Infohabitar,
Ano XV, n.º 691
Notas suplementares sobre
a inovação no espaço doméstico – Infohabitar 691
Artigo da Série “Habitar e Viver
Melhor”
por António Baptista Coelho (texto e imagem)
Sequem-se algumas notas suplementares sobre a
relação entre a inovação no interior doméstico e as respectivas pormenorização
habitacional e qualidade arquitectónica interior
Introdução
Em seguida, serão brevemente abordados alguns
aspectos de relação entre a satisfação habitacional e o desenvolvimento de
soluções domésticas que podem ser consideradas inovadoras ou menos correntes e
que, habitualmente, estão ligadas a uma perspectiva que favorece uma
assinalável e dupla/dual condição de adaptação e de apropriação desses espaços
e ambientes domésticos.
Não se irá fazer, aqui, qualquer tipo de
“revisão da matéria dada” ao longo dos numerosos textos já divulgados e
“multilateralmente” associáveis a esta perspectiva muito interessante e dual de
melhor adaptabilidade e apropriação doméstica, mas tão somente reflectir um
pouco sobre alguns dos seus aspectos mais estimulantes e que, por isso,
estarão, sem dúvida, ligados a posteriores e futuros desenvolvimentos desta
temática.
Sobre (as) características de originalidade doméstica
Apontam-se, em seguida, e como base que fica
para esta reflexão, algumas das características, ditas, “de originalidade” no
habitar – um atributo aqui associado à inovação doméstica – estudadas e
propostas num estudo de Jacqueline
Palmade e Manuel Perianez, dirigido para um amplo leque de compartimentos
habitacionais – a indicação, destes autores, refere-se a aspectos considerados
como «duplamente» [ou reforçadamente] originais (1) ( e salienta-se que o
pequeno desenvolvimento que segue e comenta cada “título”, apresentado a “itálico”, é da exclusiva
responsabilidade do autor deste artigo, mas mantendo-se a sua ordenação
original):
-
Compartimento muito espaçoso (área superior ou igual a 25m²) – apenas quando
esse espaço "a mais" corresponder a usos considerados como "a
mais", portanto distintos daqueles funcionalmente ligados ao respectivo
compartimento.
É interessante esta noção de uma espaciosidade a
relevar, que pode estar associada, por exemplo,
à possibilidade de exercício de outras funções, associáveis ou mesmo bem
distintas das consideradas como mais ligadas ao respectivo compartimento; e
pode haver uma ligação bem aparente ou uma mais camuflada, por exemplo, através
de mobiliário com usos versáteis/flexíveis.
-
Cozinha do tipo "montra", integrada na sala.
Pode estar aqui a ser considerado o espaço de
cozinha como elemento de atractividade e de identidade específica da sala onde
se integra, para além dos respectivos conteúdos funcionais associáveis; e é
interessante considerar que este sentido de “montra”não restringe a
“linguagem”formal/funcional aplicada nesse espaço ou subespaço de cozinha.
-
Cozinha aberta sobre a sala.
Esta condição pode associar-se, designadamente, a
duas condições distintas: uma de relação franca entre os dois espaços de sala e
de cozinha, mas mantendo-se a “identidade” e espaciosidade de cada um deles; e
outra em que a zona de cozinha e designadamente a sua bancada abre francamente
sobre a sala, numa perspectiva de grande integração entre os dois espaços –
eventualmente, numa formalização de um grande espaço do tipo “sala de família”.
-
Cozinha-bancada de preparação.
Trata-se de uma “simples” redução da cozinha a uma
caracterização/presença mínima e minimizada de bancada de preparação de
refeições, elas próprias “mínimas”, provavelmente, ao serviço de um uso da
habitação em que raramente se preparam, realmente, refeições; reduzindo-se o
“serviço de cozinha”, quase apenas a operações de aquecimento de pratos
pré-cozinhados – e mesmo assim fica por “resolver” a questão da louça suja e da
sua “presença” em termos de cheiros,por exemplo.
-
Cozinha muito grande (>12m²).
A existência de uma grande cozinha, mais tradicional
ou mais moderna, é uma opção que pode marcar uma habitação, até na respectiva
estruturação de entradas e acessibilidades entre os diversos compartimentos; na
prática é uma solução que se aproxima da “sala de família”, mas marcando-se
expressivamente a presença e o protagonismo da cozinha e dos seus diversos
subespaços, incluindo, deignadamente, o de refeições, que podem ser formais e
informais e o de arrumação de alimentos.
