Infohabitar,
Ano XV, n.º 690
Reflexão geral sobre a relação entre a
pormenorização habitacional e a qualidade arquitectónica do interior doméstico –
Infohabitar 690
Artigo da Série “Habitar e Viver
Melhor”
por António Baptista Coelho (texto e imagens)
Em seguida, serão brevemente abordados alguns
aspectos particularizados de relação entre a qualidade arquitectónica, incluindo
naturalmente a satisfação habitacional e o desenvolvimento de determinadas
soluções de pormenorização dos espaços domésticos, considerando-se, com
especial enfoque, as matérias ligadas à apropriação desses espaços.
Algumas notas gerais sobre a pormenorização habitacional
A pormenorização exterior e interior tem
escalas físicas próprias e características específicas, relacionadas com a
distância a que os aspectos de pormenor são mais frequentemente vistos e com os
períodos de tempo, mais ou menos longos, em que decorre habitualmente a sua
visualização.
Destaca-se ainda que o desenvolvimento de
certos elementos de grande pormenor, basicamente funcionais, como é o caso dos
"rodapés", sancas a meia altura (muito úteis para a protecção das
paredes em que se apliquem), lambris e sancas altas pode privilegiar diversas
características tais como: formalidade, informalidade, tradicionalismo,
modernidade, funcionalidade extrema, representatividade, etc.
Robert Stern, nos seus projectos habitacionais,
oferece-nos um amplo conjunto de motivos e aspectos a desenvolver em termos de
pormenorização, salientando-se, os seguintes (apurados em diversos documentos e
livros sobre a obra desse Arquitecto):
-
Elementos de "design gráfico", traçados nas fachadas através de
perfis, cujos dimensionamentos devem considerar a escala própria de cada
edifício.
-
Contrastes de cor para salientar certos planos de parede, que podem ser usados
quase como moldura geral integradora dos diversos elementos que aí existam ou
que aí sejam colocados.
-
Aproveitamento formal/funcional de certos equipamentos domésticos, como é o
caso das bancadas e armários de cozinha, privilegiando-se diversas
características tais como: formalidade, informalidade, tradicionalismo,
modernidade, funcionalidade extrema, representatividade.
E o
Arquitecto Charles Moore em um dos seus principais trabalhos teóricos (“The Place of Houses”, com Gerald Allen e Donlyn Lyndon), faz mesmo depender
boa parte do “partido” projectual do interior doméstico de um conjunto de
relações entre os respectivos espaços da habitação e os “seus” elementos de
equipamento e de instalações, numa opção muito interessante, em que, de certa
forma, a pormenorização doméstica “sobe de escala” e se torna elemento
estruturador da organização e caracterização domésticas.
Fig. 01: uma biblioteca doméstica caracterizadora.
Pormenorização bem integrada no projecto global
Naturalmente que defender uma pormenorização
bem integrada no projecto global não deixa de ser um “lugar comum” ou uma
situação que, desejavelmente, existe e está bem sucedida, ou, não existe ou
está mal conseguida. No entanto faz-se aqui esta referência essencialmente por
se considerar que a caracterização de uma dada solução interior doméstica
depende, significativamente, da adequação e harmonização da respectiva
pormenorização em relação com o respectivo projecto global e tudo o que se faça
para defender, manter e reforçar tal harmonização é essencial numa consolidada
caracterização da respectiva solução global, caracterização esta que tem e
terá, cada vez mais, expressivas dimensões financeiras, associadas ao valor
específico de uma solução doméstica globalmente cuidada, mantida, e valorizada,
a partir de uma solução “histórica” que terá, naturalmente, de ter sido marcada
pela qualidade projectual.
Estamos, felizmente e finalmente, aqui, em
Portugal, a chegar a uma altura em que a defesa, adequada manutenção e mesmo
recuperação cuidadosa de um conjunto de espaços domésticos pormenorizados e
caracterizados por uma adequada e positiva solução arquitectónica original,
começa a “pagar”, não só pela genuinidade dos espaços e ambientes de pormenor
assim proporcionados, mas também pela valorização financeira desta opção.
