terça-feira, junho 11, 2019

690 - Pormenorização habitacional e qualidade arquitectónica - Infohabitar 690

Infohabitar, Ano XV, n.º 690                      

Reflexão geral sobre a relação entre a pormenorização habitacional e a qualidade arquitectónica do interior doméstico – Infohabitar 690

Artigo da Série “Habitar e Viver Melhor”
por António Baptista Coelho (texto e imagens)

Em seguida, serão brevemente abordados alguns aspectos particularizados de relação entre a qualidade arquitectónica, incluindo naturalmente a satisfação habitacional e o desenvolvimento de determinadas soluções de pormenorização dos espaços domésticos, considerando-se, com especial enfoque, as matérias ligadas à apropriação desses espaços. 


Algumas notas gerais sobre a pormenorização habitacional

A pormenorização exterior e interior tem escalas físicas próprias e características específicas, relacionadas com a distância a que os aspectos de pormenor são mais frequentemente vistos e com os períodos de tempo, mais ou menos longos, em que decorre habitualmente a sua visualização.

Destaca-se ainda que o desenvolvimento de certos elementos de grande pormenor, basicamente funcionais, como é o caso dos "rodapés", sancas a meia altura (muito úteis para a protecção das paredes em que se apliquem), lambris e sancas altas pode privilegiar diversas características tais como: formalidade, informalidade, tradicionalismo, modernidade, funcionalidade extrema, representatividade, etc.
Robert Stern, nos seus projectos habitacionais, oferece-nos um amplo conjunto de motivos e aspectos a desenvolver em termos de pormenorização, salientando-se, os seguintes (apurados em diversos documentos e livros sobre a obra desse Arquitecto):

- Elementos de "design gráfico", traçados nas fachadas através de perfis, cujos dimensionamentos devem considerar a escala própria de cada edifício.

- Contrastes de cor para salientar certos planos de parede, que podem ser usados quase como moldura geral integradora dos diversos elementos que aí existam ou que aí sejam colocados.

- Aproveitamento formal/funcional de certos equipamentos domésticos, como é o caso das bancadas e armários de cozinha, privilegiando-se diversas características tais como: formalidade, informalidade, tradicionalismo, modernidade, funcionalidade extrema, representatividade.

E o Arquitecto Charles Moore em um dos seus principais trabalhos teóricos (“The Place of Houses, com Gerald Allen e Donlyn Lyndon), faz mesmo depender boa parte do “partido” projectual do interior doméstico de um conjunto de relações entre os respectivos espaços da habitação e os “seus” elementos de equipamento e de instalações, numa opção muito interessante, em que, de certa forma, a pormenorização doméstica “sobe de escala” e se torna elemento estruturador da organização e caracterização domésticas.


Fig. 01: uma biblioteca doméstica caracterizadora.


Pormenorização bem integrada no projecto global

Naturalmente que defender uma pormenorização bem integrada no projecto global não deixa de ser um “lugar comum” ou uma situação que, desejavelmente, existe e está bem sucedida, ou, não existe ou está mal conseguida. No entanto faz-se aqui esta referência essencialmente por se considerar que a caracterização de uma dada solução interior doméstica depende, significativamente, da adequação e harmonização da respectiva pormenorização em relação com o respectivo projecto global e tudo o que se faça para defender, manter e reforçar tal harmonização é essencial numa consolidada caracterização da respectiva solução global, caracterização esta que tem e terá, cada vez mais, expressivas dimensões financeiras, associadas ao valor específico de uma solução doméstica globalmente cuidada, mantida, e valorizada, a partir de uma solução “histórica” que terá, naturalmente, de ter sido marcada pela qualidade projectual.

Estamos, felizmente e finalmente, aqui, em Portugal, a chegar a uma altura em que a defesa, adequada manutenção e mesmo recuperação cuidadosa de um conjunto de espaços domésticos pormenorizados e caracterizados por uma adequada e positiva solução arquitectónica original, começa a “pagar”, não só pela genuinidade dos espaços e ambientes de pormenor assim proporcionados, mas também pela valorização financeira desta opção.     


Pormenorização funcional que não esqueça o ambiente doméstico

Defender uma pormenorização funcional que não esqueça o ambiente doméstico, ou, por outras palavras, a construção/proposta “básica” de um conjunto de “cenários” estimulantemente marcados por variadas qualidades, entre as quais poderemos destacar, por exemplo, a expressão da escala humana, o sentido de  envolvência, o enquadramento paisagístico, a afectividade e mesmo o “calor” certos tipos de acabamentos, a  estimulante mas regrada fluidez entre os diversos tipos de espaços, etc., etc., é uma opção, ou “um partido”, que fará, sem dúvida, opor opiniões muito calorosas/marcadas.

Mas, no entanto, se nos lembrarmos de ambientes muito marcados por uma funcionalidade “rígida”, “fria” e minimalista, sendo estes ambientes de habitação – e dá vontade de dizer que isto vai bem para lá da habitação –, não parece ser excessivo criticar o aplicar deste tipo de soluções, a não ser quando a apropriação por parte de quem aí habite/more não seja expectável/desejável; e mesmo assim não tenho qualquer dúvida de qual é a minha opinião pessoal sobre tais tipos de ambientes, talvez montados mais para serem fotografados do que para serem vividos, mas esta é uma opinião pessoal.


Fig. 02: um "excesso" de apropriação ?...


Pormenorização doméstica que não esqueça a dimensão da apropriação

E aqui estamos numa temática ligada a uma pormenorização doméstica que não esqueça a dimensão da apropriação, essencialmente, no que se refere à capacidade de se poder mobilar adequada, extensa e diversificadamente os diversos espaços da habitação, mas também no que se refere à disponibilização de panos de parede amplos e bem iluminados, que sejam excelentes para se “povoarem” com variados tipos de arte (gravuras, quadros, pratos de cerâmica, pequenas esculturas) e que estejam mesmo a pedir a sua cuidada renovação através de novas cores escolhidas pelos moradores.

