Infohabitar, Ano XV, n.º 672
Os usos pedonais podem e devem estruturar uma cidade bem habitada - Infohabitar 672
por António Baptista Coelho (texto e imagem)
Poder viver um espaço urbano com vagar
Assim como na nossa vida pessoal a calma e a
ponderação são essenciais para podermos ir vivendo em harmonia com os outros e
de acordo com os nossos projectos de vida, bem ao contrário de um percurso
pessoal marcado pela “correria” e apenas por objectivos de curto prazo e tantas
vezes insignificantes, assim como um simples almoço pausado e bem acompanhado
nos dá alento e nos enriquece a meio da nossa jornada diária, bem ao contrário
de um lanche apressado, em pé e solitário, que apenas nos fornece a energia
física para essa jornada, esquecendo as outras energias que são, pelo menos,
igualmente importantes; a vivência de um espaço urbano com vagar e atenção
proporciona tudo mais para além da simples experiência funcional de uma
deslocação entre dois quaisquer sítios da cidade.
Globalmente, a diferença está entre experiências
simplesmente funcionais, superficiais e até quase “maquinais” e vivências
verdadeiramente humanas, calorosas, eventualmente compartilhadas e sempre
enriquecedoras em termos do que nos é dado ver, viver e experimentar no âmbito
de sensações, memórias e renovadas e estimulantes informações. E o homem não,
realmente, uma máquina, é um ser humano que, para além de se alimentar em
termos de aspectos associados à sua sobrevivência física estrita, desde há
muito – talvez desde há cerca de 1000.000 anos – se “alimenta” de convivência e
partilha, histórias e conversas, ambientes estimulantes e arte, e,
consequentemente, no espaço urbano, se “alimenta” de muito mais do que os
simples – embora tantas vezes mal previstos – aspectos funcionais.
E para que tal condição se possa cumprir, o homem
urbano – e atente-se aqui nesta expressão – precisa de poder usar e gozar os
seus espaços urbanos com vagar, devendo, naturalmente, poder também poder usar
a cidade de modo funcional, ninguém o nega, evidentemente; mas usar a cidade
deve ser possível, simultaneamente, com pressa e com vagar, “correndo”
apressado entre duas paragens de transportes públicos ou flanando lentamente
pelos passeios bordejados de montras de lojas; e mesmo na opção apressada é bem
possível e desejável que o homem urbano possa gozar de essenciais momentos de
acalmia e relativo sossego – por exemplo, em transportes públicos confortáveis
e onde até pode haver uma agradável música de ambiente (e tudo existe aqui em
Portugal, embora muito pontualmente).
Fig. 01: a possibilidade de viver a cidade com vagar está intimamente ligada aos usos pedonais
A possibilidade de viver a cidade com vagar está intimamente ligada aos usos pedonais
Esta oportunidade de se usar a cidade com vagar deve
marcar todo o espaço urbano, desde as suas vizinhanças residenciais aos seus
centros mais animados, naturalmente, através de sequências de percursos bem
estruturados e equipados e mediante soluções em cada caso adequadas e
estimulantes, seja marcadas por ambientes residenciais mais intimistas e mesmo
quase domésticos, seja por continuidades de espaços públicos bem animados,
polarizadores e representativos.
Esta possibilidade de viver a cidade com vagar está
intimamente ligada aos usos pedonais, ao homem a pé, mais ou menos apressado,
parando momentaneamente para se orientar, trocando algumas palavras casuais,
apreciando um dado enquadramento urbano, sentando-se alguns minutos para
descansar um pouco ou apreciar uma dada vista, circulando entre montras, motivado
pelo simples e excelente prazer de ir vendo as novidades e que motiva o uso dos
fundamentais espaços de transição entre interior e exterior também tão
caracterizadores do espaço urbano (pisos térreos fortemente marcados por
montras, entradas amplas de lojas, espaços côncavos e protegidos que
desmultiplicam montras, esplanadas protegidas, etc.).
E os usos pedonais, garantes desse rico e vital
potencial do uso da cidade com vagar, não podem ser considerados como um “dado
adquirido”, como algo que sempre aconteceu e acontecerá, mesmo sem condições
adequadas para tal: têm de ser devidamente apoiados, motivados e mesmo
defendidos relativamente a outros tráfegos, com natural destaque para os
motorizados “clássicos” (automóveis e motorizadas), mas considerando, também,
os novos tráfegos alternativos, referidos, aqui, essencialmente à circulação de
bicicletas e, bem recentemente, de trotinetas.