Pormenorização funcional que não esqueça o ambiente doméstico
Defender uma pormenorização funcional que não
esqueça o ambiente doméstico, ou, por outras palavras, a construção/proposta
“básica” de um conjunto de “cenários” estimulantemente marcados por variadas
qualidades, entre as quais poderemos destacar, por exemplo, a expressão da
escala humana, o sentido de envolvência,
o enquadramento paisagístico, a afectividade e mesmo o “calor” certos tipos de
acabamentos, a estimulante mas regrada
fluidez entre os diversos tipos de espaços, etc., etc., é uma opção, ou “um
partido”, que fará, sem dúvida, opor opiniões muito calorosas/marcadas.
Mas, no
entanto, se nos lembrarmos de ambientes muito marcados por uma funcionalidade
“rígida”, “fria” e minimalista, sendo estes ambientes de habitação – e dá
vontade de dizer que isto vai bem para lá da habitação –, não parece ser
excessivo criticar o aplicar deste tipo de soluções, a não ser quando a
apropriação por parte de quem aí habite/more não seja expectável/desejável; e
mesmo assim não tenho qualquer dúvida de qual é a minha opinião pessoal sobre
tais tipos de ambientes, talvez montados mais para serem fotografados do que
para serem vividos, mas esta é uma opinião pessoal.
Fig. 02: um "excesso" de apropriação ?...
Pormenorização doméstica que não esqueça a dimensão da apropriação
E aqui estamos numa temática ligada a uma
pormenorização doméstica que não esqueça a dimensão da apropriação,
essencialmente, no que se refere à capacidade de se poder mobilar adequada,
extensa e diversificadamente os diversos espaços da habitação, mas também no
que se refere à disponibilização de panos de parede amplos e bem iluminados,
que sejam excelentes para se “povoarem” com variados tipos de arte (gravuras,
quadros, pratos de cerâmica, pequenas esculturas) e que estejam mesmo a pedir a
sua cuidada renovação através de novas cores escolhidas pelos moradores.
E não tenhamos dúvida de que há muitas
habitações em que praticamente não há panos de parede adequados em quantidade e
em dimensão para este tipo de intervenção e apropriação pelos moradores.
E a apropriação, baseada na pormenorização
doméstica, pode ainda basear-se em outros tipos de soluções, como, por exemplo,
varandas fundas e variadamente mobiláveis, espaços próprios para a instalação
de vasos e de floreiras e “simples” paredes espessas, cujos peitoris e soleiras
acolham os mais variados elementos de apropriação e identidade pessoal e
doméstica.
Pormenorização que não esqueça a facilidade de manutenção e o apoio à durabilidade
Naturalmente que uma adequada e sustentada
pormenorização doméstica não deve esquecer a facilidade de manutenção corrente desses
espaços, equipamentos e instalações, bem como o facilitar das operações que
influenciam, positivamente, a sua respectiva durabilidade.
E nesta perspectiva é perfeitamente válida a
proposta de soluções que podem “arriscar” a consensualidade da respectiva vista
e apropriação por diversas “famílias” de moradores, em favor da expressiva
facilitação de tais operações de manutenção e de intervenção ocasional, como
será o caso da aplicação de canalizações visíveis e/ou de espaços “de serviço”
onde passam partes significativas das instalações.
Mas também, aqui, é essencial ponderar bem as
opções escolhidas em termos de manutenção corrente ao longo de um significativo
período temporal, não se sacrificando, por exemplo, esse prolongamento de um
estado adequado de utilização com manutenção simples, em favor de uma aparência
inicial extremamente apelativa, mas que, a médio prazo, se revela problemática,
designadamente, pela dificuldade de intervenção para reposição num estado adequado.
Soluções pormenorizadas formalmente neutrais
Um aspecto importante a considerar na
pormenorização do interior doméstico é que as soluções tenham uma
caracterização depurada e formalmente neutral, harmonizável com um amplo leque
de soluções/”partidos” de mobiliário e de decoração.