E não tenhamos dúvida de que há muitas habitações em que praticamente não há panos de parede adequados em quantidade e em dimensão para este tipo de intervenção e apropriação pelos moradores.

E a apropriação, baseada na pormenorização doméstica, pode ainda basear-se em outros tipos de soluções, como, por exemplo, varandas fundas e variadamente mobiláveis, espaços próprios para a instalação de vasos e de floreiras e “simples” paredes espessas, cujos peitoris e soleiras acolham os mais variados elementos de apropriação e identidade pessoal e doméstica.


Pormenorização que não esqueça a facilidade de manutenção e o apoio à durabilidade

Naturalmente que uma adequada e sustentada pormenorização doméstica não deve esquecer  a facilidade de manutenção corrente desses espaços, equipamentos e instalações, bem como o facilitar das operações que influenciam, positivamente, a sua respectiva durabilidade.

E nesta perspectiva é perfeitamente válida a proposta de soluções que podem “arriscar” a consensualidade da respectiva vista e apropriação por diversas “famílias” de moradores, em favor da expressiva facilitação de tais operações de manutenção e de intervenção ocasional, como será o caso da aplicação de canalizações visíveis e/ou de espaços “de serviço” onde passam partes significativas das instalações.

Mas também, aqui, é essencial ponderar bem as opções escolhidas em termos de manutenção corrente ao longo de um significativo período temporal, não se sacrificando, por exemplo, esse prolongamento de um estado adequado de utilização com manutenção simples, em favor de uma aparência inicial extremamente apelativa, mas que, a médio prazo, se revela problemática, designadamente, pela dificuldade de intervenção para reposição num estado adequado.


Soluções pormenorizadas formalmente neutrais 

Um aspecto importante a considerar na pormenorização do interior doméstico é que as soluções tenham uma caracterização depurada e formalmente neutral, harmonizável com um amplo leque de soluções/”partidos” de mobiliário e de decoração.

Esta é mais uma daquelas afirmações “óbvias”, mas que, frequentemente, se vê posta em causas através de opções de pormenor (ex., rodapés, pavimentos e portas interiores) que “jogam” apenas com famílias de mobiliário e mesmo até com cromatismos interiores específicos.


Cores e texturas “naturais”

Uma velha solução que, quase sempre, permite a harmonização entre a pormenorização do interior doméstico associada ao respectivo projecto de arquitectura e a intervenção dos moradores é a utilização extensa e razoavelmente expressiva de cores de texturas “naturais”, associadas a uma pormenorização formalmente racionalizada e depurada, designadamente, nos seus aspectos de menor escala, não existindo “forma a mais” e estando boa parte da forma existente bem justiçada em termos funcionais ligados ao uso directo e/ou a aspectos de facilidade de manutenção.


“Mobília” encastrada

As  soluções de mobiliário ou "imobiliário" encastrado ou embebido sempre foram muito estimadas pela Arquitectura de interiores pois estão ligadas a uma opção de desenho inicial muito completo do respectivo espaço doméstico, estando frequentemente associadas, seja ao estudo de soluções habitacionais ditas mínimas, seja a uma forte adequação entre espaços domésticos dimensionalmente controlados e um seu conteúdo de mobiliário cuja escala, bem contida, não ponha em risco uma ocupação doméstica com algum desafogo.

Acontece, no entanto, que um uso mais extenso deste tipo de mobiliário encastrado, pode fazer arriscar a capacidade de apropriação dos respectivos espaços domésticos e exige muito da respectiva capacidade de projecto de pormenor, tal como foi acima apontado e de forma a não “brigar” com a referida apropriação pelos moradores;  uma capacidade que, frequentemente, se joga em termos do respectivo potencial de “camuflagem” e/ou de profunda integração na estrutura global dos respectivos espaços arquitectónicos, , designadamente, em termos de introdução de mobiliário. 


Floreiras

As floreiras foram sempre parentes-pobres da concepção residencial, seja porque não cabiam num excessivamente depurado vocabulário modernista, seja porque ocupavam espaço precioso nas promoções privadas e de interesse social, seja porque sempre estiveram associadas a problemas de impermeabilização.

Na realidade, no entanto, as floreiras e/ou o espaço para a introdução de floreiras e vasos para plantas constituem interessantes elementos que tinham lugar cativo na arquitectura tradicional e que têm até lugar protagonista em algumas das melhores soluções domésticas modernistas.

E naturalmente, e tal como foi já aqui repetido, floreiras e espaços para vasos são elementos muito importantes do vocabulário de uma habitação e de um edifício habitacional positivamente apropriado pelos seus habitantes.

Inovação na introdução de instalações

A introdução de elementos associados a instalações domésticas, como por exemplo, pequenos lavatórios, banheiras, pequenas bancadas de apoio à preparação de bebidas e pequenas refeições e grelhadores com chaminés de evacuação de fumos, fora dos espaços domésticos onde habitualmente tais elementos são instalados, é uma opção adequada à inovação que se defende para os espaços domésticos.

No entanto uma tal opção tem de estar devidamente acautelada em termos das condições de segurança, conforto ambiental, sanidade, manutenção, durabilidade e privacidade aplicáveis.


Notas editoriais:
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Infohabitar, Ano XV, n.º 690

Reflexão geral sobre a relação entre a pormenorização habitacional e a qualidade arquitectónica do interior doméstico – Infohabitar 690


Infohabitar
Editor: António Baptista Coelho
Arquitecto/ESBAL, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo no LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil, em Lisboa



Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativa de Habitação Económica (FENACHE).

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