Circulação pedonal e outros tipos de circulação (novos e velhos tráfegos)
Que ninguém aqui veja uma posição contra qualquer
tipo de “novo tráfego”, inovador em termos da flexibilidade (e velocidade)
permitida nas deslocações unipessoais e naturalmente amigo do ambiente; pois
bem-vindos eles são e serão, por essas razões e pela diversidade de
alternativas de circulação assim proporcionadas, pois esta posição refere-se,
apenas, a:
- Uma
defesa da tal essencial possibilidade do uso da cidade (espaço urbano e
peri-urbano) com vagar e portanto a pé, uma possibilidade que deveria ser
expressiva e objectivamente apoiada, designadamente, por medidas concretas de melhoria das
respectivas condições de acessibilidade, agradabilidade e segurança ampla nos
percursos, continuidade dos percursos e respectivas articulações com os
transportes públicos, tratamento paisagístico global e pormenorizado dos
percursos, muito adequada e estratégica integração de equipamentos de apoio à
circulação e à estadia nos cenários diurno e nocturno e expressiva divulgação
dos recursos e dos percursos pedonais funcionais e temáticos que vão sendo
adequadamente estruturados e melhorados; medidas estas que deveriam merecer,
pelo menos, tanto cuidado, tanta importância e tanta divulgação como acontece
com as actualmente tão mediáticas vias para ciclistas.
E há que sublinhar que não é realmente um dado
adquirido que os generalizados “passeios” funcionem bem e em continuidade,
sendo que é, frequentemente, um facto que para uma boa activação de adequados e
estimulantes percursos pedonais (longos, “cadenciados”, apoiados,
paisagisticamente ricos, etc.) nem serão necessários grandes investimentos, é,
sim, necessário, uma extrema sensibilidade no levantamento das condições
existentes, estratégica intervenção “curativa” na resolução das
descontinuidades inseguras e infuncionais e uma adequada acção de divulgação
destes percursos.
- E a uma, hoje bem oportuna, defesa de uma movimentação pedonal urbana
diversificada, estimulante e livre, face aos tráfegos tradicionalmente inimigos
do peão, mas também, actualmente, face aos novos tráfegos alternativos e
ambientalmente positivos de ciclistas e utentes de trotinetas, pois não parece
fazer muito sentido que o peão (urbano e peri-urbano), que não teve, ainda,
direito a planos efectivos e continuados de melhoria das suas condições de uso
funcional e com vagar da cidade – tal como acabou de ser apontado e defendido – tenha
agora de conviver no que era o seu “santuário” protector das zonas de passeio,
com esses novos tráfegos e, designadamente, com o seu exercício pouco ou nada
regulado, que o deveria ser, julga-se, quando tais tráfegos, estando claramente
integrados nos passeios, deveriam estar submetidos a prioridade pedonal; e
assistindo-se, até, a complexas e, julga-se, discutíveis situações de passagens
pedonais subsequentes – uma de “passadeira” através vias de circulação
automóvel e logo seguida de outra a atravessar uma faixa para bicicletas.
Os usos pedonais podem e devem estruturar para uma cidade bem habitada
Aqui chegados, nesta opinião/reflexão sobre a
importância de se poder ter uma adequada e estimulante circulação pedonal
urbana, importa sublinhar que é, neste sentido, que se julga que os usos
pedonais podem e devem estruturar uma cidade bem habitada, desde as suas
vizinhanças mais residenciais aos seus pólos mais animados, e que não faz
qualquer sentido continuarmos a quase esquecer esta importância, até porque,
muito provavelmente, haverá sempre ganhos numa adequada e continuada integração
de tráfegos (“clássicos” e “novos”).
E termina-se esta reflexão, que poderá ter
continuidade em outros artigos sobre esta temática, com a ideia de que a as actividades associadas à movimentação e à
permanência pedonal, nas suas vertentes mais funcionais e fluidas ou mais de
lazer e marcadas pelo vagar e pelo deambular, podem e devem caracterizar muito positivamente uma
expressiva continuidade urbana, ao serviço dos seus habitantes e visitantes,
desempenhando, ainda, uma função quase de acalmia e de bálsamo na vivência
diária e eventual desses espaços; proporcionando opções expressivamente
funcionais e de circulação, mas também outras expressivamente de lazer e de
permanência, retirando-se, assim, uma forte mais-valia dos nossos espaços
urbanos.
Falta, no entanto, fazer aqui uma referência
destacada e oportuna à necessidade e oportunidade, já concretizada em outros
países da Europa, de se avançar, nestas matérias, de forma integrada, também
através de um novo “Código da Rua”, que venha, finalmente, acompanhar o velho
“Código da Estrada”.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos
artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo
editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um
significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e
comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos
respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva
responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo
sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e
científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito
significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver
com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo
GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à
respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas
e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do
teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou
negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi
recebido na edição.
Infohabitar, Ano XV, n.º 672
- Infohabitar 672
Infohabitar
Editor: António Baptista Coelho
abc.infohabitar@gmail.com
Revista do GHabitar (GH) Associação
Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar,– Associação
com sede na Federação Nacional de Cooperativa de Habitação Económica (FENACHE).
Apoio à Edição: José Baptista Coelho -
Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.
1 comentário :
Lovely blog. Thanks for sharing with us.
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