-
Compartimento com janela dando sobre a sala.
Trata-se de uma situação que pode assumir,
designadamente, duas condições bastantes distintas: ou referindo-se a um
“simples” e relativamente reduzido espaço de alcova, ou até a mais do que um
espaço deste tipo; ou tratando-se de um “verdadeiro” compartimento com maior
dimensão e funcionalmente mais flexível (do que uma alcova), constituindo-se,
assim, uma situação do tipo compartimento em dois espaços (sendo um deles o
principal).
-
Pequena sala de estar ("saleta").
Trata-se de uma opção que foi relativamente
frequente no espaço doméstico até que a “revolução funcionalista” erradicou a
“saleta”, considerando-a, provavelmente, funcionalmente repetidora das funções
da sala de estar, o que não é verdade e empobrece, expressivamente, as funções
e actividades associáveis, globalmente, ao estar, ao lazer e à recepção
domésticas; e neste caso da “saleta” a espaciosidade nem é o aspecto mais
determinante, sendo essencial a sua boa localização e o seu potencial de
apropriação e de identidade.
(Fig. 01) Uma saleta pode "resumir-se" a um cuidadoso e bem colocado alargamento de um corredor doméstico.
-
Sala com dupla exposição - não será inovação, mas é sem dúvida condição de
qualidade bem acrescida.
Uma qualidade bem acrescida em termos não apenas
ambientais (conforto ambiental), mas de espaciosidade (ou sentido aparente de
espaciosidade), de comunicabilidade, por relação com diversos ambientes e
condições ambientais e, ainda, por melhor adequação a diversas “partições”
funcionais do espaço da sala.
-
Sala com duplo pé-direito.
Uma situação com alguma semelhança da referida,
atrás, para a sala com dupla exposição e uma condição que se liga,
frequentemente, à marcação de um sentidop doméstico e de “fogo” expressivo: o
“coração da casa”, que, simultaneamente se eleva e a unifica.
-
Sala com duplo pé-direito e galerias evidenciadas.
Trata-se de uma quase especificação da condição
anterior e que, naturalmente, exige que a habitação possua condições de
espaciosidade significativas.
-
Panos de parede envidraçados, frequentemente entre cozinha e sala.
A existência de “panos envidraçados”, por exemplo,
através de planos em tijolo de vidro, “fenestração” interior e outras situações
semelhantes nos seus resultados em termos de iluminação natural e
comunicabilidade, relaciona-se com questões de conforto ambiental interior,
designadamente, proporcionando-se a maior penetração da luz natural e, também,
com questões de representatividade doméstica e de flexibilização funcional do
interior da habitação.
-
Bipartição da planta, com duas partes do fogo quase independentes.
Esta é uma solução bem interessante, designadamente,
no que proporciona em termos de condições de intergeracionalidade na habitação,
apoiando-se a vivência em comum, opcional, de pessoas da mesma família e d
diversas gerações, mas respeitando-se e servindo-se, simultaneamente, a sua
vivência doméstica autónoma.
-
Casa (sala) de banho muito grande (>12m²) com destino multifuncional.
Esta é uma daquelas situações que foi mais anulada
pela “revolução doméstica funcionalista”, que reduziu a casa/sala de banho ao
mero exercício das funções sanitárias, designando-as, mesmo, de “instalações
sanitárias”.
-
Circulações indirectas e apertadas.
Esta interessante ideia liga-se, julgo, ao
proporcionar alternativas de circulação domésticas entre as principais zonas da
habitação, sendo umas mais directas, espaçosas e representativas e outras,
eventualmente, menos directas, mais de serviço e, quem sabe, até mais
“secretas”.
Caberá
aqui o comentário de que poderíamos ampliar esta
"colecção" de aspectos ditos inovadores, designadamente, numa sua
dupla relação seja com a fundamental matéria de uma adaptabilidade doméstica
activa, seja com os aspectos de apropriação, que, aliás, são, em seguida, abordados.
Sobre as características de apropriação inovação domésticas
Os mesmos autores, Jacqueline Palmade e Manuel Perianez, apontaram, ainda, alguns
aspectos que se consideram muito interessantes numa dupla perspectiva de
apropriação e inovação na habitação – e neste caso deixa-se ao leitor a opinião
destes autores livre de comentários suplementares, embora qualquer questão de
menor clareza nos textos que se seguem seja, apenas, da responsabilidade de
quem fez a respectiva tradução com o máximo de cuidado, mas sempre com alguma liberdade (portanto a responsabilidade
é do autor deste artigo):
- Acentuação do características estéticas e
arquitectónicas, valorizando-se espaços, volumes e características de
luminosidade mediante a definição de subespaços e de iluminações indirectas.
