fora. Trata-se de matéria que, levada para outra escala, pode conduzir a diferente controvérsia, a da conservação versus demolição.

6- Questões de filosofia de organização e de vivência nos centros urbanos


As dificuldades que atravessam a fase do planeamento e concepção de infra-estruturas e edifícios em meio urbano estão directamente entrosadas com a evolução e mutação que por hoje passam as sociedades, em que o válido no presente pode rapidamente ficar desactualizado num curto espaço de tempo. Sem dúvida que tal velocidade de alteração dos dados é o produto do desenvolvimento e progresso acelerado que experimenta a vida contemporânea, a qual coloca desafios permanentes à capacidade de integrar nos modelos de previsão as várias componentes de variabilidade dos sistemas e estruturas.

Não há pois volta a dar, pois que sem que seja dado o explícito reconhecimento à natureza mutante da sociedade, e sejam retiradas as devidas consequências práticas em termos de um planeamento mais flexível e de campo de análise aberto à incorporação na própria concepção da possibilidade de auto-evolução dos espaços físicos, os investimentos realizados podem rapidamente revelar-se inúteis pela obsolescência e perda de funcionalidade dos espaços.

A localização das diferentes funcionalidades, utilidades e necessidades numa zona urbana é matéria mais complexa do que à primeira vista parece ser. Trata-se de saber se pode ser considerado aceitável o modelo de concentração de determinadas funções em zonas localizadas, como por exemplo as relacionadas com a habitação, o pequeno comércio, as actividades de lazer, os equipamentos educativos ou hospitalares, separando-as de outras relativas aos grandes espaços comerciais, a instalações industriais, ao tratamento dos lixos, etc; ou se pelo contrário se deverá optar por um modelo de dispersão e disseminação que faça conviver diferentes tipos de vivências.

As sociedades contemporâneas mudaram substancialmente de ritmo de vida devido ao progresso técnico e científico experimentado nos dois últimos séculos que, acelerando a mudança das tradições e costumes, introduziu novas formas de convivência com os novos bens materiais e culturais. A necessidade de tão rápida assimilação e aculturação, provavelmente sem a conveniente interiorização de novas realidades, e muitas das vezes sem o tempo de pausa conveniente face a outras ainda mais instantes realidades que a uma cadência impressionante se impõem às anteriores, deixou o cidadão em permanente ansiedade e inquietação e, com maior frequência, em posição de conflito interior e com o meio que o rodeia. O acentuar da conflitualidade na sociedade, visível no trânsito de muitas das ruas das grandes urbes é o sinal característico dos efeitos perversos dessa aceleração e do “stress” nas cidades. Por isso o regresso à vivência da espiritualidade vai impondo-se como um bálsamo para a natureza “descompensada” e desequilibrada em que se que se foi moldando a sociedade contemporânea.

A questão da possibilidade de conciliação entre a dinâmica dos centros urbanos, cuja vivência é cada vez mais pautada por um ritmo rápido, competitivo, consumista e materialista, e a necessidade humana de calma, de interioridade e de pacificação é uma interrogação cuja resposta é difícil de obter. Trata-se sobretudo, da possibilidade de convocação das ideias que melhor sirvam a procura do bem-estar físico, psíquico e espiritual através da ordenação das razões que permitam orientar as vontades e esforços em ordem a esse desígnio.




Fig. 06: “A questão da possibilidade de conciliação entre a dinâmica dos centros urbanos, cuja vivência é cada vez mais pautada por um ritmo rápido, competitivo, consumista e materialista, e a necessidade humana de calma, de interioridade e de pacificação é uma interrogação cuja resposta é difícil de obter.”

A promoção nas zonas urbanas das actividades de entretenimento e lazer é essencial para o equilíbrio social e psíquico das populações que, após a semana de trabalho, necessitam de exercer, no fim-de-semana, uma certa descompressão e recuperar algum ânimo e força para voltar ao novo ciclo de trabalho da semana seguinte. Nessas actividades avultam diversos tipos de espectáculo, quer em grandes recintos abertos, quer em espaços confinados como auditórios, teatros, salas de cinema, e até pavilhões desportivos e estádios. Trata-se de uma cultura que visa o complemento cultural indispensável ao enriquecimento pessoal, ao divertimento saudável, e ao prazer da escuta dos sons musicais e da visão de imagens que exercitam a capacidade lúdica e de imaginação colectiva.

Pode parecer paradoxal e até intrigante descobrir que na cidade, embora coexistam diversas motivações individuais, variados comportamentos psicológicos, multiplicidade de ideais políticos, marcadas diferenças nas convicções religiosas, etc., permanece uma quase invisível pendor no sentido da harmonia e do funcionamento eficaz do seu todo. Aparentemente, existe uma conjugação de vontades individuais, quer de índole altruísta quer exclusivamente por interesse próprio, que acabam por resultar em benefício da comunidade. Embora se possa contar com essa pulsão positiva, é, em certa medida, também, primordial contar com a firmeza dos ideais altruístas como espírito dominante nas cidades, já que a cidade como um todo, perante a eventual vacilação de propósitos, resultante de experiência negativa dos fracassos e insucessos ou por perda da convicção própria da sua capacidade vital, resiste se permanecer constantemente polarizada em torno da procura do bem comum e na defesa do interesse público.

José L. M. Dias

A edição do Infohabitar quer deixar aqui, bem expresso, um merecido agradecimento por esta excelente primeira contribuição do engenheiro José L. M. Dias na nossa revista/blog, uma contribuição sobre um novelo de temáticas que é hoje crucial nas nossas cidades e bairros, mais ou menos periféricos, e nos nossos ambientes mais rurais ou ruralizados, se visarmos, como temos de visar, tal como defende o autor, a “possibilidade de conciliação entre a dinâmica dos centros urbanos, cuja vivência é cada vez mais pautada por um ritmo rápido, competitivo, consumista e materialista, e a necessidade humana de calma, de interioridade e de pacificação.”

Realmente a ampla temática da “concentração urbana e da melhoria da segurança e da qualidade de vida nas zonas citadinas” tem de ser considerada prioritária num mundo que é cada vez mais urbano, mas que, por isso, não pode renegar o restante território e os equilíbrios naturais e também não pode esquecer que é na cidade desejavelmente solidária e culturalmente enriquecedora que se cumpriu e poderá cumprir boa parte da maior riqueza da sociedade humana.

Fica assim uma saudação calorosa ao autor por esta sua excelente intervenção inicial na nossa revista, uma intervenção que claramente, muito promete e que, da nossa parte, será sempre muito bem-vinda.

Edição do Infohabitar, Lisboa, Encarnação-Olivais Norte, em 2 de Novembro de 2006

António Baptista Coelho

PS: as fotografias ilustrativas são da responsabilidade de ABCoelho e foram escolhidas numa perspectiva de acompanhamento, relativamente, informal do respectivo texto.

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