Esta é mais uma daquelas afirmações “óbvias”,
mas que, frequentemente, se vê posta em causas através de opções de pormenor
(ex., rodapés, pavimentos e portas interiores) que “jogam” apenas com famílias
de mobiliário e mesmo até com cromatismos interiores específicos.
Cores e texturas “naturais”
Uma velha solução que, quase sempre, permite a
harmonização entre a pormenorização do interior doméstico associada ao
respectivo projecto de arquitectura e a intervenção dos moradores é a utilização
extensa e razoavelmente expressiva de cores de texturas “naturais”, associadas
a uma pormenorização formalmente racionalizada e depurada, designadamente, nos
seus aspectos de menor escala, não existindo “forma a mais” e estando boa parte
da forma existente bem justiçada em termos funcionais ligados ao uso directo
e/ou a aspectos de facilidade de manutenção.
“Mobília” encastrada
As soluções de mobiliário ou
"imobiliário" encastrado ou embebido sempre foram muito estimadas
pela Arquitectura de interiores pois estão ligadas a uma opção de desenho
inicial muito completo do respectivo espaço doméstico, estando frequentemente
associadas, seja ao estudo de soluções habitacionais ditas mínimas, seja a uma
forte adequação entre espaços domésticos dimensionalmente controlados e um seu
conteúdo de mobiliário cuja escala, bem contida, não ponha em risco uma
ocupação doméstica com algum desafogo.
Acontece,
no entanto, que um uso mais extenso deste tipo de mobiliário encastrado, pode
fazer arriscar a capacidade de apropriação dos respectivos espaços domésticos e
exige muito da respectiva capacidade de projecto de pormenor, tal como foi
acima apontado e de forma a não “brigar” com a referida apropriação pelos
moradores; uma capacidade que,
frequentemente, se joga em termos do respectivo potencial de “camuflagem” e/ou
de profunda integração na estrutura global dos respectivos espaços
arquitectónicos, , designadamente, em termos de introdução de mobiliário.
Floreiras
As
floreiras foram sempre parentes-pobres da concepção residencial, seja porque
não cabiam num excessivamente depurado vocabulário modernista, seja porque
ocupavam espaço precioso nas promoções privadas e de interesse social, seja
porque sempre estiveram associadas a problemas de impermeabilização.
Na
realidade, no entanto, as floreiras e/ou o espaço para a introdução de
floreiras e vasos para plantas constituem interessantes elementos que tinham
lugar cativo na arquitectura tradicional e que têm até lugar protagonista em
algumas das melhores soluções domésticas modernistas.
E
naturalmente, e tal como foi já aqui repetido, floreiras e espaços para vasos
são elementos muito importantes do vocabulário de uma habitação e de um
edifício habitacional positivamente apropriado pelos seus habitantes.
Inovação na introdução de instalações
A introdução de elementos associados a
instalações domésticas, como por exemplo, pequenos lavatórios, banheiras,
pequenas bancadas de apoio à preparação de bebidas e pequenas refeições e
grelhadores com chaminés de evacuação de fumos, fora dos espaços domésticos
onde habitualmente tais elementos são instalados, é uma opção adequada à
inovação que se defende para os espaços domésticos.
No entanto uma tal opção tem de estar
devidamente acautelada em termos das condições de segurança, conforto
ambiental, sanidade, manutenção, durabilidade e privacidade aplicáveis.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos
artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo
editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um
significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e
comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos
respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva
responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo
sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e
científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito
significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver
com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo
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respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas
e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do
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negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi
recebido na edição.
Infohabitar, Ano XV, n.º 690
Reflexão geral sobre a relação entre a
pormenorização habitacional e a qualidade arquitectónica do interior doméstico –
Infohabitar 690
Infohabitar
Editor: António Baptista Coelho
Arquitecto/ESBAL, doutor em
Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto,
Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo no LNEC – Laboratório
Nacional de Engenharia Civil, em Lisboa
Revista do GHabitar (GH) Associação
Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação
com sede na Federação Nacional de Cooperativa de Habitação Económica (FENACHE).
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