-
Atenuação do carácter de modernidade e austeridade, nomeadamente, através de
"forros" e revestimentos naturais, especialmente em madeira ou
têxteis, e da aplicação de tons cromáticos "quentes", animando
ambientes basicamente definidos a "preto e branco".
-
Recuperação/criação de sítios específicos, pela divisão em duas partes dos
compartimentos considerados inutilmente grandes, porque para muitos o espaço
com uso concreto é mais importante do que o espaço do olhar; o aspecto positivo
é a criação de espaços privados para cada criança, ou zonas para pernoita de
visitas, ou zonas de serviço doméstico ou para prática de passatempos e para o
trabalho não doméstico. Desenvolvem-se, assim, concreta ou imaginariamente,
como referem os citados autores, espaços de reserva, reorientando-se e
imprimindo-se a marca pessoal nos espaços da habitação.
-
Transformação das cozinhas, tendo como objectivo último aproximá-las das
características das cozinhas tradicionais, "com janelas, e onde se podem
tomar refeições".
-
Criação de espaços de arrumação, fundidos nos espaços arquitectónicos e, consequentemente,
evitando um excesso de móveis e em ressonância positiva com os ambientes e
elementos de base; esta estratégia parece também permitir uma certa
neutralidade/simplicidade das arrumações, com vantagens financeiras e no campo
da integração de diversos tipos de mobiliário.
-
Criação de uma entrada interior e exterior; estar do lado de fora da porta da
habitação sem possibilidade de abrigo e ser obrigado a penetrar no interior do
fogo com os sapatos sujos, porque não há espaço para os limpar ou mudar, são
situações muito pouco apreciadas. Por outro lado, é muito forte a vontade de
ter uma zona tampão entre exterior e interior privado, marcando a entrada e
servindo para o atendimento de pessoas estranhas ao fogo.
Lendo-se
estes aspectos alguns anos depois de os mesmos terem sido adequadamente
aproveitados num livro editado pelo LNEC, importa registar, aqui, que algumas
destas últimas matérias são, com alguma naturalidade, susceptíveis de debate; e
ainda bem! No entanto e usando, aqui, uma “costela” de projectista
habitacional, não podemos deixar de sublinhar que, em boa parte ou quase
globalmente, partilhamos e expressivamente estas ideias.
Notas:
(1) PALMADE,
Jacqueline ; PERIANEZ, Manuel – "Des HLM à la Conquete de l'Espace",
Plan Urbanisme Construction et Architecture (PUCA), Programme Conception et
Usage de l’Habitat (CUH), CSTB, Paris, 1986.
Os
mesmos autores, Jacqueline Palmade e Manuel Perianez, tê outros trabalhos sobre
este mesmo importante e interessante tema: por exemplo, « Des HLM à la
conquête de l'espace : la REX de Saint-Ouen, de Jean Nouvel et Pierre Soria »
, 1988.
Salienta-se que se procurou fazer, neste artigo, uma citação o mais possível rigorosa dos textos dos referidos autores, Jacqueline Palmade e Manuel Perianez, mas algumas deficiências no arquivo de referência podem ter prejudicado essas citações, designadamente, no que se refere à designação da fonte original; circunstância esta pela qual se apresentam, desde já, as devidas desculpas aos referidos autores e aos leitores. Caso algum leitor possa assegurar a melhoria da respectiva citação, solicita-se o e agradece-se o respectivo contacto (para abc.infohabitar@gmail.com).
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos
artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo
editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um
significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e
comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos
respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva
responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo
sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e
científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito
significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver
com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo
GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à
respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas
e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do
teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou
negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi
recebido na edição.
Infohabitar, Ano XV, n.º 691
Notas suplementares sobre
a inovação no espaço doméstico – Infohabitar 691
Editor: António Baptista Coelho
Arquitecto/ESBAL, doutor em
Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto,
Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo no LNEC –
Laboratório Nacional de Engenharia Civil, em
Lisboa
Revista do GHabitar (GH) Associação
Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação
com sede na Federação Nacional de Cooperativa de Habitação Económica (FENACHE).
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